texto Fernando Mendonça fotos Divulgação ilustração Paulista
editorial
régua
A formosa do olhar Com Avenida Brasília Formosa, Gabriel Mascaro avança na sensibilização do olhar com que o cinema encontra o mundo
Em dúvida como aproveitar a sua nova edição da Eita? Aqui vão algumas sugestões:
250cm
61cm
124cm
O LUGAR DA ARQUITETURA
EITA: ESPELHO!, INSTÁVEL!, TRELA!, ALUMBRAMENTO! Boa leitura, Os editores. Recife, 2010. Eita!, ano 3, número 4
Guilherme Luigi [guilhermeluigi@gmail.com]
MNH Santos [ricoebonito@gmail.com]
Dui Aguiar [dui.aguiar@gmail.com]
Paulista [paulista.design@gmail.com]
ilu s tradore s
Gabriel Machado [gabriel.machado@gmail.com]
Ao que parece, o importante é não ficar no mesmo lugar: por isso, mais uma vez apostamos em novos talentos e na mudança do projeto gráfico, que a cada edição procura novos limites e expressividades. Editada pela Fundação de Cultura Cidade do Recife, a Revista Eita! é uma publicação da Gerência de Literatura e Editoração e do Centro de Design do Recife, articulando os diversos segmentos artísticos que formam a Secretaria de Cultura da Prefeitura do Recife.
o vam p iro n a literatura
e você também pode ler. Em sua quarta edição, a Eita! aposta nas encruzilhadas, interseções e dúvidas. Diante de tantas novas linguagens e experimentações, às vezes nos perguntamos: “mas o que é isto?”. Videogames, performance, teatro, dança, literatura e cinema cada vez mais dialogam e se misturam, como atestam alguns dos textos publicados nesta edição.
Andre de Sena [bosquesdamoira@yahoo.com.br]
e. Assustar a criançada: é só conferir as apavorantes matérias sobre vampiros no cinema e na literatura nos 145cm
Rodrigo Carreiro [rcarreiro@gmail.com]
d. Premiação do Oscar, passarela, faixa de miss Brasil: estique sua edição no chão e obtenha instantâneo glamour 2.0;
expediente
o c e n te n á rio fa s c í n io p elo vam p iro
c. Galeria de arte portátil: curadoria, crítica e obras de arte totalmente grátis. Caviar não incluído;
a formo s a do ol h ar
b. Sanfona: em clima junino, dá para brincar de Luiz Gonzaga;
Fernando Mendonça [nandodijesus@gmail.com]
a. Papel de parede e cortina: estique toda a revista e mantenha suas paredes e sala bem-informadas;
A imagem que abre Avenida Brasília Formosa (Brasil, 2010) é bastante simples: num plano fixo, ao som de um hit brega, contempla-se o exterior de algumas residências da comunidade Brasília Teimosa; as construções aglomeradas não passaram pelo acabamento adequado de um reboco ou pintura; o que vemos são tijolos, um pequeno contorno do céu, a ponta de uma frágil árvore e um poste com suas fiações emaranhadas por uma rabiola perdida. Talvez nenhuma outra imagem, em todo o filme, apesar de existirem outras cenas equivalentes, traduza tão plenamente o que o jovem cineasta Gabriel Mascaro faz em sua nova experiência com o cinema. Aliás, “experiência” é um termo finalmente bem-vindo ao cinema de Mascaro, que já demonstrara ser capaz de acrescer fôlego ao renovado cinema que Recife vem construindo. Com essa imagem, somos de imediato apresentados não só ao universo de Brasília Teimosa, mas ao interesse que Mascaro enfatiza pela arquitetura de um lugar. Se em seu filme anterior, Um Lugar ao Sol (Brasil, 2009), as colossais construções dos arranha-céus constituíam o núcleo de abordagem, agora o que temos é um avesso, muito mais do que social, um avesso do espaço, das condições físicas que levam um lugar ao enfrentamento da transformação. É curioso como o sentido da arquitetura coaduna-se ao projeto de Mascaro, seja na individualidade de seus filmes, como na progressão deles. O paralelo que propomos é justamente o do arquitetônico enquanto meio significante do cinema aqui realizado.
Em Um Lugar ao Sol, por exemplo, a exploração do registro documental não escapa às limitações do gênero; tudo está muito bem-recortado, logicamente interligado, como se o engessamento da série de entrevistas surgisse em reflexo à perfeição das megaconstruções (apesar de as cenas em que “os prédios falam” serem de impacto superior ao das entrevistas em si). Já em Avenida Brasília Formosa, em decorrência do inacabamento de grande parte das moradias, encontramos um cinema de maior abertura estética, em que o sentido formal e narrativo subsiste em construção, sob o nosso olhar; o que não significa ausência de controle ou rigor. Assim, como as edificações da comunidade também se revelam estruturas sólidas, habitáveis, o cinema de Avenida BF está completamente sedimentado numa consciência que se percebe desde a construção dos planos até a montagem final. A diferença é que agora não há o ornamento e todo o universo se estabelece numa lógica muito mais orgânica, permitindo que o olhar da câmera ecoe o olhar primeiro do mundo na relação nutrida entre o espaço natural e as intervenções urbanas. O LUGAR DO FILME É importante localizar a experiência de Mascaro dentro daquilo que pode ser chamado um cinema do olhar. Isso porque é corrente na produção nacional a existência de filmes que ignoram essa que seria uma condição primeira do cinema, sobrecarregando suas imagens com uma culturalização vulgar, amarrada por expectativas de regionalismo que em
61cm
“É corrente no cinema brasileiro filmes cujas imagens são sobrecarregadas com uma culturalização vulgar da realidade nacional”
“No filme de Mascaro, a beleza decorre do estado do olhar, ao invés do objeto do olhar”
nada contribuem para uma representação sincera do mundo chamado Brasil. Mais do que mostrar o bairro de Brasília Teimosa poetizando a pobreza, o que sobressai em Avenida BF é o poetizar em si, com uma espécie de autonomia diante do contexto social, sem esquecê-lo, mas também sem torná-lo um apelativo centro de atenções. É um olhar coerente com boa parte do cinema atual (em alguns momentos fica a impressão de que Van Sant ou Hsiao-Hsien chegou ao Recife), onde a prioridade da beleza decorre do estado do olhar, ao invés do objeto do olhar. Não por acaso, Avenida BF ocupa um lugar de estreia na carreira de Mascaro, como seu primeiro longa de ficção; algo que assume discretamente, já que muito de sua técnica é herdeira da tradição documentária. O foco narrativo recai sobre um núcleo de personagens cuja vida mudou depois que as antigas palafitas da favela foram substituídas pela Avenida que intitula o filme. Cada um desses indivíduos, notavelmente encarnados por habitantes reais do lugar, encontra-se com os demais em situações do cotidiano, situações que, à maneira da arquitetura, permanecem em transformação contínua, afetando, através de suas identidades, a subjetividade maior do mundo. Além da importância que Avenida BF tem dentro da carreira de seu diretor, também já é possível falar desse filme, que sequer foi lançado no circuito de exibição nacional, como uma conquista para o cinema brasileiro (até o momento não há previsão de estreia, e apenas uma versão curta do filme foi exibida na TV Brasil, em decorrência de sua
premiação no edital nacional do DocTv, em 2009). No início de fevereiro deste ano, Avenida BF foi selecionado para a mostra oficial do Festival Internacional de Cinema de Rotterdam, com uma premiere integrada especificamente na mostra Bright Future, que, de acordo com as premissas do evento, visa ser “uma plataforma para cineastas do futuro, através do qual o Festival apresenta os trabalhos mais importantes, idiossincráticos e aventurosos dos novos cineastas do mundo”. Em abril, o filme também fez sua estreia latina no Festival Internacional de Cinema Independente de Buenos Aires (BAFICI). O LUGAR DO OLHAR A oportunidade de acompanhar a carreira de Gabriel Mascaro, que ainda está apenas em seu terceiro filme, coincide com a temática, tão cara a ele, da transformação. Os personagens de Avenida BF atravessam, em graus diversos, um processo de mudança que condiz com o mundo onde habitam. Numa curiosa cena, são inseridos, no filme, trechos de uma filmagem feita em 2002, do episódio em que o recém-eleito presidente Lula visitava as palafitas para anunciar a transformação que faria naquele lugar. Além de permitir um contexto mais amplo, a cena chama atenção pelo estado das imagens exibidas, velhas, extraídas de um VHS atingido pela maresia. A transformação do lugar também é sentida na transformação das coisas, assim como em tudo que fundamenta uma representação do mundo.
82cm
Avenida BF, através do equilíbrio entregêneros, convida-nos a uma contemplação que não pode ser adiada. Há quem aponte tal estado do cinema contemporâneo (contemplativo) como um recurso irrefletido, injustificado ou difundido apenas como elemento de diferenciação aos produtos culturais das grandes bilheterias. Mas tal reducionismo não é encontrado no atual cinema de Mascaro. O olhar com que seu filme encara o mundo é a maneira que ele encontra para sensibilizar não só um público remoto, mas (re)sensibilizar o mundo primeiro. Se antes ele nos lembrara que a dureza do homem estava petrificando a natureza do espaço, agora nos indica que algo pode ser feito para desgastar a pedra. Como as águas desgastam os paredões que separam a Avenida Brasília Formosa do oceano, o olhar pode ser um meio de reintegrar o homem ao mundo. Só é preciso saber olhar. Fernando Mendonça é crítico de cinema
103cm
124cm
texto Rodrigo Carreiro ilustrações Guilherme Luigi e MNH Santos
O centenário fascínio pelo vampiro Personagem do morto-vivo, que vive, por ora, seu momento mais rentável na indústria cinematográfica, sempre esteve presente ao longo da história do cinema mundial Embora tivessem alcançado o apogeu da fama somente depois que o cinema surgiu e se consolidou em torno de uma indústria de entretenimento lucrativa, os seres sobrenaturais sempre existiram, sobretudo no folclore popular e na literatura. Aliás, foi precisamente da arte literária que surgiu o arquétipo do vampiro – o morto-vivo que não pode ver a luz do sol, transforma-se em morcego e bebe o sangue das vítimas mordendo-lhes a jugular. Todas essas características estão presentes em Drácula, o romance de Bram Stocker, que reciclou o incipiente mito do vampiro (muito explorado por autores românticos/góticos ao longo do século XIX) e deu-lhe uma feição definitiva ao ser publicado, em 1897. A publicação original da novela de Stocker aconteceu pouco mais de um ano depois que os irmãos Louis e Auguste Lumière realizaram, num café parisiense, a primeira demonstração pública do cinema, em dezembro de 1895. Não se trata de mera coincidência. Se a existência dos vampiros precede a indústria cinematográfica, foi esta última que transformou os mortos-vivos em arquétipos modernos que sintetizam a eterna luta do ser humano para escapar do medo da morte – ou melhor, do medo de que nada exista em outra dimensão. Não há dúvida: Drácula é o mais popular de todos os personagens da história do cinema. Frankenstein, Joana d’Arc e até mesmo Jesus Cristo perdem em popularidade cinematográfica para o príncipe romeno. Segundo o maior banco de dados sobre cinema do planeta, que pode ser
consultado no site Internet Movie Database (www. imdb.com), até o final de 2009 foram produzidos nada menos do que 1.294 longas-metragens e seriados de TV que apresentam personagens vampiros, sendo que um sexto desse total – exatos 200 filmes – traz o aristocrata oriundo da Transilvânia como personagem, seja protagonista ou coadjuvante. De qualquer forma, Drácula demorou a se tornar protagonista de longas-metragens. Isso só ocorreu em 1922, quando o diretor Friedrich Wilhelm Murnau adaptou o livro de Bram Stocker para as telas no clássico do expressionismo alemão: Nosferatu: uma sinfonia do horror (1922). O filme, hoje reconhecido como obra-prima, passou vários anos proibido na Europa, porque usava a trama e os personagens criados pelo escritor inglês sem o consentimento da família dele, porém, com nomes modificados. As técnicas inovadoras de iluminação, maquiagem, movimento de câmera e cores valeram a Murnau o passaporte para Hollywood. O curioso é que o chupa-sangue foi tão bem representado pelo ator Max Schreck (em sua estreia na telona) que uma lenda inacreditável passou a circular no meio cinematográfico: Schreck seria um vampiro de verdade interpretando a si mesmo. A lenda é tão curiosa que foi transformada em filme pelo diretor E. Elias Merhige: A sombra do vampiro (2000). Nesse filme, Willem Dafoe representa o ator que interpreta Nosferatu e precisa esconder de todos que é um vampiro de verdade. Apesar de o pai dos vampiros ter chegado ao
145cm
“Até o final de 2009 foram produzidos 1.294 longas-metragens e seriados de TV que apresentam personagens-vampiros”
cinema apenas na década de 1920, as criaturas da noite já apareciam em filmes mudos, tanto americanos quanto europeus, desde 1896, ou seja, um ano antes de Bram Stocker publicar seu livro, já existia curta que abordava a lenda dos vampiros: o francês Le manoir du diable, do pioneiro Georges Mèliés, em que o diabo literário Mefistófeles se transformava em morcego. Entre 1909 e 1920, os americanos produziram dezenove filmes sobre o assunto. Na Dinamarca, saíram dois filmes; na Suécia, um; na Hungria, em 1921, Drácula apareceu pela primeira vez com seu verdadeiro nome. Mas todos esses curtas tiveram circulação limitada e hoje não estão mais disponíveis. Em 1931, os vampiros invadiram Hollywood. E mais uma vez pelos dentes de Drácula, pois o conde apareceu como protagonista pela primeira vez num filme americano, dirigido por Tod Browning. O ator que o interpretou já era especialista no personagem. Havia interpretado o papel no teatro, em Londres e na Broadway, e se tornaria um dos rostos mais conhecido do vampiro no cinema: o húngaro Bela Lugosi. Foi à imagem de Drácula pintada nesse filme, com a luz do grande fotógrafo expressionista Karl Freund, que o mundo passou a associar os vampiros. Eles eram seres aristocráticos, de olhares hipnóticos, com longos caninos brancos, vestidos de negro e usando longas capas esvoaçantes. O sucesso alcançado provocou o lançamento da série de filmes de baixo orçamento da Universal, que passaria as décadas de 1930 e 1940 investindo em monstros como Frankenstein
166cm
Cineastas de diversas escolas, épocas e países passaram a usar o vampiro para dar vazão aos medos, desejos e perversões de cada época
e a Múmia. Após um breve período em baixa, quando os horrores da guerra estava vívidos demais na experiência das pessoas para permiti-las sentir medo de seres sobrenaturais, os vampiros ressurgiram com força total na Inglaterra, ao final da década de 1950. Mais uma vez, Drácula esteve no centro desse renascimento. Realizado através da pequena produtora Hammer, que restaurou o figurino clássico do Drácula da Universal e adicionou sexo, violência e cor – especialmente o vermelho do sangue – à narrativa. A série de filmes da Hammer trouxe oito longas-metragens protagonizados pelo conde vampiro e revelou o ator inglês Christopher Lee, que interpretou Drácula pela primeira vez em 1958 e seguiu dando vida ao personagem até o fim da década de 1970. Ao todo, ele vestiu a capa preta com forro vermelho do conde em dezoito obras. A partir dos anos 1960, a febre dos vampiros se tornaria permanente. Cineastas de diversas escolas, épocas e países passaram a usar os personagens para dar vazão aos medos, desejos e perversões de cada época. Foi assim que surgiram paródias como A dança dos vampiros (1967), de Roman Polanski, que satiriza as ditaduras do Leste europeu, ou Blácula (1972), em que o vampiro é negro. Na verdade, esses filmes usavam o arquétipo do morto-vivo para traduzir, em metáforas cinematográficas pouco disfarçadas, características sociais que estavam emergindo durante as fases em que foram produzidos, como a luta pelos direitos humanos das minorias e os embates
187cm
ideológicos em torno da Guerra Fria. Aos poucos, os vampiros se tornaram bissexuais góticos (Fome de viver, de 1983), adultos que seduziam adolescentes (A hora do espanto, de 1985), jovens delinquentes (Os garotos perdidos, de 1987) e até mesmo fazendeiros que viviam num cenário de western pós-moderno (Quando chega a escuridão, de 1987, um dos primeiros filmes de Kathryn Bigelow, primeira mulher a ganhar um Oscar de melhor diretor, em 2010). A versão extravagante e ultrarromântica de Francis Ford Coppola para Drácula (1992), embora fosse extremamente diferente do espírito do romance original, teve o mérito de colocar os vampiros pela primeira vez no panteão dos grandes autores cinematográficos. Até então, os seres sobrenaturais estavam confinados às pequenas produções, e o trabalho de Coppola abriu as portas da primeira divisão de Hollywood para os vampiros. Foi dele que surgiu a inspiração para Entrevista com o vampiro (1994), unindo os dois maiores galãs dos anos 1990, Brad Pitt e Tom Cruise. Mais recentemente, os vampiros voltaram a se tornar metáforas eficientes para a chegada da maturidade de adolescentes solitários, como se pôde ver no filme sueco Deixa ela entrar (2009) e, claro, nos longas-metragens da série Crepúsculo. Arquétipos eficientes funcionam dessa forma: artistas com imaginação podem se utilizar deles para comentar todo tipo de assunto que desejarem. E o vampiro é um dos mais eficientes e glamorosos arquétipos da atualidade. É por isso que sempre haverá lugar para eles nas narrativas cinematográficas.
De onde vem esse encanto? A personalidade histórica mais conhecida de todos os tempos, Jesus Cristo, cravou presença em 303 longas-metragens e séries de TV entre 1895 e 2010. Na lista dos personagens ficcionais, o conde Drácula lidera a lista, com 200 aparições em obras cinematográficas e/ou televisivas. Os dados são do Internet Movie Database (www.imdb.com). Se a dianteira do filho de Deus é grande, essa distância é minimizada por dois fatores que contextualizam adequadamente a peleja. Primeiro, a soma de todos os filmes com vampiros (1.294) supera com larga margem os títulos religiosos, e é preciso considerar que a mitologia vampiresca derivou quase que completamente do romance de Bram Stocker. Em segundo lugar, Jesus é um personagem histórico, enquanto Drácula não passa de ficção. Essa segunda comparação descortina o tamanho da incrível popularidade dos vampiros na era midiática em que vivemos. Mas, afinal, qual é a origem do fascínio que essas criaturas da noite, cuja existência não passa de lenda, exerce sobre o imaginário popular, cada vez mais dominado pela cultura pop globalizada? Essa é uma pergunta complexa, mas que não vem passando despercebida dos principais pensadores de nosso tempo, sobretudo
na área da teoria cinematográfica. O filósofo Noël Carroll, uma das figuras mais proeminentes dos estudos midiáticos contemporâneos, dedicou um livro inteiro às reflexões sobre esse tema. Intitulada A filosofia do horror ou paradoxos do coração e publicada no Brasil em 1999, a pesquisa de Carroll tentou elaborar respostas para duas questões que, juntas, estão na raiz do nosso dilema. O filósofo e professor da Universidade de Winsconsin (EUA) sintetiza seus problemas da seguinte maneira: “1) Como alguém pode ficar apavorado com o que sabe não existir, e 2) por que alguém se interessaria pelo horror, uma vez que ficar horrorizado é tão desagradável?”. Obviamente, as respostas que ele nos oferece não cabem nas poucas linhas deste texto. De forma resumida, Carroll estende sua reflexão a todas as obras narrativas de ficção, explicando que a natureza cognitiva do ser humano nos impele a investir afetivamente em qualquer narrativa, inclusive ficcional, mas – especialmente no caso dos filmes de
horror –, mantém conosco o controle dessa experiência afetiva, na medida em que sempre podemos fechar os olhos e “desligar” (inclusive literalmente) a narrativa ficcional. Nesse sentido, então, ficamos apavorados e nos interessamos pelo horror artístico porque essas experiências nos dão combustível para enfrentar os desafios da vida cotidiana, liberando tensão e funcionando como uma válvula de escape. No entanto, Noël Carroll não explica porque vampiros exercem um fascínio maior sobre as pessoas do que, por exemplo, lobisomens (filmes com essas criaturas somam apenas 362, na lista do IMDB). Nesse ponto, é preciso abandonar o cognitivismo e recorrer às teorias psicanalíticas que propõem uma ligação direta entre as pulsões de sexo e morte na psique da raça humana. Além de dominar perfeitamente seu lado animal (algo que nenhuma outra criatura da ficção de horror consegue fazer), Drácula é um ser capaz de vencer a decadência física e a morte, oferecendo aos espectadores uma metáfora pouco disfarçada das delícias do sexo. Essa combinação, especialmente nos adolescentes rodeados de fantasias românticas, é imbatível.
Rodrigo Carreiro é jornalista e professor do curso de cinema da UFPE 208cm
229cm
250cm
texto Andre de Sena ilustrações Gabriel Machado e Dui Aguiar
O vampiro na literatura
Hoffmann, Gogol, Gautier, Baudelaire, Tolstoi: diversos autores importantes do século XIX se debruçaram sobre os temas do vampirismo
Desde meados do século XVIII, o mito do vampiro vem assombrando a literatura e os relatos históricos Que estranho prazer nos propõe o medo a ponto de dedicarmos instantes preciosos em busca de configurações estéticas que, na maioria das vezes, desejam recriá-lo? Do “horror sublime” de Edmund Burke que, em conhecida obra de 1757 (A philosophical enquiry into the origin of our ideas of sublime and beautiful), defendeu os prazeres cognoscitivos que o medo poderia excitar, passando pelas corridas desabaladas do novelista gótico Horace Walpole em carruagens que serpenteavam precipícios, pelo simples gosto do perigo; da embriaguez nas contemplações dos ermos obscuros “ossiânicos” efetuadas pelo jovem Goethe, até a moderna indústria do cinema que fez do suspense e do horror filões mais do que lucrativos... A lista é extensíssima e ficamos a refletir sobre o poder que o tema exerce em cada um de nós. O ancião percurso dos vampiros na literatura ocidental é um caso paradigmático de como o horror vem fecundado a criação ficcional há séculos. Ambíguo, fascinante, o vampiro literário já assumiu tantas formas que se torna impossível uma configuração exata de todas elas. Todavia, pode-se afirmar que há dois tipos de registro de vampiros na literatura ocidental: o que se debruça sobre o mito numa perspectiva histórica e/ou científica (incluindo os tratados de época que asseguravam a existência empírica dos vampiros, a exemplo do De Masticatione Mortuorum, de 1672, de Philip Rohr; Dissertazione sopra I Vampiri, de 1744, de Davanzati, e dezenas de outros) e o que configura o personagem literário propriamente dito, em uma tessitura ou diegese ficcional. O primeiro pertence
ao domínio da antropologia, da história dos mitos, da ciência e da psicologia. O segundo é o nosso objeto de perquirição, visto que adentra nos domínios da escrita criativa. Se considerarmos o movediço terreno da crônica como possível construto ficcional, veremos que as Chronicles, do inglês William de Newburgh, de 1196, já atestam a existência de registros literários vampíricos arcaicos, na realidade, histórias de fantasmas, anteriores ao próprio surgimento do personagem histórico Vlad Tepes III, dito o Empalador (supostamente nascido em 1428, onde hoje é a atual Romênia), que inspiraria a Bram Stoker a gênese de seu famoso romance Drácula, umas das opera magna do gênero. Contudo, na extensa galeria dos vampiros literários, pode-se conferir um destaque pioneiro ao autor alemão Heinrich August Ossenfelder, cujo poema O vampiro, de 1748, marcou época ao narrar as investidas amorosas de um ser noturno e maléfico obcecado pela beleza peregrina de uma religiosa, propondo-lhe as seduções do inferno como superiores às do Paraíso, com alta carga de erotismo. A Alemanha setecentista também daria lume aos importantes poemas Leonor (1773), de Gottfried August Bürger e A noiva de Corinto (1797), de Johann von Goethe, que tratam do mesmo tema. A obra goethiana relata a história de uma mulher que retorna à vida em busca de seu amado desaparecido, numa configuração de verniz clássico que não consegue esconder a forte carga romântica (lembrando que, para muitos críticos, o Classicismo alemão é, no fundo, Romantismo). Goethe se ins-
271cm
The vampyre: a Tale (1819), de John Polidori, é considerada a primeira história de vampiros em prosa inglesa
pirou em uma história da Grécia Antiga, mas conferiu os devidos acentos góticos característicos de tantas produções da mesma época, em especial da graveyard poetry, ou “poesia de cemitério” do Pré-Romantismo inglês, na qual Eu líricos plangentes e filosóficos buscam as solidões de cemitérios agrestes para refletir sobre a finitude da vida e as promessas de além-túmulo. Estamos às portas do Romantismo autoconsciente e não poderíamos deixar de citar o poema Christabel (escrito entre 1797 e 1801), do inglês Samuel Taylor Coleridge, que influenciou autores como Edgar Poe e Joseph Le Fanu. Christabel, apesar de inacabado, exerceu fascínio em sua época ao tratar de uma personagem feminina estranha, vinda do interior de uma floresta e que, aos poucos, oferece vestígios de não pertencer ao reino das criaturas vivas. Como se sabe, o período romântico foi propenso ao registro literário de protagonistas rebeldes, malditos e párias, e o vampiro iconiza perfeitamente tal contexto. Há muitos poemas que revelam personagens vampíricos, como The Vampyre, de John Stagg, que já trabalham os elementos usuais da caça ao vampiro utilizados à exaustão pelo cinema, como as famosas estacas cravadas no peito. Lord Byron – tido, ele próprio, por vários leitores de sua época, como um vampiro –, sinônimo de Romantismo inglês, apesar da influência clássica advinda de Alexander Pope, em 1813 escreve o poema The Giaour, que também possui leitmotivs vampíricos aliados a uma tendência mais orientalizante da poesia narrativa romântica. Uma lista que se preze sobre o vampiro na tra-
292cm
dição literária do Ocidente não poderia esquecer The vampyre: a tale (1819), de John Polidori, considerada a primeira história efetiva de vampiros em prosa inglesa. Nela, o vampiro constitui o tema fulcral da diegese – até então, o personagem aparecia como motivo episódico de poemas ou narrativas de sabor lendário ou folclórico – criando, enfim, o gênero vampírico na literatura europeia. Pode-se dizer que o protagonista de Polidori, Lord Ruthven, é um personagem vampírico por excelência: esquivo, aristocrático, maléfico e hipnótico ao mesmo tempo, detentor de poderes extraordinários que vão sendo sugeridos, aos poucos, no percurso narrativo ambíguo típico da prosa da literatura fantástica (quando o leitor desconfia se os horrores narrados estão ancorados na realidade ficcional ou se ocorrem apenas no plano perceptivo de determinados personagens, gerando a dúvida). A obra de Polidori influenciaria autores os mais variados. Na França, por exemplo, Charles Nodier, considerado o criador do primeiro cenáculo romântico nesse país, a traduzirá e fará, ele mesmo, uma obra teatral intitulada Le vampire, que marcará época ao propor temática romântica num período em que ainda se impunha o cânone classicista nos palcos parisienses. Uma onda de espetáculos com temáticas vampíricas varre a capital francesa a ponto de um jornal da época, como informa o crítico Claude Lecoutex, afirmar que “Não há teatro parisiense que não possua seu vampiro!”. Sheridan Le Fanu, E.T.A. Hoffmann, Nicolai Gogol, Prosper Merimée, Théophile Gautier, Charles Baudelaire, Alexis Tolstoi (o primo do famoso
romancista russo)... É imensa a lista de grandes autores do século XIX, além dos epígonos, que se debruçaram sobre os temas do vampirismo para compor suas próprias imagens, personagens e situações ficcionais. Dessa forma, Drácula, de Bram Stoker, é até mesmo relativamente tardio em meio a uma pletora de contos, romances, peças teatrais e poemas com temáticas vampíricas que surge na etapa oitocentista. A mais famosa obra de Stoker foi lançada em 1897, na forma de romance epistolar. Três anos antes, H. G. Wells publicava o conto The flowering of the strange orchid, aliando o vampirismo à ficção científica e revelando indiretamente a amplitude que o tema já suscitara. Stoker embasa seu livro em inúmeras fontes anteriores, mas consegue criar o grande arquétipo do vampiro literário, ao unir elementos históricos a narrativas folclóricas num timbre ao mesmo tempo romântico e realista, endossando o próprio momento histórico-literário. O conde Drácula era a antítese perfeita do período vitoriano inglês, representado pela tríade composta pelos personagens Abraham van Helsing (o professor e vampirólogo, ícone da razão apolínea), Jonathan Harker (o corretor de imóveis, principal narrador-personagem, símbolo dos valores da ascendente burguesia) e Mina Murray (esposa deste, paradigma das virtudes religiosas e domésticas do período). Elemento nefasto oriundo de um obscuro além que, por uma espécie de descuido (inconsciente?) dos personagens virtuosos, adentra no plano da realidade burguesa mais comezinha, o conde Drácula de Stoker reflete o amplo rol de significações ambíguas
313cm
e contraditórias da própria cultura e mentalidade ocidentais, que também, por exemplo, asseguram religiosamente a vida eterna pela ingestão simbólica do pão e do vinho, carne e sangue do Cristo martirizado (lembremos ainda que o histórico Vlad Tepes III era um cristão convicto, apesar dos empalamentos em massa que realizava, principalmente de muçulmanos, mas também de cristãos). A tensão crescente que Stoker consegue configurar pelas missivas do personagem Jonathan Harker no processo de descoberta da natureza vampírica de seu anfitrião no castelo dos Cárpatos é digna de um mestre da prosa e o seu conde Drácula dispunha de todos os elementos necessários para realizar o que chamo de horror sublime literário, aquele que opera, no plano do “horror psicológico”, a verticalização dos fenômenos estéticos do medo ligados à teoria da recepção (corrente crítica que estuda as relações da obra literária com o público leitor); contudo, o moralista happy end da obra abre fissuras suficientes para que o referido horror sublime se dissipe. A meticulosidade do Drácula de Bram Stoker poderia ter arrefecido os ânimos criadores, mas isso não se deu. A literatura vampírica continuou a grassar desde então nos mais diversos países. O vampirismo literário também saiu por vezes da esfera do horror e adentrou no conto policial (em The case of the Sussex Vampire, de 1924, Conan Doyle narra um encontro entre o famoso detetive Sherlock Holmes e um vampiro), na sátira (são inúmeras as leituras parodísticas do vampiro), e na literatura massificada de uma forma geral. Em 1976, o livro Entrevista
com o vampiro, de Anne Rice (traduzido no Brasil por Clarice Lispector), transformou o tema em verdadeiro filão comercial, ao trazer o vampirismo para a esfera das pessoas comuns (ou seja, qualquer personagem agora poderia se transformar num vampiro cativante...), mesma configuração operada n’O vampiro Lestat, que também não se circunscreveu ao pequeno círculo dos leitores de literatura de horror e entrou nas listas de best-sellers, as mesmas que hoje atestam o sucesso da saga Crepúsculo, iniciada em livro homônimo de 2005. Já no prisma da criação ficcional brasileira, pode-se dizer que são muito escassos os registros de vampiros em sua grande tradição literária. Há diversos contos de horror e de literatura fantástica que podem ser pinçados na obra completa de autores do passado, mas inexistem, por exemplo, “vampiros brasileiros” dignos do nome. Isso se dá, principalmente, devido ao fato de que o Romantismo brasileiro buscou seus temas principais, na ânsia de criar uma “literatura nacional” desvinculada de Portugal, primeiro, nos temas eufóricos ligados à natureza exuberante de uma forma geral, a exemplo da idealização indianista da chamada primeira geração romântica (com destaque para as obras de Gonçalves de Magalhães, Gonçalves Dias e Manuel de Araújo Porto-Alegre) e, segundo, nas temáticas sociais que enformaram a poesia dos vates condoreiros da terceira geração romântica (a exemplo de Castro Alves). O que fosse de encontro a essa busca por uma literatura genuinamente brasileira através de leitmotivs considerados nacionalistas era visto como estranho, alienígena. Um raríssimo
334cm
exemplar de novela gótica surgida no país nesse período, Noite na taverna (publicação póstuma em 1855), de Álvares de Azevedo (autor elencado na segunda geração romântica) – na qual, por sinal, há sugestões de personagens natimortos, cenas de necrofilia e roubo de cadáveres, num timbre fortemente byroniano –, sintetiza bem todo o caso: o crítico positivista Sílvio Romero explicava a obra “alienígena” como fruto do “temperamento franzino e enfermo” do jovem autor falecido aos 20 anos, detentor de uma natureza “doentia”. O ranço crítico estendido por longos anos na tradição da crítica biografista e cientificista, aliada à falta de um Romantismo baseado nos moldes ingleses e alemães, pode ter endossado a inexistência de um gótico ou horror literário efetivo no Brasil. Por outro lado, contraditoriamente, nas últimas décadas, tem-se visto uma ampla efervescência de livros com personagens-vampiros escritos por uma nova geração de autores cujo valor ficcional ainda está para ser devidamente estudado. Em todo o caso, para quem se interessa por histórias de horror com vampiros, sugerimos inicialmente a leitura da obra crítica História dos vampiros: autópsia de um mito, de Claude Lecoutex (Unesp, 2005), além das boas coletâneas O vampiro antes de Drácula (Aleph, 2008), que reúne vários contos anteriores à obra de referência de Bram Stoker, organizada por Martha Argel e Humberto Moura Neto, e Os 13 melhores contos de vampiros (Ediouro, 2002), organizada por Flávio Moreira da Costa e também repleta de obras imortais do gênero. André de Sena é escritor e doutor em Teoria da Literatura
espelho
texto Eduardo César Maia ilustração Dui Aguiar
Encruzilhadas da crítica
régua
O que os críticos do passado têm a ensinar para os críticos literários e jornalistas culturais numa época de muita velocidade e pouca reflexão
MNH Santos [noitoerico@gmail.com]
Dui Aguiar [dui.aguiar@gmail.com]
Paulista [paulista.design@gmail.com]
ilu s tradore s
733cm b ri n de
Diogo Monteiro [sirimonteiro@gmail.com]
649cm M c O n do é aqui
Schneider Carpeggiani [carpeggiani@gmail.com]
523cm Sandra Meyer [sandrameyer@globo.com]
da n ç a p erforma n c e : a arte c omo id E ia
e n c ru z il h ada s da c r í ti c a
expediente
Eduardo César Maia [eduardocesarmaia@gmail.com]
418cm
“Não são os fatos que comovem os homens, mas as palavras” Epiteto, 55-135 d.C. Apesar da renovação criativa do jornalismo cultural que vem acontecendo no Brasil há alguns anos – tanto da forma quanto do conteúdo –, no que diz respeito particularmente à crítica literária voltada ao grande público, passamos por um período que classifico como de indefinição... E de tédio. Com essa avaliação – não isenta de autocrítica – não quero jogar nossa própria sujeira no ventilador, só pretendo compartilhar um incômodo. Nós, críticos, parecemos constrangidos desempenhando o papel que nos cabe: o de assumir posicionamentos como indivíduos diante das obras literárias do nosso tempo. Acostumamo-nos a abdicar da autonomia e personalidade em nome ou de teorias da moda (e até das fora de moda, pois estamos no Brasil e recebemos tudo com atraso até hoje) ou do corporativismo das rodas intelectuais e, pior ainda, da visão estreita dos preceitos “politicamente corretos”. De fato, o debate público sobre a pertinência, a classificação e o valor de uma obra artística literária – o que, de forma geral, denominamos crítica – nunca foi e não será um lugar consensual e pacífico. Historicamente, dependendo dos modismos e influências de cada momento, a atividade do crítico é vista com admiração ou receio, respeito ou desconfiança. As mesmas perguntas sempre voltam: o que significa classificar uma obra como boa ou má? Como comprová-lo? Como persuadir os leitores? Qual o papel da crítica hoje?
Saudade s do s roda p é s “Sei que tudo é loucura, mas há certo método no que ele diz” Polônio, sobre Hamlet “Houve época em que intelectuais eloquentes e eruditos lançavam-se na primeira pessoa, discorrendo ampla e digressivamente sobre as obras, ou a partir delas”, assim a jornalista e professora Cláudia Nina, em seu panorâmico Literatura nos jornais: a crítica literária dos rodapés às resenhas, apresenta um dos períodos mais ricos da crítica literária no Brasil. Tal modalidade em que os autores, a partir de sua perspectiva individual e abordagem multidisciplinar, emitiam juízos de valor sobre livros, temas e autores do momento, ficou conhecida como crítica de rodapé (o nome deriva da posição que esse tipo de texto ocupava na diagramação dos jornais). Essa prática era taxada, de forma um tanto simplificadora e mesmo pejorativa, como impressionista. O declínio desse gênero nos jornais no Brasil está diretamente ligado ao momento em que a crítica acadêmica toma corpo no País com a promessa de uma análise de caráter mais “teórico” e “científico”. Esses acadêmicos, vindos principalmente do Exterior e das recém-criadas Faculdades de Filosofia, Ciências Sociais e Letras, traziam uma nova linguagem, especializada, cheia de conceitos próprios, jargões e vocabulário teórico. A crença num superior status metodológico da crítica universitária garantiu um período de pree-
418cm
Uma das maiores condenações à crítica cultural praticada hoje nos periódicos brasileiros se refere ao esvaziamento do debate de ideias e das polêmicas entre os intelectuais
minência desses especialistas nos suplementos, revistas e jornais do País. Mas essa hegemonia não durou muito: a forte influência do jornalismo americano, com os seus princípios de concisão, objetividade e clareza, começava a ser implantado nos principais jornais brasileiros e ia diretamente contra o estilo muitas vezes prolixo e permeado de jargões acadêmicos dos scholars. Além disso, nos fins dos anos 1960, a profissão de jornalista foi regulamentada e os professores-críticos começaram a ser vistos com reservas nas redações. Esse foi o início de um período de relativo distanciamento entre o jornalismo e a crítica literária no País. Uma das maiores condenações – em boa parte, justificada – relativa às críticas literária e cultural praticadas ultimamente nos periódicos brasileiros se refere ao esvaziamento do debate de ideias e das polêmicas entre os intelectuais. Os críticos “impressionistas” estavam constantemente expostos ao risco: não se eximiam de avaliar o novo, de emitir juízos a respeito de escritores, fossem iniciantes ou experientes, e também de se posicionar frente ao trabalho de outros críticos e intelectuais em geral. Cabe, agora, uma pergunta: será proveitoso nos voltarmos ao passado para tentar resolver questões colocadas hoje? Acredito que sim, mas não devemos buscar repetir ou imitar modelos, senão reavaliá-los à altura dos problemas do nosso tempo, selecionando aquilo que podemos absorver como lição. Acredito que o principal legado deixado por críticos como Otto Maria Carpeaux, Álvaro Lins, Alceu Amoroso Lima, Wilson Martins (falecido recente
439cm
Nem tudo que reluz no mundo das letras é arte. Vida literária e literatura andam juntas, mas não são a mesma coisa Um erro de avaliação cometido por um crítico que se arrisca a posicionar-se tem mais valor do que a de uma resenha apática e anódina mente), entre outros, é a compreensão de que a atuação do crítico se assemelha a de um “publicista cultural”: um agente catalisador de mudanças – a partir de sua perspectiva única e insubstituível de mundo – na visão que uma sociedade tem de seus próprios valores. Toda necessidade latente no âmbito cultural, se estimulada, pode se converter em valor legitimado socialmente. O crítico teria o poder, portanto, de operar mutações em nossa sensibilidade frente às circunstâncias: “Valores considerados universais e assim propagados no universo da cultura — o belo, o bem, o virtuoso —, nasceram um dia da ‘entranha espiritual’ de um indivíduo com seus caprichos e humores”, escreveu o pensador espanhol Ortega y Gasset. Outra herança dos “impressionistas” é a noção de que um verdadeiro crítico não pode ser nunca, exclusivamente, um especialista: a complexidade da literatura e a relação dela com outros fenômenos culturais exigem do analista uma visão ampla, ao mesmo tempo aprofundada, histórica e complexa, no sentido de interdisciplinar. Por último, podemos aprender, com aqueles que nos precederam, que a crítica – assim como a própria literatura – não deve obedecer a propósitos predeterminados ou normas apriorísticas que inde-
pendem do arbítrio individual, pois o crítico é mais um participante do jogo social em que todos os valores, inclusive os seus próprios, estão em constante redefinição. Portanto, a prática crítica como atividade social vai muito além da emissão de julgamentos e apreciações “corretas” sobre determinada obra: ela faz parte de um jogo – retórico, mercadológico, moral e político – que é um dos combustíveis mais importantes da vida cultural. Um erro de avaliação cometido por um crítico que se arrisca a posicionar-se me parece ter mais valor do que a de uma resenha apática e anódina. Precisamos reavivar o entusiasmo dos leitores. O s n o v o s de s afio s da c r í ti c a O próprio jornalismo escrito passa por profundas adaptações. A concorrência dos meios eletrônicos de comunicação, principalmente a televisão e a internet, obrigam a cada dia os jornais impressos a se reinventarem. A notícia rápida, a informação ligeira e os fatos mais importantes do dia são muito mais fácil e velozmente acessados através de mídias não escritas. No papel, as pessoas parecem cada vez buscar algo mais além de simples informações: querem reflexão, inteligência, análise e posicionamento em textos mais embasados e opinativos. Em relação especificamente à crítica literária praticada em jornais e revista de circulação mais abrangente, atualmente, vivemos um período de
460cm
ajustes: os acadêmicos se deram conta da necessidade de buscar um público mais amplo e os jornais perceberam que podiam enriquecer suas páginas com a colaboração do conhecimento universitário especializado. A condição para essa nova parceria é a linguagem – os oriundos da academia estão tendo que adquirir a capacidade de se comunicar com um público diversificado e não especializado; os jornalistas, por sua vez, buscam aprofundar-se em suas áreas de interesse através de pós-graduações e especializações. Em face do atual momento de efervescência no mercado editorial brasileiro, o juízo de valor sobre obras volta a assumir uma importância fundamental. A profusão de lançamentos à espera de divulgação, qualificação e seleção abre um espaço natural em jornais e revistas para diversos modos de abordagem literária – as resenhas, os press releases, os artigos acadêmicos e os ensaios eruditos convivem em uma mesma publicação. Contudo, a velha e boa crítica, carregada das idiossincrasias e posicionamentos pessoais, é material raríssimo no nosso jornalismo. Será que os leitores contemporâneos repudiam esse tipo de crítica? Penso que não, e basta ver a grande influência e repercussão que os bons críticos de cinema – muitos deles “impressionistas” – desfrutam hoje. Vivemos uma época bastante diferente daquela em que os rodapés faziam as cabeças do público leitor, e as obras literárias parecem não mais assumir as mesmas funções e ocupar os mesmo espaços na vida das pessoas. A literatura perdeu a centralidade cultural que já possuiu; e está longe
de ter a mesma influência e a mesma representatividade. Essa repercussão social que a literatura já teve pode ser retomada? Nesse aspecto, sou pessimista... Isso não significa que caímos na irrelevância, mas que ocupamos outra posição num mercado cultural, que, com o desenvolvimento social, tecnológico e econômico das duas últimas décadas, abriu-se e se tornou muito mais rico e complexo. Falar em papel do crítico hoje, numa sociedade pluralista e democrática, é falar de um constante e inesgotável diálogo entre indivíduos – o escritor, o crítico e o leitor – que buscam nessa forma particular de comunicação, que é a literatura, redescrever o mundo e seus valores, aumentando seu repertório a cada leitura, a cada polêmica. Após tantas correntes e debates acadêmicos sobre teoria e crítica literárias, principalmente entre as décadas de 1960 e 1980, parece-me sensato afirmar que não há uma resposta final e totalizante para o problema da crítica, porque ela se apresenta sob vários aspectos. Devemos desistir de uma vez do sonho dogmático de uma crítica científica ou de promessas de avaliações definitivas e inequívocas de obras literárias e culturais. O juízo estético é sempre contingencial. O exemplo dos “impressionistas”, justamente pelo caráter subjetivista e personalista de suas apreciações, parecem-me, mais do que nunca, um modelo a ser revisitado. Uma característica comum a esses grandes intelectuais é a capacidade que tinham de subverter métodos, regras e didatismos em nome de algo difuso e inconstante que poderia ser chamado de “verdade íntima” ou experiên-
481cm
cia singular das coisas. O caráter individualista da crítica é fruto legítimo do teor essencialmente individualista da própria criação literária e mesmo da sua recepção. A c r í ti c a ai n da é p erti n e n te ? O crítico José Veríssimo (1857-1916) foi impiedoso na caracterização do ambiente literário de sua época (nos seus Estudos de Literatura Brasileira): “Vista de perto e de dentro, a nossa vida literária, por tantos aspectos ridícula e desprezível, assemelha-se a esse jogo de empurra, que os nossos meninos, apertando-se em um mesmo banco uns sobre os outros, jogam esforçando-se por fazer pular fora um dos companheiros”. Quase um século depois, o veríssimo veredicto continua descrevendo perfeitamente boa parte do nosso “meio literário”, não menos ridículo e desprezível do que o de outrora. Mas cabe aqui uma diferenciação fundamental no que diz respeito à jocosa metáfora do “jogo de empurra” do crítico: naquela época, ele percebia que, para ter destaque e reconhecimento, os literatos digladiavam-se de forma uma tanto darwiniana. Hoje, no entanto, parece que o espírito do tempo é o do radical democratismo (no que a palavra carrega de pior). Trata-se do jogo do “sempre cabe mais um”, em que todo mundo é igual, compartilhando a mediocridade como valor positivo e o elogio mútuo indulgente. Tudo isso está relacionado diretamente com a falta de autonomia e curiosidade intelectual: os
A literatura está longe de ter a mesma influência e a mesma representatividade que já possuiu. Essa repercussão social pode ser retomada? jovens jornalistas culturais se satisfazem com a superficialidade das resenhas; e os jovens acadêmicos, com a mera imitação e reprodução de jargões dos teóricos da moda. Outro inimigo poderoso da crítica é certo radicalismo de raiz historicista que, quando ultrapassa a defesa de um saudável pluralismo de valores, chega ao paroxismo do relativismo completo ou, por outro lado (não menos danoso), ao império da crítica “politicamente correta”. No nosso caso, no Recife especificamente, hoje, a vida literária parece estar mais animada do que nunca. Há feiras de livros, bienal, saraus, leituras, academias, união de escritores e coisas do gênero. Mas nem tudo que reluz no mundo das letras é arte. Vida literária e literatura andam juntas, mas não são a mesma coisa. O banquete é farto e animado, mas quase ninguém percebe que a parte da comida está estragada... A única forma de contestar essa realidade de aceitação do medíocre é o posicionamento crítico. O jornalista Paulo Polzonoff, em artigo sobre o grande crítico caruaruense Álvaro Lins publicado na Revista Continente, escreveu que “a qualidade dos escritores de um país tem uma relação muito próxima com a qualidade dos críticos desse país”. Temos muito trabalho pela frente. Eduardo César Maia é jornalista e editor
502cm
texto Sandra Meyer ilustração Paulista
Dança performance: a arte como ideia É dança, performance ou teatro? O corpo é protagonista de diferentes expressões artísticas neste início de século
Um corpo nu, estendido ao chão, com as pernas afastadas numa posição semelhante a um grand ecart. Trata-se da cena de Another Bloody Mary (n.27), da espanhola Maria La Ribot, umas das performances que formam as 34 Piezas Distinguidas. Cada uma das peças pertence a um proprietário, parodiando o sistema de mecenato e conceito de propriedade no mercado de arte e no campo da performance e da dança. Outro corpo, na instalação coreográfica O Banho, da brasileira Marta Soares, quase inerte, permanece por horas imerso numa banheira com água. Para categorizar as cenas que acaba de presenciar e aplacar o desconforto a que é submetido, o espectador tende a buscar respostas nas zonas limítrofes dos gêneros artísticos. Surgem as inevitáveis indagações: “é dança ou teatro?”; “é dança ou performance?”. A estratégia taxionômica se mostra redutora e ineficaz na atualidade, tamanha a contaminação entre as artes e suas decorrentes soluções híbridas, solicitando novas terminologias para a sua descrição. Essas novas paisagens culturais vêm reacendendo o debate acerca dos processos de subjetivação e representação, e da superação das narrativas miméticas e pós-coloniais dominantes. As conexões entre a dança e as outras artes e campos de conhecimento, contudo, não são
523cm
recentes. Desde que se descolou do coro falado na tragédia grega, na Antiguidade, a arte do movimento dançado não cessou de estabelecer diálogos com procedimentos teatrais, estruturas musicais e estratégias plásticas, visuais e extensões tecnológicas. O que se convencionou chamar de dança revela-se inesgotável em suas possibilidades de transitar em territórios linguísticos. A história da dança tem nos mostrado que são justamente os processos de contágio provocado pelos encontros (sejam marcados ou inusitados) entre “as danças” (ditas teatrais, populares, tradicionais ou de rua) e entre outras práticas corporais, outras artes e áreas de conhecimento, e não no acercamento de territórios, que emergem diferenciadas configurações técnicas e estéticas.
A produção dos artistas que flertam com a performance libera o expectador da imobilidade e propõe um jogo perceptivo diferenciado
544cm
Vale lembrar que o balé se estrutura como gênero espetacular no século XVII na França por meio da contaminação das danças populares e de corte. Híbridos em sua natureza, o balé e a ópera derivam das mesmas fontes da renascença italiana, numa concepção de espetáculo como resultado de uma busca pela fusão das artes numa só. As reflexões sobre a poética do balé presentes nos inúmeros manuais e publicações de dança nos séculos XVII e XVIII chamavam a atenção para a necessidade de identificar a essência do gênero e integrar os entrées dançados à ação falada e cantada. Nesse período, a comparação entre as artes era determinante e o estudo da escultura e da pintura por parte de atores, bailarinos e cantores proporcionava uma série de imagens, as quais poderiam acionar padrões de movimentos para a expressão das paixões. A arte do ator e do bailarino se constituía como ponto de interseção entre as artes veiculadas no tempo (poesia e música) e no espaço (pintura e escultura). Enquanto “quadro ou poema vivo” e “espelho da alma em movimento”, a dança ultrapassaria as possibilidades de imitação da natureza, se comparada às outras artes. Se por um lado o balé era acusado de quebrar a lógica da ação dramática, por outro forjava gradativamente uma gramática corporal demasiado rica para submeter-se à ópera. Com a ascensão dos balés românticos na segunda metade do século XIX, a dança se desprende da ópera, tor-
nando-se arte em si mesma. A reivindicação, por um lado, de uma autonomia para a dança e, por outro, a tentativa de integração desta com as outras áreas se renova no início do século XX. Com a arte total veiculada pela estética dos Ballets Russes, a dança se moderniza para compor a utopia wagneriana por meio da reunião de célebres artistas como Pablo Picasso, Igor Stravinsky e Vaslav Nijinsky, capitaneados por Serge Diaghileff. A proposição do coreógrafo americano Merce Cuningham, junto a outros importantes artistas como os músicos John Cage e David Tudor e os artistas visuais Robert Rauschenberg e Andy Warhol, no início dos anos 60 do século XX, finalmente concede o alvará de arte autônoma à dança. Ao criarem anterior e independentemente suas composições (plásticas, coreográficas e musicais) para a cena, esses artistas propunham uma relação de colaboração e não de dependência entre essas artes. Retornando à insistente pergunta “é dança ou teatro?”, ela reflete o contexto interdisciplinar eclodido especialmente na Alemanha na década de 70, quando a dança moderna utiliza-se das práticas teatrais, decorrentes das composições propostas por Kurt Jooss nos anos 20. A dança-teatro da encenadora alemã Pina Bausch é exemplo contundente das pos
565cm
A mistura cultural e a hibridização são um destino inevitável da dança e a caracterizam desde os seus primórdios
nea. A produção dos artistas que flertam com a performance libera o expectador da imobilidade e propõe um jogo perceptivo diferenciado. A dança contemporânea, neste início de milênio, revê certas categorias e universais, não somente por meio da negação da prática espetacular do movimento dançado, ou de certos padrões corporais estabelecidos no decorrer do século XX, mas do próprio conceito de dança e da associação direta desta com o movimento. A arte (e a dança) dita conceitual veicula-se como ideia, através de meios “anartísticos”, no sentido de que reflexões e pensamentos do artista constituem o “objeto” de arte em si. No caso da dança, os meios “anartísticos” deslocam a noção de dança para além de seu suporte mais recorrente, o corpo e, por extensão, o compromisso com o movimento e a coreografia, para outras formas de intensificação poética e política. Expressiva parcela da produção europeia e brasileira converge em sua crítica à herança ontológica da modernidade, cuja pulsão pelo movimento do corpo e sua energia cinética (harmonia, ritmo, dinâmica) organiza os modos de representação na dança, tal como Lepecki analisa criticamente em Exhausting dance: performance and politics of movement. Os still acts (atos imóveis), conceito desenvolvido pela antropologista grega Nadia Seremetakis, revisitado por André Lepecki no ensaio Desfazendo a fantasia do
sibilidades de conexão entre a dança e o teatro, em sua busca por espaços pouco habitados até então nas fronteiras dessas artes. Os anos 90 apresentaram um contexto ainda mais híbrido. Há uma retomada da relação entre a dança, as artes plásticas e os eventos performáticos anteriormente explorados pela geração pós-modernista da década de 60, nos espaços da Judson Church, em Nova Iorque. Esse novo cruzamento com a prática da performance propiciou modos de investigação singulares. Ao se relacionar com certa produção em dança na atualidade, a pergunta do público parece migrar: “Isso é dança ou performance?”. A formulação dualista “dança e não dança” sintetiza a consternação frente à produção de artistas europeus como Jérôme Bel, Boris Charmatz, Xavier la Roy, Maria La Ribot e Loic Touzé. Ainda que não sejam reconhecidas qualidades que remetam ao universo convencionado da dança, as obras que se encontram nessas zonas fronteiriças estão relacionadas às práticas dessa área artística, realizadas por corpos que possuem uma identidade de dança. É justamente essa “filiação” que direciona as discussões colocadas em cena, contribuindo para uma reflexão sobre a natureza e a epistemologia da dança na cena contemporâ-
sujeito (dançante): ‘Still Acts’ em The last performance de Jérôme Bel, análise da obra de Jérôme Bel e La Ribot, desafiam o aparato sensorial e cognitivo, iniciando o sujeito noutra relação com a temporalidade, com certos ritmos corporais pré-estabelecidos pela dança e com experiências acerca da percepção e presença do artista e do expectador. Essa perspectiva, de acordo com Isabele Ginot, citada por Mayen no texto Déroutes: la non non-danse de présences se cruze com outras e, por outro lado, reconhece en marche, insere a dança num campo político. gêneros constitucionalmente híbridos, como, Os gestos lentos e a dilatação do tempo seriam por exemplo, o grafite e os quadrinhos. As hipossíveis atos de resistência a um pretenso fluxo bridações descritas por Canclini levam-no a consem entraves ou sem tensão que as políticas docluir que todas as culturas, de certa forma, hoje, minantes, da chamada globalização, insistem em são de fronteira, a partir da ideia de que as artes veicular, libertando a dança, segundo Goumarre se desenvolvem em relação com outras artes. O hino seu ensaio Die Another Day, da “fatalidade do bridismo opera enquanto deslocamento de valor, movimento”. levando o discurso dominante a descentralizar-se e O contato entre artistas brasileiros e eudesviar-se, como pensa Homi Bhabha em O local da ropeus tem desencadeado processos compocultura. sitivos semelhantes, reaquecendo o debate Espécie de destino inevitável da dança, a hibriacerca das implicações de um discurso codização resulta de exigências de formação e criação lonizador-colonizado. Essas relações imporartística, num mundo de referências cada vez mais tam na medida em que esses artistas não se plurais. Em qualquer zona de fronteira, geopolítica ou apropriem impunemente dos modelos e proestética, há sempre perigos e desafios. Entre o salvacedimentos europeus, mas, acima de tudo, guardar de suas identidades próprias e o pisar no quintal desenvolvam sua prática de investigação do outro, a dança que se faz no Brasil se configura e se repor meio de questões próprias, numa posnova. Sempre uma arte sistêmica, felizmente impura, que tura ao mesmo tempo de receptividade e se caracteriza pelos cruzamentos de tradições e experide escolha crítica. mentações europeias, reminiscências da cultura indígena e Canclini, no livro Culturas híbridas: esafricana – além de outras contribuições introduzidas pelos tratégias para entrar e sair da modernidistintos grupos étnicos – e inovações de modernas matridade, descreve artistas e escritores que zes norte-americanas. abrem o território da pintura ou do texto para que sua linguagem migre e Sandra Meyer é professora do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina
586cm
607cm
628cm
texto Schneider Carpeggiani Ilustração MNH Santos
McOndo é aqui Jornalista conta seu encontro com o escritor chileno Alberto Fuguet
Você espera tanto para conhecer alguém. Faz planos, imagina o encontro ideal, a conversa perfeita, os minutos voando, mas ainda assim suficientes. É claro que rola certo medo: e se o papo não vingar (ainda mais quando se tem de traduzido para o Brasil. Não há como escapar: se suas fazer uma conversão estranha do portunhol para férias não estão indo bem, o título Baixo astral é baso inglês), se ele for chato e os “se…” continutante convidativo. OK, é um grande cliché, mas conando ad infinitum pela sua cabeça. Você espera venhamos... tanto, a porta do elevador se abre e ele aparece: Pois o romance começava com o diário de um suado, uma bolsa a tiracolo gigantesca e manadolescente chileno durante férias mal-sucedidas cando. “Eu não posso ir muito longe porque estou no… Rio de Janeiro. Engoli seco e levei o livro cocom um problema no pé”. Muito prazer também! migo. Aquela viagem não valeu muito a pena, mas Assim começou meu primeiro encontro com o voltei para casa com a sensação de que trazia um autor chileno Alberto Fuguet, tipo o meu Supernovo amigo junto. Brega? Claro que sim, mas morro -Homem dos anos 00, meu escritor favorito, dono de pena se isso nunca lhe aconteceu. de livros que me salvaram do tédio e da ignorância É engraçado, ou melhor, é raro, aqueles mocom sarcasmo e afeto em doses equivalentes, que mentos em que damos de cara com pessoas, obme fizeram voltar para a universidade para entenjetos, músicas e livros que nos completam. Que der o que danado acontecia comigo quando lia suas falam por nós ou ao menos “arrumam” o que deihistórias. Pois ele mancava e era meio-dia no Recife, xamos pela metade (ah, Freud, só você para ennuma Boa Viagem interrompida até para os padrões tender…). Pois eu era um pouco (ou muito) o de um turista mezzo incapacitado – “Como ninguém personagem Matías Vicuña com tédio e lambuavisou que aqui tinha tubarão?”, reclamou. zado por aquele jeitão de ser carioca que não Na verdade, meu primeiro encontro com Fuguet nos coloca escolha: Rio, ame-o ou deixe-o. E não foi na Boa Viagem para turistas deslumbrados de eu estava louco para deixar. outubro do ano passado. Foi algo entre 2002 e 2003. “Mas hoje você não pode mais se sentir Estava no meio de umas férias mal-sucedidas no Rio de como Matías, porque deixou de ser adolesJaneiro, quando, perambulando por uma livraria de Ipacente”, corta minha declaração/lembrança, nema, dou de cara com Baixo astral, seu primeiro livro Fuguet, logo que sentamos para conversar
649cm
num bar à beira-mar – “Esse é um bar da bourgeoisie do Recife”, observou, irônico, ignorando, talvez, que em qualquer lugar do mundo a vista para o mar é coisa de bourgeoisie. Ele estava certo. Eu não me sentia mais como Matías e, na verdade, só naquelas férias é que me senti desse jeito. Quando passou o deslumbre pela camada mais superficial do romance, fui descascando a trama com um olhar mais crítico e menos carente. Fui percebendo que Baixo astral fora escrito por subtração: estava ali todo o contexto político barra-pesada do Chile do começo dos anos 1980, mas sufocado nos resmungos de um adolescente de classe média com tédio e viciado em cultura pop. De tão político, o livro podia falar de tudo (sexo, drogas & rock n`roll), menos de política. Recalque (cuidado?) que faz de um livro qualquer, um grande livro. E tinha também um outro lado de Fuguet que só descobri depois. Esse um lado sarcástico, da defesa pelo humor, que o fez organizar em 1996 a antologia McOndo, que transformou a cidade mítica de Gabriel García Márquez num trocadilho entre uma marca de computador bonitinha e uma rede fast-food. A ideia era reunir os novos autores latino-americanos com uma prosa urbana, contemporânea, sem nada de realismo mágico e suas matriarcas centenárias e vizinhos voadores. A polêmica dessa história foi tamanha que Fuguet acabou parando na capa da Newsweek, tratado como o maior inimigo daquele jeitinho Macondo de ser. Por muito tempo, Fuguet se recusou a falar sobre McOndo, tanto que o livro está esgotado (e, segundo ele, assim permanecerá). Mas o assunto veio à tona
670cm
na hora que – inocentemente – pedi um casquinho de siri. “Então essa é a parte Macondo do cardápio desse lugar de bourgeoisie?”, brincou. Ah, Fuguet, relaxa. *** Em fevereiro, Fuguet me enviou pelo correio Missing: una investigación, seu novo livro, ainda inédito no Brasil. Li suas 400 páginas em dois dias. (E acho que voltei a sentir aquela sensação inicial de quando fiquei obcecado por Matías Vicuña no Rio de Janeiro em 2002/2003). Outra vez, acabei a leitura de um romance seu no Rio de Janeiro. Enviei um e-mail para ele avisando da reincidência. Pouco depois de apertar o send no Gmail, a resposta: “glad to know the book will be in Rio. Nice”. Missing é o relatório quase ontológico do que consiste uma investigação. Fuguet tinha um tio, Carlos, espécie de ovelha negra da família, hippie, junkie, que decidiu tentar a vida nos Estados Unidos e… sumiu. A família procura por um tempo, mas desiste com o passar dos tempos. “Eu decidi ser um detetive e procurar meu tio. E acho que sou um bom detetive, porque o encontrei”. “Mi tío se perdió, pero se perdió de verdad. Nada de arte, nada de metáforas”, diz uma passagem do livro. Cuidado: sempre desconfie quando
um escritor diz que ali não há metáforas. O livro é um acerto de contas do escritor com sua família e a suspeita de que certas coisas não desaparecem – apenas deixamos de procurar por elas. É como se tudo no mundo permanecesse sempre no mesmo lugar, esperando apenas a hora de ser (re)encontrado. Fico pensando se Missing é mais sobre o gatilho que nos faz querer encontrar alguma coisa do que sobre a procura. Quando acabei o livro, estava decidido: eu não queria mais ser Matías, queria ser o próprio Fuguet. É ele quem fala no livro, sua voz no texto é tão reconhecível para mim quanto a daquele homem com quem conversei em outubro à beira-mar. E lembro sempre da abertura de Missing, que me remete ao que me faz perambular por livrarias quando as coisas não estão indo muito bem: “El cine es escape, al escribir se escapa, leyendo quizás también”. *** Fuguet esteve no Recife como convidado da Bienal do Livro e passou meio sem ser notado, perdido entre os palhaços e excursões escolares que são típicas dessa feira (de todas as feiras). Naquela tarde em que conversamos em meio ao Macondo do meu casquinho de siri, tive com Fuguet uma verdadeira sessão de análise. Nada para ele passava sem ser notado. Se tivesse um analista, teria cancelado a consulta em seguida. Na inquisição que ele me fez encarar, a pergunta mais difícil de responder foi “Por que você tatuou under construction (em construção) no braço?”. A resposta óbvia seria com uma outra pergunta, “Mas não faz parte do crescimento
691cm
texto Diogo Monteiro Ilustração Paulista
Brinde
estar em eterna construção?”. Saída, obviamente, insatisfatória para ambas as partes. Uns meses mais tarde, conheci um cara que tinha no braço o símbolo de reciclável. Dei uma de Fuguet e questionei o desenho. “É que nós sempre estamos nos reciclando” – resposta tão ruim quanto a minha própria. Mas perdoado pela minha incapacidade em falar da minha própria tatuagem. Naquela tarde, Fuguet prometeu que usaria a frase under construction num personagem de seu próximo filme. Depois desse dia, a gente tem conversado por e-mail sempre que algum susto nos atropela. Teve o da morte de Salinger, quando ele me mandou o artigo que acabara de escrever para um jornal chileno. Aqui vai um trecho: “Sus lectores no eran necesariamente lectores duros sino jóvenes que estaban aprendiendo a entender el mundo y tratando de entenderse ellos”. Fuguet falava de Salinger, mas é essa a relação que tenho mantido com seus próprios livros desde aquelas férias cariocas. Conversamos no dia seguinte ao terremoto do Chile. Seu apartamento fora bastante afetado, mas ele não perdeu o humor: “Foi tudo meio Beltran Soler”, disse, fazendo referência ao personagem do seu romance Os filmes da minha vida, que trabalha num departamento de controle de terremotos. Assim que os aeroportos chilenos reabriram, ele partiu para Nashville, nos Estados Unidos, onde dirigiria um filme sobre country music. De lá, me mandou um outro e-mail falando da experiência, relembrou o trauma da tragédia que desmontou seu país e deixou o seguinte P.S.:
Quando o barulho começa, eu ainda estou sonhando. Sonho que estou num bar onde pessoas comemoram um aniversário ou uma vitória no futebol. Brindam, chocando seus copos e derramando cerveja sobre a mesa. Mas não brindam somente uma vez. Seguem brindando e brindando, e o barulho dos vidros se encontrando vai saindo do meu sonho, deixando as vozes e levando-me com ele, até que estou desperto. Mesmo na vigília, o som continua, vindo de outro cômodo da casa de minha avó. Sei, pelo adiantado da hora e pela penumbra, que todos dormem, meus avós, meus pais e meu irmão, na cama ao lado. Não há, portanto, ninguém brindando, nem haveria, nesses últimos dias, algum motivo para comemorações. A indecisão, entre investigar e tentar ignorar o fato, dura o tempo de uma respiração profunda. No corredor, o tintinar ganha no volume e na definição. Agora parece mais como se alguém carregasse uma caixa cheia de copos, pratos ou tigelas de vidro. Uma rápida avaliação conclui que o barulho vem da sala, que, daqui já posso ver, também repousa no escuro aliviado pela luz que vem da rua. Não sei se me forço a avançar ou contenho a pressa em chegar ao local, enquanto imagens vão se formando na minha mente. Um ladrão – trajado a rigor, com boina, máscara e luvas como nos gibis – preenchendo um grande saco com os cristais guardados de minha vó; meu avô, preparando uma bebida a ser apreciada na pe-
“I will use, remember, your tattoos”
Schneider Carpeggiani é jornalista e editor
numbra, enquanto tenta adivinhar o desenho dos seus últimos anos; ou o fantasma de alguma dama ancestral, saudoso da vida e das joias que sempre ostentou, desembarcada acidentalmente neste mundo, enquanto seus olhos fitam para sempre um além vazio. Chego à sala. Na primeira conferida, nada vejo além de móveis e suas sombras. Mas o som intermitente atrai o meu olhar para cima, onde o lustre de cristal, mais antigo que a avó da avó de minha vó, debate-se. Por algum tempo, julgo mal a minha vista e acredito estar enganado em constatar que as pequenas peças transparentes se reuniram para formar oito longas hastes articuladas que se agitam, ligadas a um bojo de cristal, cuja parte posterior liga-se ao cabo que o prende ao teto. E realmente fico surpreso quando o cabo se alonga, permitindo que a aranha transparente desça até o chão? Ela passa a transitar pela sala, o barulho de vidro com vidro continuando, examinando móveis, paredes e cantos. Então, eu faço a única coisa que me parece lógica. Eu acendo a luz. E aprecio o espetáculo. Diogo Monteiro é jornalista
712cm
733cm
i n s tá v el
expediente 1048cm
1006cm
943cm
859cm
796cm
796cm
\\ Heloísa Buarque de Hollanda, crítica literária e professora
O quê sempre: direito à expressão e à diferença. O quê de vez em quando: humor. O quê nunca? Torres de marfim.
\\ Conrado Falbo, poeta e professor
Sempre ter curiosidade suficiente para querer conhecer mais, experimentar mais e arriscar mais. Nunca ser presunçoso a ponto de achar que já conheceu, experimentou e arriscou demais. De vez em quando permitir-se certas idiossincrasias para não esquecer que, no campo da cultura, toda regra existe para ser quebrada.
\\ Vavá Schön-Paulino - ator e diretor
Para mim, sempre a alegria das brincadeiras da criação, sejam elas populares ou eruditas. De vez em quando a seriedade da materialização das ideias. NUNCA as burocracias cerceativas!
\\ Cássio Bomfim - estilista e proprietário do ACRE
Sempre leio os cadernos especiais dominicais dos jornais locais. Sempre repasso a informação positiva desses veículos nas redes sociais virtuais de minha loja, o ACRE. Sempre tento ir aos eventos e seminários gratuitos em Recife. De vez em quando, vou a concerto de bandas masculinas sem performance empolgante, nem conteúdo interessante ou próximo da realidade, desses que ficar olhando para o palco e manter-se captado demanda esforço. De vez em quando, vou ao 100% Brasil. Nunca chamo ninguém de “AMORE!”. Nunca falo do trabalho alheio como se tivesse formação e trajetória para classificá-los como ruim ou péssimo (prática comum nos trópicos). Nunca cortejo cônjuges alheios (prática comum no Ocidente).
\\ Rinaldo de Fernandes, escritor
O quê sempre? O bom texto literário. Literatura feita com artesanato, com o autor atento, tanto na poesia como na prosa, às muitas possibilidades da linguagem – e lançando um olhar pungente sobre a existência, inquietando, implicando, sempre, com o status quo. Literatura para mover o coração e a cabeça – para dar prazer, para fazer fantasiar e refletir, revolvendo os recônditos da alma humana. O quê de vez em quando? Um circo, para recompor partes da infância, para introduzir meu filho – de 2 anos – nos campos vastos da fantasia. O quê nunca? A pior música veiculada pela mídia, apelativa, feita por vezes com propósitos de humor, mas contribuindo certamente para a permanência do preconceito, atacando, por exemplo, a imagem da mulher e rebaixando as relações amorosas.
\\ Germana Freire - designer
Sempre: música, cinema, arte popular, viajar para conhecer novas culturas. De vez em quando: poesia. Nunca: shows bregas e bandas de forró.
\\Gerusa Leal - poeta
Literatura sempre. Nada, no campo da cultura, me dá maior sensação de plenitude que o prazer estético de uma boa leitura. Cinema, de vez em sempre. Ver e rever os filmes preferidos. Com um bom livro e um bom filme meu dia está perfeito. A cultura de massa me incomoda muito. BBB, por exemplo, é um pouco demais para minha cabeça. Até hoje, pelo menos, é nunca mesmo.
Sempre tive medo de tomar manga com leite e nunca passo por debaixo de uma escada. Todos os dias, tomo um chocolate Toddy ao acordar e um cafezinho depois do almoço. Se pararmos para prestar atenção sobre o nosso dia a dia, perceberemos que o nosso modo de viver as coisas poderia ser classificado em três grupos: as que sempre fazemos, as que de vez em quando gostamos de fazer e aquelas que não topamos realizar de jeito nenhum! No universo da arte e da cultura em geral, não parece ser muito diferente. Por isso, a Eita! pergunta a escritores, artistas, críticos, músicos, atores, estilistas, designers e arquitetos o sempre, o de vez em quando e o nunca do universo cultural.
O quê sempre, o quê nunca, o quê de vez em quando?
texto Cristhiano Aguiar ilustração MNH Santos
Gabriel Machado [gabriel.machado@gmail.com]
MNH Santos [ricoebonito@gmail.com]
Dui Aguiar [dui.aguiar@gmail.com]
ilu s tradore s
Renata Gamelo [renatagamelo@gmail.com]
e n s aio 2 torre s
Beto Rezende [betorezende@ig.com.br]
s ele ç ã o de 1982 era magia p ura
Paulo Souza Cláudio Lins Maurício Carvalho [mauricio.carvalho@playlore.com]
que filme é e s s e ?
Greg [gregoriosim@gmail.com]
p or c ima
Cristhiano Aguiar [cristhianoaguiar@gmail.com]
o qu ê s em p re , o qu ê n u n c a , o qu ê de v e z em qua n do ?
régua
817cm
\\ Rúbia Campêlo, Coordenadora Geral do Espaço Cultural Mauro Mota | FUNDAJ
Jamais.... show de rock (pauleira) ou de single, quanto mais, de dupla sertaneja! No rádio ou na TV, mudo de canal. No carro alheio, franzo a testa e, dependendo da intimidade, peço pra baixar o volume. Uma forma mais delicada de preferir o silêncio. Não importa onde e nem mesmo com quem. Detesto! Às vezes é uma condição confortável de experimentar muita coisa e de arquivar na pasta do sempre ou do nunca. Sou eclética por natureza e me permito um pouco de tudo. Me arrisco, nos festivais, a ver o que rola de novo em cada área. Na dança, no teatro, na literatura, nas artes plásticas. Ouso até palpitar nos ouvidos dos curadores. Me perdoem Arnaldinho (Arnaldo Siqueira), Lucinha (Lúcia Machado), Madame Helô (Heloísa Arcoverde), Moi Aussi (Moacir dos Anjos) e todos os outros que se sintam importunados com as minhas críticas não especializadas! Sempre... gosto muito pouco de repetir o que faço. Detesto a rotina. Mas tenho manias. Dois livros, no mínimo, na cabeceira. Uma sessão de cinema por semana. E música como pano de fundo para os engarrafamentos, as leituras na rede ou na cama e os trabalhos no computador. C’est ça!
838cm
\\ Bruno Souto, vocalista da banda Volver
SEMPRE CRIAÇÃO MUTAÇÃO EXPRESSÃO SOLIDÃO? NUNCA PRECONCEITO DESRESPEITO SER PERFEITO JÁ FOI FEITO? DE VEZ EM QUANDO PARCERIA CALMARIA VELHARIA VALER IA? VALE À PENA!
\\ Zonda Bez, jornalista e pesquisador
O quê sempre? Estímulo, fomento e reconhecimento por parte dos poderes públicos do papel fundamental e transformador da cultura nas sociedades transnacionais e diversas no século 21. O quê de vez em quando? Poder escapulir para ver as coisas da cultura pelo mundo! Tanta exposição, show, filme, cidade pra ver e embeber-se! Ser público é bom e a arte precisa de nós! E sou partidário do Maomé...Adoro ir às montanhas! O quê nunca? Estar impedido de acessar o conteúdo cultural já produzido ou em produção pela humanidade. A liberdade de conhecer, compartilhar e remixar deve ser direito inaliénavel na cultura contemporânea e temos todos a ver com isso. Uma batalha!
HQ Greg
859cm 880cm
Há algum tempo, no final de 2004, em alguma sessão de jogatina noturna, o pai de um dos autores deste texto fez a pergunta que dá título à matéria. “Que filme é esse?” veio seguida de uma pausa deste autor e, não havendo resposta, por uma outra pergunta: “Isso é um jogo?”. O “filme” em questão era um título para PlayStation 2. Em sua cena de introdução e créditos iniciais, o herói pulava de um avião militar utilizando um paraquedas em uma sequência de ação bastante realista em termos de cinematografia. A preocupação do diretor do jogo em fazer com que sua obra fosse tão parecida com um filme, ao ponto de ser confundida com um, foi inovadora há cerca de 10 anos. Já em 2004, data do acontecimento descrito acima, era uma linguagem comum nessa nova mídia. Essa “filmificação” dos videogames não é nada recente. Ela começou a ficar mais perceptível nos últimos anos, com a evolução do poder de processamento dos computadores e também da sua capacidade de armazenagem de dados. Tudo teve início nos primeiros anos da indústria de jogos, quando os “game-designers primordiais” faziam jogos em que a característica principal eram os controles e a jogabilidade. Não havia o conceito de se contar uma estória ao longo de um jogo ou de haver um
roteiro pré-definido. Todos os jogos eram infinitos ou, ao término de um ciclo de “estágios”, voltavam ao começo. Nessa época, era tecnologicamente impossível programar algo que se aproximasse da sétima arte. O máximo que se sabia de estória de um jogo era o que vinha escrito no encarte e a boa vontade da infinita imaginação das crianças. Alguns anos depois, alguns desses “game-designers primordiais” (que eram, na realidade, programadores), começaram a experimentar com ficção interativa e desenvolver jogos com roteiros pré-definidos. Um dos primeiros jogos que se sabe nesse estilo foi Colossal cave adventure (Will Crowther e Don Woods, 1976), representante do gênero Jogos de aventura ou Adventure games, que tem como foco a estória e requer menos habilidade do jogador. Por essas características, sua concepção poderia receber enorme influência de outras mídias como a literatura e o... cinema. Em 1979, Warren Robinett, programador da Atari, bastante influenciado pelo jogo de Crowther e Woods, criou a ideia de Adventure (Atari, 1979). O objetivo do jogo era encontrar
Viva o jogo, jogue o filme. Uma reflexão sobre as influências do cinema nos videogames
Que filme é esse?
texto Paulo Souza, Cláudio Lins e Maurício Carvalho ilustração Gabriel Machado
964cm 985cm 1006cm
de gestão e produção algumas vezes até maior que a produção de um filme convencional em Hollywood. Recentemente aconteceram levantes e discussões públicas se jogos são ou não uma forma de arte. Enquanto a tecnologia e o dinheiro trabalham para diminuir a tal “barreira” entre os jogos eletrônicos e o cinema, alguns críticos já não acreditam que ela ainda exista. Há também uma clara mescla de profissionais do cinema com a indústria de jogos, principalmente na parte criativa. Essa mistura pode diminuir o preconceito da crítica, das pessoas em geral e até dos próprios desenvolvedores de jogos em relação ao seu público. Existe um grande esforço hoje da indústria em utilizar toda essa transmissão criativa e de tecnologia para fazer jogos que fujam do “lugar-comum”. Talvez essa seja a última “barreira” para elevar os jogos ao estado de arte.
gem de cinema. O game tem tido aceitação em todo mundo, vendendo mais de um milhão de cópias no primeiro mês de lançamento. Os comandos de Heavy Rain são bem diferentes dos tradicionais, deixando o título mais próximo de um filme interativo do que de um jogo tradicional. O que antes era proibitivo na produção de um jogo, hoje pode ser considerado normal. Roteiristas, por exemplo. Em Uncharted 2 (Sony, 2009), o jogador controla um caçador de recompensa, bem no estilo “Indiana Jones” moderno. O que chamou a atenção na nova versão do jogo foi a qualidade do roteiro. Uncharted 2 foi escrito por profissionais de cinema, trazendo ao jogo argumentação e construção de personagens que nunca ou raramente existiram em um jogo eletrônico. Adicione a isso a tecnologia de motion capture, um processo que captura os movimentos e expressões de atores reais e traduzem isso para os personagens virtuais do jogo. O uso dessa tecnologia pode facilmente elevar o orçamento de uma produção em milhões de dólares. Um bom exemplo de filme que usa essa tecnologia é o recente Avatar (2010). Jogos de grande porte têm também grandes orçamentos para a parte sonora. Engenheiros de som para jogos hoje são os mesmos que trabalham para filmes ou peças publicitárias. Os grandes jogos contam muitas vezes com temas orquestrados por compositores famosos como Hans Zimmer, responsável por trilhas sonoras de filmes como Piratas do Caribe ou Código da Vinci e também do último jogo da série Call of Duty. Toda essa tecnologia e valores de produção adicionam tempo e custo à produção dos jogos mais novos. Os exemplos citados aqui podem levar de 2 a 4 anos para serem desenvolvidos, com equipes de até 200 pessoas. Isso demanda um esforço
Paulo Souza, Cláudio Lins e Maurício Carvalho trabalham na indústria de jogos em empresas pernambucanas
câmera vai seguindo o protagonista, nas mãos do operador. Alguns desses jogos se aproveitam do fato de serem jogados em uma câmera em primeira pessoa e se tornam verdadeiros filmes de ação “hollywoodianos” assistidos do ponto de vista do próprio jogador. Os melhores exemplos são jogos como Half-life (Valve, 1998), Halo (Microsoft, 2001) e o mais famoso desses: Call of Duty (Activision, 2001). Este último teve sua sexta versão lançada em 2009, sendo o maior lançamento de toda a história da indústria de entretenimento. Além da estética e do visual, há os jogos em que o jogador pode mudar parcialmente ou totalmente o roteiro, sendo os jogos no estilo RPG (Role-Playing Game) os que exploram esse potencial. No passado, esses jogos não tinham recursos gráficos avançados, sendo compensados pelos game-designers com roteiros interativos, complexos e longos. Hoje são visualmente tão complexos como qualquer outro jogo. Os jogos mais modernos usam esses artifícios para novos tipos de interações. O jogo Mass Effect (EA, 2008) consegue reproduzir rostos e expressões humanas tão perfeitamente que faz parte do desafio interpretar as expressões e sentimentos dos outros personagens. Em Mass Effect, o jogador pode definitivamente mudar o rumo da narrativa ao escolher o que dizer e o mais importante: como dizer. Um outro exemplo é o novo trunfo da Sony para o seu console PlayStation 3, Heavy Rain (Sony, 2010). O jogo traz uma rara temática adulta conjugada à possibilidade de guiar os personagens para alterar o fluxo da trama. Um dos diferenciais é que o jogo é quase todo em formato de filme, utilizando ângulos de câmera e fotografia da lingua-
um “cálice” sagrado, sendo para isso preciso matar os três dragões que o protegiam. O jogador, agora controlando o herói através de um joystick, era representado visualmente por um pequeno quadrado que navega por “cenários” como castelos, prisões ou labirintos em busca de chaves escondidas, espadas e outros itens para o progresso da aventura. Adventure vendeu um milhão de cópias e é, provavelmente, o primeiro jogo de Aventura e Ação da história. Durante estes últimos 30 anos, os jogos eletrônicos se aproximaram cada vez mais dos filmes, em diversos aspectos: storytelling (ou seja, fluidez narrativa), estética, tecnologia, roteiro, trilha sonora e até orçamento e faturamento. A diferença dos jogos eletrônicos em relação às narrativas cinematográficas continua sendo, claro, a interatividade. Há a possibilidade de ter a experiência de uma “montanha-russa” em primeira pessoa em um roteiro fixo, ou até praticamente mudar o fluxo da história sendo contada. Há os jogos em que o roteiro é fixo e têm o foco na experiência, apelando menos para a interatividade e mais para a estética da linguagem do cinema: inclua aí ângulos de câmera, fotografias belíssimas, diálogos e interlúdios cinematográficos. Efeitos como o Bullet-time de Matrix (1999) foram usados em jogos como artifício de jogabilidade. Em Max Payne (Take-two, 1999) havia um comando que fazia com que o jogo entrasse em modo câmera lenta, facilitando a mira e tornando possível derrotar mais inimigos e até “desviar de balas”. Em Gears of War (Epic, 2006), para adicionar a sensação de perigo, às vezes a câmera do jogo vai para trás do personagem e assume uma estética tremida, como em uma tomada em que a
Cena do jogo Heavy Rain
Opções de diálogo influenciam a trama em Mass Effect 2
1027cm
fotografias Renata Gamelo
Futebol é polêmica. E uma das mais deliciosas envolve as seleções brasileiras de 1982 e a de 1970. Esta última tinha Pelé. “Ponto final”, argumentam os setentistas. “É, mas a de 82 jogou talvez o mais belo futebol já visto em Copas do Mundo”, contra-argumentam os fãs de Sócrates, Zico e companhia. Tinha 10 anos, morava em Campos (RJ), quando vi Pelé, Tostão, Rivelino e outros mestres ganharem a Copa de forma invicta. Daquele torneio, escolho Brasil x Inglaterra como o melhor jogo. Para mim, foi a partida mais equilibrada de todas as Copas. Que jogo espetacular! Os ingleses batiam muito. Pelé, Tostão e Jairzinho na direita infernizavam o time de Sua Majestade. No final, Brasil 1 x 0. O Brasil de 1982 reunia quatro monstros no meio-campo: Cerezzo, Falcão, Zico e Sócrates. Os laterais eram os do Flamengo: Leandro e Júnior, dois dos mais completos jogadores que vi atuar. A zaga era Oscar e Luisinho. No gol, o injustiçado Waldir Peres. Éder e Serginho comandavam o ataque. Esse timaço se diferenciou de outros pela categoria de cada jogador. Os gols eram pinturas.
Seleção de 1982 era
texto Beto Rezende ilustração Dui Aguiar
“Estrutura arquitectônica de fortificação, com funções defensiva e residencial. De tipo permanente, era geralmente erguido em posição dominante no terreno, próximo a vias de comunicação (terrestres, fluviais ou marítimas), o que facilitava o registro visual das forças inimigas e as comunicações a grandes distâncias.” Definição de castelo no Wikipédia
Contra a Argentina, demos um baile. Zico e Júnior barbarizaram. Três a um pra gente. 1970 pode ter tido Pelé e Tostão, mas o escrete de 1982 era lindo de se ver. Naquele fatídico jogo contra a Itália (aquele mesmo em que, caso eu acreditasse em diabo, eu diria que o italiano Paulo Rossi estava com o chifrudo no corpo), minhas duas irmãs mais novas e este jornalista aposentado quase morreram do coração, quando Sócrates perdeu um gol que mudaria a história daquela Copa. Foi muito triste para os comandados de Telê e para o Brasil inteiro. A Itália de Rossi calou Zico, Falcão, Cerezzo, Sócrates e um país continental. Como – perguntávamos todos – uma seleção daquele naipe poderia ter sido derrotada pelos italianos? Hoje, quando assisto aos jogos de 1982, ainda me emociono. Aquilo não era futebol; era balé. Precisão, técnica e, acima de tudo, amor ao futebol. Os setentistas que me perdoem, mas futebol igual àquele dos pupilos de Telê dificilmente será visto pelos gramados do mundo.
Mercado de São José
Rua do Imperador
1048cm 1069cm
Igreja da Penha vista da Av. Dantas Barreto
trela Palácio da Justiça visto da Rua da Aurora
Rua São José do Ribamar 1090cm
1111cm
texto Ana Quitéria ilustração Henrique Koblitz
régua 1426cm Débora Nascimento [deboranascimento@gmail.com]
a i n s egura n ç a que mata o s deu s e s
1363cm e n s aio fotogr á fi c o
Coletivo Santo Lima [bfigueiroa@gmail.com]
1342cm p oe s ia
Jacineide Travassos [jacineidetravassos@hotmail.com]
1279cm Luiz Felipe Botelho [botelhudo@gmail.com]
o i c e b erg e s tá v i v o , é que n te e n ã o derrete
Danielle Romani [dbromani@gmail.com]
1237cm e n qua n to c ami n h ava p ela s rua s de uma c idade c ruel . . .
gret c h e n
Célio Pontes [celio_pontes@terra.com.br]
Gabriel Machado [gabriel.machado@gmail.com]
Paulista [paulista.design@gmail.com]
Henrique Koblitz [h.koblitz.e.pe@gmail.com]
ilu s tradore s
expediente
Ana Quitéria [anaquim@gmail.com]
1174cm
Gretchen O estacionamento do subsolo do prédio de escritórios e consultórios médicos parecia um desses cenários de filme onde sempre acontece algum crime. A luz lá de fora entrava diagonalmente pelas persianas de concreto e desenhava faixas largas no chão. Gretchen andava devagar, mesmo sabendo que, nos filmes, a mocinha sempre é atacada no estacionamento de subsolo de algum lugar. O cheiro de mofo era o motivo dos seus passos lentos. Ela sempre gostou de cheiro de mofo.` “Podiam me matar agora”, pensou. Gretchen nunca dera valor à própria vida, nunca achou que deveria ter nascido, tampouco, que fora querida pelos seus pais. Nada em especial, nenhum trauma, nenhum complexo de rejeição ou coisa do gênero, mas tinha isso na cabeça. E, de vez em quando, pensava que alguém podia aparecer e matá-la com um tiro no meio da cara. Não tinha curiosidade de saber coisas de além-túmulo, nem acreditava que haveria outra vida depois. Só achava que seria bom desligar a vida, não existir. Assim seria tudo um quarto escuro e silencioso. Andando pelo estacionamento ouvia seus próprios passos fazendo tloc-tloc no chão de cimento liso. Seria a hora ideal para morrer. Tinha muitas fantasias acerca de seu enterro e sua vaidade muitas vezes a fazia imaginar quem iria comparecer ao evento, quem choraria de verdade, quem sentiria falta dela. Afora sua mãe, tinha certeza, ninguém
1174cm
passaria muito tempo lamentando sua morte. Aliás, sua mãe provavelmente era uma das culpadas pelo pouco valor que Gretchen dava à própria vida. Começou a desdenhar da própria existência no dia em que se deu conta de que fora batizada com o nome de uma cantora que rebolava a bunda em roupas mínimas enquanto sussurrava uma música com um pedaço da letra em francês. Desde aquele dia, percebeu que alguém com aquele nome não poderia ser nada muito importante. Mas o que era realmente importante? “Nada” – pensou alto. Quando descobriu que não era bonita e nem especialmente inteligente, teve certeza de que não precisava estar viva. No entanto, nunca tentara suicídio. Levava sua existência de maneira regular, da maneira comum e corrente, sem comentar com ninguém que não via grande coisa em pertencer à classe dos vivos. No fundo, achava que, na maioria do tempo, era apenas uma morta-viva, ou morta por dentro. Não que não sentisse, sentia como qualquer um. Mas nunca deu importância ao que sentia. Por isso Gretchen ri pouco. E chora menos ainda. Parou em frente ao carro e achou que poderia ficar um pouco mais naquele estacionamento de subsolo e sentir um pouco mais o cheiro de mofo. Quem sabe o homicida chegaria justo na hora em que ela enchesse os pulmões com aquele ar viciado. Gostava de cheiro de mofo desde sempre e lembrava que enfiava o nariz no respiro da porta do quartinho que guardava as bicicletas das crianças do prédio de classe média em que crescera. Fingia que estava tentando ver as coisas lá dentro, mas na verdade, queria mesmo era sentir aquilo outra vez. Quando se mudou, ficou órfã daquela sensação, mas
folgou quando descobriu o cheiro dos estacionamentos de subsolo. Olhou o relógio e viu que não havia pressa. Na verdade, poderia ficar ali para sempre. Fatalmente, no fim do dia, alguém ia chegar e dizer que o prédio de escritórios e consultórios médicos iria fechar. Certamente, todos que passassem por ali iriam estranhar a visão de uma mulher encostada no carro, com as mãos apoiadas para trás, com o rosto para cima, como quem toma sol. Aquela umidade e penumbra também eram aprazíveis. Tão diferente da luz intensa e do calor modorrento que fazia lá fora. Gretchen poderia viver para sempre ali, vendo as pernas e as sombras dos transeuntes para lá e para cá, como na alegoria da caverna. No teto do estacionamento de subsolo passavam canos grossos, que pareciam ser feitos de metal. Alguns pingavam e, ao redor da água, que pendia e caia no chão, havia marcas de limo verde. De vez em quando, se não houvesse barulho de motor de algum carro que saía ou entrava, era possível ouvir o som do líquido correndo pelas entranhas do edifício. “Dona Gretchen, não é melhor a senhora ir?”. Era Cláudio, o zelador do prédio de escritórios e consultórios médicos. Sorrateiro, ele sempre aparecia quando estava mais silencioso, mais calmo e quando tudo parecia que ia acabar.
1195cm
Ana Quitéria é escritora e jornalista
1216cm
nem se cruzarmos com a mágica estampa de uma cidade descabelada, de uma cidade extensa, de uma cidade que era etérea, de uma cidade onde as rochas são forjadas de uma cidade-sangue de uma terra onde as mangas pulam das barracas e misturam-se à paisagem esnobe das maçãs, uvas, pêssegos que eu sei, experimentei. Não vou te falar do veneno desta cidade cruel, nem da ternura maternal com que ela deglute seus filhos. Não vou ficar farta de felicidade, nem chorar sobre as letras, nem mijar em praça pública, nem frequentar grupelhos... Quero na minha cara apenas o vento mais livre do dia, quero dispor de uma bandeja, de uma banda de asfalto, da dureza do asfalto forjado sobre o mangue,
Eu não estou com raiva de um deus. eu não sou narcisa aos extremos, procuro, ao afirmar-me, a vã glória de saber-me em busca do amor perdido, do prazer. Muitas tardes andei por calçadas desta cidade que conheço de cor, procurando letras de sambas populares, inventando poesias na cabeça, descabelando-me ou quem sabe quantas tardes andei ébria por entre ruas de recipólis acreditando haver mais buscas escondidas nas esquinas que já conhecia, todas, sem que a verdade aparecesse. E quantas madrugadas pensei estar mudada, pensei estar em paz nos bairros boêmios, com as putas do recife velho,
texto Danielle Romani ilustração Gabriel Machado
1237cm
Danielle Romani é escritora e jornalista
Que a poesia venha e destrua tudo: vendedores ambulantes, mágicos, casas, pontes, avenidas, fatos. Que a poesia venha e invada tudo, nem que eu me desconheça num instante e tudo fique claro num minuto.
da imaginação no passado onde os mitos eram outros, onde os símbolos ainda não existiam, onde se podia ver gaivotas sobre as praias do Porto. Eu não quero xingar um deus, uma cidade, uma meta. Eu nem quero mesmo me dizer clara, nem quero mesmo me saber.
com os malandros, com a marginália fina flor da minha terra, com a vera sagacidade de sacar que nada acontece de novo e de velho sobre os mesmos paralelepípedos urbanos onde crianças brincam, morrem, roubam, onde transeuntes aguardam o próximo ônibus. onde vi aquele homem morto, onde o destino está por um triz, onde os casais andam abraçados, pensando serem eternos e nem sabem o que eu sei, do que teria para soltar no céu cinza desta cidade, às vezes gris tanto quanto a mente possa alcançar. Eu não te farei seguir meus passos por essas ruas, nada de encontros fortuitos em esquinas onde a vida passa apressada, para, fica confusa. Nada de muito inesperado devemos buscar.
E n qua n to c ami n h a va p ela s rua s de uma c idade c ruel . . .
Gretchen, contrariada, tirou a vista do pingo d’água que estava esperando cair e olhou para o homem como quem implora, mas não disse nada. “Desculpa, Dona Gretchen, mas é meu trabalho. Não posso deixar a senhora passar o dia todo aqui. O pessoal fica com medo, fica achando que a senhora está com algum problema e todos os condôminos têm acesso às imagens dessa câmera aí”. Cláudio apontava para o aparelho afixado à parede. Com cuidado, o homem pegou as mãos de Gretchen e as descolou da lataria do carro, trazendo-a para perto da porta. Ela parecia querer chorar. “A senhora sabe que, até alguém vir reclamar, eu faço que não vejo, não sabe?”. Cláudio articulava as palavras como quem falava com uma criança triste e a conduzia em direção à porta do carro. A maneira de aquele homem falar fazia nascer em Gretchen uma mistura de raiva e de vergonha. De qualquer maneira, sabia que tinha que agradecer por ele tratá-la sempre com tanta deferência. Entrou no carro e ligou o motor. Olhou para a rampa de saída e dirigiu até lá, bem devagar. Do retrovisor, viu Cláudio a seguir com o olhar, certificando-se de que ela realmente sairia. No fim da rampa, a luz dos postes. E a vida.
1258cm
texto Luiz Felipe Botelho ilustração Célio Pontes
O iceberg está vivo, é quente e não derrete
O teatro não morreu. Nós é que o perdemos de vista quando tentamos isolá-lo dos acontecimentos culturais
Na cultura contemporânea, o teatro é a base de diversas interações entre as mídias Qual o lugar do teatro, hoje? Creio que, como arte e forma de expressão que é, está no mesmo lugar onde sempre esteve na história: no centro da efervescência do pensamento humano. E por que será que “não vemos” o teatro como o víamos antes, com a mesma importância que nos parecia ter até há poucos anos? Desconfio que seja porque nossas perspectivas se ampliaram em demasia, rápido demais. Seguimos na criação de uma realidade tão multiforme e cada vez mais complexa em suas possibilidades que, aparentemente, fica mais difícil ter uma noção clara de onde estamos no meio disso tudo. Se parecemos perdidos e sequer sabemos afirmar com certeza onde está o centro do que somos, é natural que o teatro, entendido aqui como a forma de expressão que envolve basicamente uma história que alguém representa a alguém que se interessa em assistir ao vivo, presencialmente, aparente ter perdido sua razão de ser. Apesar de ainda pouco utilizado fora do meio que o gerou, o termo cultura da convergência se refere a uma situação que atinge praticamente todos os cidadãos da Terra. Formulado pelo pesquisador norte-americano Henry Jenkins, autor do livro Cultura da convergência, esse termo se refere ao modo como a passividade das mídias tradicionais deu lugar a uma interatividade transmidiática viabilizada pela tecnologia, desencadeando mudanças globais de comportamento. As consequências disso são imensuráveis, talvez decorrentes da crescente velocidade com que essa dinâmica se desenvolve. Hoje é possível ter acesso, quase sempre em tempo real, a qualquer “informação” criada no mundo, desde um dado numérico a uma obra de arte. Também vemos os limites entre meios de expressão se diluírem de vez na medida em que um diálogo entre eles tanto se mostra possível quanto salutar. Medo? Sim. É como se cada área do conhecimento pare-
cesse ameaçada de desaparecer no coração de uma outra ou, talvez, ser engolida e reprocessada pelo grande mar de conhecimento compartilhado, cuja metáfora maior é a internet. E o teatro no meio disso tudo? E existe um “meio” nisso tudo? Como caminhar nesse labirinto vivo e encontrar nele o sentido de uma arte que, sem negar os esforços heroicos dos que ainda creem nela, segue desperdiçada na dinâmica do que chamamos de contemporaneidade? Há caminhos que talvez contenham respostas para essas perguntas. Todo mundo sabe que, para caminhar num labirinto, é necessário ter um fio para demarcar o trajeto, como nos conta o mito do Minotauro, no qual um fio dado por Ariadne a Teseu ajuda o herói a encontrar a saída do labirinto no qual habita o monstro. O fio precisa ser tão vivo quanto o labirinto, de modo que não se rompa mesmo se atravessarmos portais entre pontos de vistas distintos ou alçapões entre camadas diversas de pensamento. No caso do teatro, o fio parece passar pela necessidade de contar uma história ou parte dela. Posso chamar esse fio de dramaturgia, aqui entendida não como restrita à literatura dramática, mas como o desejo de expressão que gera uma história e as formas de contar isso para alguém. Nessa perspectiva, o teatro se alinha com praticamente tudo o que está ao nosso redor, no presente e ao longo da história. E num rápido passar de olhos pela linha do tempo, veremos os narradores de épocas remotas (para os que creem que não precisamos de contadores de histórias, basta procurar uma das rodas de contação promovida pelos que se interessam em manter viva essa prática), a literatura, o próprio teatro, as histórias em quadrinhos, os jogos de tabuleiro, o cinema, a televisão, os RPGs, os videogames e a realidade virtual. É inegável que todas essas formas de expressão exi-
1279cm
1300cm
bem muitos pontos em comum quando se trata da vontade de contar/viver histórias e de ir além do que acessamos naquilo que vivemos em nosso dia a dia. É inegável, também, que passamos muito tempo analisando e nos relacionando com cada uma dessas áreas como isoladas em si mesmas. E aí, se isolamos o teatro da dinâmica humana, que é sua razão de ser, ele pode mesmo até parecer, a um olhar apressado ou preconceituoso, uma “instituição” morta. Sim, pois supostamente esgotou o que tinha a dizer a um mundo que parece mais interessado em consumir os gadgets do mês. A dificuldade de ver o teatro como parte do presente parece algo como estarmos diante da ponta mutável de um sempre estranho iceberg chamado momento presente – estranho porque ele é quente e não derrete e nem nos damos conta disso. Obviamente, um iceberg nunca é só a ponta exposta sobre a superfície da água. Mas, de tanto nos encantarmos com a pontinha do que nos permitimos ver, não deduzimos que o resto desse iceberg, quente e mutável, também está vivo e que, assim como a ponta exposta se transforma, a imensa parte oculta também está em permanente transformação. Para compreender e acompanhar ao menos um pouco do que se passa no mundo de hoje – e, talvez, até aprender a identificar e lidar melhor com tendências do que o futuro trará – é necessário que nos descubramos participantes dessa dita cultura de convergência, que experimentemos deliberadamente esse tal “novo” que ela nos oferece a cada dia. Trata-se de aprender a atuar conscientemente nessa dinâmica, tomar posse do caos. É uma postura que exige extremo exercício de desprendimento, ação que nos habilite a aceitar o improvável e o aparentemente absurdo, sem desprezar o supostamente obsoleto com que lidaremos a cada dia. Nada é inútil, nem o que chamamos de lixo – tudo
pode ser extraordinário. Basta um olhar sem vícios, sem reflexos condicionados. A possibilidade de aprender a ampliar nossa visão e percepção diante dos desafios dessa cultura em que os limites entre tudo se diluem, parece nos ensinar que o individual é o centro de todas as respostas que nos ligarão definitivamente a essa contemporaneidade de convergências e sem qualquer limitação ao sonho ou à realização. As circunstâncias não nos deixam mais negar essa realidade e é por isso que tenho certeza de que o teatro não morreu. Nós é que o perdemos de vista quando tentamos isolá-lo dos acontecimentos ao mergulharmos nesse suposto caos, esse caldeirão de conteúdos e possibilidades que pode ser o fim ou o começo de qualquer ideia. Esse caos não tem vida própria. Ele é uma projeção das nossas vidas e daquilo que somos e almejamos. Nós determinamos no que esse caos pode ser transformar. E não precisamos ter consciência disso para que tudo aconteça. Estar vivo já implica mover esse jogo, nem que seja com uma simples reação da mente diante do que se vê. Trata-se de uma questão de poder individual que repercute no coletivo, fundindo-se à coletividade e retornando ao indivíduo. Aqui, poder é entendido como capacidade de sonho e realização que se lança em todas as direções. Para lidar com o caos (sem aspas, mesmo) que cada um de nós ajuda a criar, o lógico será aprender a lidar com esse poder. O aparente nada é o ponto de partida de qualquer obra que seguirá na direção de vir a ser obra-prima (também sem aspas). Em se tratando de polaridades que se complementam e se retroalimentam, negar o papel e o valor de uma – seja o caos, seja a luz – implica negar o papel e o valor da outra. Luiz Felipe Botelho é dramaturgo
1321cm
texto Jacineide Travassos ilustração Paulista
fotos Coletivo Santo Lima
Natureza móvel com peixes vermelhos o mundo faz-se do olhar espaços sugeridos pela diagonal
Então é primavera no branco-lírio dos olhos é noite primavera de astros firo os pés em estrela-marinha flor de pedra vermelho coágulo sangro fome de pássaros
planos sem volume dissolvem-se na memória as mãos lentamente erguem a escritura das ondas o olhar afoga-se por entre o anil do céu e o musgo das árvores compõe-se o quadro dos amantes navega-se sobre as águas do ar plumas semeadas de olhos o navio alça-se pássaro lança-se em águas etéreas a âncora faz-se ânfora os corpos entrelaçam-se na trilogia do sonoro do diáfano do móbil na ânsia do toque
Jacineide Travassos é poetisa e professora
os olhos mergulha-os no aquário com peixes vermelhos 1342cm
1363cm
1384cm
texto Débora Nascimento ilustração Paulista
A insegurança que mata os deuses Problemas na autoestima e autoconfiança costumam abalar carreiras artísticas, mesmo as de estrelas como Elvis Presley, Michael Jackson e Judy Garland
Houve um momento na carreira da atriz e cantora Judy Garland em que o músico Artie Shaw a trocou pela bela atriz Lana Turner. Judy soube da notícia pelos jornais. Chorando no chão do quarto, disse para a mãe que não queria mais voltar aos estúdios, argumentando ser muito difícil conviver com “aquelas deusas (do cinema)”, sendo ela uma garota feia e gorda. O episódio é apenas para ilustrar uma espécie de aviso aos que desejam ingressar no mundo das artes e não possuem, na ausência de melhor palavra, coragem o suficiente para enfrentar o desafio de estar nessa perigosa vitrine. A trajetória de Judy Garland guarda algumas semelhanças com a do astro Michael Jackson, falecido em 25 de junho de 2009, aos 50 anos: ambos fizeram O Mágico de Oz (ela, em 1939; ele, numa remontagem, em 1978). A menina também foi um gênio precoce e cantora genuína. Era viciada em remédios (que a mãe e os produtores a obrigavam a tomar, por conta da tendência a engordar). Falida, teve que retornar a fazer shows para poder pagar suas contas. Problemática com sua autoestima, manteve relações conturbadas com filhos, família, amores, patrões e drogas legais, o que culminou com o fim precoce, no “ostracismo”, em junho de 1969, aos 47 anos. O mundo perdia uma estrela e ganhava um ícone, até hoje enigmático. A filha de Judy, Liza Minnelli, uma das amigas famosas de Michael, poderia ter sido o anjo a orientá-lo para uma vida menos conturbada, como fora a da mãe. Mas não se sabe até que ponto se aprofunda essa amizade entre celebridades e que tipo de intimidade compartilham. O certo é que a insegurança, muitas vezes, ronda a carreira de ar-
1405cm
tistas (mesmo os inquestionáveis, paparicados por crítica e público), afetando trabalho e imagem, cujo preço custa, muitas vezes, suas próprias vidas. Um dos capítulos dessa história que mistura fama, poder, vaidade e ilusão no show business foi protagonizado por Elis Regina, que, mesmo sendo apontada como “a maior cantora do Brasil”, vez ou outra, abalava sua vida pessoal e profissional por conta da insegurança confessa, que, segundo os fatos apurados pela imprensa da época de sua morte, foi o motivo que a vitimou de overdose. A existência de artistas, como Pimentinha, vistas e tratadas em suas vidas públicas como divindades, é comumente resultado do talento para criar uma persona artística, driblando a personalidade real e iludindo as si próprio e a fãs, numa recorrente e perigosa fantasia do ídolo superior ao cidadão comum, ao zé-ninguém, ou ao loser, como preferem os norte-americanos. Michael, por exemplo, um ano após o megassucesso mundial de Thriller (1983), deve ter tremido ao ser informado do fenômeno Madonna, que estouraria em 1984, com o disco Like a Virgin. Afinal, até então, o cantor reinava sozinho no mundo do pop, sem concorrentes à altura. Apesar do estouro, a material girl não apresentava sinais de ser uma competidora em seu nível: ele era melhor na voz, na interpretação, na dança, nos vídeos e nas composições, além de ser mais experiente no meio artístico.
1426cm
Entretanto, a Diva do Pop possuía um ingrediente que a ele faltava: esbanjava autoestima e autoafirmação, que poderiam ser facilmente identificadas em qualquer entrevista. O impacto do advento Madonna foi tamanho que o astro passou até a investir mais no sex appeal, tanto nas músicas quanto nas performances. Essa disputa velada pelo trono do Pop (afinal, nunca fizeram nenhuma parceria) teve, ao longo das duas últimas décadas, um vencedor, ou melhor, uma vencedora.
Boa autoestima e autoafirmação foram fundamentais para que artistas como Madonna conquistassem o trono do Pop Mesmo sem possuir na bagagem uma obra-prima do gênero pop, Maddie conseguiu ser um fenômeno maior do que o próprio fenômeno (Michael), pois seguiu firme no mercado da música sem arranhões, e as polêmicas (muitas delas plantadas pelo departamento de marketing da Warner Music) só beneficiaram sua imagem. Além disso, teve (e tem) a seu favor, um importante item: a aceitação do público gay e do feminino (importantíssimo para a consagração de uma carreira na música popular; vide os
exemplos de Elvis e Beatles). Michael, ao contrário, afastou as mulheres com os escândalos sobre a possível pedofilia e também os gays, pois nunca oficializou sua “saída do armário”, embora a feminilidade sempre estivesse em gestos e falas (talvez a criação rígida da família o tenha impedido de “se assumir”). E, mais do que isso, ao embranquecer e modificar os traços do rosto (seja lá por qual motivo), o cantor atraiu a antipatia dos blacks, dos orgulhosos da raça negra nos EUA, onde a exaltação da luta pelos direitos e conquistas dos afro-americanos faz parte da cultura do país. Michael Jackson, com seus traumas e delírios, optou por sair desse panteão, angariando a perplexidade de sua “comunidade”. Uma das consequências disso pode ter sido o misterioso fim da parceria de ouro entre o astro e o produtor e entusiasta da causa negra Quincy Jones (“mago” responsável pela produção de Off The Wall, Thriller e Bad). Vale lembrar que ambos se conheceram na versão black de O Mágico de Oz, The Wiz, produzida por Quincy, onde Michael fazia o Espantalho e contracenava com sua madrinha Diana Ross (que o apadrinhara na Motown, gravadora dedicada a artistas negros). Michael começava a dar às costas para sua bela narrativa. Além do Rei do Pop, outro grande nome da música americana deu sinais de insegurança ao 1447cm
Expediente
A concorrência pode ser péssima para artistas inseguros, como foi o caso de Brian Wilson e Elvis Presley, acuados pelo sucesso dos Beatles
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Estagiária: Karolina Ferreira
Prefeito do Recife João da Costa
ser confrontado com uma concorrência de peso. O gênio Brian Wilson, que imperava com sua banda Beach Boys, nos Estados Unidos, no início dos anos 1960, começou a dar indícios de distúrbios psicológicos a partir da “invasão britânica” aos EUA, em 1964. O músico chegou mesmo a surtar e a ser internado, após ter concebido pérolas como o disco Pet Sounds e o single Good Vibrations (o mais caro da história da indústria fonográfica), que, segundo ele próprio, eram “respostas” aos Beatles – mas que, infelizmente, não alcançaram desempenho comercial semelhante ao dos fab four. Os Beatles também foram responsáveis por acuar outro grande ícone da música norte-americana. O branco e belíssimo Elvis Presley, mesmo após ter sido empossado o “Rei do Rock”, não conseguiu usar todo o mérito a seu favor. Sua carreira, antes repletas de hits e marcos na década de 1950, degringolou e tornou-se ultrapassada com a chegada do quarteto fantástico na década de 1960. Um exemplo de sua autoestima abalada está registrado no “show da volta”, uma aparição para a TV americana em 1968 (muito diferente do estouro em 1956, no Ed Sullivan Show, com a primeira maior audiência da história da TV, 40 milhões de telespectadores; suplantada pelos Beatles, dez anos depois, com 70 milhões de telespectadores). Segundo relatos, nos bastidores desse programa, Elvis era o medo em pessoa e questionava: “Será que ainda (os fãs) gostam de mim?”. Vale lembrar que os Rolling Stones e Bob Dylan já tinham surgido no mercado (para piorar a situação do Rei). Mas, por favor, ele era Elvis (!!!). Isso prova que até os deuses, em algumas ou muitas ocasiões, se sentem pobres vira-latas. Por
Vice-prefeito do Recife Milton Coelho
isso, dá para imaginar como estava a cabeça (e o coração) de Michael Jackson ao (ter que) voltar aos palcos por conta de questões financeiras. Sob a pressão de dezenas de shows pela frente e o mundo todo de olho nele, não mais com os bons olhos das décadas de 1970 e 1980 - quando as notícias e as fofocas não se multiplicavam em segundos por uma teia mundial e incomensurável de computadores. Vale lembrar que “antigamente” era mais fácil para os artistas e gravadoras mapearem, saberem e controlarem o que saía na mídia. Hoje, um clique no Google faz surgir infinitas imagens de alguém como Michael Jackson com diversas interferências no photoshop (Michael Jackson como mestre Yoda, como uma mulher siliconada, como a Esfinge do Egito...). Será que o Rei do Pop viu essas imagens? Será que fez esse exercício de masoquismo e descobriu o quanto zombavam dele? Numa dessas fotos, aparece a imagem de um simpático coroa – alguém manipulara no computador como seria Michael Jackson aos 50 anos, se não tivesse feito todas as cirurgias e procedimentos para embranquecer e alisar o cabelo. A foto “do que seria” desperta uma saudade daquilo que nunca foi e lança uma tristeza naqueles que sempre torceram por um verdadeiro retorno à altura da qualidade artística daquele homem. No entanto, temos que nos esforçar para enxergar aquele sorridente e talentoso garotinho (e o rapaz negro também) na criatura alva e medonha que, infelizmente, vai permear nossa memória quando quisermos nos lembrar de como era bom. Que a herança desses deuses esteja nas nossas boas lembranças. Débora Nascimento 1468cm
Raul Kawamura Renata Gamelo
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alum b rame n to