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LUIZ ZERBINI
Cabeça de água, 2016. © Luiz Zerbini.Courtesy the artist and Stephen Friedman Gallery, London.
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AO LONGO DE SUA CARREIRA, DE MAIS DE TRÊS DÉCADAS, LUIZ ZERBINI DESENVOLVEU UM VOCABULÁRIO VISUAL COMPLEXO NA INTERSEÇÃO DE FIGURAÇÃO E ABSTRAÇÃO. JUSTAPONDO FORMAS ORGÂNICAS E GEOMÉTRICAS, AS PINTURAS DE ZERBINI EXPLORAM A RELAÇÃO ENTRE COR, LUZ E MOVIMENTO. INSPIRADA NAS FLORESTAS TROPICAIS DA AMAZÔNIA E DA MATA ATLÂNTICA, SUA NOVA EXPOSIÇÃO REFLETE O CONSTANTE INTERESSE DO ARTISTA PELA RELAÇÃO ENTRE NATUREZA E HUMANIDADE
POR LILIAN FRANÇA
A GEOMETRIA TROPICAL DE LUIZ ZERBINI
Luiz Pierre Zerbini é um artista que não teme a altura do voo. Transitou pela pintura, desenho, escultura, fotografia e gravura para depois aportar nos universos da cenografia, instalação e . Não deixou de utilizar também o som como matériaprima, especial componente dos trabalhos do Chelpa Ferro, coletivo que criou com Barrão (escultor) e Sérgio Mekler (editor de cinema) para investir na geração de novas linguagens sonoras, seja por meio de uma bateria/ (2003), um “totó treme terra” (2006) ou uma sinfonia de marretas em um Maverick amarelo ( , 2002). O elo entre todos os voos alçados talvez seja a desconstrução: da forma, da cor, do som, da expectativa, do significado, para propor o salto no vazio, espaço de descoberta. Entre novembro de 2020 e janeiro de 2021, Luiz Zerbini apresenta sua exposição intitulada , na conceituada , em Londres, espaço que já o recebeu em 2018 ( ), ocasião em que foi aclamado tanto pela crítica quanto pelo público.
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Illustrations for Oscar Wilde's Salome 1893. Stephen Calloway. Foto: © Tate
Pica-pau, 2016
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Citrine by the Ounce, 2014 © Courtesy of Lynette Yiadom-Boakye.
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A Ilha, 1995.
Em um momento em que os temas ligados ao meio ambiente acirram interesses, discussões e angústias, Zerbini mostra trabalhos imbricados ao tema das florestas tropicais, a Mata Atlântica e a Floresta Amazônica, em uma costura que reúne elementos orgânicos e abstratos para produzir um discurso que se sobrepõe à narrativa cotidiana. Tece, assim, um texto poético contundente, marcado pelas cores que se mesclam em um complexo cromático criado pelo olho do paulista/carioca/ , reinventando pontos de vista para temas sempre profundamente necessários.
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Ilha da Maré, 2014. Foto: Eduardo Ortega.
Em 1995, quando pintou , lançou mão do jogo campo/contracampo para potencializar a especularidade imersiva do espectador, que se vê circulando entre os extremos, dos contornos da ilha ao cruzamento do figurativismo com o abstracionismo formal. A estratégia se adensa em , pintada quase uma década mais tarde, quando as texturas da natureza foram sintetizadas em uma geometria pautada em formas básicas, linhas, retângulos, círculos e circunferências, distribuídos em camadas de cor e planos encadeados.
Nas telas expostas na , a profusão da diversidade contida em matas e florestas é organizada em representativos, como disparos de energia inseridos em micro quadros que compõem a superfície da obra (como em e , ambas de 2020). A composição reticulada, entremeada por nervuras, traduz o objeto à sua síntese, por vezes transformando-o em um conjunto de vibrações que descontroem a figura e recuperam suas linhas de força, como acontece com e (os dois de 2019).
A árvore do viajante, 2020.
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O argumento que rege a lógica das obras expostas não é óbvio, manifesto, antes latente, montado sobre um fluxo babélico de elementos que povoam os espaços tematizados: plantas, flores, árvores, raízes, troncos partidos, gramíneas, frutos, terra, água e toda sorte de animais/seres mais ou menos complexos. Os traços derivam (ou não) da capacidade técnica de Zerbini, que domina o pincel como a um bisturi, atravessando estradas neuronais para desobstruir os sentidos condicionados por discursos desgastados que geram o apagamento dos aspectos centrais, do que realmente merece ser dito. E visto.
A Ilha, 1995. Ilha da Maré, 2014. Foto: Eduardo Ortega. Quadrícula Grande, 2020. © Luiz Zerbini. Courtesy the artist and Stephen Friedman Gallery, London.
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As telas projetam movimentos de luzes e sombras do dossel da mata, perenemente verde, mas matizada de amarelos e vermelhos em múltiplas nuances, salpicada de azuis e tons que não correspondem à cor local, senão enquanto subterfúgio para incitar a reflexão. O crivo do fogo, que dá nome à exposição, consome, peneira e borda o cerne da motivação que consequentemente moldou cada unidade de
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Abaixo: Rio Comprido III. À esquerda: Rio Comprido V. © Luiz Zerbini. Courtesy the artist and Stephen Friedman Gallery, London.
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Flare, 2016. © Luiz Zerbini. Courtesy the artist and Stephen Friedman Gallery, London.
sentido, depurando em altas temperaturas e refinando na sutileza do resultado estético. é um palimpsesto, cada camada de sentidos inaugura uma nova indagação, resultado da mente dispersa e incrivelmente focada do artista, do pintor.
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LUIZ ZERBINI: FIRE • STEPHEN FRIEDMAN GALLERY • LONDRES • REINO UNIDO • 20/11/2020 A 9/1/2021
Lilian França é Pós-Doutorado em História da Arte pelo IFCH/UNICAMP e membro da ABCA e da AICA.