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MICHAEL ARMITAGE
MICHAEL
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CONHEÇA O ARTISTA QUENIANO MICHAEL ARMITAGE. SUAS PINTURAS COLORIDAS E ONÍRICAS ESTÃO CARREGADAS DE PERSPECTIVAS PROVOCATIVAS E NARRATIVAS QUE DESAFIAM SUPOSIÇÕES CULTURAIS, EXPLORANDO POLÍTICA, HISTÓRIA, AGITAÇÃO CIVIL E SEXUALIDADE
POR EDVALDO CARVALHO
O da pintura moderna está atualizado com sucesso, você já pode apreciar as mais recentes novidades artísticas e boa parte disso se deve a Michael Armitage. Aliás, seria injusto enquadrá-lo apenas em um conceito de pintor de um “modernismo contemporâneo”, pois Armitage não apenas traz uma sobrevida à pintura figurativa, mas revela a admirável característica de fazê-la com personalidade e atitude, pontos que já marcaram muitos nomes na história da arte. Nascido em 1984, no Quênia, filho de mãe queniana e pai britânico, e atualmente vivendo (e trabalhando) entre Nairóbi e Londres, Michael Armitage é um artista que empresta sua força criativa à pintura com grande dedicação e parece carregar consigo raízes que se fixam abaixo e também ficam visíveis acima da superfície por onde ele ou sua arte passam. Sua origem africana e sua formação e vivência europeias ajudaram a criar uma singular geografia estética facilmente perceptível em quem observa suas obras pela primeira vez. Contextualizado com seu tempo (no qual temos o privilégio de viver), seus focos são as questões sociais e políticas de nossa sociedade global contemporânea, acompanhadas de questões históricas, sexualidade e lembranças da infância no país de origem. O artista não está buscando justiça para a democracia artística desprezando a tal cultura artística eurocêntrica, que já foi exaltada e hoje é acusada de ter ofuscado (e colonizado) tantas outras, mas extrai o melhor dela, atualiza-a e faz uma amálgama dela com “sua África” nativa. O resultado é um ganho imensurável para a arte da pintura figurativa.
Courtesy of the Artist and White Cube © Michael Armitage.
À esquerda: The Chicken Thief, 2019. Acima: Antígona, 2018. Pág. Anterior: Mydas, 2019. Courtesy of the Artist and White Cube © Michael Armitage.
O artista queniano vem criando com pinceladas de óleo sobre lubugo, um tipo de tecido grosseiro de casca de árvore tradicional de Uganda, obras como (2019) e (2018), que mostram os tons de melanina de figuras que revelam ao mundo uma África oriental que faz parte do mapa das artes. “De início, esforcei-me para encontrar uma maneira de trabalhar com lubugo. Meu momento ‘eureca’ foi colocá-lo sobre uma maca, exatamente como eu fazia antes com as telas comuns, e prepará-lo. Quando percebi, a pintura e a superfície estavam trabalhando juntas”, afirma Armitage sobre essa simbiose que se tornou sua arte e a superfície sobre a qual é feita. Tal simbiose é explícita em trabalhos como (2019), que exibe uma interação quase mitológica entre seres humanos, natureza, animais e a própria arte em si. Ao utilizar o tecido culturalmente significativo da casca de lubugo como superfície, Armitage não só marca um de localização em suas pinturas, como contextualiza a África Oriental com o mundo contemporâneo e convoca o espectador a filosofar sobre o lugar e o tema da arte, sobre a política, a sociedade e, acima de tudo, sobre o grande abismo que separa as classes mais ricas e mais pobres. Paralelamente a essa temática das camadas sociais, o pintor também aplica diversas camadas de tinta, as quais chega a raspar, revisar e alterar antes de considerar sua obra interessante o bastante para conversar com o público.
Richard Gibbs, 1968 À direita: Ginny, 1984. © The Estate of Alice Neel.
Pág. Anteriores: Muliro gardens baboons, 2016 eMangroves Dip, 2015.
Para Michael Armitage, “a pintura é um modo de pensar sobre algo, buscando entender, um pouco melhor, uma experiência ou um evento (...)”. Isso fica claro quando se contemplam obras como (2019), que contém diversos acontecimentos paralelos e vários personagens, exigindo-nos profunda observação e reflexão para uma boa absorção dos eventos ali pintados, além, é claro, de uma análise do contexto e da inspiração do artista. Em entrevista, Michael Armitage revela que “queria fazer um quadro sobre as relações de poder entre um líder e seus seguidores” quando desenvolveu essa obra de caráter político, fazendo referência à promessa de um candidato de levar seus partidários a Canaã, a terra prometida, na campanha eleitoral queniana de 2017.
The Promisse Land, 2019. Courtesy of the Artist and White Cube © Michael Armitage.
Armitage se formou Bacharel pela Slade School of Art em 2007, e é pós-graduado pela Royal Academy de Londres (2010). É exatamente nas galerias desta última, em parceria com o Museu (Munique), que se pode ter a oportunidade de ver a exposição que vai de 22 de maio a 19 de setembro de 2021, apresentando 15 obras de larga escala com a perspectiva ousada e agitada do artista. A Royal Academy o apresenta como um artista que faz referências de Ticiano e Goya a Manet e Gauguin, revelando o folclore, a cultura e a visão da África Oriental. Os visitantes poderão, assim, estar frente a frente com obras que apresentam um figurativismo quase onírico, como o das cores e tons de (2019) ou se transportar para o ambiente aventureiro e de crítica política
The Paradise Edict , 2019.
The Fourth Estate, 2017.
Asphalt Air and Hair, 2017, ARoS Triennial THE GARDEN, Dänemark © Katharina Grosse und VG Bild-Kunst, Bonn, 2019. Foto: Nic Tenwiggenhorn.
Pathos and the twilight of the idle, 2019. Courtesy of the Artist and White Cube © Michael Armitage.
de (2017), trabalhos onde Armitage reúne a essência da pintura moderna ocidental com suas raízes africanas e cria seu subjetivo (ou nem tanto) universo pictórico, proporcionando o belo e interessante contraste do anacronismo vanguardista com a provocativa contemporaneidade artística. É algo único e merece os holofotes que vem tendo. Preocupado com a arte para além de suas produções, o pintor está envolvido com o , um espaço institucional que reconhece e exibe o trabalho de artistas esquecidos do século 20, além de fornecer um espaço para que artistas contemporâneos tenham mais visão do que em galerias comerciais e não fiquem à mercê delas. Além de um ato de nobreza, Armitage revela ainda mais amor pela arte quando se preocupa com a preservação da memória artística e as produções de seus contemporâneos e conterrâneos, enxergando muito além das cores de sua própria paleta. As tensões entre culturas e, da mesma forma, entre figurativismo/abstração, ou ainda, realidade e mitologia, tornam a arte de Armitage inovadora e autêntica, assinando sobre lubugo o seu nome na lista de pintores de relevância na história da arte. “Acho muito difícil diferenciar entre trabalho histórico e contemporâneo. Só tenho coisas de que gosto e vejo serem interessantes (...)”, informa o artista, que parece focar mais na arte como fenômeno humano do que em conceitos e classificações. Ele se situa onde se acha mais confortável, seja no clássico, no moderno ou no contemporâneo, bebendo de fontes que o inspiram e reconhecendo o valor delas: “é bom poder ver o que outras pessoas fizeram para poder dar alguns passos em frente”. Os entusiastas de sua arte esperam que Armitage dê ainda muitos e muitos passos à frente em sua trilha estético-pictórica.
Edvaldo Carvalho é professor de arte na rede estadual de ensino do Estado do Amapá e MBA em História da Arte.
MICHAEL ARMITAGE: PARADISE EDICT • ROYAL ACADEMY OF ARTS • LONDRES • 22/5 A 19/9/2021