BLACK STILETTOS (FLICKR)
Sonoras
ROCK As mulheres e a música pesada
Presença feminina no heavy metal tem sido marcada, desde o surgimento do gênero na década de 1960, pela exceção TEXTO Ulysses Gadêlha 1
O filme Ricki and The Flash, que estreou no Brasil em setembro de 2015, tem como protagonista a cantora de rock Ricki Rendazzo (Meryl Streep). Essa personagem sintomática, que trocou os filhos pelo palco, que viveu o sonho da música, é bastante comum em sua versão masculina, vide tantos rockstars que gozam da cultura de sexo, drogas e rock’n’roll. A excentricidade de Ricki, no entanto, revela um contexto conservador na música pesada, na qual a hegemonia masculina reserva às mulheres basicamente a objetificação ou a desconfiança. Para transgredir os estereótipos e os valores primitivos do metal, as próprias headbangers projetam a transição para uma cena mais democrática, ampliando essa representação. Por convenção, o heavy metal surgiu no final dos anos 1960 e se popularizou nos anos 1970, criando ramificações nas décadas seguintes. Segundo o
professor de Comunicação da UFPE Jeder Janotti Junior, autor do livro Rock me like the devil, a sonoridade do heavy metal é essencialmente um conjunto amplificado que reúne a distorção da guitarra, o pulso da bateria e do contrabaixo, com os vocais em sintonia vibrante com os instrumentos. Citando o pesquisador Robert Walser, ele descreve que “é somente em um momento histórico particular que a distorção passou a ser percebida em termos de poder em vez de falha, transgressão intencional em vez de sobrecarga acidental – como música em vez de barulho”. “Pensar as ‘identidades culturais vividas’ nas cenas como ‘estilos de vida’ é perceber as íntimas relações que envolvem práticas de consumo, fruições estéticas e identificações sociais em torno do que é nominado de diferentes modos como ‘cenas musicais’. (…) Seja para falar do peso, da distorção ou da
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intensidade sonora, há a afirmação do masculino como corpo hegemônico no metal”, aponta Janotti. Ele julga que a performance do corpo masculino não se constrói sem a emergência, mesmo que conflituosa, do feminino. O maior sintoma dessa incongruência na cena é a baixa representação das mulheres, em termos quantitativos. Existe a exploração do apelo sensual e do “exotismo” pela baixa incidência desse gênero nas bandas, mas a comparação de performance e estilo entre os sexos é o que mais segrega os artistas. Além disso, o ponto de vista feminino está ausente no discurso do heavy metal, pelas circunstâncias que se desenharam ao longo do tempo.
HISTÓRIA
Em um breve histórico, temos os grupos The Runaways (1975-1979) e Girlschool (1978) como referências iniciais de banda feminina na música pesada,
REPRODUÇÃO
quase 10 anos após o surgimento do estilo. Nesse meio, surge o primeiro grande nome do heavy metal, a vocalista e guitarrista Lita Ford. Nos anos 1980, ela lançou três discos e recebeu uma nomeação ao Grammy na categoria de Melhor Performance Feminina de Rock”. Na mesma época, outras figuras apareceriam, como as vocalistas Doro Pesch e Lee Aaron, e a banda Vixen, integralmente feminina. Elas seriam marcadas pelo apelo sensual, e se vestiriam para agradar ao público masculino. A vocalista Sabina Classen, do Holy Moses, também irrompe naquela década, mas ela se comporta como exceção desse grupo inicial, pois é uma das primeiras a cantar gutural. Aos poucos, percebemos que grande parte da história da mulher no metal é feita de exceções, como aponta o jornalista e vocalista de banda de heavy metal Wilfred Gadêlha, autor do livro PEsado – Origem e consolidação do metal em Pernambuco. A década de 1990 traz o grunge e o movimento das Riott Grrrls – com fanzines undergrounds –, responsáveis por introduzir algo de feminismo na música pesada. O death e o black metal abrem espaço para backing vocals femininos, ampliando esse horizonte para vertentes mais agressivas. De acordo com o blog Moda de Subculturas, no artigo As mulheres no heavy metal, a vocalista extrema Karyn Crisis vivenciaria, em 1996, episódios vexatórios para sua carreira. O baixista de sua nova banda pediu demissão, ao saber que uma mulher seria parte do grupo. Além disso, casas de show evitavam receber bandas com mulheres na formação. O público hostil, por sua vez, virava as costas para elas, por acreditar que uma garota não deveria cantar gutural. Porém, nesse mesmo período, surge a cena symphonic e gothic metal – as bandas Nightwish, Epica, Within Temptation, Tristania, Lacuna Coil, por exemplo –, cujo vocal semioperístico próprio desse subgênero é bem-desempenhado por cantoras. “Em algumas bandas, as mulheres não tinham o mínimo poder de liderança e participação na composição”, critica o Moda de Subculturas. Na cola desse movimento, surge a banda de rock norte-americana Evanescence, na qual a vocalista Amy Lee passa a atuar como frontwoman, popularizando essa postura para as massas. “Ao
1 FRONTWOMAN A voz extrema de Angela Gossow virou referência em 2000, ao assumir a frente da banda Arch Enemy PIONEIRA 2 A cantora e guitarrista Lita Ford foi o primeiro grande nome feminino do heavy metal, nos anos 1980
“No peso, na distorção ou intensidade sonora, há a afirmação do masculino como corpo hegemônico no metal” Jeder Janotti Junior contrário das vocalistas europeias, ela usava sua voz natural, era coautora de todas as letras e músicas do álbum, líder da banda e seu apelo sensual era muito discreto, nem agressivo, nem sexy demais”, descrevem as blogueiras. Na década de 2000, aparece a maior referência feminina no heavy metal: a vocalista extrema Angela Gossow, assumindo como frontwoman da banda de death metal sinfônico Arch Enemy. O vocal gutural em si não traz inovações estéticas, mas a surpresa se deve ao fato de que ela substituiu Johan Liiva, um
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homem, um vocalista estabelecido na cena desde 1989. “O mais interessante é que ela se firmou sob a chancela de Michael Amott, um cara respeitadíssimo no metal, que já tocou no Carcass, no Mercyful Fate, Candlemass; um cara que tem uma história no metal e disse: ‘A vocalista da minha banda vai ser uma mulher’”, descreve Wilfred Gadêlha. “Uma musicista não precisa mais se preocupar com a marca do biquíni, porque ela sabe como empunhar um microfone ou uma guitarra”, aponta Angela Gossow, em entrevista reproduzida no site Whiplash. A vocalista é crítica ferrenha dos entusiastas do apelo sensual em detrimento da expressão musical, tal como a publicação Hottest Chicks, da revista Revolver. “Eu não uso roupas femininas para chamar a atenção, eu uso porque é meu estilo”, define. Outros nomes de destaque aparecem no boom, como a guitarrista australiana
PAUL SENNA/DIVULGAÇÃO
CENA LOCAL Ano zero para elas foi 2011
Sonoras 3
3 SUÉCIA A banda Crucified Barbara se destaca por sua música e performance
Orianthi, que já tocou com a banda de Alice Cooper. Ela despontou na mídia depois de tocar com Michael Jackson, mas o seu talento atraiu a atenção de guitarristas consagrados, como Steve Vai e Carlos Santana. A banda sueca Crucified Barbara, cuja música Rock me like the devil dá nome ao livro de Jeder Janotti Junior, é destaque na cena do seu país e traz uma subversão curiosa em sua atitude. Segundo o pesquisador, a música delas trata de mulheres que simplesmente assumem o lugar do masculino e, atuando como mediadoras, “transformam, traduzem, distorcem e modificam o significado ou os elementos que supostamente veiculam”. Em constante negociação entre masculino/feminino, as Crucified Barbara “circulam no universo do rock pesado, incluindo as contradições e sexismo desse universo, mas, ao mesmo tempo, são mulheres e musicistas”.
BRASIL
No Brasil, a primeira banda com mulheres foi a Volkana, de heavy e thrash metal, surgida em 1987, em Brasília. Na década de 1990, elas fizeram um show no Recife junto com o grupo Ratos de Porão (hardcore). “O show foi em 1991, no Sport. No final, lembro que elas desceram para falar com o público, mas uma parte
“Uma musicista não precisa mais se ligar na marca do biquíni, porque sabe empunhar uma guitarra” Angela Gossow as assediou, forçando as meninas a voltarem pro camarim”, rememora Wilfred Gadêlha. A Volkana segue firme até hoje, agora com um homem na formação. Vale destacar também que o Torture Squad, primeira banda brasileira a vencer a “Metal Battle” do festival Wacken Open Air, na Alemanha, hoje conta com uma frontwoman, Mayara “Undead” Puertas. A popularização feminina ocorrida na década de 2000 ainda não desfez o paradigma de exceção que a mulher enfrenta no metal, segundo Wilfred Gadêlha. “Está aumentando essa participação e isso se reflete principalmente no público. O metal é um meio muito machista, racista, conservador, no final das contas. Isso é reflexo do início do estilo, em que você tinha aquela música mais agressiva feita para homens brancos, adolescentes, operários. Talvez ela reflita o que há de mais conservador na sociedade, mas vejo isso como uma época de transição. O crescimento das mulheres no metal vai ajudar a deixar a cena menos conservadora”, acredita o jornalista.
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Em Pernambuco, o marco do heavy metal está na criação da banda Herdeiros de Lúcifer, em 1983. Mas a presença feminina no subgênero do rock só aconteceria em 2011, com a banda Vocífera, de death metal, formada por cinco mulheres – Ray Torres (vocal), Erika Mota (guitarra), Lidiane Pereira (guitarra), Eveline Torres (baixo) e Marcella Tiné (bateria) –, que ilustra bem o cerne dessa questão. "Nós, da Vocífera, não somos uma 'banda feminina de death metal', somos uma 'banda de death metal' e ponto. Isso deveria ser o mais importante", diz a baterista à Continente. "Acho que não foi por conservadorismo não terem existido bandas só de mulher até 2011, até porque as mulheres sempre estiveram no metal", observa Marcella, em postura semelhante à da Crucified Barbara, evitando abordar a distinção de gênero no discurso da banda. A questão do preconceito, no entanto, persiste. "Já ouvi coisas como 'você toca que nem um homem', como se isso fosse um elogio. Pra mim, não é. Eu toco como uma baterista de death metal e isso independe de gênero", corrige Marcella. Essa percepção atesta o fato de que a discriminação, o tal machismo, acontece de maneira velada. Nunca por xingamento ou falta de respeito diretamente, como ocorreu a Karyn Crisis, por exemplo. São comentários sutis ou perguntas insensatas que revelam a distinção de gênero na cena. Outra banda local que se enquadra nessa discussão é a Seeds of Destiny, de gothic/doom metal, cuja formação reúne três mulheres – Amanda Lins (vocal), Luciana Lima (guitarra) e Thais Lopes (teclado) – e quatro homens. "Sabemos que há algumas diferenças fisiológicas, neurológicas, comportamentais entre homens e mulheres, mas desenvolver esse tipo
INDICAÇÕES THIAGO LEANDRO/DIVULGAÇÃO
MPB
ANA CLÁUDIA LOMELINO Mãeana Joia Moderna
ROCK ALTERNATIVO
CAGE THE ELEPHANT Tell me I’m pretty Sony Music
“Meu canto tem muito a ver com quem canta em casa. É o canto da mãe que embala seu filho pra dormir ou a mãe lavando louça”, explica Ana Cláudia Lomelino. O álbum nasceu de uma brincadeira pelas ruas de Salvador, fazendo referência às mães de santo, mas ganhou força com a feminilidade de sua autora. O projeto se insere, segundo Ava Rocha, num momento de produções feministas no Brasil. Caetano Veloso, que colaborou com o trabalho de Lomelino, rasga elogios à maneira performática da cantora.
A banda chegou a ser comparada ao som do Iggy Pop e The Stooges, com aquele punk embrionário dos anos 1960. O primeiro disco trazia uma sonoridade alternativa com rock de garagem, fator que agregava mais peso. Agora, no quarto disco, Tell me I’m pretty, produzido por Dan Auerbach, a banda optou por reformular a identidade para o psicodelismo, adicionando baladas como Trouble, trazendo o som dos violões em How are You true. Auerbach guiou boa parte do processo, com a chancela do vocalista Matt Shultz.
THRASH METAL
R&B
Universal Music
Def Jam Recordings
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de capacidade (musical/ artística) independe de gênero. A diferença que vejo entre mulheres e homens fazendo metal é a mesma diferença que vejo entre mulheres e homens pintando um quadro, apresentando um jornal na televisão", observa Amanda Lins. Para a guitarrista Luana Rodrigues, ex-Infectos (brutal death metal), mulheres instrumentistas causam grande espanto dentro do heavy metal. "É um gênero agressivo, no qual se necessita ter habilidade ao tocar qualquer instrumento, e a visão da nossa sociedade machista é de que mulher e agressividade não combinam. Já ouvi comentários como 'ela não dá para tocar metal extremo, porque parece uma bonequinha'. Mas eu sou mulher e toco guitarra em uma banda de brutal death metal", destaca. Na visão da vocalista Márcia Raquel Siqueira, ex-Obscurity Tears (doom
4 PIONEIRAS Vocífera foi a primeira banda formada somente por mulheres em Pernambuco
metal), as mulheres devem colocar intensidade em sua feminilidade, em vez de buscar se equiparar aos homens. "O ideal é a gente chegar num momento em que não precise dizer 'é uma banda de mulher' ou 'tem uma mulher na formação'. Se você fechar os olhos e ouvir o Vocífera tocando, por exemplo, não vai diferenciar se é mulher ou homem", aponta Wilfred Gadêlha, jornalista, autor do livro PEsado – Origem e consolidação do metal em Pernambuco. "Não somos melhores, ou piores, que os homens, mas precisamos de mais mulheres nos palcos, para que seja algo tão natural, que não haja mais entrevistas baseadas em gênero. Afinal, ninguém pergunta a um homem como é ser homem no metal", dá o recado a guitarrista Luciana Lima.
MEGADETH Dystopia Depois de um disco reprovado por público e crítica, Super collider, a banda Megadeth lança o 15º álbum, Dystopia, como sinal de redenção. O projeto parece agradar aos fãs pela volta às raízes do seu álbum mais aclamado, Rust in peace. Na nova formação, o Megadeth conta com o guitarrista brasileiro Kiko Loureiro (Angra) e o baterista Chris Adler (Lamb of God), músicos que trouxeram mais agressividade e virtuosismo ao disco. Faixas como Fatal illusion remetem à identidade da banda, firmada em seus riffs poderosos, no baixo e na guitarra.
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RIHANNA ANTi
Após anos de suspense e um lançamento a conta-gotas, por fim, o CD inteiro, ANTi de Rihanna está completo. O novo trabalho da cantora pop de Barbados foi um choque para todos que aguardaram pelo álbum, pois, comparado ao seu trabalho anterior, ANTi é completamente diferente das batidas house e pop de músicas antigas de Rihanna. Com uma mistura de ritmos diferentes, indo do reggae ao soul, é possível dizer que as músicas desse disco se caracterizam pela experimentação e heterogeneidade. Rihanna deu um passo importante na sua carreira.