Continente #181 - (Mulheres negras em Hollywood)

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EUA Como se elas não pisassem o mesmo chão

Discurso da atriz Viola Davis, de que o que separa as “mulheres de cor” de outras é oportunidade, exibe relação excludente de Hollywood com negras TEXTO Márcio Bastos

1 HATTIE MCDANIEL Como escrava em ...E o vento levou, ela ganhou Oscar de atriz coadjuvante

Em 29 de fevereiro de 1940,

os maiores astros de Hollywood estavam reunidos no Coconut Groove, clube noturno do igualmente badalado Hotel Ambassador, em Los Angeles. Bette Davis, Vivien Leigh, James Stewart e Clark Gable conversavam animadamente enquanto bebericavam e fumavam, talvez um tanto alheios ao que se passava fora daquelas paredes. Afinal, ainda estamos um ano antes da entrada dos Estados Unidos na Segunda Guerra, e Hollywood acabara de celebrar um dos melhores momentos de sua história, com o sucesso arrasador de películas como …E o vento levou. No fundo do salão, sentada com seu empresário e um acompanhante, uma mulher negra, elegante em seu vestido longo, flor no cabelo, um tanto acima do peso padrão perpetuado nas telonas, deve ter observado aquela cena, seus amigos, colegas de profissão, com um misto de emoções. Hattie McDaniel, aclamada nacionalmente por seu papel como a escrava Mammy, em …E o vento levou, caminhou rumo ao palco com um sorriso no rosto, ao ser anunciada como vencedora do prêmio de melhor atriz coadjuvante na 12ª edição do Oscar. Muito aplaudida,

VIOLA DAVIS 2 Em setembro do ano passado, foi a primeira negra a ganhar o Emmy de melhor atriz

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fez um discurso emocionado. “Espero sinceramente que eu sempre seja um mérito para a minha raça e para a indústria cinematográfica.” Com o coração cheio, como ela mesma disse, segurou as lágrimas até o último instante, até que não pôde mais contê-las e saiu do palco, de volta à sua solitária mesa.

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Primeira pessoa negra a ganhar um Oscar, Hattie McDaniel quase não conseguiu receber seu prêmio, já que o hotel onde a cerimônia ocorreu não permitia a entrada de negros, atitude legalizada pelo sistema segregacionista no país. Com muito esforço de seus amigos na indústria, os donos do local autorizaram a


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participação da atriz, sob a condição de que ela ficasse em uma área à parte dos colegas de profissão. Se o racismo encontrava nos tribunais legitimidade, no cinema, ele era institucionalizado, relegando aos afrodescendentes papéis estereotipados, quase sempre de serviçais, o que só reforçava a ideologia excludente que ainda dividia os Estados Unidos décadas após o fim da escravidão. Tome-se por exemplo Hattie: dos 94 papéis pelos quais foi creditada, 74 eram de empregadas domésticas ou escravas. Questionada por grupos ativistas do movimento negro sobre a razão pela qual continuava a aceitar esse tipo de personagem, ela disse: “Prefiro ganhar US$ 700 por semana interpretando uma empregada do que ganhar US$ 7 sendo uma”. O Oscar, como prêmio máximo da indústria cinematográfica, refletia essa realidade e manteve um relacionamento problemático com a comunidade negra, ignorando-a por décadas e falhando em reconhecer o talento de seus artistas.

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3 WHOOPI GOLDBERG Em Ghost, em 1990, atriz encontra enorme sucesso 4 HALLE BERRY Atriz é aprimeira negra a receber Oscar de melhor atriz por A última ceia, em 2002 FOXY BROWN 5 Filme de ação consagra atuação de Pam Grier

“Pode-se dizer que existe um racismo institucionalizado (em Hollywood) que faz com que os atores negros ocupem principalmente papéis secundários, quando não estereotipados. Nesse contexto, as mulheres negras acabam sendo representadas em menor número e, principalmente, com menos destaque”, afirma o doutor em Comunicação Deivison Cézar Campos. O tema da exclusão dos afrodescendentes em papéis de destaque nas grandes produções voltou às manchetes quando Viola Davis venceu o Emmy de melhor atriz em série dramática, em setembro de 2015, tornando-se a primeira negra a ganhar na categoria, em quase 50 anos da premiação. “A única coisa que separa mulheres de cor de qualquer outra pessoa é oportunidade. Você não pode ganhar um Emmy por um papel que simplesmente não está lá”, afirmou. “A repercussão da obviedade dita por Viola Davis deveu-se mais ao desconforto causado por

Pesquisa aponta que, dos 100 filmes mais vistos em 2014, 73,1% dos papéis eram interpretados por artistas brancos desnaturalizar essa invisibilidade do que por se tratar de uma novidade”, complementa Deivison. Os dados estão aí e só não vê quem não quer: de acordo com uma pesquisa da Escola de Comunicação e Jornalismo USC Annenberg (EUA), dos 700 filmes que mais lucraram entre 2007 e 2014, apenas 30,2% dos personagens com fala eram mulheres. E dos 100 filmes mais vistos em 2014, 73,1% dos papéis eram interpretados por artistas brancos.

BLACKSPLOITATION

Da histórica vitória de Hattie McDaniel até a de Whoopi Goldberg, em 1990, por Ghost, única não branca

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no trio de protagonistas do filme, também como atriz coadjuvante, houve um hiato de 50 anos sem que uma negra levasse para casa a estatueta dourada. Posteriormente, seria preciso mais de uma década até que o prêmio fosse novamente para as mãos de uma mulher negra. Desta vez, em 2002, Halle Berry entrou para os livros de história como a primeira atriz negra a ganhar o Oscar de Melhor Atriz por sua atuação em A última ceia. Naquele ano, outro fato inédito: além de Berry, Denzel Washington foi eleito melhor ator, fazendo com que, pela primeira vez, dois afro-americanos tivessem seus trabalhos reconhecidos nas categorias principais da premiação. Como se pode observar, o caminho para o estrelato, no caso dos artistas negros – e ainda mais especificamente no caso das mulheres afrodescendentes –, é tortuoso. Exceções conseguiam “furar” a barreira que Hollywood impunha. Alguns papéis mais diversificados, a maioria de coadjuvantes, começavam a surgir,


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6 EMPIRE Série de TV é protagonizada por atores negros

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assim como poucas oportunidades de estrelato. O musical Carmen Jones (1954), estrelado por um elenco composto apenas por negros, protagonizado por Dorothy Dandridge, foi um sucesso e rendeu à protagonista a primeira indicação de uma negra à categoria de melhor atriz. Ao longo das décadas de 1960 e 1970, principalmente com as conquistas do movimento pelos direitos civis dos negros, que acabou com a legalidade do sistema segregacionista nos EUA, a representação dos negros nos filmes e na televisão começa a se diversificar, ainda que muito timidamente, principalmente devido ao fortalecimento de nichos de

O Blacksploitation é um movimento que, surgido na década de 1970, oferece protagonismo às atrizes negras mercado. Dentro desse contexto, surge o Blacksploitation, movimento que, entre outras mudanças, deu protagonismo às mulheres negras em filmes de diferentes conteúdos, inclusive os de ação, como é o caso de Foxy Brown, que imortalizou Pam Grier. “É o primeiro movimento organizado de combate ao racismo

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no campo do entretenimento audiovisual. Ele tem essa relevância histórica inquestionável de ter aberto um caminho e gerado alguns ícones importantes”, pontua o professor de Cinema da UFPE Rodrigo Carreiro. “Do ponto de vista político, ofereceu elementos de identificação e produziu um imaginário afrorreferenciado que apoiou o processo de ressignificação de ser negro nos Estados Unidos”, complementa Deivison. Em 1972, pela primeira vez, duas afrodescendentes foram indicadas ao Oscar de melhor atriz: Diana Ross, por Lady sings the blues, e Cicely Tyson, por Sounder. Ao longo da década de 1980 e 1990, intérpretes como Diahann Carrol, Oprah Winfrey, Margareth Avery e Angela Bassett também receberam indicações por papéis que já ensaiavam (e em alguns casos conseguiam) fugir dos estereótipos. Na categoria de melhor atriz, no entanto, de 1993 a 2001, quando Halle Berry levou a estatueta, nenhuma negra chegou sequer a ser indicada. A representação das mulheres de cor continuava mínima nos filmes, com algumas exceções dignas de nota, a começar pela própria Berry. Entre as coadjuvantes, o quadro é um pouco mais animador. De 2002 a 2013, nove atrizes receberam indicações, com quatro vitórias: Jennifer Hudson (2006), Mo’Nique (2009), Octavia Spencer (2001) e Lupita Nyong’o (2013). Nas últimas duas edições da premiação, no entanto, nenhuma negra foi indicada nas categorias de atuação.


INDICAÇÕES Mais do que um sinal da falta de prestígio da Academia com os artistas afrodescendentes, essas estatísticas mostram que, apesar dos avanços, ainda são limitados os papéis para os negros em Hollywood. “O Oscar é uma premiação ligada à indústria cinematográfica. Filmes de maior investimento e bilheterias muitas vezes tensionam os prêmios mais nobres, como o dos atores e atrizes. É possível dizer, então, que o preconceito começa nas produções”, aponta Deivison. “Os personagens principais dificilmente são negros. Quando isso acontece, os atores e atrizes se repetem. Numa análise mais atenta, sempre aparecem personagens negros, mas os papéis são periféricos à narrativa principal”, completa.

TV VANGUARDA

A televisão, com séries de sucesso estreladas por negros, como Um maluco no pedaço, Eu, a patroa e as crianças e Todo mundo odeia o Chris, teve papel importante em subverter estereótipos (ainda que às vezes pelo uso dos mesmos) e abrir espaço para os intérpretes negros. Mais recentemente, uma nova leva parece provocar uma mudança na forma como, principalmente, as personagens femininas negras são representadas, indicando um possível avanço positivo. O papel que deu a vitória a Viola Davis no Emmy, Annalise Keating, de How to get away with murder, e a série Scandal, estrelada por Kerry Washington, por exemplo, são exemplos de programas com

protagonistas fortes, bemsucedidas e moralmente complexas. Ambos foram escritos por Shonda Rhimes, considerada uma das responsáveis por esse momento de maior protagonismo na TV estadunidense. Outras produções que se destacam pela forma diversa como apresentam as mulheres negras são Orange is the new black, escrita por Jenji Kohan, que também discute outras questões, como gênero, sexualidade e classe; e Empire, atualmente a série mais popular dos EUA, com média de 22 milhões de espectadores, e estrelada majoritariamente por negros. “A TV, nos EUA, talvez por ser uma mídia mais dinâmica e sensível a mudanças sociais, ou por envolver uma quantidade muito maior de projetos e pessoas, permite que a época de gradual tomada de consciência sobre o racismo que vivemos hoje gere consequências objetivas mais rapidamente”, acredita Carreiro. “A produção televisiva, lá, tende a ser mais multifacetada e interessante do que a produção cinematográfica.” Apesar de não ser possível apontar com veemência uma transformação profunda do racismo nos filmes e séries, é animador perceber um movimento de inquietação e questionamento dessas barreiras impostas, com grupos de atores, roteiristas, produtores e escritores pressionando por novos caminhos. Para que haja mais e mais Hatties, Violas, Shondas, Halles, Lupitas e Whoopis. Para que elas não sejam exceções.

DRAMA DRAMA

TÁXI TEERÃ

Dirigido por Jafar Panahi Com Jafar Panahi Imovision

Proibido de realizar filmes pelo governo pela postura crítica das suas obras, o iraniano Jafar Panahi achou um jeito peculiar de driblar a proibição: fingir ser um motorista de táxi. O filme Táxi Teerã, que pretende ser um documentário, é um convite à realidade iraniana encenada por não atores que contracenam com o próprio diretor dentro de um táxi pela capital do Irã, mostrando as dificuldades do país.

DRAMA

VICTORIA

Dirigido por Sebastian Schipper Com Laia Costa, Frederick Lau, Franz Rogowski Imovision

Victoria acabou de se mudar para Berlim e, em uma de suas saídas noturnas para uma boate, conhece Sonne, um jovem com quem flerta. Ele a convida para passar o resto da noite juntos. Ela se apaixona e o segue pela cidade, mas a aventura amorosa se desmancha quando Sonne e alguns amigos precisam pagar uma dívida de origem obscura. Os 134 minutos do filme se passam em um único planosequência emocionante.

FICÇÃO CIENTÍFICA

WEEKEND

O COSMONAUTA

Russell e Glen se conhecem e, depois de transarem casualmente, decidem passar um final de semana juntos, tempo suficiente para que se apaixonem e sofram, porque Glen viajará por um longo período. O filme retrata de forma espontânea como a sexualidade e o amor operam entre as pessoas. Fazer isso com um casal gay reforça que as relações amorosas apresentam seus clichês, independentemente da sexualidade.

Feito com financiamento coletivo, o filme conta como Stas, um astronauta russo, vai até o espaço e, quando retorna à Terra, encontra o planeta deserto e destruído. Sobreviventes, Yulia e Andrei ouvem mensagens de Stas sem saber onde ele se encontra, se em outro planeta ou em outra realidade. Além de filme, O cosmonauta é um projeto transmídia composto de 34 web episódios, uma página no Facebook, entre outros, criando todo um universo a partir da trama.

Dirigido por Andrew Haigh Com Tom Cullen, Chris New, Jonathan Race Festival Filmes

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Dirigido por Nicolás Acalá Com Leon Ockenden, Katrine De Candole, Max Wrottesley Riot Cinema Collective


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