Revista Cruz Azul Online # 13 - 2014

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Revista

Cruz Azul Online

Comunidades Terapêuticas: O desafio de ser eficaz ...

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Prevenção

às Substâncias

Psicoativas Página 13

Aprendizagem Mediada no Tratamento de Dependentes Químicos ...

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A Escuta

Que Humaniza Página 27

ANO 2014 Nº 13


Página integrante da revista "Cruz Azul" editada pela Cruz Azul no Brasil – Ano 2014 – Número 13

03 04 Editorial

O que é Cruz Azul no Brasil

Normas Gerais

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COMUNIDADES TERAPÊUTICAS: O Desafio de Ser Eficaz no Tratamento de Dependentes Químicos

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PREVENÇÃO ÀS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS A PARTIR DA VISÃO INTEGRAL DO SER HUMANO

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APRENDIZAGEM MEDIADA NO TRATAMENTO DE DEPENDENTES QUÍMICOS EM COMUNIDADE TERAPÊUTICA

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A ESCUTA QUE HUMANIZA

3º FÓRUM SUL BRASILEIRO DE COMUNIDADES TERAPÊUTICAS E AFINS

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Expediente: A revista «CRUZ AZUL» é uma publicação de circulação nacional da Cruz Azul no Brasil, com sede na rua São Paulo, 3424. Bairro Itoupava Seca. 89.030-000. Blumenau - SC. Diretor-Presidente da Cruz Azul no Brasil: Rolf Hartmann. Editor: Luis Carlos Ávila. Conselho Editorial: Osvaldo Christen Filho (Coordenador), Luis Carlos Kuchenbecker, Luis Carlos Ávila, Rolf Hartmann, Maria Roseli Rossi Ávila e Egon Schlüter. Projeto gráfico/diagramação: Jonathan Tribess. Revisão: Osvaldo Christen Filho, Luis Carlos Kuchenbecker e Luis Carlos Ávila. Administração: Egon Schlüter. Correspondências: Rua São Paulo, 3424. Bairro Itoupava Seca. 89.030-000. Blumenau - SC. E-mail: publicacoes@cruzazul.org.br Site: www.cruzazul.org.br Fone: 47 3337-4200 Periodicidade: Semestral - Foto da capa: Origem desconhecida

Ano: 2014 - Edição número: 13. Número e cadastro no ISSN: 2595-6019


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O que é a Cruz Azul no Brasil Filiada à IFBC, a CruzAzul no Brasil (CAB) foi fundada em 23 de junho de 1995. É um trabalho diacônico, cujo serviço é de assistência social e destina-se a todos quantos necessitarem, sem distinção de cor, raça, sexo, nacionalidade, estado civil, profissão, credo religioso ou político. Objetiva: (a) filiação de Comunidades Terapêuticas (CTs) e/ou outras Entidades do terceiro setor que exerçam atividades de aconselhamento, tratamento psicossocial, ambulatorial, médico ou de enfermagem, tratamento em regime de internação (residencial), reabilitação e/ou reinserção social; (b) fornece orientações e formação aos colaboradores e voluntários das CTs e entidades, através de suas publicações e cursos de aperfeiçoamento, atualização e qualificação em dependência química, realizados por pessoal especializado; (c) formação e filiação de Grupos de Mútua-Ajuda que ofereçam espaço para que pessoas dependentes do álcool e de outras drogas, seus familiares e amigos, encontrem oportunidade para o diálogo franco, a troca de experiências e a integração entre os pares; (d) desenvolve ações de Prevenção baseadas na mediação de conhecimentos pertinentes a promoção da vida. Missão: Promover a vida sem drogas, visando à saúde física, psicológica e espiritual para o bem estar individual, familiar e social, sendo um movimento de inclusão, mútua-ajuda e abstinência, mediante ações de prevenção, tratamento, reinserção social, apoio e educação continuada, fundamentado no poder salvífico e transformador de Jesus Cristo e acreditando na capacidade de mudança do ser humano. Visão: Ser referência em rede de grupos de apoio, de tratamento em comunidade terapêutica, prevenção, capacitação, conhecimento, atuação em políticas públicas na área de substâncias psicoativas e movimento de inclusão, mútua-ajuda e de abstinência, conhecido e reconhecido por sua visão de ser humano integral no sul e sudeste do Brasil até o ano de 2012 e nacionalmente até 2015. Valores: Crença no poder salvífico e transformador de Jesus Cristo e na capacidade de mudança do ser humano. Abstinência como sinal de apreço e solidariedade, instrumento efetivo de prevenção e qualidade de vida, e condição de tratamento. Movimento em rede de inclusão e mútua-ajuda. Educação Continuada Ética e transparência. Proposta: Promover uma vida sem drogas, visando à saúde física, psicológica e espiritual do ser humano para o bem-estar individual, familiar e social.

Nome da Entidade: CRUZ AZUL NO BRASIL CNPJ: 01.127.311/0001-89 Inscrição Estadual: 253.819.482 Personalidade Jurídica e Duração:Associação sem fins lucrativos, constituída por tempo indeterminado. Sede e Endereço da Secretaria Executiva: Rua São Paulo, n. 3424, Bairro Itoupava Seca, Blumenau, Santa Catarina, CEP 89.030-000. Caixa Postal: 5033 CEP: 89.030-970 Telefone/fax: +55 47 3337-4200 Site: www.cruzazul.org.br E-mail: cruzazul@cruzazul.org.br

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Editorial “A hibernação é um estado letárgico pelo qual muitos animais homeotérmicos, em grande maioria de pequeno porte, passam durante o inverno, principalmente em regiões temperadas e árticas. Os animais mergulham num estado de sonolência e inatividade em que as funções vitais do organismo são reduzidas ao absolutamente necessário à sobrevivência. A respiração quase cessa, o número de batimentos cardíacos diminui, o metabolismo, ou seja, todo o conjunto de processos bioquímicos que ocorrem no organismo, restringe-se ao mínimo. Pode-se dizer que qualquer animal que permanece inativo durante muitas semanas, com temperatura corporal inferior à normal, está em hibernação, embora as mudanças fisiológicas que acontecem durante o letargo sejam muito diferentes, de acordo com as diferentes espécies. As plantas desenvolveram um sistema semelhante, mas, que não é classificado como hibernação, estivação ou torpor. Por exemplo: as plantas decíduas vivem em locais frios. Elas perdem as folhas como uma estratégia de sobrevivência nos invernos rigorosos de regiões muito frias. O objetivo desta perda não é a conservação de calor, mas sim da umidade”. Enfim, para saber mais sobre o processo de hibernação há muita informação na internet... fique à vontade....! O texto (do site Wikipédia) serve como ilustração para explicar aos leitores da revista da Cruz Azul no Brasil "Comunidade Terapêutica & Dependência Química em Pauta", o motivo de não termos publicado regularmente a revista. O último número publicado foi em dezembro de 2011. Após esse longo tempo "adormecidos/hibernando" voltamos a editá-la com toda força e energia, para ser um instrumento de divulgação/pesquisa de conhecimento científico nas áreas da dependência química, comunidade terapêutica e grupos de apoio mútua ajuda. Depois de publicarmos periodicamente desde 2004, na forma impressa (doze edições da revista), tamanho 14x21 cm, diante dos novos tempos de internet e outras mídias sociais, a Comissão Editorial da revista (em consonância com a diretoria da Cruz Azul), aprovou grandes mudanças e um novo projeto editorial para a mesma. Assim, apresentamos a nova versão da revista "Comunidade Terapêutica e Dependência em Pauta". Ela cresceu em tamanho, para o formato A-4. No momento terá apenas edições em PDF e virtuais, disponíveis no site da Cruz Azul. Suas páginas - com uma nova e moderna diagramação serão coloridas quando impressa. Objetivando personificar e identificar institucionalmente a Entidade, ela recebeu também um novo nome: "Cruz Azul", em destaque e abaixo como subtítulo: "Prevenir, Capacitar, Reabilitar eApoiar!". Para este primeiro número em nova versão, preparamos os seguintes artigos: a)Aprendizagem mediada no tratamento de dependentes químicos em comunidades terapêuticas; b) Comunidades terapêuticas: O desafio de ser eficaz no tratamento de dependentes químicos; c) Prevenção às substâncias psicoativas a partir da visão integral do ser humano; d)Aescuta que humaniza. e) A Carta de "Blumenau"! Documento do III Fórum Sul Brasileiro de Comunidades Terapêuticas e Afins realizado em 2012. Tenha uma excelente leitura!

Cruz Azul no Brasil Luis Carlos Ávila Editor

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Normas Gerais para publicação de artigos São de interesse de publicação desta Revista: a) Artigos técnicos e científicos originais sobre dependência química em substâncias psicoativas e, em especial, sobre o trabalho das Comunidades Terapêuticas; b) Partes ou resumos de monografias, palestras e trabalhos acadêmicos que versem sobre a linha editorial e conteúdo da Revista; c) Relatos de pesquisas ou experiências profissionais; d) Informes científicos, cursos, eventos, ações de ONG´s que atuam na área da dependência química, em especial com Comunidades Terapêuticas; e) Resenhas críticas de livros científicos sobre dependência química. Questões técnicas e de redação: 1. ENCAMINHAMENTO: O autor encaminha seu texto revisado e corrigido, via e-mail, ou postal (em CD, com cópia em papel) para a Secretaria Geral da Cruz Azul, conforme o endereço mencionado no Expediente, dois meses antes da edição pretendida. Através de carta expressará sua disposição em ceder os direitos autorais de publicação do artigo gratuitamente para a Cruz Azul no Brasil. Nestas condições, os trabalhos serão aceitos para apreciação do Conselho Editorial, na expectativa de que sejam trabalhos inéditos e não encaminhados a outros periódicos. - Obs.: Os originais, mesmo quando não aprovados para publicação imediata, permanecerão de posse da Revista para possível aproveitamento em edições futuras, ou para qualquer outra forma de divulgação, condicionada à expressa autorização do autor. 2.A CRUZ AZUL: reserva-se o direito de não publicar artigos enviados para publicação. 3. APRESENTAÇÃO E EXTENSÃO: Os trabalhos devem ser redigidos em folhas de papel tamanho A4, numa única face e em espaço duplo. Os artigos devem ter no máximo sete páginas, incluindo as referências bibliográficas. O arquivo deverá estar editado em Word for Windows, fonte Times New Roman ou Ariel, tamanho 12, e tamanho 10 para notas. Preferencialmente, os artigos devem estar em língua portuguesa e possuírem no início um pequeno resumo do trabalho apresentado e principais palavras-chave. (Alguns tipos de colaborações dispensam resumo). O autor deverá deixar seu endereço de contato para receber comentários da parte dos leitores. Pequenas alterações no texto, que não alterem seu conteúdo ou apresentação, poderão ser feitas pela Comissão Editorial, de acordo com critérios e normas operacionais da revista. 4. ILUSTRAÇÕES, FOTOGRAFIAS, FIGURAS e TABELAS: Somente deverão ser incluídas no corpo do trabalho se forem essenciais à compreensão do texto. Devem ser enumeradas com algarismos arábicos na ordem em que serão inseridas no texto e apresentados em folhas separadas no final do artigo. O texto indicará o lugar aproximado de inserção de cada elemento. 5. ANEXOS ou APÊNDICES: Somentedevemserincluídosquandoforemimprescindíveisàcompreensãodotexto. 6. CITAÇÕES: Os autores devem evitar citações muito grandes extraídas de publicações de outros autores. Recomenda-se evitar a reprodução de tabelas, quadros ou desenhos. Quando isso acontecer, estes devem vir acompanhados de permissão dos autores originais ou, no mínimo, a citação da fonte original de onde foi extraída. 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS: Todos os artigos devem ter referências bibliográficas relacionadas em ordem alfabética no final e dentro das normas da NBR 6023 da ABNT. 8. DIREITO DE RESPOSTA: Comentários de artigos ou réplica estão sujeitos à mesma regra de publicação e podem aparecer na mesma edição ou em número subsequente. 9. RESPONSABILIDADE IDEOLÓGICA: Os artigos, cujos autores são identificados, representam o ponto de vista destes e não a posição oficial da Revista ou da CruzAzul no Brasil. 10. PERMUTA: A Cruz Azul no Brasil interessa-se em estabelecer permuta de sua publicação com outras revistas congêneres nacionais ou estrangeiras. Cruz Azul no Brasil Conselho Editorial

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COMUNIDADES TERAPÊUTICAS: O Desafio de Ser Eficaz no Tratamento de Dependentes Químicos

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RoseliAparecida Consolaro Nabozny Coordenadora Técnica Administrativa da Comunidade Terapêutica Essência de Vida de Joinville/SC. Especialista em Dependência Química – UNIFESP. Graduanda em Serviço Social.

INTRODUÇÃO Este artigo tem o objetivo de apresentar as Comunidades Terapêuticas como um modelo eficaz no tratamento de dependentes químicos, através da revisão literária dos modelos de intervenções que deram origem as ComunidadesTerapêuticas, objetivando notar as mudanças que assinalam a evolução de uma abordagem de 06

autoajuda para uma modalidade de atenção humana integral. Aponta algumas características, elegidas como essenciais, que devem ser primeiramente conhecidas e/ou melhor, entendidas, visando ampliar as possibilidades de aumentar os índices de adesão do paciente ao tratamento e consequentemente chegar a umamaior eficáciadapropostaterapêutica.


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Considera fundamental o cumprimento das exigências legais contidas na RDC nº 101 e demais orientações práticas inerentes a esta modalidade de tratamento. Evidencia a necessidade de se criar e manter o planejamento das atividades e a avaliação sistemática e contínua dos resultados obtidos, como uma das formas de mensurar a efetividade no desempenho individual do dependente químico em tratamento e aumentar a eficácia dos serviços prestados pelas comunidades terapêuticas. 1. COMUNIDADES TERAPÊUTICAS: CONCEITUAÇÃO Em sua forma contemporânea, a CT de tratamento da dependência química desenvolveu-se a partir de movimentos registrados na Inglaterra e nos EUA como Synanon (1958) e Day top Village (1963) que se disseminaram com rapidez dos anos sessenta em diante. Embora seja possível identificar alguns elementos essenciais no AA e no movimento Oxford, que é anterior. Todos apresentavam uma clara motivação ética e espiritual e até hoje, influenciam consideravelmente as Comunidades Terapêuticas em todo o mundo. De acordo com De Leon (2003, p. 17) as CTs norte-americanas da primeira geração foram literalmente implantadas ou projetadas por membros de algum programa, transmitindo diretamente elementos comuns em termos de filosofia, de organização social e de prática de programas originais para as modernas CTs. Mas as fontes diretas de muitos dos elementosessenciaissãoatribuíveis atrêsnotáveisprecursores:ogrupodeOxford,a AssociaçãoAlcoólicosAnônimoseaSynanon. A seguir vejamos um breve relato das contribuições de cada um deles. 1.1 Modelos que deram origem as Comunidades Terapêuticas 07

O grupo de Oxford, segundo De Leon (2003, p. 18), parte das idéias e práticas comumente sustentadas que incluía a ética do trabalho, o cuidado mútuo, a orientação partilhada e os valores evangélicos da honestidade, da pureza, do altruísmo e do amor, o autoexame, o reconhecimento dos defeitos de caráter, a reparação por danos causados e o trabalho conjunto. Se notarmos, persiste ainda hoje a influência do movimento Oxford sobre as pessoas em recuperação por meio de uma iniciativa de acolhimento, praticada principalmente pelos membros de grupos de AA. O modelo de tratamento indicado pelos AlcoólicosAnônimos (AA) surgiu em 1935, por dois alcoólicos em recuperação, Bill Wilson, corretor de Nova York, e o doutor Bob Smith, médico em Akron, que tinhacomo basea ajuda mútua. Segundo De Leon (2003, p. 19), dos princípios dos AA originários do grupo Oxford está à noção de confessar-se aos outros,derepararmalesfeitoseaconvicção de que a mudança individual envolve a conversão à crença do grupo. Mas se contrapõe a orientação de Oxford com respeito a um deus religioso como fonte espiritual do poder superior. A essência do AA é o modelo espiritual. Com o passar dos anos, se tornou o maior grupo de autoajuda do mundo e chegou às clínicas de tratamento numa versão institucional do AA, que ficou conhecida como Modelo de Minnesota. Na fase residencial o programa é aplicado por uma equipe composta principalmente de alcoolistas em recuperação ou dependentes químicos que tenham passado pelos 12 passos e se mantiveram abstinentes. Após esta fase, o alcoolista recebe apoio dos grupos de autoajuda do AA. Nenhum outro modelo de tratamento de alcoolismo pode orgulhar-se de possuir uma rede internacional de grupos de apoio nesta


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escala. Esse modelo também está presente em grande parte das comunidades terapêuticas em todo o mundo, e no Brasil. (Edwards, 2005, p. 251) O Modelo Synanon surgiu em 1958 da iniciativa de um pequeno grupo de alcoolistas em recuperação, liderado por Charles Dederich, que decidiram viver juntos, além de ficar em abstinência e buscar um estilo alternativo de vida. O método Synanon está fundamentado no modelo de ajuda mútua do AA, porém difere em pontos fundamentais: enquanto os AA praticam a entrega e a confiança em um poder superior, o Synanon acredita na autoconfiança como preceito essencial. Das principais características do Modelo Synanon que influencia o funcionamento das CTs, estão os aspectos relativos ao ambiente residencial do programa, à sua estrutura organizacional, ao perfil dos participantes, bem como às suas metas, à sua filosofia e à sua orientação ideológica (De Leon, 2003, p.20). Cabe ainda citar o aconselhamento confrontativo, comumente chamado de “confronto” e o trabalho, que eram pilares do Modelo Synanon. Este tipo de modelo terapêutico se consolidou e deu origem a outras CTs que, conservando os conceitos básicos, aperfeiçoaram o Modelo Synanon. E o exemplo mais significativo desse tipo de abordagem foi a Comunidade Terapêutica Day top Village, fundada em 1963. (Fracasso, 2001, p. 273) Finalizo com a contribuição de Maxwell Jones (1953), psiquiatra escocês, que provocou uma revolução no campo psiquiátrico: a experiência de comunidade terapêutica para distúrbios mentais. Os fundamentos da proposta de Maxwell Jones estão na idéia da democratização do atendimento que era feito nos hospitais psiquiátricos, a diminuição da distância entre a direção e a equipe de tratamento e os internos, as assembléias reunindo todos os

participantes da comunidade. A partir da definição de CT de Maxwell Jones: “[...] grupo de pessoas que se unem com um objetivo comum e que possui uma forte motivação para provocar mudanças”, entendemos que há uma mudança no modo de ser comum dos pacientes que, em colaboração com a equipe tornam-se participantes ativos em sua própria recuperação, na de outros e, das atividades gerais da comunidade. Este modelo de tratamento reconhece e promove a capacidade terapêutica do ambiente e dos próprios pacientes, estabelecendo um relacionamento democrático e socializador. As gerações subseqüentes de CTs conservaram muito dos aspectos de seus predecessores e ainda sofreram várias influências intervenientes que levaram a profundas diferenças de organização, de filosofia e de práticas. Essas mudanças assinalam a evolução de uma abordagem de autoajuda mística e alternativa para uma modalidade de atenção humana integral. No Brasil as CTs foram introduzidas pela Igreja Católica através de Padre Harold J. Hahm, na cidade de Campinas, São Paulo a partir do ano de 1977. Cresceram desordenadamente sob a tutela de diversos interesses e segmentos da sociedade, principalmente de origem religiosa e com isto perderam e/ou modificaram muito dos elementos essenciais da abordagem das CTs. Até que em 30 de maio de 2001 a ANVISA estabeleceu o Regulamento Técnico para o Funcionamento de Comunidades Terapêuticas por meio da RDC 101 criada pela SENAD em conjunto com a FEBRACT. Mesmo com a implantação da RDC 101/2001, atualmente substituída pela RDC 29/2011, específica para as CTs e outras políticas públicas de saúde voltadas para o consumo abusivo de álcool e outras drogas, a diversidade na interpretação dos conceitos, a falta de 08


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conhecimento teórico e técnico de profissionais que atuam na área, os interesses particulares de pessoas leigas “de boa vontade”, a falta de fiscalização dos órgãos competentes, continuam contribuindo para queasComunidades Terapêuticas não sejam reconhecidas pelos serviços prestados, principalmente pelo Poder Público. 2. O QUE TORNA O MODELO DE COMUNIDADE TERAPEUTICA EFICAZ NO TRATAMENTO DE DEPENDENTES QUÍMICOS? Apesar de ser um ambiente de tratamento bastante difundido no Brasil ainda há muito que se fazer para que as Comunidades Terapêuticas disponibilizem e mantenham um serviço eficaz e que atenda as exigências mínimas estabelecidas para o funcionamento dos serviços de atenção a pessoas com problemas decorrentes do uso ou abuso de substâncias psicoativas, segundo o modelo psicossocial. Cabe aqui destacar uma das melhores definição de Comunidade Terapêutica citada na RDC nº 101- ANVISA de 30 de maio de 2001: “Serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso ou abuso de substâncias psicoativas (SPA), em regime de residência ou outros vínculos de um ou dois turnos, segundo modelo psicossocial, são unidades que têm por função a oferta de um ambiente protegido, técnica e eticamente orientados, que forneça suporte e tratamento aos usuários abusivos e/ou dependentes de substâncias psicoativas, durante período estabelecido de acordo com programa terapêutico adaptado às necessidades de cada caso. É um lugar cujo principal instrumento terapêutico é a convivência entre os pares. Oferece uma rede de ajuda no processo de recuperação das pessoas, resgatando a cidadania, buscando encontrar novas possibilidades de reabilitação física e psicológica, e de reinserção social. Tais serviços, urbanos ou rurais, são também conhecidos como Comunidades Terapêuticas”.

Segundo Fracasso (2001, p.279) “O programa terapêutico-educativo desenvolvido no período de tratamento na Comunidade Terapêutica tem como objetivo 09

ajudar o dependente químico a se tornar uma pessoa livre através da mudança do seu estilo de vida”. A partir desses conceitos quero destacar dentre muitas outras, características a serem conhecidas e/ou melhor, entendidas, com o objetivo de ampliar as possibilidades de aumentar os índices de adesão do paciente ao tratamento e conseqüentemente chegar a uma maior eficácia da proposta terapêutica 2.1 Diversidade e abrangência – nenhuma abordagem terapêutica é eficaz para todas as pessoas Segundo NIDA - 1º princípio: “Não há tratamento único, que seja apropriado para todos”. É fundamental olharmos para o indivíduo como um ser único, com necessidades singulares. Hoje a dependência é tratada como um processo complexo, multifatorial e não há mais como considerar o dependente químico com características e necessidades terapêuticas semelhantes. É importante usar diferentes estratégias terapêuticas como instrumentos, que podem ser combinados entre si, para tratar um paciente, ou um determinado grupo de pacientes. Na Comunidade Terapêutica é imprescindível atender a critérios mínimos de elegibilidade evitando as pessoas que apresentarem grau de comprometimento grave no âmbito orgânico e/ou psicológico para tratamentos nestes serviços, devendo ser encaminhadas a outras modalidades de atenção. 2.2 Desintoxicação – é apenas a primeira etapa do tratamento A legislação atual não contempla nenhum item específico para esta etapa, apenas indica avaliação médica por clínico geral e psiquiatra. Mas se pretendemos focar num novo estilo de vida para o dependente químico, livre das drogas, é importante entender que a desintoxicação médica trata de sintomas físicos agudos da síndrome de abstinência.


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Ainda que, “A desintoxicação médica é apenas a primeira etapa do tratamento para a dependência e, por si só, pouco faz para modificar o uso de drogas em longo prazo” (NIDA-9º princípio), quando acontece antes da internação na Comunidade Terapêutica, favorece a aderência do paciente na fase inicial do tratamento, que geralmente é o período de maior desistência. 2.3 Técnicas de Intervenção - possuir uma grande variedade de elementos Segundo NIDA – 3º princípio: “O tratamento efetivo deve contemplar as várias necessidades da pessoa, não somente o seu uso de drogas.” A grande maioria das comunidades terapêuticas está focada apenas na abstinência completa de qualquer tipo de substância (Figlie, 2004), no trabalho e na espiritualidade, porém, o tratamento deve oferecer oportunidade para o desenvolvimento integral do paciente: físico, mental, social, familiar e espiritual. A utilização da Entrevista Motivacional, Terapia Cognitivocomportamental e Prevenção de Recaída, aplicada com conhecimento técnico pode auxiliar no processo de recuperação e aumentar a efetividade, além de outras intervenções como: a)Grupos de acolhimento, psicoterapia individual e de grupo (NIDA – 6º princípio: “O aconselhamento individual e/ou em grupo e outros tipos de psicoterapia comportamentais são componentes indispensáveis do tratamento efetivo da dependência”); b)Atendimento clínico, incluindo farmacoterapia, se necessário (NIDA – 7º princípio: “Para muitos pacientes os medicamentos formam um elemento importante do tratamento, especialmente se combinados com os diferentes tipos de terapia.” 2.4 Interdisciplinaridade da equipe

Atualmente já é mais comum a presença de profissionais especializados nas CTs, entre eles médicos, enfermeiros, psicólogos, assistentes sociais e terapeutas ocupacionais. É importante que a equipe tenha conhecimentos sobre as drogas, dependência química e tratamento, além dos específicos de sua área. O trabalho com dependentes químicos exige capacitação e treinamento permanentes, principalmente dos agentes comunitários de saúde. Na maioria das vezes esta função é exercida por dependentes em recuperação que já fizeram um tratamento em CT. Atualmente a capacitação mínima para a função de “monitor de dependente químico” é ministrada pela FEBRACT e CruzAzul no Brasil. A formação e a vivência entre os vários profissionais envolvidos no tratamento podem ser fortalecidas através de reuniões periódicas e contínuas, visando sempre o que está previsto no 4º princípio – N I D A: “O plano de tratamento dever ser continuamente avaliado e, se for o caso, modificado para assegurar que se mantenha atualizado com as mudanças nas necessidades da pessoa”. Os diferentes fatores que envolvem a dependência química não podem ser vistos de uma forma linear e estática, pelo contrário, são dinâmicos e se relacionam entre si. Segundo Sudbrack (2002, pag.202) “Se os profissionais conseguirem trabalhar realmente em uma equipe interdisciplinar terão mais recursos para atender cada paciente em suas necessidades especiais e, conseqüentemente, o tratamento terá muito mais chances de ser bem sucedido”. 2.5 Duração do tratamento e continuidade de apoio As investigações indicam que, na maioria das vezes, começa-se a se verificar uma melhora significativa depois de três meses de tratamento. Conforme o 5º princípio – NIDA: “É importante que o paciente permaneça 10


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durante um período adequado de tempo no tratamento.” Na maioria das CTs a duração do tratamento varia entre três e nove meses. Considerando que muitos pacientes abandonam a CT antes deste período, deve-se pensar em estratégias que aumentem o comprometimento e mantenham os pacientes no programa terapêutico, porém com a preocupação de evitar a cronificação do tratamento e a perda dos vínculos familiares e sociais. Quanto à continuidade de apoio, como o tratamento não é algo rápido e exige tempo e etapas a serem superadas, é possível afirmar que de nada adianta uma longa internação caso não haja continuidade de atenção biopsicossocial após a alta. Observase, assim, que uma proposta terapêutica eficaz deve visar à inserção social do indivíduo e ser percebida num contexto mais amplo, levando em conta: saúde, educação, moradia, trabalho e outros. Daí a importância da conexão e integração com outros serviços. Promovendo um trabalho em rede para somar esforços diante da complexidadedacausa. CONSIDERAÇÕES FINAIS Partindo desta revisão literária e da complexidade que é o tratamento da dependência química é inegável a eficácia dos serviços prestados pelas Comunidades Terapêuticas. A abrangência fica comprovada segundo o Mapeamento das instituições governamentais e não governamentais de atenção às questões relacionadas ao consumo de álcool e outras drogas no Brasil 2006/2007. Quanto à classificação das instituições que realizam tratamento: A maioria das instituições de tratamento brasileiras é definida por seus dirigentes como comunidades terapêuticas. Das 1.256 instituições de tratamento, 483, ou 38,5% da amostra, classificam-se nessa categoria. (pág.86) “Das instituições não governamentais os tipos de tratamento mais oferecidos foram: internação em comunidade terapêutica, 535 (62,9%). (pág.94)

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De um lado as Comunidades Terapêuticas têm dado uma expressiva contribuição à sociedade, mesmo que seu estilo de trabalho tenha sido alvo de críticas e não tenha recebido o apoio e reconhecimento das políticas públicas que regem as questões de saúde do país. De outro, a exemplo de modelos bem sucedidos sugere-se o planejamento das atividades com a criação de métodos próprios e ou a utilização dos já existentes. E a avaliação sistemática e contínua dos resultados obtidos, como uma das formas de mensurar a efetividade no desempenho individual e aumentar a eficácia dos serviços prestados pelas comunidades terapêuticas. Diante da impossibilidade de esgotar o assunto finaliza-se com o desafio, proposto por De Leon (2003 pág. 420): “Se não for possível estabelecer ligações explícitas entre as intervenções do programa, o curso de mudança do cliente e os resultados obtidos, a efetividade de qualquer modelo com orientação de CT permanecerá obscura e não comprovada.” REFERÊNCIAS BRASIL . ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Regulamento Técnico disciplinando as exigências mínimas para o funcionamento de serviços de atenção a pessoas com transtornos decorrentes do uso ou abuso de substâncias psicoativas. Disponível em: < http://www.anvisa.gov.br/e-legis.htm>. BRASIL. FEBRACT – Federação Brasileira de Comunidades Terapêuticas. Comunidades Te r a p ê u t i c a s . D i s p o n í v e l e m : <http://www.febract.org.br/comunidades.htm>. BRASIL. SENAD – Secretaria NacionalAntidrogas. Relatório de Mapeamento das instituições governamentais e não-governamentais de atenção às questões relacionadas ao consumo de álcool e outras drogas no Brasil. Disponível em: <http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/biblio teca/documentos/Dados_Estatisticos/Instituicoes/32 7691.pdf>. BRINCAS, Jairo. Diretrizes do Tratamento da Dependência nas Comunidades Terapêuticas.


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Encontros Teológicos – Revista do ITESC. Florianópolis/ SC , ano 15, nº 2, p. 107. 2000. ISSN1415-4471. CHRISTEN, Osvaldo Filho. Comunidades Terapêuticas: compreensão histórica. Dependência Q u í m i c a & C o m u n i d a d e Te r a p ê u t i c a , Blumenau/SC, vol. I, ano I, p. 7, 2003. DE LEON, George. A Comunidade Terapêutica Teoria, Modelo e Método. Edições Loyola, São Paulo, 2003, cap. 1, p. 3-11, cap. 2, 13-36, cap. 25, p. 407-421. DUARTE, Cláudio Elias et al. Princípios Gerais de Tratamento das Dependências Químicas, in: Homogeneização de conhecimento para Conselheiros Municipais Antidroga, SENAD. Brasília/DF, 2002, p. 183. EDWARDS, Griffith et al. O Tratamento do Alcoolismo Um guia para profissionais da saúde. 4ª edição. Editora Artmed, São Paulo, 2005. Cap. 18 p. 249-257. Cap. 22, p. 301-316. FIGLIE, Neliana Buzi. et al. Aconselhamento em Dependência Química. Editora Roca, São Paulo, 2004, cap. 30, p. 472-491. FRACASSO, Laura. Características da Comunidade Terapêutica, in: SERRAT, Saulo Mont. Drogas e Álcool Prevenção e Tratamento. Campinas/SP. Editora Komedi, 2001. p. 272-288. QUAGLIA, Giovanna. Os diferentes modelos no tratamento do dependente de álcool e outras drogas, in: Homogeneização de Conhecimento para Conselheiros Municipais Antidrogas - SENAD. Brasília/DF, 2002. p.195. ______. Como elaborar um programa terapêutico, o que dá eficácia ao tratamento, in: Tratamento das Dependências Químicas – Aspectos Básicos, SENAD. Brasília/DF, 2002. p. 189. REGIS DE MORAES, J. F. Ética nas Comunidades Terapêuticas, in: SERRAT, Saulo Mont. Drogas e Álcool Prevenção e Tratamento. Campinas/SP, Editora Komedi, 2001. p. 366-379. KRUGER, Rolf Roberto. Comunidade Terapêutica versus comunidade terapêutica. Dependência Q u í m i c a & C o m u n i d a d e Te r a p ê u t i c a , Blumenau/SC, ano II, nº 4, p. 7, 2004. ISSN18079164. S U D B R A C K , M a r i a F. O . A b o r d a g e m Interdisciplinar no Tratamento de Dependentes de Drogas Tratamento das Dependências Químicas – Aspectos Básicos, SENAD. Brasília/DF, 2002, p. 197.

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PREVENÇÃO ÀS SUBSTÂNCIAS PSICOATIVAS A PARTIR DA VISÃO INTEGRAL DO SER HUMANO

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Marciano Tribess Coordenador de Prevenção da Cruz Azul no Brasil, Pedagogo, Especialista em Dependência Química e Comunidade Terapêutica e Mestre em Teologia na área da Prevenção às Substâncias Psicoativas. E-mail: prevencao@cruzazul.org.br

Resumo: Neste Artigo aborda-se a temática prevenção ao uso e abuso de substâncias psicoativas, com um olhar para o ser humano de forma integral. O indivíduo composto de corpo, alma e espírito, inserido num contexto holístico. E não apenas um ser isolado inerte do meio sócio familiar e de sua realidade biológica, psicológica, social e espiritual. Apontam-se as diversas formas de abordagens preventivas 13

possíveis a serem aplicadas. E a necessidade de detectar fatores de risco e de proteção numa determinada comunidade ou grupo de pessoas, buscando intervenções adequadas para cada contexto, que enfraqueça os fatores de risco destas pessoas epotencializeos fatores deproteção. PALAVRAS CHAVES: Prevenção. Substâncias Psicoativas. Visão integral.


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Holístico. Fatores de risco. Fatores de proteção. A palavra prevenção (1) pode e é usada em várias situações em que o ser humano é colocado sob uma vulnerabilidade que possa vir a lhe causar dano. A prevenção tem a finalidade de preservar a vida. Vários movimentos religiosos, que com suas doutrinas de amar um ao outro, de respeitar o outro, podem ser considerados pioneiros no que tange a prevenção. Poderíamos dizer que, em geral, a prevenção refere-se a toda iniciativa coletiva visando à sobrevivência da espécie. Na realidade é um conceito recente e poderíamos dizer que as primeiras instituições na história que estiveram na sua vanguarda foram as religiosas. (ZEMEL, 2008, p. 94)

Quando se fala de prevenção às substâncias psicoativas - SPA s (2), conceitualmente entendia-se o tema dividido inicialmente em três grandes categorias: prevenção primária, secundária e terciária. Porém, além das três categorias principais já acima mencionadas, vive-se o advento de alguns novos conceitos: Intervenção global ou universal, Intervenção específica, Intervenção indicada. Neste artigo aborda-se uma visão holística do tema, por se tratar de uma problemática que deve ser analisada a partir da visão do ser humano integral, que se constitui bio, psico, social e espiritualmente. Portanto, como pano de fundo deve-se ler as concepções aqui exposta a partir deste principio. O ser humano não é uma “máquina sem vida” mas sim, um indivíduo extremamente complexo que influencia e é influenciado na medida em que se comunica com o outro e o meio ambiente físico e social no qual está inserido. Antes de abordarmos as diversas modalidades de prevenção, e com o objetivo de explicitar a importância do olhar holístico e crítico da temática em questão.Aponta-se uma frase registrada em 1959 pelo intelectual Aldous Huxley, no 14

seu livro: “Regresso ao Admirável Mundo Novo”. Assim escreve um conhecido ator de um dos muitos programas infanto-juvenis. “As crianças”, diz o ator, “são registros vivos e falantes daquilo que lhes narramos todos os dias”. E no devido tempo, esse registros vivos e falantes dos comerciais de televisão crescerão, e ganharão dinheiro e adquirirão os produtos da indústria. “Pensem”, escreve o Sr. Clyde Miller, admirado, “pensem no que pode representar de lucro para a sua firma se conseguirem aliciar um milhão, ou dez milhões de crianças, que se tornarão adultos treinados para a aquisição dos seus produtos, como soldados são antecipadamente treinados para avançar quando ouvem as palavras - estimulo: 'enfrente, marche'”. (HUXLEY, 1989, p. 82)

Percebe-se que a partir de uma frase como esta, que pessoas poderão ter seu primeiro contato visual e virtual com o “produto” substância psicoativa, antes mesmo de sua primeira experiência física com a mesma, o que exige uma intervenção preventiva ainda mais elaborada e complexa. Prevenção Primária: Intervenção junto à pessoa antes do primeiro contato com SPAs. Seu objetivo é impedir ou retardar o início do consumo. Esta prevenção deve acontecer permanentemente, em todos os segmentos da sociedade, com intervenções que promovam: capacitação, sensibilização, atualização eacompanhamento. Prevenção Secundária: Intervenção que ocorre após o primeiro contato da pessoa com a SPAs. Seu objetivo é evitar progressão do consumo e minimizar os prejuízos relacionados ao uso. Esta deve acontecer permanentemente com públicos expostose/ouquejátiveramcontatocomestás substâncias. As intervenções secundárias necessariamente devem ser realizadas em segmentos específicos da sociedade, que possuam maior vulnerabilidade para o uso exagerado de SPAs. Estas intervenções devem ter o intuito de sensibilizar, capacitar, atualizar e acompanhar.


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Prevenção Terciária: Intervenção realizada após a instalação de transtornos relacionados ao uso de SPAs. Seu objetivo é evitar ou minimizar as complicações decorrentes do uso abusivo destas substâncias. A intervenção terciária deve acontecer durante e após o tratamento. Diferente da prevenção primária e secundária, esta deve ser realizada em segmentos muito específicos da sociedade, como em Psiquiatrias, Comunidades Terapêuticas, Grupos de Apoio, CAPS-ad (Centro de Atendimento Psicossocial Álcool e Drogas). E tem como objetivo sensibilizar, capacitar (habilidades bio, psico, social e espiritual), atualizar e acompanhar. O indivíduo e sua família. A partir da contextualização destas três categorias sobre prevenção, torna-se mais fácil a compreensão de que prevenir alguém com relação às SPAs, não significa necessariamente prever (ver com antecedência) que um indivíduo, grupo social, ou até mesmo uma determinada cultura, não tenha contato com substâncias psicoativas. Mas sim, independentemente do estágio que se encontra a pessoa envolvida, ela possa receber uma atenção preventiva. Com intervenções que possam ser aplicadas para evitar um estágio mais avançado, da problemática dependência química, ou seja, antes, durante ou depois do contato com as substâncias, as intervenções devem objetivar atender a pessoa, com a finalidade de amenizar ou até mesmo sanar a vulnerabilidade frente às substâncias psicoativas que está ou foi exposta.

Contudo não é mais possível pensar em prevenção apenas a partir destas três categorias. Segundo Zemel (2008, p. 102), “as categorias de prevenção primária, secundária e terciária que herdamos dos modelos médicos não dão mais conta do nosso problema” . Dessa forma surgem novos modelos de medir e analisar a problemática em questão, como por exemplo: Intervenção global ou universal: Que visa atingir a população em geral, com programas que não se destinam necessariamente às pessoas em situação de vulnerabilidade, mas sim, a toda sociedade. Podendo acontecer na comunidade, na escola, por meios midiáticos ou em qualquer outro espaço. Intervenção específica: Esta visa atuar onde já existe um ou mais fatores associados ao uso de substância psicoativa que indique risco. Exemplo: crianças expostas a adultos dependentes químicos. Intervenção indicada: Tem por objetivo atingir as pessoas já usuárias de substâncias psicoativas, e que não necessariamente sejam dependentes, mas, que devido o uso colocam em risco a suas vidas ou a do próximo. É o caso da prevenção a acidentes de trânsito, ou violência doméstica relacionados ao consumo de alguma substância psicoativa, por exemplo: A intervenção indicada é a iniciativa de diminuir ou encerrar o uso de álcool e outras drogas, e inserir ou reinserir esta população a um convívio social saudável.

A prevenção do uso indevido de drogas tem como objetivo mudar os fatores pessoais, sociais ou ambientais, a fim de auxiliar retardar ou evitar o início do uso de drogas e ao uso indevido de progressão nociva ou problemática. As estratégias de prevenção visam aumentar a capacidade dos indivíduos e das comunidades, para ter os recursos de que precisam para serem protegidos dos danos que as drogas podem causar. (Mentor International Apud Eric Carlin ET AL, 2011, tradução nossa). (3)

O uso indevido de álcool e outras drogas é fruto de uma multiplicidade de fatores. Nenhuma pessoa nasce predestinada a usar álcool e outras drogas ou se tornar dependente apenas por influência de amigos ou pela grande oferta do tráfico. Nós, seres humanos, por nossa humanidade e incompletude, buscamos elementos para aliviar dores e acirrar prazeres. Assim, encontramos as drogas. Algumas vezes experimentamos, outras usamos sem nos comprometermos, e outras ainda abusamos. (ZEMEL, 2008, p. 98).

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Quando se fala em prevenção a substâncias psicoativas é importante saber que tudo que já se estudou a respeito, ainda é muito pouco, pois é notório, a partir das evidências que o consumo das mesmas tem aumentado. Talvez um dos fatoressejao“fantástico”mercadoeconômico que estas substâncias movimentam. E isto não é um acontecimento isolado da pósmodernidade. No livro, O Mundo de Sofia, Jonstein Gaarder fala sobre a indignação de Marx, com relação ao rumo que a sociedade industrializada estava tomando. Relata que por volta de 1850 os trabalhadores eram desumanizados a ponto de serem tratados como animais, onde parte do salário de um colaborador da época era pago, com álcool. Na grande maioria dos casos, os trabalhadores cumpriam jornadas de trabalho de catorze horas dentro de fábricas geladas. E o que ganhavam era tão pouco, que até as crianças e mulheres grávidas tinham de trabalhar. Tudo isto levou a condições sociais indescritíveis. Muitas vezes, parte do salário era paga em forma de aguardente barata e muitas mulheres tinham de se prostituir. ( GAARDER , 1998, p. 424)

Neste ponto especificamente trata-se o tema álcool e outras drogas, e o ser humano como parte do sistema mercadológico, uma “coisa” pela qual se obtêm lucro. Tendo esta visão como pano de fundo, entende-se que a problemática envolvida na questão, exige uma insistente busca de intervenções que permitam o ser humano, pensar e agir com autonomia e liberdade de escolha, o que não tem sido fácil por estarmos inseridos num sistema em que o “poder do mercado”, exerce uma força muito intensa sobres às decisões do indivíduo. Fatores de Risco: Para facilitar a compreensão do que abrange a questão prevenção a sustâncias psicoativas, também é importante olhar para o aspecto dos fatores de risco e de proteção envolvidos nesta temática. Importante avaliar que numa: família, sociedade, economia, comunidade, escola, etc. 16

Podem coexistir fatores de riscos, que proporcionam uma vulnerabilidade e podem facilitar a aproximação da pessoa com a problemática da dependência química. Por exemplo, uma pessoa com sintomas de depressão, ou que se sente constantemente insegura, ou ainda que possua pais que fazem uso abusivo de drogas, ou são excessivamente autoritários, é uma pessoa que vive constantemente oprimida por estes sintomas, vive sobre fortes fatores de risco. Isto não quer dizer que ela vá usar alguma substância, mas é inegável que uma pessoa exposta sob estes fatores está mais vulnerável à problemática da dependência química. Segundo Eduardo Kalina um fator de risco detectado no atendimento a jovens dependentes químicos é seu constante contato com o meio familiar, que tolera o uso de SPAs. Recorrendo à experiência terapêutica, é difícil encontrar algum jovem paciente dependente de drogas que não tenha chegado a esse estado depois de uma longa convivência com exemplos dos pais, que são “alcoólatras sociais”, e mães que são “viciadas em farmacopeia”, consumidores de todas as espécies de pílulas “calmantes de suas dores e tranquilizante de suas angustias e preocupações” (CRYNBERG, 2002, p. 135)

Existem ainda outros fatores como desemprego, violência, exclusão social, ou ainda fatores relacionados à própria biologia interna de cada indivíduo, que eventualmente pode se adaptar a uma droga que lhe proporcione um prazer intenso, o qual queira repetir inúmeras vezes, e que poderá induzi-lo à dependência da mesma. Fatores de Proteção: Existem também os fatores de proteção, que nos permitem perceber que nem tudo está perdido. Aquestão da prevenção até aqui abordada pode parecer um tanto desestimulante, porém, deseja-seolharpositivamente e constatar que existem intervenções que podem amenizar ou até mesmo sanar problemas relacionados ao uso e abuso de substâncias psicoativas.


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Se o jovem vem de família desorganizada, mas encontra em sua vida um grupo comunitário que faz seu asseguramento, oferecendo-lhe alternativas de lazer e de desenvolvimento de habilidades pessoais, pode vir a ter sua formação garantida, aprendendo a criticar e se responsabilizar por si próprio e pelo seu grupo social (ZEMEL, p. 98, 2008).

Os fatores de proteção em suma são o oposto dos fatores de risco. Ou seja, uma pessoa, que aprendeu a gostar de si, do outro, que tem prazer em aprender, que tem a possibilidade de participar das decisões que envolvem a família e a sociedade em que vive que gosta de estar vivo por ter aprendido a gostar de viver, esta será uma pessoa com maiores chances de não ser acometido do contato nocivo às SPAs. Podendo ela vir a experimentar alguma substância psicoativa, todavia não necessariamente se tornará dependente da mesma. Um forte fator de proteção está relacionado a pessoas que aprenderam a superar positivamente fatores potencialmente estressores. “A esta característica dá-se o nomederesiliência”(DIEHL, 2011, p. 483).

Mentor International. Guide to Drug Prevention. D i s p o n i v e l e m : <http://www.mentorfoundation.org/about_preven tion.php?nav=4-43>. Acesso em: 11 de fevereiro, 2013. ZEMEL, Maria de Lurdes S. Prevenção ao uso indevido de droga: Curso de Capacitação Para Conselheiros Municipais. Brasília: Presidência da República, Secretaria NacionalAntidrogas, 2008.

NOTAS (1) Prevenção. Ela vem do Latim PRAEVENIRE , “antecipar, perceber previamente”, literalmente “chegar antes”, de PRAE -, “antes”, mais V E N I R E, “vir”. Disponível em: <http://origemdapalavra.com.br/palavras/prevencao/>. Acessoem:08defevereiro,2013. (2) Sempre que aparecer SPAs está-se falando das Substâncias Psicoativas. (3) Mentor international. Site da Organização não Governamental. Disponível em: <http://www.mentorfoundation.org/about_preventio n.php?nav=4-43>. Acessoem:11defevereiro, 2013.

E assim inúmeros outros fatores de proteção existem e precisam ser estimulados e ensinados nas escolas, nos clubes, nas igrejas, nas indústrias e na sociedade, e quando possível vivenciada no seio familiar, a instituição mais importante e mais atingida dentro desta temática. REFERÊNCIAS CRYNBERG, Halina. KALINA, Eduardo. Aos Pais de Adolescentes Viver sem Drogas. 2ª edição. Rio de Janeiro Ed. Rosa dos Tempos, 2002. DIEHL, Alessandra. CORDEIRO, Daniel Cruz. L A R A N J E I R A , Ronaldo. Dependência Química. PortoAlegre.Artmed, 2011 GAARDER, Jostein. O Mundo de Sofia. 32ª Reimpressão. São Paulo: Sia.Das Letra, 1998. HUXLEY, Aldous. Regresso ao Admirável Mundo Novo. São Paulo: Ed. Circulo do livro S.A, 1989.

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APRENDIZAGEM MEDIADA NO TRATAMENTO DE DEPENDENTES QUÍMICOS EM COMUNIDADE TERAPÊUTICA

Foto Este artigo tem por objetivo apresentar os Critérios da Experiência de Aprendizagem Mediada – EAM, de Reuven Feuerstein, como suporte pedagógico ao profissional e colaborador no tratamento de dependentes químicos em comunidade terapêutica. Palavras-chave: dependente químico, comunidade terapêutica, mediação, aprendizagem mediada.

Osvaldo Christen Filho Psicólogo clínico, especialista em Dependência Química e Comunidade Terapêutica pela Faculdade Luterana de Teologia e Cruz Azul no Brasil. Formado no curso de "Intervenção Cognitiva" de Reuven Feuerstein: "Programa de Enriquecimento Instrumental – PEI".

INTRODUÇÃO Drogas desorganizadoras denunciam um tema angustiante para as pessoas, atingindo não somente seus usuários, mas, a sociedade como um todo. Os meios de comunicação trazem diariamente ocorrências nocivas do álcool e drogas no trânsito, na vida familiar e comunitária. Medo e inse gurança 18

ameaçam a população. Poderes públicos aparecem frequentemente realizando prisões de traficantes. Pior, o que se via em noticiários, com aparência distante, atinge um círculo cada vez menor e próximo a todos, tornando-se uma realidade assustadora. Entre os diversos tipos de tratamento oferecidos, destaca-se, como


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descrito mais adiante, um forte aliado aos serviços de atendimento - as Organizações Não Governamentais – ONGs. Sua participação no tratamento de dependentes químicos diferencia-se de outros modelos pela atenção psicossocial em comunidade terapêutica. Para dentro deste contexto serão analisados e articulados os Critérios da Aprendizagem Mediada – EAM de Reuven Feuerstein. DEPENDÊNCIA QUÍMICA E SUAS PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS A dependência de substâncias p s i c o a t i v a s ( S PA s ) e n c o n t r a - s e classificada no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-IV (2000, p.171-262) no capítulo de Transtornos Relacionados a Substâncias. Segundo este manual, (p.172): A característica essencial da Dependência de Substâncias é a presença de um agrupamento de sintomas cognitivos, comportamentais e fisiológicos indicando que o indivíduo continua utilizando uma substância, apesar de problemas significativos relacionados a ela.

Psicologicamente, é o resultado de um tipo de relação que o usuário estabelece com as drogas de sua preferência. É uma interação que ganha um espaço e prioridade significativos sobre os demais aspectos de vida humanos. De alguma maneira, SPAs trazem algum retorno ao indivíduo, assim entendidos ‘‘suportes’’ ou ‘‘auxílios’’ na realização de certas funções. Ex.: desinibição; ser alguém. É uma relação cons truída ao longo do tempo, inespecífica quanto ao biotipo, personalidade, sexo, status social, idade ou raça. Uma vez satisfeita uma necessidade, associada com o uso da drogas, o indivíduo passa a acreditar na lógica: "se usar – então me sairei bem (melhor)". Decorrentesdesseestadopsicológico, alterações comportamentais são observáveis, especialmente quando a preocupação central do indivíduo se resumir em: qual 19

droga usar, onde e como obtê-la. Esse é o meio tempo em que relacionamentos sociais afetivos, de trabalho, estudo e lazer ficam prejudicados. O usuário dependente experimenta ansiedade, raiva, insônia e outros sintomas enquanto busca novas doses. A capacidade de raciocínio fica como que refém da busca exclusiva da droga. O indivíduo experimenta o que se denomina de fissura (um forte impulso subjetivo para usar uma substância). Riscos pessoais e de outras pessoas nesses momentos de crise ficam suspensos; a antecipação de consequências fica anulada; valores morais e éticos perdem seu poder. A dependência fisiológica que pode ou não acompanhar a psicológica, caracteriza-se pela presença de dois componentes: a tolerância e a abstinência, descritos pelo DSM-IV (2000, p. 172173). Várias serão as tentativas individuais, de suporte leigo ou profissional, de deixar uma ou mais drogas. Dentre todas, uma opção que requer internamento em comunidade terapêutica, passa a ser apresentada.

COMUNIDADE TERAPÊUTICA A Prefeitura Municipal de São Paulo (2006, p. 25) relaciona uma série de possibilidades de tratamento, agrupandoas em uma pirâmide. Nela encontram-se hospitais, ambulatórios, hospitais-dia, enfermarias e centros de internação, clínicas de tratamento e comunidades terapêuticas. Segundo Leon (2003, p.14-21), o termo "comuni dade terapêutica", doravante também denominada de CT, é um termo moderno, atribuindo-se sua origem a tratamentos psiquiátricos na Grã Bretanha no curso dos anos de 1940. Maxwell Jones (1953), um psiquiatra no Reino Unido, foi um dos pioneiros a utilizar o modelo de comunidade terapêutica psiquiátrica em torno de 15 anos antes das CTs surgirem como tal na


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América do Norte. Trata-se de uma possibilidade de abordagem grupal do paciente. O modelo de Jones difundiuse para outras partes da Europa. Nos Estados Unidos versões modificadas da CT psiquiátrica foram adaptadas para o tratamento de dependentes de SPAs. Leon relata que nos anos de 1960 e 1970 proliferaram na Europa e América do Norte programas de tratamento que remetiam seu programa conceitual ao grupo de Oxford, na Inglaterra (1921). Este grupo foi fundado por Frank Buchman, ministro evangélico luterano, objetivando um renascimento espiritual dos cristãos não comprometidos com sua fé. Transtornos mentais e alcoolismo foram contemplados pelas preocupações do movimento, pois constituíam sinais de uma situação espiritual deteriorada. Segundo Leon, ibid., p. 18: [...] parte das ideias e práticas comumente sustentadas incluía a ética do trabalho, o cuidado mútuo, a orientação partilhada e os valores evangélicos da honestidade, da pureza, do altruísmo e do amor, o autoexame, o reconhecimento dos defeitos de caráter, a reparação por danos causados e o trabalho conjunto.

Ta i s e l e m e n t o s a j u d a m a compreender o componente espiritual religioso presente na maioria das CTs. A introdução de conceitos técnicocientíficos advém, no Brasil, com a Resolução de Diretoria Colegiada – RDC 101, (2001,Anexo I, Item 2). EQUIPE DE COLABORADORES E PROGRAMADE TRATAMENTO O transtorno da dependência química atinge o indivíduo na totalidade de seus aspectos de vida. A execução do programa terapêutico nas CTs é realizada por pessoas que articulam suas áreas de conhecimento com a realidade do dependente químico em tratamento com o objetivo de oferecer-lhe apoio e desenvolvimento bio-psico-sócioespirituais. Por isso, são bem-vindos

conhecimentos de diversas áreas, destacando-se: ciências da saúde, sociais, econômicas, direito, educação, administração, agricultura e teologia. Leon, op.cit., p.165, refere-se ao corpo de funcionários como "uma combinação de profissionais tradicionais e não tradicionais que ocupam uma variedade de posições clínicas", ou seja, remunerados ou não remunerados, respectivamente. Podem incluir pessoas dependentes de SPAs que já concluíram o tratamento. Esta equipe de colaboradores em CT é objeto de análise no processo de ensino-aprendizagem abordado neste artigo na qualidade de mediadores. O DEPENDENTE QUÍMICO INTERNADO EM COMUNIDADE TERAPÊUTICA Possivelmente, qualquer dependente de SPAs apresente um perfil semelhante ao descrito neste artigo, sem necessariamente frequentar uma CT para tratar-se. Os aspectos que definem o perfil do dependente químico internado em CTs a seguir relacionados, são os de ordem psicológica. Leon, op.cit., p.40, nomeia como "áreas e indicadores da manifestação concreta do transtorno": uma vida em crise, incapacidade de manter a abstinência, disfunção social e interpessoal e um estilo de vida antissocial. Como "características cognitivas típicas dos usuários abusivos em CTs" o mesmo autor, ibid., p.54, relaciona: carências de percepção, deficiência de julgamento, carência na identificação de relações, carências na compreensão da realidade [prova de realidade], capacidades pessoais. Focando os dependentes de álcool, Rigoni et al. (2009, p. 740, apud CUNHA & NOVAES), citam o compromentimento cognitivocorrespondente: O uso agudo do álcool tende a comprometer a capacidade de atenção, memória, funções

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executivas e visoespaciais, enquanto o uso crônico altera a memória, a aprendizagem, a análise e síntese visoespacial, a velocidade psicomotora, funções executivas e tomada de decisões, podendo chegar a transtornos persistentes de memória e demência alcoólica.

A experiência no tratamento de dependentes de SPAs em CT permite acrescentar: comportamen tos de impulsividade, intolerância, dificuldades em resolver problemas e antecipar consequências, deficiências de repertório verbal, egocentrismo e predominância do afetivo em detrimento ao racional. Talvez ‘‘comportamento disfuncional’’ resuma essas características. Cumpre esclarecer que adictos ou portadores de necessidades especiais não apresentam déficits cognitivos de maneira exclusiva. Em geral, qualquer pessoa tem funções cognitivas mais desenvolvidas do que outras. Conforme as teorias de aprendizagem Construtivistas, em especial a Teoria de Aprendizagem Mediada de Reuven Feuerstein, o funcionamento mental de qualquer pessoa emerge das interações do indivíduo com o meio, podendo ser desenvolvido ao longo da vida, especialmente através de mediações qualitativas. Isto quer dizer que é possível aprender sempre, em qualquer época da vida, abrindo oportunidades de desenvolvimento para qualquer ser humano. REUVEN FEUERSTEIN E A TEORIA DEAPRENDIZAGEM MEDIADA Reuven Feuerstein nasceu em Botosan, Romênia, no dia 21 de agosto de 1921. Meier e Garcia (2008, p.25-27), relatam de sua descendência judaica e residência em Israel desde 1944, ano em que se formou em Psicologia no "Onesco College" em Bucareste. Completou sua graduação em Psicologia Clínica e Geral sob orientação de Andre Rey e Jean Piaget, com quem trabalhou a partir de 1952. Sua biografia inclui a tese de doutorado em

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1970 na área da Psicologia do Desenvolvimento; cargos de direção em escolas, institutos de psicologia, redação de artigos e livros, conferências internacionais, e presidência do "International Center for the Enhancement of Learning Potential ICELP". Sua proposta educacional surgiu a partir de observações, experiências vivenciais e reflexões no Serviço Psicológico do Departamento de Youth Aliya, "uma instituição dedicada à tarefa de receber e integrar as crianças judias que chegavam a Israel" (p.27), que presidiu até sua aposentadoria, em 1983. As crianças citadas apresentavam defasagens de três a seis anos em relação a um padrão de aprendizagem quanto a operações mentais da aritmética, abstração, simbolização, falta de curiosidade, de interação e exploração. Em Israel tornou -se necessária uma revisão de conceitos de aprendizagem, de avaliação e programas pedagógicos. Fortemente influenciado por Piaget, Feuerstein contrariou conceitos estáticos e imutáveis de desenvolvimento humano como testes psicométricos, a psicanálise, e o comportamentismo (GOMES, 2002, p. 64-65). O fator de modificabilidade (p.66) constituiu-se essencial como contrapropos ta às concepções reinantes: A Teoria da Modificabilidade Cognitiva Estrutural (TMCE), conforme indica o próprio nome, baseia-se na modificabilidade, na flexibilidade da estrutura cognitiva, e tem como um dos aportes conceituais centrais o pressuposto de que o ser humano é dotado de uma mente plástica, flexível, aberta a mudanças, assim como dotado de um potencial e de uma propensão natural para a aprendizagem. Essa concepção traz esperança por investir no potencial humano em poder superar condições limitantes (que se constituem desafios especiais para


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dependentes químicos em tratamento). Surge, entre 1950 e 1963, o conceito de Experiência de Aprendizagem Mediada (EAM). Aqui é apropriada a conceituação da EAM por Feuerstein, citada por Gomes, ibid., p.80:

Reflexos da EAM também serão observados na autoimagem e autonomia.

A teoria de EAM – definida como a qualidade de interação entre o organismo e o meio – produz-se pela interposição de um ser humano iniciado e intencionado, que medeia o mundo e o organismo, criando no indivíduo a propensão ou tendência à mudança pela interação direta com os estímulos. A EAM é a única que produz a flexibilidade, a autoplasticidade na existência humana e, em última instância, oferece-lhe a opção de modificabilidade... (Feuerstein, 1997, p.15).

Segundo Sasson (2001, p.21), los componentes del proceso holístico del aprendizaje mediado, os quais denomina de polos, são: ambiente (entorno); mediador; aprendiz (el alumno) e conteúdo (el contenido o los materiales). O mediador é responsável pela articulação desses quatro polos.

A EAM de Feuerstein, ao lado da aprendizagem direta do indivíduo em seu meio ambiente, distingue o papel decisivo do mediador no processo de ensinoaprendizagem, tornando-se uma modalidade diferenciada e complementar de aprendizado. Os aspectos básicos desta teoria incluem: a) o con ceito de modificabilidade; b) a observação do potencial de aprendizagem na utilização de experiências prévias para o enfrentamento e/ou adaptação a situações novas; c) a diferenciação do conceito de modificabilidade em comparação com fases de desenvolvimento; d) conceito de modificabilidade segundo ato volitivo, imprevisível, pelo qual o indivíduo pode evoluir, tomando rumos totalmente diferentes de trajetórias pré-determinadas; e) não dispensa de aspectos afetivos, emocionais e motivacionais do comportamento humano nos processos de aprendizagem; (SASSON, 1998,p.177–179). Todo ser humano é, pois, modificável. A modificabilidade de um indivíduo é consequência de sua capacidade de aprender. A EAM não prescinde da interação humana. Mas nem toda interação humana atende os aspectos da EAM formulada por Feuerstein. O resultado final desenvolve no indivíduo a capacidade de articular de forma autônoma suas interações com o meio em que vive, com maior eficiência intelectual.

O PARADIGMA HOLÍSTICO DE APRENDIZAGEM MEDIADA

Ambiente O ambiente pode favorecer ou não a aprendizagem mediada. Em uma CT, pode perpassar as intensas relações humanas que ocorrem como um todo, seja do ponto de vista clínico, laborativo, cultural, espiritual, profissional ou outra categoria. Por isso a CT não se reduz a um ambiente escolar. Segundo Feuerstein, citado por Sasson e Macionk (2010), um ambiente favorável à aprendizagem é: a) dinâmico; b) flexível; c) individualizado; d) exigente; e) confiante; e f) valorizante. Mediador Sasson (2009), apresenta requisitos necessários ao mediador que qualificam o ato de mediar: a) a necessidade de conhecer e refletir os vários Critérios da EAM (citados mais adiante neste artigo); b) o conhecimento das várias habilidades cognitivas, metacognitivas, afetivas e sociais que formam a base intelectual do aprendiz e que afetam o aprendizado; c) a auto percepção de papel transitório que desempenha na vida do aprendiz; d) a noção de que pais, cuidadores, educadores, terapeutas e outros profissionais também são mediadores no processo de aprendizagem mediada; e) a 22


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conscientização de que seu papel no processo educativo é extremamente importante por ser ele o articulador de todos os polos do paradigma holístico de aprendizagem mediada. O próprio mediador deve se modificar frente aos requisitos apresentados. Não basta um treinamento com respostas passageiras. Há que se conscientizar do papel permanente de mediar, vivendo-o nas atividades relacionais, enxergando e aproveitando oportunidades, sendo criativo. A motivação do mediador será sentida pelo aprendiz e trará diferença entre valor transmitido e valor mediado, quanto a marca e impacto deixados pela EAM na vida do mediado. Sasson (2001, p.58) e Gomes, op.cit., p. 80-81, reproduzem um esquema desenvolvido por Feuerstein para ilustrar a Experiência da Aprendizagem Mediada da seguinte maneira:

serem, por este, avaliadas. Ao colaborador em CT se abre a possibilidade de deixar-se provocar pelo conceito de mediador. Aprendiz O aprendiz é o alvo, objeto de todo investimento dispendido no ato de mediar. De acordo com Sasson, ibid., p.23, são três os conjuntos de pré-requisitos necessários do aprendiz: "1. Las habilidades psicomotrices; 2. Las funciones cognitivas; 3. Las habilidades afectivas y también los prerrequisitos sociales." No primeiro deles, o aprendiz pode ser portador de transtornos de ordem biológica, endógena, motora, para captar informações ou executar tarefas. No segundo, o aprendiz pode apresentar dificuldades nas funções de entrada, elaboração e/ ou respostas necessárias a um ato mental. Finalmente, nas habilidades afetivas e sociais, o aprendiz pode ter sua auto imagem afetada pelo modo de relacionar-se com os outros. Um ou mais desses aspectos podem ser responsáveis pelo bloqueio ao desenvolvimento do potencial de aprendizagem (SASSON, ibid., p.37). O aprendiz na CT, neste artigo, é o dependente químico internado. Conteúdo

Figura 1 - Experiência da Aprendizagem Mediada, por Feuerstein

A letra "H" representa necessariamente uma presença humana como mediador. A letra "S" representa os estímulos aos quais um indivíduo está exposto; a letra "O", representa esse indivíduo. Observe-se que existem estímulos que chegam ao indivíduo sem a mediação. Este esquema apresenta, pois, a existência de dois modos de aprendizagem: um pela exposição direta aos estímulos, e outro pela mediação humana. A letra "R" representa a resposta que o indivíduo dará após elaborar estímulos recebidos. As respostas também podem tornar-se objetos de mediação do mediador, em forma de feedback, após 23

O conteúdo é uma ferramenta, um meio pelo qual se deseja transmitir uma ideia ao aprendiz, ou ajudá-lo a adquirir um valor ou um significado. Sasson, ibid., p.24, apresenta dois tipos de conteúdo: os pertencentes a determinada disciplinaciência, ou conhecimento, geralmente relacionados em um plano de estudo, currículo escolar e, os livres de conteúdos de uma determinada área de conhecimento. Diz ele: Los otros materiales libres de contenido, como el de Feuerstein, representam una lección distinta. Estos programas tienen y han desarrollado, para lograr los mismos objetivos, una serie de actividades que no están diretamente relacionadas con temas especificos que se enseñan en cualquier otro contexto.


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Para ilustrar referidos los otros materiales libres de contenido, Sasson, ibid., p.38 e Gomes, op.cit., p.191, apresentam o Programa de Enriquecimento Instrumental – PEI de Reuven Feuerstein. Os instrumentos formam uma série de exercícios preparados para despertar a motivação do aprendiz e mobilizam as funções cognitivas de input, elaboração e output, exercitando, assim, as funções cognitivas envolvidas na

percepção, elaboração e formulação de respostas do indivíduo. Contudo, materiais livres de conteúdo também podem ser encontrados em contextos de aprendizagem informal. Sasson e Macionk (2010) exemplifica o ambiente familiar, o contexto escolar, social e profissional, onde outros serão os mediadores, outras as experiências e relacionamentos, e outros materiais estarão disponíveis. Em uma CT podem

Figura 2 - Aprendizagem Mediada - Paradigma Holístico

ser citados os momentos de convívio, as regras, o ócio produtivo, atividades culturais, as palestras, as terapias individuais e de grupo, o lazer. Enfim, ocasiões e materiais disponíveis na CT tornam-se fortes aliados à EAM. OS CRITÉRIOS DA EXPERIÊNCIA DE APRENDIZAGEMMEDIADA–EAM

Mais uma vez: duas são as modalidades de apren dizagem: a exposição direta ao objeto e a interposição de um mediador entre o aprendiz e estímulos que desafiam a cognição deste último. Sasson (2001, p.59) diz que "Hay una complementariedad entre ambas modalidades e estilos". Por que razão? Este mesmo autor explica: a) a EAM ajuda 24


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Figura 3 - Critérios da Experiência da Aprendizagem Mediada - EAM

a criar na estrutura mental uma zona mais sensível, receptiva e aberta ao aprendizado; b) a EAM pode compensar prejuízos que o aprendiz apresenta em sua história de desenvolvimento por razões etiológicas, biológicas ou ambientais; c) Nunca é demasiadamente tarde para aprender, tampouco nunca é tarde demais para mediar. Nesta concepção, o mediador não estabelece a priori quaisquer impedimentos à possibilidade do aprendiz em modificar-se. Segundo Sasson e Macionk (2010), Reuven Feuerstein conceitualizou 12 critérios que orientam uma EAM, quais sejam: Os três primeiros critérios: intencionalidade e re ciprocidade; transcendência; e mediação de significado são imprescindíveis à ocorrência de uma EAM, explica Sasson (2001, p.59). Os outros nove critérios, embora tenham uma 25

função estruturante e determinante na mediação - dependem mais de situações específicas e do contexto cultural. CONCLUSÃO Diante do exposto, três conclusões apresentam-se em relação ao tratamento de dependentes químicos na modalidade de comunidade terapêutica: 1. A reunião em um só lugar dos quatro polos da visão holística de aprendizagem mediada; 2. A teoria da experiência de aprendizagem mediada – EAM de Reuven Feuerstein pode servir de suporte teórico às práticas de ensino-aprendizagem aplicadas no contexto clínico de tratamento de dependentes químicos em comunidade terapêutica; 3. Os critérios de aprendizagem mediada de Reuven Feuerstein podem servir de suporte pedagógico técnico e motivacional aos colaboradores no tratamento de dependentes químicos em


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CT. A observação dos citados critérios trará repercussões na qualificação dos mediadores e efetividade do tratamento. REFERÊNCIAS ANVISA. Resolução – RDC n. 101 de 30/05/2001. Brasília,DF:D.O.de31/05/2001. CHRISTEN FILHO, O. Aprendizagem Mediada no Tratamento de Dependentes Quimicos em Comunidade Terapêutica. 2011, 41 f. Monografia (Pós-Graduação em Intervenção Cognitiva e Aprendizagem Mediada) - Instituto Superior de Educação Nossa Senhora de Sion e Centro de Desenvolvimento Cognitivo do Paraná, Curitiba. DSM-IV. Transtornos Relacionados a Substâncias. PortoAlegre, 2000, p. 171-262, 845 p. GOMES, C.M.A. Feuerstein e a Construção Mediada do Conhecimento. Porto Alegre: Artmed Editora, 2002, p.35- 107, 298 p.Larajene LEON, G.D. A Comunidade Terapêutica. Teoria, Modelo e Método. São Paulo: Edições Loyola, 2003. 479 p. MEIER, M. GARCIA, S. Mediação da Aprendizagem. Contribuições de Feuerstein e de Vygotsky. Curitiba: Edição dos autores, 2008, 212 p. PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. Guia Prático sobre Uso, Abuso e Dependência de Substâncias Psicotrópicas para Educadores e Profissionais da Saúde. São Paulo: Secretaria de Participação e Parceria, 2006, 117 p.

RIGONI, M.S. et al. Prontidão para mudança e alterações das funções cognitivas em alcoolistas. Maringá: Psicologia em Estudo, 2009, vol.14, n.4, pp. 739-747. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_artte xt&pid =S1413-73722009000400014>. Acesso em 04/11/2010. SASSON, D. Del cambio estructural a la autoimagem positiva. In: MARTINEZ, J.M.; & GARBO, R. (Eds). ¿Es modificable la inteligencia? Madrid: Bruño, 1998. ________. Los componentes del proceso holístico del aprendizaje mediado. In: Memorias del 10 Congreso Latinoamericano de Aprendizaje Mediado. BuenosAires: Stella. 2001. 65 p. ________. La Mediación en los procesos de formación de niños y jóvenes. Revista Internacional Magisterio. Fascículo 40, 2009. Disponível em: <http://www.magisterio.com. co/web/index.php?option=com_content&view=articl e&id =544&catid=69&Itemid=63>. Acesso em 21/09/2010. SASSON, D. e MACIONK, M. Programa de Enriqueci mento Instrumental de Reuven Feuerstein. In: Apostila do Curso de Pós Graduação Lato Sensu em Intervenção Cognitiva e Aprendizagem Mediada. Centro de Desenvolvimento Cognitivo do Paraná e Instituto Superior de Educação Nossa Senhora de Sion. Turma 2009/2010. Curitiba, 2010.

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A ESCUTA QUE HUMANIZA

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Therezinha Moura Jorge Psicóloga pós-graduada em DQ & CT – FLT e Adm. de Recursos Humanos – PUC. Responsável técnica daAssociação CSS Regional Curitiba/PR. E-mail: there.moura@uol.com.br

RESUMO A sugestão deste estudo é abordar a possibilidade de humanização por meio de procedimentos científicos que se demonstram simples em sua efetivação. Recorre à Psicologia Humanista citando alguns autores que demonstram a riqueza e a credibilidade dessa reconhecida abordagem. Na sequência, procura 27

ilustrar tais conhecimentos por meio do exemplo de uma instituição que revela em sua prática atual bem-sucedida, abordagens que vem se identificando como importantes ferramentas no tratamento da Dependência Química. PA L AV R A S - C H AV E : P s i c o l o g i a humanista. Espiritualidade. Comunidade terapêutica.Dependênciaquímica.


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PALAVRAS E VISÕES RECONHECIDAS PELA CIÊNCIA

mesmo. Para exemplificar esses pressupostos, Rogers (1978, p.264) esclarece da seguinte forma:

Felizes, antes, os que escutam a palavra de Deus e a cumprem. (Lucas 11:28)

As questões que envolvem o comportamento humano, suas razões e as maneiras de agir sobre intrigantes condutas fizeram com que se gerasse, ao longo da história, três grandes grupos da Psicologia ( FALCÃO , 2010) que são assim denominados: Comportamentalismo – considera as

influências ambientais ou do meio. Psicanalismo – enfatiza fatores internos: inconsciente e instinto. Humanismo e Existencialismo – destacam o homem e o que lhe é essencial. O Humanismo, chamado também de Terceira Força, tem a sugestão de valorizar o sentido da existência. Prefere o estudo do ser humano em seu potencial positivo e trabalha a psicologia a partir da saúde e do crescimento. O presente estudo discorre sobre esta abordagem, a qual oferece a possibilidade de impulsionar o desenvolvimento e a restauração de vidas humanas. Um subsídio apropriado no sentido de esclarecer a visão humanística vem de Crema (1985), quando afirma que a proposta junto à pessoa é “...que não vise ao poder de curar e, sim, facilite apenas que a pessoa atualize seu potencial de saúde e sua vocação para a vida, devolvendo a ela seu poder” (CREMA, 1985, p. 14). Para isso, coloca-se a necessidade de escutar a pessoa e conhecer a sua vida. Este princípio revelase como um denominador comum em Carl Rogers (1978), Eric Berne (1988) Viktor Frankl (2006) e demais autores humanistas consagrados: Escutar! De forma autônoma, inclinar-se para que essa escuta tenha como principal foco o ser humano, o qual se iguala ao terapeuta em sua essência, mas que se distingue enquanto pessoa que precisa escutar a si 28

O ser humano, como todos os organismos, tende a crescer e a se atualizar. É claro que todos os fatores sociais, econômicos e familiares podem interromper esse crescimento, mas a tendência fundamental é em direção ao crescimento, ao seu próprio preenchimento ou satisfação. Costumo exemplificar esse processo lembrando batatas que guardávamos no porão da nossa casa na fazenda. Elas criavam brotos porque havia uma janelinha no quarto. Era uma tentativa inútil, mas parte da tentativa do organismo de se satisfazer. Você consegue um produto muito diferente quando planta uma batata na terra, e comparo esse processo ao que pode ser encontrado em delinquentes e em pessoas que são tidas como doentes mentais: o modo como suas vidas se desenvolveram pode ser muito bizarro, anormal; no entanto, tudo o que elas estão fazendo é uma tentativa para crescer, para atualizar seus potenciais. O fato de essa tentativa causar maus resultados situa-se mais no meio ambiente do que na tendência básica do indivíduo. A pedra fundamental da psicologia humanista, pelo menos como eu vejo, é, portanto, essa crença de que o ser humano tem um organismo positivo e construtivo.

Nesse contexto, entende-se que o papel do terapeuta é ser o facilitador do crescimento humano, acolhendo seu cliente em todos os seus aspectos, quer sejam positivos, negativos ou ambíguos, de maneira a captar as emoções e vivências ainda não explicitadas. Assim ocorre a ajuda terapêutica que pode amadurecer o conceito que a pessoa tem de si e reavaliar suas estratégias de vida e visão de mundo, facilitando a conquista de sua liberdade. O que fornece crédito a essa visão é a conquista de inúmeros adeptos e significativos resultados que ganharam espaços em diversos ambientes. Atualmente se vê exemplos na Educação, nas Organizações, assim como, em


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Comunidades Terapêuticas, integrando o programa de tratamento em dependência química. PALAVRAS QUE APROXIMAM E TRANSFORMAM PESSOAS Bem-aventurado quem for capaz de uma boa conversa; ele vai encontrar alívio para sua dor! (Frei Carlos Mesters)

A mesma razão que moveu os autores humanistas, também mobiliza profissionais que estão próximos do nosso cotidiano. Um exemplo vem de Márcio Lúcio de Miranda - discípulo brasileiro de Carl Rogers, médico e terapeuta de Minas Gerais - que trabalha no que denominou de Relação de Ajuda. Partindo do princípio de que “ninguém sai ileso de um encontro com outra pessoa”, Feldman e Miranda (2001, p.45) apresentam a necessidade de escutar e conhecer a vida daquele que precisa se expressar e valorizar sua voz no ambiente onde está. Os que exercem a escuta são denominados por Feldman e Miranda (2001, p. 28) como pessoas significativas por serem aquelas que “tem internalizadas as dimensões: aceitação incondicional, empatia, transparência, imediaticidade, confrontação paramelhor econcreticidade”. Tal intervenção, que busca o bemestar do ser humano, também pode ser encontrada em demais estudos elaborados em diferentes localidades de nosso país. Estudos esses, que se apresentam muitas vezes como subsídios e ferramentas no tratamento da dependência química em comunidades terapêuticas. Ao discorrer sobre esse assunto, Kuchenbecker, (2011, p. 24) profissional especialista na área, atuante em Santa Catarina, afirma que “os terapeutas precisam, inicialmente, ouvir atentamente aquele que busca a sua ajuda. Essa ajuda também é repassada através da conversação”.

reside em São Paulo, por meio de seus relevantes estudos e vivência em comunidade terapêutica lembra que “é conversando que as pessoas se convencem, se convertem. A conversa produz conversão e se torna fonte de felicidade para muita gente!”. Na continuidade, expõe que: Estes sofrimentos do dia a dia são os que provocam a maior parte das conversas entre as pessoas, pois é neste ponto de sofrimento que todos nós temos alguma experiência, descobrimos algum remédio ou consolo para partilhar com os outros, mesmo sem nunca ter lido a bula. (MESTERS, 2010, p.17)

Ao mencionar “remédio ou consolo”, Mesters (2010) traduz de maneira singela o objetivo da Relação de Ajuda. Comparação semelhante encontrase na visão de Kuchenbecker (2011, p. 25) ao relatar que “na relação terapêutica, tanto o ouvir quanto o falar do terapeuta são a 'prescrição do remédio' e o ouvir e o falar do aconselhando são o tomar o remédio”. Dessa forma, verifica-se que visões provindas de distintos lugares, convergem para caminhos que levam ao mesmo propósito, ao mesmo remédio, aqui entendido como o encontro entre duas pessoas que pode propiciar o bemestar e a saúde para ambos. Visões como estas se evidenciam como eficazes soluções em comunidades terapêuticas que buscam aprimorar suas abordagens de tratamento. Somar forças nesses ambientes, significa a abertura para diferentes áreas do conhecimento e múltiplas experiências que procuram cuidar do precioso bem que é a vida. Ponto esse também abordado por Kuchenbecker (2010, p. 21) ao comentar que [...] é um espírito interdisciplinar que move as ações e ideais das comunidades terapêuticas. O ser humano é por demais complexo para ser tratado integralmente por apenas uma espécie de especialista. Quem quer ajudar outro ser humano precisa ser humilde para assumir suas próprias limitações e aceitar a ajuda de outras áreas

Já Mesters (2010, p. 15), que 29


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do conhecimento.

Acreditando nessa forma de ver e de agir, uma comunidade terapêutica com sede administrativa em Curitiba, no estado do Paraná, acolhe e incorpora vários saberes profissionais em sua proposta de tratamento. Já em 2004, a Associação CSS Casas do Servo Sofredor, como é legalmente denominada, abriu suas portas para acolher os conhecimentos de Márcio de Miranda. A partir de uma formação voltada para a equipe de colaboradores e voluntários da instituição ministrada por esse discípulo humanista, efetivou-se o trabalho denominado de Escuta Terapêutica. Esta abordagem desde então vem ampliando sua voz junto às demais intervenções terapêuticas oportunizadas pela instituição. Atualmente são realizados atendimentos individuais com frequência semanal para cada um dos residentes. Quinzenalmente acontece o encontro dos terapeutas que se dedicam a estudos e trocas de experiências para desenvolver esta abordagem. Por meio da consciência de que todos que ali se encontram, em razão de suas experiências pessoais, profissionais e espirituais, são considerados aptos para estarem à frente de pessoas que também buscam recuperar sua integridade, foi gerado um fértil ambiente de aprendizado em humanização. Relatório oficial (2012, p.10), que demonstra o trabalho desenvolvido pelas unidades que compõem essa Associação, aponta que em 2012 foram realizados 1.590 atendimentos deEscutaTerapêutica. A importância que as pessoas envolvidas agregam a esse trabalho é um fato que se destaca na instituição. A Escuta se revela como um procedimento que gera confiabilidade e visíveis resultados positivos nas pessoas em tratamento, as quais facilmente se adaptam a essa terapia que passa a fazer parte de sua rotina semanal e de seus novos hábitos saudáveis de vida. 30

Neste sentido, a possibilidade de humanizar se torna caminho, verdade e vida na prática da Escuta Terapêutica que é vista atualmente na Associação CSS como um dos pilares que sustentam a recuperação das pessoas dependentes de substâncias psicoativas. REFERÊNCIAS ASSOCIAÇÃO CSS - Casas do Servo Sofredor. Relatório de Atividades. Curitiba, 2012. Não publicado. BERNE, Eric. O Que Você Diz Depois De Dizer Olá? São Paulo: Nova Ed. Nobel, 1988. C R E M A, Roberto. Análise Transacional centrada na pessoa... e mais além – 2ª ed. – São Paulo: Ágora, 1985. FALCÃO, Guilherme. Disciplina: Teorias Humanas e Existencialistas ministrada no curso de Pós Graduação em Dependência Química da FLT. 24 de abril de 2010. FELDMAN, Clara; MIRANDA, Márcio Lúcio de. Construindo a relação de ajuda – 12ª ed. – Belo Horizonte: Crescer, 2001. FRANKL, Victor E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. 22ª ed. São Leopoldo: Editora Sinodal; Petrópolis: Editora Vozes, 2006. KUCHENBECKER, Luís C. Psicologia e espiritualidade como ferramentas no tratamento da dependência química. In: Revista Comunidade Terapêutica & Dependência Química em pauta. Ano IV; Número 10, p. 19 - 23. 2010. 42p. K U C H EN BECK ER, Luís C. Interfaces e fronteiras entre a Psicologia e a Teologia. In: R e v i s t a C o m u n i d a d e Te r a p ê u t i c a & Dependência Química em pauta. Ano IV; Número 12, p. 21 – 28. 2011. 66p. MESTERS, Carlos. Jesus da escuta amorosa As bem aventuranças de ontem e hoje - Belo Horizonte: O Lutador: CEAP – editora; São Leopoldo; CEBI; São Paulo: Paulus, 2010. ROGERS, Carl Ransom. Tornar-se Pessoa. 3ª ed. São Paulo, Martins Fontes, 1978.


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3º FÓRUM SUL BRASILEIRO DE COMUNIDADES TERAPÊUTICAS E AFINS Realização: Cruz Azul no Brasil – Blumenau, SC, 27 e 28 de setembro de 2012. Tema geral:“Avanços e contribuições da RDC - 029 sobre a RDC - 101

III Carta de Blumenau Saudação do Sr. Rolf Hartmann Diretor Presidente da CruzAzul no Brasil aos presentes... Adalberto Calmon Barbosa – Guaratinguetá – SP. Gerente de Projetos e Captação de Recursos da Fazendo Esperança. Adelcio Bernardin – Balneário Camboriú, SC, Diretor da Guarda Municipal de Balneário Camboriú. Antonio Fernando das Neves Filho – Blumenau, SC. Coordenador Regional da Polícia Cívil. Arsanjo Paul Colaço – Jaraguá do Sul, SC. Presidente da Associação Catarinense de Comunidades Terapêuticas ACCTE. Célio Barbosa – Teresina, PI. Presidente da Confederação Brasileira de Comunidades Terapêuticas CONFENACT e da Federação Norte/Nordeste de Comunidades Terapêuticas - FENNOCT. Cássio Slonczewski – Blumenau, SC. Presidente COMEN. Chiara Chaves Cruz da Silva – Brasília, DF. Representando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA. Edmundo Muniz Chaves – Bauru, SP.Administrador da Comunidade Terapêutica Esquadrão da Vida. Hélio Ferreira das Chagas – Brasília, DF. Representante do Dep. Distrital de Brasília Wellington Luiz (Presidente da Frente Parlamentar contra o Crack da Câmara legislativa do Distrito Federal). Ismael dos Santos – Blumenau, SC. Deputado Estadual e Presidente do Fórum Parlamentar de Combate e Prevenção às Drogas de Santa Catarina, SC -Blumenau –SC. Dra. Maika Arno Roeder - Florianópolis – SC. Dra. em Ciências Humanas. Coordenadora da área de Comunidades Terapêuticas no estado de Santa Catarina, pela Diretoria de Vigilância Sanitária de SC. Marcos Mey – Blumenau, SC. Presidente do Centro de Recuperação Nova Esperança – CERENE. Maurício Landre – Campinas SP. Coordenador Comunidade Terapêutica Santa Carlota – FEBRACT. Mauro Luis de Medeiros – Blumenau, SC. Gerente do COMEN de Blumenau. Padre Vitor Hugo Gerhard – PortoAlegre, RS.Assessor de Comunidades Terapêuticas do RS. Paulo Roberto de Souza – Bal. Camboriú, SC. Presidente do COMAD e diretor do Resgate Social do Município. Rolf Hartmann – Blumenau, SC Diretor Presidente da CruzAzul no Brasil. Dr. Robson Robin – Brasília – DF. Coordenador-Geral de Políticas de Redução da Oferta da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD). Rosangela Scurssel – Novo Hamburgo, RS. Representante do Padre Haroldo, delegada FEBRACT, RS. Cel. Valmor Raimundo Machado – Florianópolis, SC. Presidente da Federação de Comunidades Terapêuticas de Santa Catarina – FECOTESC.

1. Palestra: Edmundo Muniz Chaves: “História e avanços da regulamentação das Comunidades Terapêuticas no Brasil”. Salientou que: Precisamos de representatividade juntos aos órgãos públicos (Febract, Feteb, CruzAzul, etc.). Precisamos melhorar nossos serviços para podermos ser vistos como uma verdadeira Comunidade Terapêutica. Enquadrar-nos às Legislações vigentes. Trabalhar para a efetivação da rede de atenção ao dependente: Comunidades Terapêuticas, CAPSaD, CRAS/CREAS, Hospitais, Casas deAcolhimento/Passagem, RepúblicasAssistidas, Pós tratamento, etc.. Articulação das Políticas de Saúde,Assistência Social, Educação, etc.. 2. Painel de Debates: “O papel das Comunidades Terapêuticas no tratamento dos Dependentes de Substâncias Psi-coativas dentro da Rede de Saúde Mental do Brasil”. 31


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3º FÓRUM SUL BRASILEIRO DE COMUNIDADES TERAPÊUTICAS E AFINS

Célio Barbosa: Explanou a formação da Confederação Nacional de Comunidades Terapêuticas – CONFENACT. Toda a atuação e encaminhamentos durante o período de dois anos. Colocou a pauta e objetivos de todos os encontros realizados: 1) União das Federações e Construção de um Consenso Sobre a Modalidade de CT; 2) Reconhecimento das CTs como modalidade de tratamento pelo Governo Federal; 3) Financiamento de vagas para Tratamento em CT pelo Governo Federal; 4)Análise das alterações entre a RDC-101 e a RDC-029. Durante este processo foi aprovada a carta de Piauí, disponível para “download” no site da Cruz Azul: www.cruzazul.org.br. Salientou também que todas as demais Federações e Associações necessitam se filiarem à CONFENACT. Igualmente todas as CT´s precisam filiar-se à Associações ou Federações Estaduais, e mostrar resultados de seu trabalho. Destacou que 90% das internações de dependentes químicos de substâncias psicoativas no Brasil estão internados em comunidades terapêuticas. E, que das 50 mil vagas oferecidas em CT´s, cerca de 32 mil estão ocupadas, havendo portanto disponibilidade de vagas. Nos encontros foi eleita também a primeira diretoria da CONFENACT, que está assim constituída: 1-Presidente: Célio Luis Barbosa – Representando a FENNOCT 2-Vice-Presidente: Pastor Wellington Vieira – Representando a FETEB 3-Secretário: Egon Schluter – Representando CRUZ AZUL NO BRASIL 4-Tesoureiro: Juliano da Silva Marfim – Representando FEBRACT.

Chiara Chaves Cruz da Silva:Abordou os seguintes assuntos: - Uso de drogas: problema de saúde pública; - Estudos sobre o consumo de drogas/crack; - Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas; - Criação da Rede deAtenção Psicossocial; - Perspectiva de integração das comunidades terapêuticas à rede pública de tratamento; - Iniciativa de retomar o debate sobre o tema; -Articulação com Ministério da Saúde, Senad, Fórum Nacional de Conselhos e Vigilâncias Sanitárias; -Articulação e orientação ao SNVS, para Gerenciamento de Riscos; - Monitoramento de denúncias por meio de canais como Ouvidoria e SAT; - Promover ações de incentivo à regularização das instituições, com destaque para a obtenção da licença junto ao órgão de vigilância sanitária local competente; - Orientar as instituições por meio de reuniões, oficinas ou seminários, com o objetivo de adequação à norma dentro do prazo estabelecido; - Desenvolver ações de comunicação para que a sociedade possa identificar eventuais riscos na prestação dos serviços e colaborar com a melhoria das instituições; - Colocou a ANVISA a disposição para as necessidades das CTs, e irão nos próximas semana agendar uma audiência das lideranças via CONFENACT para discutir a atual legislação que regulamenta o segmento.

Deputado Ismael dos Santos: Informou que na Assembléia Legislativa de Santa Catarina são 10 Deputados que fomentam debates sobre as Comunidades Terapêuticas e realizam visitas as mesmas. O deputado Ismael apresentou aos participantes do Fórum uma pesquisa da Universidade de São Paulo - USP na qual fica visível a necessidade de tratamento aos dependentes em substâncias psicoativas - SPA. Comentou também sobre a Proposta da Frente Parlamentar Sobre Drogas a qual irá destinar 0,6% orçamento da Secretaria da Saúde (R$ 1.000.000,00 p/mês) para o tratamento de dependentes químicos. Serão contratadas 10 vagas por Comunidade Terapêutica, totalizando parceria com 100 Entidades do Estado.

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3º FÓRUM SUL BRASILEIRO DE COMUNIDADES TERAPÊUTICAS E AFINS

O valor a ser pago por vaga/mensal será de R$ 1.000,00. Do valor recebido a Entidade poderá usar 60% para pagamento de profissionais e 40% para manutenção. O início deste projeto de parte do Governo Estadual está previsto a partir de janeiro 2013. Salientou, ainda que as Comunidades Terapêuticas que participaram dessa parceria deverão ter também atendimento a adolescentes; estarem já conveniadas com o Estado e credenciadas na Secretaria de Assistência Social de SC; terem uma proposta terapêutica (Programa Terapêutico). O Estado de SC financiará a vaga para tratamento pelo período de 06 meses somente. Destacou, também, a importância e realização do “1º Encontro Catarinense de Políticas Públicas sobre Álcool e outras Drogas - Drogas é Possível Vencer?”, que será realizado no dia 27 a 29 de novembro de 2012, em Florianópolis com a participação de todos os setores públicos e representações das comunidades terapêuticas, associações e federações. Maurício Landre: Atualmente trabalhando como Diretor da Comunidade Terapêutica Rural Santa Carlota (Itapira/SP). Falou de sua experiência na formação de uma Comunidade Terapêutica privada com o apoio e investimento público.

Adalberto Calmon Barbosa: Apresentou o trabalho da Fazenda da Esperança, iniciado em Guaratinguetá, SP, e que hoje possuí mais de 60 no Brasil e no exterior, com milhares de resultados positivos na recuperação de milhares de pessoas e famílias.

Padre Vitor Hugo Gerhard: Trouxe uma visão panorâmica do trabalho das Comunidades Terapêuticas do Rio Grande do Sul.

3. Palestra: Dr. Robson Robin: “Reconhecimento das Comunidades Terapêuticas pelo Governo Federal”. Dr. Robson falou sobre o reconhecimento das CT´s como instrumento para receber os dependentes químicos de substâncias psicoativas – DQSPA. Acolher e dar condições de retorno à sociedade. Frisou que o Governo Federal atual reconhece o trabalho das comunidades terapêuticas, mas também exigirá seriedade e configurações de ação de parte delas e de estarem dentro das normas mínimas exigidas pelos órgãos governamentais. Informou que no início do mês de outubro/2012 deverá ser publicado pelo Governo Federal o Edital de Habilitação das Comunidades Terapêuticas para o financiamento de vagas de tratamento. Para que as CT´s possam participar do Edital elas devem preencher alguns requisitos mínimos: a. Necessidade de Programa Terapêutico; b. Seriedade Fiscal; c. Documentação em dia; d. Configurado com as normas da ANVISA/SENAD. e. Colaboradores capacitados, através do sistema de Ensino a Distância, a ser oferecido pela SENAD. Sublinhou também que dentro da regulamentação das CT´s os CONEN e COMEN serão os “fiscais” a serviço da SENAD. E que o simples fato de participarem do recente Censo das CT´s não credencia automaticamente as mesmas para financiamento da SENAD. Outro item amplamente discutido entre os presentes e colocado para o representante da SENAD foi a questão da capacitação de obreiros de CT´s. Ou seja, já existem – há muitos anos – diversos cursos de capacitação feito pelas Federações de CT´s, e estes precisam também serem valorizados e reconhecidos pela SENAD. Não podem agora serem simplesmente ignorados. Este assunto, ainda está em aberto, e deverá ser levado pela CONFENACT para ser melhor analisado e discutido junto a SENAD. 3. Palestra: Dra. Maika Arno Roeder: “O Impacto da RDC-029 sobre nas Comunidades Terapêuticas de Santa Catarina”.Assuntos trabalhados: - Necessidade de se observar os alvarás que a grande maioria das CT's não possui;

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- Ter um padrão de registro de limpeza das caixas d'água; - A partir da RDC-029 houve uma redução de exigências de profissionais muito grande. Atualmente só é necessário um titular como responsável técnico – RT pela CT e um substituto, com formação que qualquer área. É necessário também que eles estejam sempre alguém a disposição e atendendo na comunidade. Destacou a necessidade de uma capacitação/formação para os RT´s - Redução de danos é uma etapa/estratégia para se alcançar a abstinência, e não um objetivo em si. - Preocupação da territorialização por parte de algumas CT´s, onde a grande maioria está localizada no litoral. - Parabenizou que em vários aspectos as CT's têm melhorado significativamente a partir de pesquisas feitas pela Vigilância Sanitária Estadual. Dados atuais da ANVISA: - Total de Comunidades Terapêuticas em Funcionamento: 101 - Total de Comunidades Terapêuticas não Encaminhadas: 7 - Total de Comunidades Terapêuticas comAlvará Sanitário: 60 - Total de Comunidades Terapêuticas fechadas, interditadas ou que mudaram de ramo: 27. 4. Painel de debates: “Futuro e desafios para as Comunidades Terapêuticas: Financiamento x Inclusão na Rede de Saúde Mental”. Arsanjo Paul Colaço: Organização das comunidades terapêuticas. Importância do associativismo das CT´s. Cursos de Capacitação através da Cruz Azul e outras Federações. Criação de um selo que destaca o apoio às CT´s. Padronização da nomenclatura das funções dos colaboradores das Ct´s. Adalberto Calmon Barbosa: Mudança de consciência – buscar associativismo entre as CT´s. Não depender exclusivamente dos poderes públicos para sua manutenção, mas buscar recursos também junto à sociedade. Utilização dos recursos públicos para aumentar a capacidade de atendimento; Importância da ação dos recuperandos na indicação/recomendação das CT´s.

Marcos Edwin Mey: Continuar vencendo as drogas; Aumentar o percentual de recuperação, capacitando e investindo no treinamento e capacitação dos colaboradores/profissionais da CT, as quais em sua maioria são pessoas que amam pessoas, centrados no Evangelho de Jesus Cristo. A Confederação manter e ampliar cada vez mais a luta pelas CT´s; Reconhecimento das CT´s junto aos órgãos governamentais e comunidade em geral.

Pe Vitor Hugo Gerhard: Proposição de um novo modelo/estilo de vida, como por exemplo eliminar a venda de bebidas alcoólicas nas igrejas; trabalho voluntário; Associativismo; qualificação dos colaboradores; Promover a multiplicação dos Grupos deApoio às famílias e egressos das CT´s.

Cel. Valmor R. Machado: Investir e ampliar cada vez mais na prevenção primária. Reconhecimento das CT´s.Associativismo.

Célio Barbosa: Incentivar e ampliar a formação de associações e federações Estaduais de CT´s, e automaticamente se filiarem a CONFENACT; Não utilizar os benefícios públicos (como auxílio doença do INSS) para manter a CT´s; Fiscalizar as CT´s quanto à forma de tratamento dos residentes; Cuidados com intervenção da Saúde Mental na forma de atuação das CT´s em decorrência dos financiamentos públicos às mesmas.

Além das temáticas abordadas acima, houve durante a solenidade de abertura, na quinta-feira a noite, dia 27, a apresentação do trabalho da Cruz Azul no Brasil, apresentado pelo Diretor-Presidente Rolf Hartmann. Sob o título: “Raízes e contribuições da CruzAzul para uma vida sem drogas!”.

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3º FÓRUM SUL BRASILEIRO DE COMUNIDADES TERAPÊUTICAS E AFINS O III Fórum Sul Brasileiro de Comunidades Terapêuticas e Afins teve seu encerramento às 17h00min do dia 28 de setembro de 2012, após a saudação final e agradecimentos feitos pelo Diretor-Presidente da Cruz Azul no Brasil Rolf Hartmann. Otto Müller, Diretor da Comunidade Terapêutica do CERENE em São Bento do Sul, SC, fez a oração final de agradecimento e pelo trabalho das Comunidades Terapêuticas no Brasil e no exterior. Blumenau, SC, 27 de setembro de 2012. Rolf Hartmann Diretor-Presidente da CruzAzul no Brasil Egon Schlüter CoordenadorAdministrativo e de Projetos Luis Carlos Ávila Coordenador da Área de Educação Continuada e do III Fórum Sul Brasileiro de Comunidades Terapêuticas eAfins Relatores: Marilei Tribess Cássio Slonczewski

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