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YANG

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PHILIP GUSTON,

PHILIP GUSTON,

A ARTISTA SUL-COREANA HAEGUE YANG CRIA SITESPECIFICS QUE INCORPORAM TANTO A ARQUITETURA DO ESPAÇO EXPOSITIVO COMO O MATERIAL COLETADO NO CONTEXTO. SEU REFINADO E PARTICULAR TRATAMENTO DA MATERIALIDADE, COMBINADO COM O ELEGANTE SENSO DE ESPAÇO E ATMOSFERA, CONTRIBUEM PARA SUAS INSTALAÇÕES ENVOLVENTES E RESSONANTES

POR JOCHEN VOLZ

Haegue Yang (Seul, 1971), combina e faz referência a elementos diversos, especialmente objetos fabricados industrialmente com itens cotidianos. De varais de roupas a sinos, venezianas a luzes, colagens a textos, a artista, em uma linguagem própria, busca libertar os objetos de sua rigidez e limitação. Desde o início da sua carreira, em meados dos anos 1990, trabalha trazendo peças do espaço privado e doméstico para a esfera pública, não motivada pelo ato de deslocamento, mas interessada, sobretudo, no efeito estético.

Para a exposição inaugural do novo edifício da Pina Contemporânea, Haegue Yang apresenta cinco grupos de obras, em diferentes suportes, entre escultura, instalação, papel, colagem e escrita. No título da mostra, , pode-se indagar sobre o uso da palavra “quase”, com sua implicação de algo que é quase como o original ou verdadeiro, mas não exatamente. Em combinação com o termo “coloquial”, o título sugere um estado de “quase familiaridade” com um assunto ou um contexto ou mesmo um estado de estranhamento.

Yang se entende como alguém que opera do ponto de vista de uma estrangeira: ela pode nunca conseguir falar qualquer idioma coloquialmente, mas está constantemente investigando sobre uma compreensão coletiva de forma, função e racionalidade. A artista é conhecida por combinar e referenciar elementos amplamente díspares, juntando produtos feitos industrialmente e itens do cotidiano compostos por diversos materiais, técnicas, histórias e definições. Dos varais aos sinos, das venezianas às luminárias, das colagens aos textos, Yang, em linguagem própria, desloca os objetos de sua rigidez e limitação funcional. A exposição reúne peças de destaque, como as cinco esculturas geométricas feitas de venezianas, um material recorrente na produção de Yang desde 2006. As obras na Pinacoteca são intituladas [Cantos empilhados], e fazem referência à obra , do artista brasileiro Cildo Meireles (1948).

As esculturas expostas na Galeria Praça são suspensas, sendo três motorizadas, que giram em cima do espectador, e duas estáticas. A noção de movimento tem sido um dos interesses centrais no trabalho de Yang, seja um movimento real ou potencial; seja sugerindo uma dimensão política ou social. Todas as esculturas de apresentam cores como o violeta, verde, azul e o laranja, prestando homenagem à arquitetura modernista popular do Brasil. As obras complementam a parede pintada com pó xadrez vermelho que remete à construção vernacular brasileira.

Cada vez mais, seu trabalho assume uma dimensão performativa, com objetos móveis dispostos em certas coreografias. Yang é conhecida por incorporar características esculturais antropomórficas em suas obras, como nas peças de [Varais sónicos]. Esculturas sobre rodas, compostas por varais de roupa cobertos por sinos, são imbuídas de energia potencial ativada quando são colocadas em movimento por . As peças escultóricas traduzem a fronteira entre a natureza inanimada do objeto e o vigor do corpo humano, com uma potencialidade de performatividade em inúmeras variações de formas visuais.

O processo artístico de Yang passa por uma pesquisa meticulosa, como fica evidente no papel de parede imersivo de [Estrangeiro coloquial], obra desenvolvida especialmente para essa exposição, composta por grandes colagens abstratas. Cada colagem se debruça sobre um tema diferente, porém, seguindo uma estratégia recorrente na obra da artista de se preservar certo hibridismo, há uma fragmentação dos motivos incorporados. Expandindo para temas como a arte e arquitetura, a natureza, a imigração, o crime, a música e a dança, a artista faz uso do conceito de como uma oportunidade para mergulhar em um estudo eclético e subjetivo sobre o Brasil, a partir da perspectiva de uma estrangeira.

Pensando sobre o que a artista chamou de “um território indomesticável”, ela convida o espectador a pensar sobre como os artistas viajam pelo tempo e pela geografia sem conquistar nada, em um ato de travessia muito distinto. Nas peças, Yang faz colagens em que reúne imagens de olhos, orelhas e mãos de personalidades como Tomie Ohtake, Mira Schendel, Lygia Clark, Cildo Meireles, Lina Bo Bardi, Oscar Niemeyer, Caetano Veloso e Maria Bethânia, formando um mosaico em que também observamos a , paisagens, animais e frutas tropicais, instrumentos e máquinas, entre outros.

Há potentes diálogos entre a produção de Haegue Yang e a história da arte brasileira, que, por sua vez, conta com uma longa tradição de explorar a relação do objeto de arte com o cotidiano. A prática de Yang, porém, utiliza outras estratégias de transformação. Sua arte consegue apontar para estruturas sociais, culturais e econômicas, propondo linguísticas alternativas, bem como novas possibilidades de transposição, tradução e apropriação.

Alien Colloquial.

A mostra conta também com a obra [Malha hipnotizante] (2021), que tem sua ideia central construída a partir de orientações espirituais contra-autoritárias, como o xamanismo. Embora sua pesquisa seja extensa, a produção de Yang gira em torno da materialidade do papel. O , papel feito artesanalmente a partir da casca da amoreira, pode ser encontrado em diversas tradições artísticas ou ritualísticas em lugares como Japão e China. Para a produção inicial de , a artista se concentrou em motivos e objetos do xamanismo, xintoísmo e rituais folclóricos usados para criar objetos reservados para ritos de purificação, cura ou exorcização. Ultimamente, as colagens foram exibidas em cenários multicoloridos tingidos à mão e gradualmente combinadas com motivos vegetais ou animais extraídos da tradição Eslava de Ao dobrar, cortar e perfurar , Yang examina uma metodologia compartilhada entre artistas e xamãs de dar “saltos místicos” da matéria terrena para algo além.

Jochen Volz é curador e Diretor Geral da Pinacoteca de São Paulo.

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