Suplemento Araçá - Edição: Fevereiro de 2020 - nº1 - ano: 01

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Araçá

Suplemento

Edição: Fevereiro de 2020

Número 01 - Ano 01 - São Gonçalo -RJ Tiragem mensal e online www.entrepoetasepoesias.com.br

Graciliano Ramos

Escrevivências do Cárcere por Erick Bernardes


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Araçá - Edição: Fevereiro de 2020

Sumário Editorial... p.3 Pechinchar... p.4 A Lesma... p.5 Girassóis... p.6 Simples Lição... p.7 130 anos do nascimento de Oswald de Andrade, um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna de 1922... p.8 Apresentação do cordel... p.9 Mudanças na vida... p.10 O dia do adeus... p.10 Infância... p.11 Família e escola: uma relação humana... p.12 “Bica da velha”, a fonte milagrosa... p.13 Resenha: Oitis, livro de Carlos Galeno... p.14 O ir e vir de si: uma leitura de Partir de Paula Parisot... p.16 Graciliano: Escrevivências do cárcere... p.18 Quando acreditamos... p.21 Macedo Soares e o nacionalismo na crítica oitocentista brasileira... p.22 Independência ou morte, um grito sem escuta... p.27 Motivação como base de poder... p.28 A importância dos cordelistas locais na literatura de cordel... p.30 Purê do gato... p.31 Resenha: O Conto da Ilha Desconhecida, de José Saramago... p.32 Entrevista: Bate-papo com o jornalista André Mansur... p.34 Um naufrágio... p.38 A arte de ser mulher... p.38 Cultura e mobilidade urbana na escaria Selarón... p.39

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Araçá - Edição: Fevereiro de 2020 EXPEDIENTE -Editor Responsável: Renato da Silva Cardoso -Editor: Erick Bernardes -Diagramação: Renato da Silva Cardoso -Revisão: Erick Bernardes -Colunistas: Antonio Rodrigues, Fabio Rodrigo, Angela Moreira, Altamir Lopes, Ivone Rosa, Fátima Daniel, Zé Salvador, Erick Bernardes, J.Sobrinho, Helena Corrêa, Juliane Elesbão, Dejair Martins, Marcelo Motta, Ezequiel Alcântara, Gilvan Carneiro, Erica Costa, Marcos Pereira, Luisa Tavares, Renato Cardoso -Arte final: Renato da Silva Cardoso -E-mail: revistaentrepoetasepoesias@gmail. com Site: www.entrepoetasepoesias.com.br WhatsApp: (21) 994736353

Araçá Uma publicação da Revista e Editora Entre Poetas & Poesias - SG - RJ.

Quem somos? O suplemento literário Araçá é um projeto da Revista e Editora “Entre Poetas & Poesias” e foi criado com objetivo de divulgar e propagar a arte a todos os cantos do Brasil e do mundo. Um periódico cultural que nasceu para tornar o cotidiano dos leitores mais suaves com mensagens líricas, filosóficas, entrevistas, poesias, artigos acadêmicos, debates educacionais, entre outros. Criada em Janeiro de 2020, pelo professor Renato Cardoso, o suplemento conta com uma equipe fantástica de escritores entre jovens e adultos. Uma equipe formada por profissionais de diferentes áreas, que visam gerar um conteúdo informativo e de quali-

dade para todos que aqui chegarem. Com acesso a uma ferramenta de qualidade para publicar para vocês, leitores, buscamos nos tornar uma referência na publicação de conteúdo no território nacional. O suplemento Araçá é uma periódico gratuito e digital, que visa, acima de tudo, abrir espaço para que você, leitor, possa publicar seus textos. Para isto, basta nos enviar para o e-mail: revistaentrepoetasepoesias.com.br. Todos os colunistas e colaboradores desta edição autorizaram a publicação de seus respectivos textos, sendo a eles atribuída toda a responsabilidade por seus conteúdos.


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Araçá - Edição: Fevereiro de 2020 Fazer compras não tem a menor graça se não… pechinchar. Segundo os especialistas, em tempos de crise, é preciso pechinchar. Para isso, devemos fazer uma pesquisa antes de comprar, pedir desconto e, mais do que nunca, demonstrar hesitação quanto à compra do produto… Acho que esta última foi fundamental para realizar minha compra no Mercado São José, em Recife. Pensei comigo: irão perceber que sou do Rio e vão jogar o preço lá em cima. Dito e feito. Parei diante de uma loja de artigos de couro e não tinha pretensão de realizar nenhuma compra. Era aquela olhadela básica. De repente, abordei o vendedor: — Qual é o preço da carteira? — 50 reais. — Todas essas aqui são este preço? — Sim. Qualquer uma é cinquenta. — Então não tem nenhuma mais barata? — Tem essa aqui que é 35. — Uhhhmmm… — Já estava percebendo o interesse do vendedor em não perder o cliente. — Essa é de outro modelo… ela não tem esse compartimento aqui. (abrindo a carteira e me mostrando). Por isso é mais barata… — E tem marrom também? — Tem sim. Tem essa aqui. (apontando para uma do mostruário). — Ok. Então a mais barata que você tem é 35 reais, né? — Isso mesmo. É a mais barata que eu tenho. — Tá. Eu vou dar uma voltinha

por aí. Qualquer coisa eu retorno aqui. Ok? Sem que eu menos esperasse, o vendedor rapidamente deu outra guinada na conversa para não perder a venda: — Olha, eu tenho essa aqui que é vinte reais… — Ah, sim… – Pensei comigo: Ué??? A mais barata não era 35???? Vi que já estava sendo vantajoso pra mim. Era pegar ou largar. — Essa é de outro material… diferente daquelas que eu te mostrei… — Disse o vendedor tentando criar algum argumento para a diferença de preço. Sinceramente não vi diferença alguma quanto ao material. Parecia o mesmo tipo de couro. — Entendi… — Respondi em tom de “tô entendendo seu jogo, cara”. — É muito boa também esta carteira… Lembrei logo da minha que estava bem desgastada e que pedia uma nova. Para deleite do vendedor, respondi com firmeza: — Vou levar então. Pois é… acabei levando a carteira por um preço que considero justo. Pechinchar é isso: sair satisfeito após fazer um negócio. Mas sem jogar sujo com vendedor, é claro. Diferente de barganhar, pe-

Pechinchar Fabio Rodrigo

fabiorodrigogc@yahoo.com.br

Fabio Rodrigo é escritor e professor chinchar deve ser feito de forma ética, sem prejudicar quem vende. Ambas remetem a levar vantagem em alguma negociação, portanto são sinônimas. Nem parece. Pra mim, pechinchar e barganhar estão em dois polos antagônicos. Enquanto a primeira representa a honestidade, a última representa o lado perverso da sociedade. Pechinchar deveria estar no currículo escolar, inclusive. Com aula teórica e prática. Junto com educação financeira. Aquela matéria que todos concordam que era pra ter nas escolas, mas infelizmente não tem. Quem sabe aprendendo a pechinchar seja o começo para uma nova era, para uma nova geração de jovens éticos, solidários, justos, preocupados com o próximo e a favor de uma sociedade mais igualitária. Jovens estes, incorruptíveis, defensores do bem-estar social porque aprenderam na escola a… pechinchar.


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Araçá - Edição: Fevereiro de 2020 “No muro, só ficou a madrepérola do seu rastro: azul-pavão, cintilações rosas, um visgo ocre, marcando sua passagem pela vida. Como escreveu Manoel de Barros, “estava longe o horizonte para ela!” (Arnaldo Jabor) Há anos, Arnaldo Jabor escreveu uma crônica em que, motivado por sua leitura de “O livro sobre o nada”, de Manoel de Barros, confessava um crime. Na verdade, o poema que desencadeou a confissão era mais antigo que o livro citado, falava sobre a morte de uma lacraia. Jabor invoca os seguintes versos: “Estrepe enterrada no corpo, a lacraia se engrola rabeja rebola suja-se na areia floresce como louca. / Gerânios recolhem seus anelos. / Está longe o horizonte para ela!” E depois revela seu segredo fatal: “Pois esse poema extraordinário lembrou-me um crime que eu tenho de confessar. Eu o cometi há um ano. É o seguinte: eu matei uma lesma no muro de meu jardim. Isso não é nada, dirá você. ” Pois também eu tenho um segredo a revelar. Menos fatídico, é bem verdade, para sorte da lesma que me cruzou o caminho na manhã do dia 4 de janeiro deste ano de 2020. Contemplei o bicho que rastejava à entrada do meu portão da garagem. Sua lentidão

ancestral, sua insignificância, sua inutilidade. Impulso primitivo: matar a lesma. A náusea que rasteja e deixa sua gosma nojenta como rastro de sua existência. Devo aniquilar o bicho inútil, livrar-me dessa náusea que me provoca seu aspecto repulsivo. A pedra. Na rua havia uma pedra. Esmagar a lesma, solução fácil, rápida e instantânea. A pedra na mão, a lesma em seu ritmo pachorrento, de quase imobilidade. O braço no alto, a pedra firme na mão, a lesma alheada do risco iminente, entregue a uma total ignorância do mundo, um segundo apenas bastava para que a pedra em minha mão lhe desferisse o golpe fatal e lhe tornasse apenas uma massa disforme. Mas algo aconteceu. E num átimo me sobreveio a lembrança de um poema do Manoel de Barros que tem uns versos sobre uma lesma: ”Vi uma lesma pregada na existência mais do que na pedra.” / Fotografei a existência dela.”, e também lembrei-me dessa crônica do Jabor sobre seu crime de assassinar uma lesma no muro de seu jardim.

“”Vi uma les-

ma pregada na existência mais do que na pedra.

A Lesma Antonio Rodrigues

ajr1977@gmail.com

Antonio Rodrigues é escritor Então, a lesma, a minha lesma, que me havia provocado asco, que me havia nauseado a ponto de lhe desejar um fim fatídico, ganhou dimensão diferente, uma acolhida sensível à sua condição de lesma, de sua fragilidade, sua inocência existencial. Removi o bicho de onde estava, dei-lhe acolhida no muro em ruínas de um terreno vazio em frente à minha casa, e ela seguiu em sua lenta marcha em busca, quem sabe, do seu horizonte. Para ela, o horizonte ainda é uma possibilidade. A poesia lhe salvou.


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ezequielalcantara809@gmail.com

Ezequiel Alcântara

Girassóis

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Ezequiel Alcântara é poeta e cordelista

Pois é… o dizer popular não falha, o tempo passa rápido mesmo, e há maneiras de nós percebermos, pode ser porque a nossa vida tenha sido corrida e cheia de afazeres, talvez bem estressantes e cansativos, mas pode ser que a vida tenha nos presenteado com momentos tão prazerosos, alegres, felizes (e até românticos) e, só em meio ao término de eventos, percebemos quão rápido o tempo voou. Há tempos aconteceram inúmeras coisas em meu viver, dentre as alegres e inocentes, até as mais tristes e sofridas, bem, são coisas da vida, que ora nos prendemos às mágoas e ficamos a lamentar, por não ter sido diferente — e apenas enxergamos, muitas das vezes, as nossas próprias dores. Creio que criamos incansáveis expectativas para tudo: estudo, trabalho, família, relacionamentos, mas estas nunca são alcançadas, pois esperamos demais que o mundo nos dê aquilo que queremos, e não o que verdadeiramente precisamos. Exemplo? Pode usar aqui o meu: “tantas vezes fiquei magoado pelas coisas que me disseram, pelo valor que não me deram e as iras que desenfreado optei por tomar”. E, com decepções e surpresas desagradáveis da vida, acabei trancando todas as emoções no coração, só para mim, sobrecarregado de sentimentos que remoíam cada vez mais o peito. Quis tantas coisas desesperadamente para preencher os meus vazios, quando fantasiei desejos egoístas como minha única necessidade, e as coisas realmente boas tomei como consequências das ruins e as menosprezei. E, depois, me surgiam perguntas que sempre fazemos a nós mesmos: por que a vida é assim comigo, o que fazer? Como poderá meu coração ter esperança de amar e ser amado? Bem, acho que hoje encontrei vias para responder, seria talvez paciência e serenidade, tendo isso em mãos conseguimos compreender aquilo que antes não notamos, buscando discernimento, pois, mesmo que a tempestade venha e passe,

é necessário ver que coisas boas vieram e quais novos frutos nasceram após o tormento. Pode ser que veio algo bom, com tamanha simplicidade que não notamos a bênção por tê-los recebido. Certa vez, andando pelos campos, encontrei um belíssimo girassol, passei a observá-lo, foi então que eu percebi o quão belo é o sorriso e a vida dessa flor. Ela enfrenta dura lida, se contorcendo para lá e para cá, a fim de buscar o amado raio solar; passa o dia se esforçando, gastando suas energias, suportando tempestades e aflições de pragas, mas continua acompanhando o andar do sol. Pouco antes, quando chegava a noite fria, o girassol murchava, talvez para descansar, pois passava o dia inteiro fazendo o que ama. Tal flor me deu exemplo que é preciso esperar, ter calma, pois, depois de tentativas insistentes, conseguiremos novo alvorecer, quando devemos aproveitá-lo ao máximo e dar o devido valor. Hoje, tenho tal girassol ao meu lado, uma bela morena flor, que busco sempre bem cuidar e, como não sou perfeito, tento ser um sol em sua vida, no intuito que continue vívida e bela, ou talvez seja um girassol também, para que na ausência do astro rei possamos nos virar um para o outro e completarmos a necessidade de cada um, ou seja, cada um conseguir ser um sol para o outro e, poder eu me perder no tempo e no perfume, admirado dos seus divinos encaracolados. É necessário, enfim, que possamos aceitar as coisas passadas e nos esforçar para adquirir boas vivências futuras, tudo depende de enxergarmos as coisas simples que nos aparecem, pois tais coisas podem ser os melhores acontecimentos da vida. Nossos olhos são capazes de ver borrados as vezes, e por isso devemos nos esforçar e focá-los no que realmente importa, porque há Girassóis em nossa vida. O tempo passa rápido para todos, nós é que cismamos em não perceber.


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nino que olhava para mim com muita compaixão e fixava o seu olhar nos meus que estavam marejados pela irritação. Meu menino perguntou: – Está chateada, mãe?

Simples Lição Ivone Rosa

profa.ivonerosa@gmail.com

Ivone Rosa é professora e poeta

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nício do ano, época em que alguns fazem retrospectiva, traçam novos planos, e outros relembram os momentos bons. Ficaram definitivamente registrados em mim, as pequenas lições que a vida nos apresenta. Faço questão, portanto, de que as mensagens positivas sejam permanentes em meu “HD” e permito assim, que as negativas sejam deletadas. Aprendi isso com meu filho mais velho. Foi uma mensagem abençoada em uma ocasião de extrema tensão! Ele tinha seis anos, estávamos em um local de atendimento público onde as pessoas que deveriam dar exemplo não respeitavam a fila. Há cerca de duas horas que esperávamos por nossa consulta. Quando finalmente chegou a minha vez, a recepcionista disse que o formulário não era aquele e seria necessário comprar um outro para novo preenchimento. Com todo respeito, mas nem o Dalai Lama com toda paciência oriental aceitaria enfrentar aquela fila calmamente! Respirei fundo, abaixei a cabeça, vi o meu peque-

– Meu filho, isso aqui tira qualquer um do sério! – respondi com a voz ríspida, ainda muito nervosa. Nesse instante, como um bálsamo, ele tranquilizou-me com a seguinte frase: – Não fique assim, não. Pense em coisas boas! Não quero fazer de minha crônica um texto injuntivo, não. Apenas eternizar um momento com uma criança que em poucas palavras, fez a alegria renascer!

Ele tinha seis anos, estávamos em um local de atendimento público onde as pessoas que deveriam dar exemplo não respeitavam a fila.


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Como poucos, eu conheci as lutas e as tempestades. Como poucos, eu amei a palavra liberdade e por ela briguei.

130 anos do nascimento de Oswald de Andrade, um dos idealizadores da Semana de Arte Moderna de 1922

Oswald de Andrade

por Renato Cardoso

A Semana de Arte Moderna de 1922 marcou a entrada definitiva da arte brasileira no Modernismo. Numa época em que a arte local passava por total influência do modo europeu de ver a arte, um grupo de artistas brasileiros se uniu e idealizou a Semana de Arte Moderna. Dentro deste grupo destaca-se Oswald de Andrade. Poeta, prosador, dramaturgo e jornalista, ele era conhecido pelo seu tom ácido, irônico, debochado e, acima de tudo, gozador. Militante político ferrenho, foi o idealizador dos principais manifestos modernistas. Junto com a artista plástica Tarsila do Amaral, fundou o movimento antropofágico (movimento que marcou a primeira fase do modernismo, quando o ideal artístico era assimilar outras culturas, mas não copiá-las). Oswald de Andrade nasceu em São Paulo, no dia 11 de janeiro de 1890. Filho único. Sofreu grande influência de um professor ginasial, quando o mesmo lhe disse que seria escritor. Oswald estreia como jornalista em 1909 no Diário Popular. Dois anos depois cria e dirige sua própria revista “O Pirralho”. Ainda neste período, tem contato com o “Manifesto Futurista” de Marinetti. Na poesia, Oswald de Andrade era crítico e irônico. Criticava a bur-

guesia e a academia. Sem utopias, defendia a valorização de nossas origens, do passado histórico-cultural, mas de forma crítica. Mas a grande paixão de Oswald de Andrade foi a prosa, onde estreou em 1922 com o romance “Os Condenados”. Teve como principais obras: “As Memórias Sentimentais de João Miramar” (1924) e “Serafim Ponte Grande” (1933). Já no teatro, estreou em 1916 com as peças “Leur Âme” e “Mon Coeur Balance“. Teve como principais obras no gênero: “O Homem e o Cavalo” (1934), “O Rei da Vela” (1937) e “A Morta” (1937). Ainda no campo dos manifestos, Oswald de Andrade lançou, em 18 de março de 1924, um dos mais importantes manifestos do Modernismo, o Manifesto Pau-Brasil, publicado no Correio da Manhã. O grande marco deste período foi o lançamento do livro de poemas “Pau-Brasil” (livro este que contou com a ilustração de Tarsila do Amaral, com quem se casou tempos depois), onde apresenta uma literatura extremamente vinculada à realidade brasileira, a partir de uma redescoberta do Brasil. Oswald de Andrade faleceu em São Paulo, no dia 22 de outubro de 1954.


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Apresentação do cordel Zé Salvador

zesalvador06@gmail.com

Zé Salvador é cordelista

A literatura de folhetos do Nordeste, por um bom tempo, foi tratada como literatura menor, uma subliteratura, alguns até a enxergavam como subproduto do folclore. Os pesquisadores viam nela certa semelhança com a poesia popular de Portugal, de onde importaram o termo cordel. Por um longo período, houve estudos sistemáticos em que a literatura de cordel era considerada produto coletivo, estudos nos quais desprezam o criador e, o foco ficava direcionado ao objeto de criação. Esses estudos começaram com Silvio Romero e passaram por Gustavo Barroso, Leonardo Mota e Rodrigues de Carvalho. Foi o pesquisador e historiador Sílvio Romero, no Brasil, o primeiro a usar o verbete cordel, referindo-se à literatura contida nesses folhetos que circulavam no período em que abrange o fim da Monarquia e os primeiros anos da República. A palavra cordel é, bem verdade, oriunda de Portugal e foi grafada pela primeira vez no Dicionário Contemporâneo Caldas Aulete, em 1881. Mas, no Brasil, o próprio Leandro Gomes de Barros, que foi pioneiro em produzir e publicar em escala comercial os folhetos e romances, nunca usou esse ver-

bete. Eu mesmo, na infância, nas minhas andanças pelas feiras do interior, jamais ouvi falar em cordel. Pois, os poetas e folheteiros anunciavam seus títulos como folhetos, quando de 8 folhas, ou romances, quando passavam desse número de páginas. Porém, Sílvio Romero, pioneiro dos estudos etnográficos e historiador literário, já fazia uso do termo “literatura de cordel” (em 1885), contudo, Romero não destaca poeta algum lançando mão desse termo, levando o leitor a crer que estas publicações ainda não haviam atingido o padrão que imortalizasse o gênero na memória popular. Na década de 60, começou a ser usado esse termo, acredito, em lugares dispersos. Até ser relacionada ao nosso folheto popular essa palavra permaneceu desconhecida do povo do Nordeste brasileiro. A nossa Literatura de Cordel (como hoje chamamos) era conhecida por nossos antepassados como romance, folheto ou verso. Continuaremos esse papo em uma outra oportunidade. Referência: HAURÉLIO, Marco. Literatura de cordel: do sertão à sala de aula. São Paulo: Paulus, 2013.


Helena Corrêa é professora e pedagoga

helenamscorrea@gmail.com

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Helena Corrêa

Mudanças na vida

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enho aprendido muito sobre essa palavra: mudança. Aliás, trata-se de verbo, mudar. Essa palavra exprime ação e implica, intrinsecamente, tomar atitudes, decisões, sair da inércia. Mudanças sempre trazem inovação, novas ideias. Ter isso no pensamento é o começo para pensar a se aventurar ao novo; aquilo que é desconhecido no momento. É ter disposição para se permitir esse movimento, além de estar com disponibilidade para as várias emoções que isso provoca em nós. Mudar de cabelo, de trabalho, de local, de roupa, do que for – e tais atitudes exigem coragem. Talvez a mudança traga angústia, frustração, mas também (quem sabe?) alegrias. O novo permite desafio e, para as mentes que necessitam desse estímulo, torna-se um estilo de vida. Não ter pena de si, ir ao desconhecido, enfrentar as circunstâncias… mudando SEMPRE. Mudar é preciso. Mudar é o que muda quem somos. Mudar permite a mudança das circunstâncias e do nosso entorno. Em síntese, por mais e mais MUDANÇAS, buscando enxergar o positivo, SEMPRE! E, como dizia Raul Seixas: “Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante”. Enfim, SEMPRE há algo em que podemos mudar, melhorar, progredir.

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O dia do adeus Como se tudo o que existe Não existisse Seria a minha vida sem uma razão para viver. Tudo existe pelo simples fato de existir! Ou terá outro motivo? Tudo é tão simples e ao mesmo tempo tão complexo. A existência do ser humano, nem se fala... Ele existe por uma causa louvável ou não? Existe para fazer da sua existência... Algo que para ele seja uma fonte de busca Pelo que ele procura... Mas o que o ser humano procura? Procura viver sem sofrer! Só que já está sofrendo bem antes de existir. Sua existência é valiosa? Sim, é. Mas não só para ele. Sua existência é valiosa também para a sua perpetuação Valiosa também para a humanidade... Pois a humanidade sem o ser humano, Não seria mais humanidade... Seria um vazio... Seria o caos da existência. Mas se olharmos... Este dia já está bem próximo... O dia da humanidade dizer... ADEUS...

Marcelo Motta

marcelo.poeta.1968@gmail.com

Marcelo Motta é poeta.

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Infância Gilvan Carneiro

gil.carneiro@uol.com.br

Gilvan Carneiro é poeta e escritor. Tudo o que eu queria era descrever o que se passa na minha cabeça, da forma mais sincera e possível, mesmo que confusa, como se mostrasse a alguém tudo o que há nela. Abrisse a porta dessa catedral à frente da qual eu me ajoelho, rezo e cumpro o meu pensamento, onde ninguém pode entrar, senão eu mesmo, que estou nela intrinsecamente. Eu próprio, até somente onde tenho acesso. A uma parte dela, pois muito do que penso vem à revelia: imagens, mosaicos, vitrais... às vezes, indescritíveis, às vezes, não. Imagens de santos e demônios, toda uma epopeia bíblica, com o seu realismo e suas parábolas, às vezes quase surreal ou indivisível... Literalmente, talvez apenas o surrealismo seja o estilo adequado para exprimir o que passa em nossa cabeça. Os sonhos, a imaginação, os pensamentos. O pensamento não é surreal. Nem sempre. Dá-se por meio de um raciocínio lógico, ou mais ou menos lógico. Porém, mesmo nele, sempre há um cavalo que passa sem que isso tenha a ver com a história, com o pensamento, a imaginação. O sonho e o inconsciente perpassam todo o pensamento. O sonho, a imaginação, apenas podem ser expressos por meio de um surrealismo; o problema é que o mesmo surrealismo, a sua prática, não raramente

sofre uma intervenção do pensamento, algum raciocínio lógico. Olha o cavalo aí de novo! Mas o que é que eu tenho a ver com isso? Um sonho de tornar inteligível o que é ininteligível, de botar uma forma em um conteúdo que não possui forma? Sempre corremos o risco de selar o cavalo que passa... mas ele é selvagem como nós, de modo que, mesmo que possamos selá-lo, que consigamos selá-lo, há uma perda nisso, por mais que o cavalo não tenha nada a ver com isso... Se uso palavras para descrever o que penso, imagino, sonho, é apenas porque não tenho outro modo de fazê-lo, de dizer. Talvez fosse melhor a imagem fotográfica, ou de filmes, pois muito do que penso, sonho, imagino, não passa de imagens, pois há também palavras, por mais que elas nunca digam exatamente o que quero dizer, talvez um filme com palavras, som, música, uma canção que não me sai do ouvido, como se fosse a “música tema” da minha vida, o cavalo que passa... Assim foi quando aprendi a falar. E antes quando não falava; foi quando me dei conta de mim, aos poucos... primeiro o corpo. Um corpo que parecia colado a um outro que, depois, soube que era o de minha mãe: “Olha que menino lindo! Como ele é lindo, vejam!”. “Bonito, mas ele tem uma cabeça um pouco grande, não? Um pouco maior que o corpo.” “Inveja de vocês, ele é lindo, o meu filho é lindo!”. “Agora chega, filhinho, chega de mamar”. Ficara a sensação de que tinham me tirado uma parte de mim mesmo. Apenas percebi que minha mãe (a minha própria mãe) não era parte de mim mesmo, a perda fora grande; tanto que, por muito tempo, pareceu-me que o resto do mundo e das pessoas era tudo e eu, nada; demorou para que eu me percebesse como alguém que tivesse um corpo. Depois veio, e eu me concentrei na cabeça. E eu vi o mundo...

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Erica Barros é professora.

ericacbarros2010@hotmail.com

logo. Ouça o familiar, a criança, o profissional que está falando com você, olhe em seus olhos, observe como seu corpo reage ao ouvir suas palavras de consolo, suas orientações, demonstre preocupação com seus sentimentos, mais do que isso, importe-se verdadeiramente com o que o outro está sentindo, transforme a empatia em exercício prático e tire-a do patamar do discurso. Segure nas mãos, abrace, chore e sorria junto com a outra pessoa, famílias e escola, são feitas de gente, pessoas, humanos. É preciso humanizar as relações, não se pode falar em Educação, se não entendermos que ela acontece com pessoas, com todas as características que compõem o ser humano, sejam boas ou ruins. Quando demonstramos para as famílias que nos preocupamos com elas e entendemos suas dores e, em contrapartida, sinalizamos nossas angústias e limitações também, construímos com o tempo uma relação de confiança e parceria. A corrente vai ficando forte, na qual os elos se respeitam, se entendem e cooperam para que possam alcançar juntos um objetivo comum.

Erica da Costa Barros

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amos conversar sobre a relação entre as famílias e a escola? Assunto frequente nas reuniões pedagógicas ou em páginas sobre Educação nas Redes Sociais, indiscutivelmente a maneira como estabelecemos esta parceria influenciará o desenvolvimento da proposta para o ano letivo, pois, como todo relacionamento, envolve pessoas, com toda a complexidade que a Natureza Humana acarreta. Quando utilizamos o termo “famílias” devemos refletir sobre os elementos que compõem o seu significado, são mulheres, homens, crianças, com sentimentos, sonhos, expectativas e traumas frutos de suas trajetórias. Não diferentes são os profissionais que atuam na escola, estes também são pessoas com suas mazelas e projeções humanas, ávidos por um interlocutor que compartilhe seus desejos e compreenda suas aflições. Construir um relacionamento é tarefa árdua, requer esforço, dedicação, abdicação, empatia, observação, carinho, amor, entrega, posicionamento, limites. O início do ano letivo costuma ser um período de grande expectativa por ambos, famílias e escola, projetos são lançados, metas são traçadas, pré-conceitos são construídos a partir de um gesto, uma roupa, um olhar, um comportamento. O medo do novo assombra: mudança de turma, professor, colegas, função, unidade escolar. Toda relação precisa de tempo para amadurecer, quando envolve tantos sentimentos complexos então precisamos ter mais paciência para a sua construção. Se eu tenho uma receita? Não. Se eu tenho um caminho? Sim. O diá-

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FAMÍLIAS E ESCOLA: UMA RELAÇÃO HUMANA

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j.jsobrinho@globo.com

J.Sobrinho

“BICA DA VELHA”, A FONTE MILAGROSA

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J. Sobrinho é jornalista.

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idade, Catende – interior de Pernambuco. Na época, eu devia ter uns dez anos de idade, estava residindo – por uns tempos – na casa dos avós dos meus irmãos – casal, por parte de pai. Eu não tinha bom relacionamento com uma das quatro madrastas que tive, enquanto estava morando com o meu pai. Sempre que tinha problemas, fugia para a casa do senhor Juvenal e dona Antonia. Lá, era bem tratado e acolhido com muito carinho. A casa era grande: três quartos, sala, cozinha e o banheiro – que ficava nos fundos do quintal. Era daquelas casas de corredor bem comprido e cabia sempre mais um, tamanha a generosidade do casal. A quantidade de pessoas, no imóvel, não era pequena e, exatamente por isso, nas horas das refeições, o senhor Juvenal costumava sentar na cabeceira da mesa – como se fosse um chefão – e passava a distribuir a comida, para todos, em igualdade de condições: um pedaço de carne para um, um pouco de arroz, para outro e, assim por diante. Apesar das dificuldades, nunca faltou comida na mesa, todos ficavam devidamente alimentados e satisfeitos. No final de semana, os homens eram obrigados a ajudar, carregando barracas que eram alugadas para os feirantes, cuja feira acontecia todos os domingos na cidade. Com o aluguel, o senhor Juvenal conseguia arrecadar bom dinheirinho para fazer face às despesas do dia a dia. A dona Antonia era bem idosa e andava com certa dificuldade – talvez devido ao fato de ser deficiente visual. Como pessoas idosas, que moram em cidades do interior, ela tinha algumas manias como, por exemplo: só bebia água de uma fonte – chamada Bica da Velha, que

13 ficava a léguas de distância – quase uma hora de caminhada. O pior é que os encarregados de buscar essa bendita água eram exatamente eu e meu irmão Zenildo. Pois bem, dia sim dia não, pegávamos uma lata – daquelas bem grande – caminhávamos, debaixo de um sol escaldante, até a fonte “Bica da Velha” e, como éramos garotos, na faixa dos 10 e 14 quatorze anos, respectivamente, agüentávamos bem o “rojão”, pelo menos até chegarmos ao local. Eu e meu irmão tínhamos um trato: como a lata, depois de cheia, ficava muito pesada – tínhamos que revezar, ou seja, cada um carregá-la por determinada distância. A princípio tudo bem, só que, como éramos dois garotos brigões, ficava difícil o entendimento…Depois que eu fazia a minha parte, ele não queria, de jeito nenhum, cumprir o trato, se dizia cansado e outras desculpas esfarrapadas. O Resultado é que, a porrada comia solta: água derramada pra tudo quanto era lado e, todos os esforços em vão. Voltávamos sempre com a lata vazia. No final, já bastante machucados, a gente ficava de cara amarrada e de mal um com o outro e por vários dias. Aí, não tinha jeito: éramos obrigados a ouvir poucas e boas da dona Antonia e, pior é que, dias depois, éramos obrigados a voltar para buscar a bendita água. Aí, a solução era nos esforçar ao máximo para que nova briga não acontecesse pois, caso contrário, o único prejuízo era apenas nosso. Então, passamos a fazer o seguinte: primeiro ele carregava a lata d’água e, depois eu assumiria a responsabilidade… Com o passar do tempo e já adultos, eu e meu irmão, ao relembrar essa fase da nossa infância, caímos na gargalhada, o que não deixa de ser um grande divertimento.


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Resenha por Erick Bernardes

Oitis, de Carlos Galeno

Dono de uma poesia acima de tudo sensorial, o livro evoca lembranças de mundos possíveis, que remetem os leitores a cheiros de comidas, de flores e até da maresia proveniente das regiões litorâneas supostamente vivenciadas por um eu-lírico de matiz memorialista.

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abe daqueles livros que nos fazem fechar os olhos, sentir aromas e sabores, por meio da remissão a certos sentidos figurados? Pois é, assim é o livro Oitis, do poeta Carlos Galeno, há tempos radicado aqui em São Gonçalo. Dono de uma poesia acima de tudo sensorial, o livro evoca lembranças de mundos possíveis, que remetem os leitores a cheiros de comidas, de flores e até da maresia proveniente das regiões litorâneas supostamente vivenciadas por um eu-lírico de matiz memorialista. Oitis é o terceiro livro da carreira do poeta e sociólogo Carlos Galeno. Nascido em Parnaíba, litoral do Piauí, o escritor já escreveu Maresias (1985), Lamparina (2007) e, desta vez, lança Oitis (2019) pelo selo da Editora Autografia. É declamador assíduo do Diário da Poesia e, junto ao grupo, costuma visitar as escolas de São Gonçalo e adjacências levando sua arte aos alunos. Quem lê a obra desse poeta piauiense toma contato com versos concisos, porém, cujas nuances estabelecem “viagens (que) irrompem as fronteiras de si mesmo” e convidam o leitor a desvendar seus enigmas por meio da “incessante busca pelo tosão de ouro” que se esconde na alma de cada poeta, conforme a própria orelha do livro evidencia. Vale ressaltar, os poemas seguem uma arquitetura textual composta de 75 textos compactos, e afinadíssimos entre si, tais como os vocábulos do poema “Éden”: “a maçã” / “a serpente” / ”a mulher”/ “harmonia”. (p. 32). Como se vê, na interação entre os signos ligados aos seus respectivos títulos, dentre os quais se apresentam majoritariamente em versos brancos, mas não livres, os versos metrificados vistos na obra são uma necessi-


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Araçá - Edição: Fevereiro de 2020 vezes também narrativo. Isto se explica por dois motivos principais: a) o passo a passo de um caminhar na vida pregressa, quando ainda “engatinhava em direção do sol”, dessa voz capaz de se revelar o próprio percurso estético, pois se vale do “verso branco”, ou seja, sem rimas (p.38), ao modo inequívoco de aprendizagem com a poesia de Fernando Pessoa; b) a obsessão pela “natureza exuberante” e que conduz esse eu-lírico à “verdadeira beleza das coisas” (p. 39). Portanto, esteja o leitor convidado a provar dessa excelente obra literária. Leia seus belos poemas, cheire-os, sinta o sabor das palavras postas à mesa, verso a verso, tudo isso especialmente feito para você. Boa leitura! GALENO, Carlos. Oitis. Rio de Janeiro: Autografia, 2019.

dade à técnica de valorização da forma — e por isso se revelam tão peculiares na poesia de Galeno. Nesse sentido, pode-se afirmar que Carlos Galeno traz a público parte de um universo enigmático e sobretudo sinestésico, por meio de uma obra com nome de fruto adocicado e de textura áspera, cuja referência (embora nativa) se apresenta pouquíssimo conhecida pelo entorno fluminense — e essas representações, do pouco ou nada conhecido, dizem muito da proposta estética do artista. Exemplo dessa mescla de memória e sensações pode ser acompanhado no poema “breve (i) dade”, com base em uma cronologia biográfica (aos três, sete, dezoito, vinte, trinta, quarenta e o vislumbre dos cinquenta anos), vemos um eu-lírico erigir um edifício textual muitas das

Erick Bernardes é crítico literário, escritor e professor. Quem quiser entrar em contato, para assuntos profissionais, só procurar por cel.: (21) 98571-9114, por e-mail ergalharti@hotmail.com ou pelo site https://escritorerick.weebly.com/


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O IR E VIR DE SI: UMA LEITURA DE PARTIR, DE PAULA PARISOT Dejair Martins

dejairmartins@live.com

Artigo

Partir (Tordesilhas, 2013), terceira obra da escritora e artista Paula Parisot, tendo pu-blicado anteriormente A dama da solidão (Companhia das Letras, 2007) e Gonzos e parafusos (Leya, 2010), marca a aproximação definitiva da autora do escritor de quem é discípula, amiga e leitora assídua, Rubem Fonseca. Narrado em primeira pessoa por um autor desconhecido, sem nome, apenas sendo in-dicado em uma pequena passagem como o “santo casamenteiro”, que irá relatar uma narrativa de viagem e “descoberta” de si mesmo. Planejada para cruzar o sul do Brasil, seguindo pelos países da América do Sul, Central, Norte e finalmente chegar ao destino almejado, o Alasca. Assim como nos livros precedentes, a autora valeu-se da divulgação de Partir para re-alizar performances no Rio de Janeiro, São Paulo e Guadalajara (México). Marca essa distin-tiva de sua produção artística, mesclar formas de artes e gêneros, seja nas apresentações ao vivo ou nos textos escritos. Partir ainda se distingue dos seus outros dois livros por apresentar desenhos e ilustrações produzidos por Paula Parisot.

Tendo demorado quatro anos para escrever essa narrativa, a autora em entrevista afir-mou que precisou se distanciar do texto, pois o narrador se assemelhava muito ao seu pai, que além disso, tem fascínio pelo Alasca e com quem mantém uma relação distante. Por isso mesmo, podemos ler a obra como muito mais do que uma mera narrativa de viagens, interca-lada às passagens da vida do protagonista, suas aventuras e seus múltiplos ofícios. E como toda boa narrativa de viagem pela estrada há a referência direta ao escritor Jack Kerouac, sen-do esse o nome do marreco de estimação do protagonista e seu único afeto sincero, bastante conhecido por sua obra On the road. A influência de Rubem Fonseca na obra é perceptível no cuidado e na construção de frases e períodos curtos, repleto de palavrões e sexo. Com um estilo narrativo bem direto e simples, também recheado de mortes, crimes e violência. Além dessa mistura de narrativa de viagens com elementos de características do gênero policial, ainda podemos identificar a crítica produzida pela autora sobre a situação da


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América Latina e dos seus cidadãos, que esquecem seu passado e sua herança cultural, como ob-servamos nesse trecho: “Nós, latino-americanos, parecemos nos envergonhar do nosso passa-do, senão porque negligenciaríamos os bairros antigos que carregam em suas construções toda a nossa tradição e história” (p. 184). O protagonista enfrenta problemas ao atravessar da Colômbia ao Panamá, vendo-se obrigado a ir para a Venezuela e, por fim, desistindo de chegar no seu Alasca tão almejado e sonhado. Logo, essa busca interior, existencial, vislumbrada como uma grande viagem que cortaria nosso continente é, ao final, o fio condutor e o cerne que conduz e culmina a narrativa: “Um buraco na calçada me fez tropeçar. Eu estava bêbado? Quem sou eu? Um eterno mutante ou um idiota completo sem rumo e sem história? O Alasca seria a minha saída desse quarto escuro cheio de vozes e cadeiras vazias” (p. 238). Portanto, a obra Partir, ao misturar gêneros narrativos, formas e apropriações da lite-ratura com outras formas de arte e saberes, volta-se para o entendimento e compreen-

são da própria produção artística e intelectual no século XXI, um produto híbrido, que precisa abarcar em seu bojo diálogos e contato com elementos que fogem do simples fazer literário. E como bem sentencia o narrador no último parágrafo do livro, ao partirmos sempre voltamos para nosso lugar de origem, mesmo que não fisicamente ao menos em vontade e espírito: “Sempre voltamos pro lugar de onde partimos. E sempre partimos em nova viagem pro lugar de onde voltamos” (p. 275). REFERÊNCIAS: MACIEL, Nashima. “Paula Parisot lança ficção sobre personagem que viagem até o Alasca” (Entrevista). Disponível em: https://www. correiobraziliense.com.br/app/noticia/ diversao-e-arte/2013/10/08/interna_diversao_arte,392192/paula-parisot-lanca-ficcao-sobre-personagem-que-viagem-ate-o-alasca.shtml. Acesso em:

28/01/2020.

PARISOT, Paula. Partir. São Paulo: Tordesilhas, 2013.

Dejair Martins é Doutor em Estudos de Literatura pela Universidade Federal Fluminense. Atualmente realiza estágio de Pós-doutorado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.


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Erick Bernardes

ergalharti@hotmail.com

Graciliano: escrevivências do cárcere

CaPa

Erick Bernardes é professor de Língua Portuguesa e Literaturas. Mestre em Estudos Literários pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (FFP-UERJ) e Doutorando em Literatura Comparada pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

A autobiografia Memórias do cárcere (2011), de Graciliano Ramos, é uma narrativa marcada por um começo talvez um tanto sarcástico. Jogos de linguagens de cariz irônico, chistes e paródias, tudo isso pode ser percebido logo no início da obra. No entanto, há de se reconhecer um ou outro momento de transição estética, especialmente, quando o personagem entra no navio chamado Manaus e o vira-mundo prisional afeta sobremaneira a sua escrita. Quer dizer, existe uma visível mudança de estilo e também de perspectiva narrativa na primeira parte da obra (“Viagens”). Nos capítulos XVII, XVIII e XIX, por exemplo, o narrador mergulha na desesperança, quando se dá conta de que, dali para frente, os confortáveis quartos ou alojamentos do exército onde estivera alocado cederiam lugar a barbaridades jamais vistas. Logo que Ramos chega ao porto e precisa subir a rampa, é como se o narrador virasse alguma chave no discurso e, dali para frente, por causa da experiência ruim, o desconhecido limite entre o humano e o desumano passasse a configurar o seu companheiro de tormentos. Com um pouco de atenção, o leitor perceberá que esse artifício literário funciona como se os relatos de

viagem de Graciliano Ramos, ao adentrar o Manaus, objetivassem causar desconforto ou medo ao futuro leitor, tal qual fica registrado na citação: “Alcançamos o porto, descemos, segurando maletas e pacotes, alinhamo-nos e, entre filas de guardas, invadimos um navio atracado, percorremos o convés, chegamos ao escotilhão da popa, mergulhamos numa escadinha” (RAMOS, 2011, p. 102). Nesse viés, ao movimento de descer a escada segue-se o choque decorrente da experiência bestial, causada pelo violento tratamento com o qual um dos soldados de polícia se dirigiu ao narrador, antecipando, assim, a brutalidade dos fatos que serviriam de matéria literária. Momentos antes de embarcar, embaralhando-se com as bagagens, Ramos ficara para trás e, com dificuldade, desajeitado, ele atinge o primeiro patamar da rampa de acesso na qual fora obrigado a subir. Na sequência, o protagonista faz questão de enfatizar que o toque metálico de uma pistola fustigou-lhe a espinha dorsal, aferroando a alma do ilustre aprisionado. À essa experiência carcerária o narrador retornará (anos depois) por meio da memória: “Ao pisar o primeiro degrau, senti um objeto roçar-me as costas: voltei-me, dei de cara


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“Quando tratou cruelmente a

Graciliano Ramos e também a outros internos, o soldado agressivo jamais desconfiou que os olhos atentos do escritor buscariam apreender e gravar na mente o modo como o militar menosprezava os presos sob a sua vigilância. com um negro fornido que me dirigia uma pistola Para-bellum. Busquei evitar o contato, desviei-me [...]” (RAMOS, 2011, p. 102). No tempo em que a ação se passa, o trabalho psicológico empreendido pelo protagonista era o de tentar convencer a si mesmo que aquele soldado violento jamais dispararia a arma. Depois que o “tipo carrancudo” apontou a pistola, encostando o longo cano no tórax do escritor e o dedo pronto a apertar o gatilho. Ramos fez de tudo para atenuar suas próprias tiradas irônicas, pois, naquele momento, obteve a certeza de que não adiantaria sarcasmos e tampouco deboches. Este modelo de narrativa detalha o assombro de Graciliano no interior do navio. Daí por diante, o discurso detidamente sobre os maus-tratos aos presos dará a tônica enunciativa das Memórias. Não só a violência da ação é narrada, quando a pistola lhe encosta primeiramente nas costas e depois o peito, mas (acima de tudo) a náusea decorrente do tratamento a que lhe impõem. Com tudo isso, compreende-se que é a partir do primeiro passo na rampa do navio que a voz narrativa assume o viés mais realista, pois, ao apresentar elementos que descrevem a negligência com os detentos e o cumprimento justo da lei, os seus enunciados nada deixam a dever às histórias de opressão dos romances do mundo afora. O medo da arma de fogo se transforma em asco, não só por causa da violência desnecessária, mas, principalmente, devido ao prazer

demonstrado pelo “negro fornido” (RAMOS, 2011, p. 102). Quando tratou cruelmente a Graciliano Ramos e também a outros internos, o soldado agressivo jamais desconfiou que os olhos atentos do escritor buscariam apreender e gravar na mente o modo como o militar menosprezava os presos sob a sua vigilância. Assim, quando o aço do tubo da pistola toca as costas do nosso alagoano já assombrado e, apesar da roupa lhe proteger a pele, o protagonista sente o toque gelado da arma. Ramos não mais vincula a visão do soldado ruim à sensação do contato com o metal bélico, nem como medo propriamente dito. Mas compara o frio da arma de fogo à iniquidade de que os homens são capazes – a tristeza é o que avulta, melancólica constatação. Depreendemos, então, que o contato do aço da pistola modelo Para-bellum serve de inferência ou reminiscências às ações violentas oriundas do governo ditatorial: “Exatamente: lama. Aquilo decorreu num ápice: o tempo necessário para voltar-me, enxergar o instrumento, a cara tisnada e obtusa, procurar afugentar a intimidação, verificar a inutilidade do gesto, virar-me de novo” (RAMOS, 2011, p. 103). Daí por diante, Ramos e os outros entram na embarcação e a cena assume nuances de luz e sombras “toldadas por espesso nevoeiro: uma escuridão branca”, e os presos se encaminham para a nau, semelhante às galés medievais idealizadas por romances históricos de viagens, marcando de-


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“ Soma-se a isso, o uso constante de paradoxos, antíteses e sinestesias, evi-

denciado pelo trabalho de reconfiguração da memória no que tange à experiência de vida do protagonista. A disposição dos elementos incompatíveis entre si e empregados autobiograficamente, “sombra leitosa”, “escuridão branca”, “cheiro acre”, “trevas luminosas”, são termos capazes de conotar a instabilidade emocional do personagem principal: “Havia lâmpadas penduradas no teto baixo, ali ao alcance da mão, aparentemente, mas eram duas luas de inverno, boiando na grossa neblina” (RAMOS, 2011, p. 103). cisivamente a memória do narrador. Também é inevitável aludir às Memórias do subsolo, do escritor russo Fiodor Dostoievski, em que o psicologismo tem lugar especial no discurso. Haveria como negar esta troca de detalhes estéticos entre o escritor russo e o brasileiro? Decerto que não, estejamos pois convencidos dessa “contaminação” literária. O que se vê, portanto, é a construção de um quadro retórico de aspecto sepulcral, à maneira dostoievskiana: “Detive-me, piscando os olhos, tentando habituar a vista. Erguendo a cabeça, via-me no fundo do poço”. Soma-se a isso, o uso constante de paradoxos, antíteses e sinestesias, evidenciado pelo trabalho de reconfiguração da memória no que tange à experiência de vida do protagonista. A disposição dos elementos incompatíveis entre si e empregados autobiograficamente, “sombra leitosa”, “escuridão branca”, “cheiro acre”, “trevas luminosas”, são termos capazes de conotar a instabilidade emocional do personagem principal: “Havia lâmpadas penduradas no teto baixo, ali ao alcance da mão, aparentemente, mas eram duas luas de inverno, boiando na grossa neblina” (RAMOS, 2011, p. 103). Ademais, quando aquele “pequeno rebanho” de presidiários desce ao subsolo do Manaus,

as nuances descritivas da sensação de asco se insinuam: “Arrisquei alguns passos, maquinalmente, parei meio sufocado por um cheiro acre, forte desagradável, começando a perceber em redor um indeciso fervilhar. Antes que isso se precisasse, confuso burburinho anunciou a multidão que ali se achava”. Como se viu, o referido pequeno grupo de sujeitos “animalizados” pela técnica narrativa do que chamamos de zoomorfização reforça o aspecto lúgubre da ação, ilustrando assim o conjunto de presos obrigados a se juntar a outro grupo de detentos do pavimento inferior do navio. Enfim, essas são algumas variações estéticas na escrita autobiográfica de Ramos, do sarcasmo ao horror, da ironia à melancolia, sem abrir mão do uso constante dos recursos de linguagens, pensamento e construção que a língua nos oferece. São esses os tais detalhes que passam a configurar a reviravolta de estilo nas Memórias do cárcere, encorpando o viés sombrio e autobiográfico que lhe é peculiar, naquela “infame arapuca” do navio-prisão (RAMOS, 2011, p. 115), onde estavam encerrados todos aqueles seus pobres e íntimos personagens. RAMOS, Graciliano. Memórias do cárcere. Rio de Janeiro: Record, 2011.


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Quando acreditamos Renato Cardoso

professorrenatocardoso@gmail.com

Renato Cardoso é professor Era uma típica sexta-feira ensolarada. A vida transcorria naturalmente (se é que vida de professor transcorre naturalmente). Seis tempos de aulas foram dados e, entre chamadas de atenção e explicações, o sinal do sexto tocou. Os alunos logo se foram e a vida do professor ficou de lado para dar lugar à vida do produtor cultural. Era dia de Diário Itinerante, havia marcado com Erick e Ivone na escola na qual dei aula naquela sexta (sairíamos de lá, direto para a escola onde faríamos o evento). Ivone já estava a postos, pois trabalhamos no mesmo lugar. Erick chegou no horário combinado, 1 hora da tarde. Chamei um Uber e fomos para o Clube Mauá encontrar com Lígia, que nos esperava. Chegamos, e em seguida a coordenadora da escola chegou no intuito de nos levar para realizar o evento e a premiação do Juventrova. A escola ficava no bairro de Vista Alegre, lugar normal como tantos outros da periferia de São Gonçalo (isso se tem como chamar algum lugar de São Gonçalo de periférico. São Gonçalo é uma grande periferia). Entramos na escola e fomos encaminhados para o local do sarau itinerante. Os alunos já estavam lá juntos à professora, que aguardava ansiosamente pelo resultado do concurso de trovas. Às 14 horas iniciamos a atividade.

Ivone comandou a tarde de poesia na escola (quando ela está nos Itinerantes deixo a apresentação com ela, pois sabe como cativar os adolescentes como ninguém). O público era de uma grande maioria de meninas, mas um menino chamava atenção devido sua intensa felicidade; ou seria um modo irônico de ser. Não sabíamos distinguir isso. Uma hora e meia se passou, e todos nós falamos sobre a importância da escrita, da leitura, do futuro. Chamamos Fernanda, a professora, para fazermos a premiação. Todos estavam nervosos pelo resultado, inclusive ela. Como de costume, eu sempre peço aos professores responsáveis pelo projeto nas escolas, que chequem se os alunos premiados estão presentes. E isso foi feito. Fernanda olhou detalhadamente todos e quando chegou no primeiro lugar… Surpresa! Era o menino da risada contínua. Fernanda chamou a coordenação e a direção, tamanha foi a surpresa. Até aquele momento não entendíamos nada do que estava acontecendo, mas a vida prosseguiu e o resultado foi sendo divulgado. Chegamos então no primeiro lugar e a coordenadora pediu a palavra (ela queria anunciar o vencedor). Deixei que realizasse tal feito, pois queria saber que estranheza era essa pelo primeiro lugar. A história do aluno W (vamos chamá-lo assim) foi contada. Uma história cheia de conflitos e dissabores. Uma história de enfrentamento (lembra-se da dúvida entre felicidade e ironia? Então…). Um aluno que por seu comportamento havia sido deixado de lado e, naquele momento, era o melhor em algo na escola. O mesmo ouvia tudo com uma única reação, rir. Foi chamado ao palco para receber o prêmio e se recusou, pois não queria ler sua trova. Depois de alguns minutos de convencimento, W foi até o

palco e recebeu medalha e certificado. A coordenadora leu sua trova. Quando ele chegou perto de mim para tiramos a tradicional foto, percebi que estava tremendo. Sim, estava nervoso e rindo (como sempre). Ele parou, olhou para a medalha, tirou a foto individual e depois a coletiva. Descemos do palco e fomos recepcionados com um delicioso café da tarde. E se dirigiu à professora Fernanda e lhe ofereceu a medalha como agradecimento por ter acreditado nele. A professora recusou, dizendo que o mérito era dele (ato típico de pessoas iluminadas). O tempo estava passando, precisava voltar para o local de onde saímos, pois ainda tinha que trabalhar (o terceiro turno me esperava. Vida de professor no Brasil). Despedimos-nos de todos. Lígia, Ivone, Erick e eu entramos no carro da coordenadora e seguimos viagem. Andamos poucos metros e avistamos W voltando para casa. Ele estava observando sua medalha e rindo (desta vez era felicidade, pois ele ainda não havia nos notado). Seus passos apresados nos mostrava que ele queria chegar logo, talvez fosse para mostrar que finalmente foi o melhor em algo. Baixamos o vidro, novamente o parabenizamos. Ele agradeceu e se despediu. A viagem seguiu, e a última cena que lembro foi a de um garoto contestado, provando para si que pode ser o melhor. São Gonçalo não deixa, muita das vezes, seus filhos mostrarem o quanto são bons em algo. Vidros fechados e viagem que segue… Afinal o terceiro turno me aguardava.


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julianeelesbao@gmail.com

Juliane de Sousa Elesbão

MACEDO SOARES E O NACIONALISMO NA CRÍTICA OITOCENTISTA BRASILEIRA

Artigo

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Juliane Elesbão é Doutoranda em Literatura Brasileira pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro; mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará.

abemos que um dos propósitos mais evidentes da geração romântica no Brasil foi orientar a nossa produção literária sob a perspectiva da originalidade e a definição da nossa nacionalidade. A partir de então, observamos um esforço para a formação de uma consciência crítica que deveria estar atenta às diretrizes necessárias para “guiar” os jovens poetas do século XIX, a fim de que estes compreendessem de forma mais ampla o que era o sentimento nacional na literatura. O intuito era escapar da noção estreita de “cor local” ou da pura e simples exaltação da nossa natureza, que apenas caracterizavam uma poesia pitoresca, com mera remissão ao exterior e sintoma de dificuldade na interpretação propriamente poética da natureza. No seio do movimento romântico, portanto, um dos eixos principais das discussões relativas à autonomia da literatura brasi-

leira era constituído pela questão da nacionalidade. Enquanto o Romantismo tomava forma e, simultaneamente, o Brasil passava pelo processo de criação de uma imagem de unidade e de afirmação de sua condição de nação soberana, o ideal nacionalista tornava-se cada vez mais um objetivo a ser alcançado. Nesse contexto, a literatura produzida no Brasil ia, aos poucos, tomando consciência de sua brasilidade. Para tanto, se fazia urgente delinear os aspectos identitários, resultantes de condições e transformações históricas, para asseverar o nosso status de nação independente e determinar o caráter nacional da literatura produzida à época. Nesse meio e tomado pelas mesmas inquietações, esteve Antonio Joaquim de Macedo Soares (1838 – 1905), formado em Teologia (1855) e em Ciências Jurídicas e Sociais (1861); nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal em 1892, foi um homem que sempre cultuou as letras. Ainda que se tenha dedicado à carreira de magistrado, não deixou de atuar como crítico literário, cujas primeiras reflexões – até onde se sabe, datadas de 1857/1858 – seriam publicadas antes de ele sair bacharel da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, em São Paulo. Entre os dezenove e vinte anos, começou sua atividade crítica nos periódicos acadêmicos em torno da poesia brasileira, inflamado pela onda nacionalista, mas sem deixar de fazer as suas ressalvas ao se debruçar sobre obras e autores específicos, sobretudo do Romantismo brasileiro. Nesse campo, conforme Antonio Candido (2012, p. 48), produziu “páginas de qualidade” que apresentam “notável inteligência crítica”.


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Araçá - Edição: Fevereiro de 2020 Assim, Macedo Soares também não se furtou a pensar o nacionalismo como uma vereda a ser seguida pelos jovens escritores, que deveriam ter em mente algumas diretrizes para a sua escrita artística, a fim de serem considerados poetas verdadeiramente nacionais. Estaria aí, portanto, “um aspecto positivo do nacionalismo, que é sua expressão criadora” (LEITE, 2017, p. 35). Na verdade, o próprio crítico constatou, em obra de intuito nacionalista organizada por ele e publicada em 1859: Já se pensa na necessidade de nacionalizar-se a ideia em todas as ordens de conhecimentos, e na aplicação dos princípios herdados da ciência dos nossos maiores e das artes que nos vêm de fora. Nas academias, ouve-se a voz dos mestres pugnar pela nacionalização do direito. Nas associações literárias, discutem-se os elementos da nacionalização da literatura, as fontes de vida da arte. É, enfim, a nacionalidade a palavra mágica que ocupa o pensamento calmo e severo do homem de Estado, que faz vibrar a voz do professor, que eletriza o coração dos mancebos. Mas é sobretudo na poesia que se torna mais sensível esta necessidade da manifestação do espírito brasileiro (in ZILBERMAN; MOREIRA, 1998, p. 274). Mesmo com essa efervescência entusiástica oitocentista pela palavra de ordem “nacionalizar-se”, é válido salientar que, até a década de 1830, apenas os estu-

“Entre os dezenove

e vinte anos, começou sua atividade crítica nos periódicos acadêmicos em torno da poesia brasileira, inflamado pela onda nacionalista, mas sem deixar de fazer as suas ressalvas ao se debruçar sobre obras e autores específicos, sobretudo do Romantismo brasileiro. diosos estrangeiros que voltaram seu olhar para o Brasil indicaram a percepção de uma entidade nacional no âmbito do Império, tendo “encara[do] as letras brasileiras em perspectivas críticas” (MARTINS, 1983, p. 82). A partir de então, “[a] literatura reflet[iu] de forma expressiva essa atmosfera de intenso nacionalismo” (MARTINS, v. II, 1992, p. 393), e tanto o teatro quanto a prosa de ficção e a poesia procuraram expressar assuntos e espírito brasileiros. No caso da crítica, que também viveu esse ambiente de entusiasmo pela vida nacional, ela se viu na posição de sumariar os elementos constitutivos do nacionalismo, o que colaborou para a ampliação dos seus espaços de atuação, bem como para a importância que ela foi conquistando nesse período. Não obstante, é conveniente frisar: Embora uma parte dessa crítica pudesse ser justa, a perspectiva de mais de um século permite ver a fecundidade do

movimento romântico para a definição das normas estéticas que traduziriam a realidade brasileira, para o estabelecimento de símbolos – quem sabe se mitos – capazes de definir o nacionalismo brasileiro (LEITE, 2017, p. 219). A partir da referida defesa e manifestação radical do nacionalismo em nossas letras, Macedo Soares define a nacionalidade como a “exata expressão da vida de um povo e de suas relações com o país que habita” (SOARES, 1857, p. 395), o que o leva, baseado em ideia já bastante difundida em sua época, a conceber a literatura como expressão da sociedade. Assim, esta, ao lado da natureza física, seria matéria para a produção literária, pois “a literatura é nacional quando está em harmonia perfeita com a natureza e o clima do país, e ao mesmo tempo com a religião, costumes, leis e história do povo que o habita” (SOARES, 1857, p. 387). Em outras palavras, para a produção poética alcançar caráter nacional, o poeta precisaria aliar os elementos sociais e os elementos da natureza, amalgamando-os na perspectiva do “sentimentalismo americano” (SOARES, 1857, p. 392), ou como Macedo também o denominou, pelo “senso íntimo” (SOARES, 1860b, s.p.) ou “sentimento íntimo, do mais pessoal e intransmissível dos fenômenos psicológicos” (SOARES, [1857]1862b, s.p), que deveria harmonizar-se com a realidade exterior para estabelecer sentidos e corresponder ao nacional e original.


24 ou percebidas as impressões advindas da natureza e dos costumes locais, manifestando-se por meio dos elementos simbólicos manejados na escrita literária. É um modo de ver e de sentir que traduz, portanto, a ligação profunda entre a capacidade criativa do poeta (“sentimentalismo”) e os elementos locais (“americano”), resultando, assim, na originalidade do artista. Em vista disso, ser nacional é, ao mesmo tempo, ser original, como o próprio crítico reforçou: “Eu não sei [...] como se pode separar a originalidade da nacionalidade; porquanto ser nacional, isto é, de seu século e país, equivale a ter feições próprias suas, um caráter distinto e peculiar, uma fisionomia original” (SOARES, 1860b, s.p.). Inferimos que o referido sentimentalismo parece corresponder ao “princípio íntimo” antecipado por Santiago Nunes Ribeiro em seu ensaio “Da nacionalidade da Literatura Brasileira” , de 1843, publicado na Minerva Brasiliense. Nunes Ribeiro destaca a significativa influência “[d]as condições sociais e [d]o clima do novo mundo” na elaboração de uma obra literária, ou seja, esse princípio seria resultante “das influências, do sentimento, das crenças, dos costumes e hábitos peculiares a um certo número de homens, que estão em certas e determinadas relações” (in SOUZA, 2014, p. 174-175, v. 1). Santiago Nunes Ribeiro identificou, assim, um “modo próprio de sentir e conceber” (in SOUZA, 2014, p. 176, v. 1), que faria da nossa poesia “filha da inspiração americana”. Essa inspiração seria inerente ao ho-

Araçá - Edição: Fevereiro de 2020 mem, mas também estaria sujeita às modificações oriundas de influências externas que agiriam “por meio das sensações” (in SOUZA, 2014, p. 189, v. 1). Esse “princípio íntimo” seria, então, a nota diferenciadora da nossa literatura em relação à de Portugal, e só poderia ser alcançado através dos elementos simbólicos que alimentavam o nosso caráter nacional. Pelo mesmo viés, Macedo Soares entendeu o sentimentalismo americano , como a essência da nacionalidade literária, constituída pela interiorização dos elementos exteriores que, consequentemente, iriam se entranhar naturalmente na literatura produzida pelos nossos poetas, os quais deveriam se orientar pelas seguintes diretrizes: [...] contemplar o espetáculo da natureza, sentir e saber sentir as impressões dele recebidas; [...] mostrar-se possuído de muito sentimento religioso, porque sem religião não há arte; [...] apreciar os costumes, porque eles são a filosofia do povo [...]; [...] conhecer as instituições do país, por que sem elas não há sociedade, não há povo, não há família; finalmente [...] compreender as tradições pátrias, revelar o segredo do passado, o laço místico que o une ao presente para pressentir os infortúnios ou as glórias do futuro (SOARES, 1857, p. 387). Percebemos, então, a necessidade de uma inserção nacional, o que nos faz conceber o

“sentimentalismo americano” como algo, em parte, circunstancial, dado que o poeta teria diante de si todos os elementos e situações necessários, com os quais convivia ou deveria conviver e dos quais deveria se apoderar, para produzir uma poesia nacional e com a qual o brasileiro se identificasse. Observamos, ainda, certa consciência de nacionalidade que precisaria lidar com as questões históricas, institucionais e culturais do país, a fim de conquistar uma expressão verdadeiramente nacional. O problema da nacionalidade, assim, era de natureza estética, e por isso Macedo Soares dará destaque para a forma que, a seu ver, deve estar de acordo com a ideia a ser expressa. É válido salientar ainda que o referido “sentimentalismo americano” era, conforme Macedo, sentido por todos os poetas habitantes do continente americano, o que os diferenciaria dos poetas europeus. Era o “instinto de americanidade”, como indicou Luiz Roberto Cairo (2012, p. 221), que foi tomando corpo à medida que se firmava a nossa nacionalidade literária, e que foi pressentido por Macedo Soares, através da sua inclinação comparatista espontânea, presente na sua análise supranacional, ao tratar da representação da natureza na literatura norte-americana e na brasileira: Procedem, o brasileiro como o norte-americano, da mesma natureza, são ambos filhos das selvas, extasiam-se ambos ante a majestade da vegetação do novo mundo [...]. Fenimore Cooper e Longfel-


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Araçá - Edição: Fevereiro de 2020 low descrevem a natureza como uma fonte de beleza espiritual, como um objeto digno de veneração; descrevem-na os nossos poetas como uma fonte de prazeres, mas prazeres de outra ordem, desses que nos dá o sossego do espírito em descuidado vagar (SOARES, 1860a, s.p.). Apesar de os poetas norte-americanos e brasileiros pertencerem ao mesmo continente e, por isso, terem contato com a mesma natureza, a percepção que dela têm e expressam se diferenciaria, ou seja, o sentimento de pertencer ao continente americano não se manifestava da mesma forma nos poetas do norte e nos do sul. Macedo Soares credita essa diferença ao fato de que os poetas dos Estados Unidos tomam o trabalho com a poesia como uma filosofia diária, ao passo que os do Brasil encontram no “repouso a felicidade mundana”. Ainda nessa articulação entre as literaturas em questão, o crítico acrescentou: Mais analistas, os poetas norte-americanos estudam e compreendem melhor o coração humano; há mais filosofia em suas poesias, mais elevação na ideia, mais vida, porém dessa vida calma e tranquila a que acostumam os hábitos do trabalho. Nós nos deixamos ficar pela rama; poetizamos com mais fogo, mais sentimentalismo, é mais brilhante a nossa imaginação, mas tudo é exterior, quase tudo convencional. Nos Estados Unidos, a autonomia

do pensamento individual deve necessariamente prestar mais força e vigor à forma lírica do ideal poético; no Brasil, há um certo panteísmo, tanto recebemos a vida da ação do poder que não nos resta a autonomia da individualidade; aqui, a epopeia deve ser a forma estética do espírito nacional: tudo quanto for a saga, o epos, a narração onde se assimilam os autores aos atores, subordinados ambos à fatalidade dos sucessos, há de condizer com os nossos hábitos sociais (SOARES, 1860a, s.p.). Com base na identificação de tais contrastes, Macedo Soares expõe o cerne diferenciador do caráter nacional de cada uma das duas literaturas que compara: a má compreensãodo nacionalismo entre os nos-

sos poetas, que lhes é imposto quase como um dogma, um sistema, quando, na verdade, deveria ser algo inerente ao gênio, à sua “condição local”. Assim, enquanto se constatava na poesia norte-americana economia no emprego das imagens, sem a sobrecarga da descrição, o que favoreceria profundidade na análise e elevação de ideias, na poesia brasileira haveria o exagero no colorido e nos arroubos, com consequente mera remissão ao exterior e sintoma de dificuldade na interpretação propriamente poética da natureza. Essa forma de representar a natureza brasileira criticada por Macedo Soares, em que se acentuava a grandeza das matas, dos rios, do sol, bem como a abundância de espécimes da flora e da fauna, tudo isso insistentemente manifestado por um nativismo muito intenso,


26 ostensivo e marcado pela exterioridade, teria se convertido em estereótipos monótonos, denunciando a “nossa tendência ao abuso descritivo” (LUZ, 2012, p. 51). Embora tenha dado à poesia o atributo de forma mais elevada em detrimento das demais, o crítico afirmou que não “[era] preciso que o artista escrev[esse] um poema, uma epopeia, para dar conta da cor local, das crenças, dos costumes, das instituições ou da história” (SOARES, 1857, p. 387). Contudo, era preciso estar ciente de que a forma é o que dá ordem às ideias e ajuste às reflexões do gênio artístico, reforçando-lhe o caráter original. Em outras palavras, era necessário manifestar a originalidade também na adequação da forma à matéria literária e ao momento histórico e artístico vigentes, a fim de evitar anacronismos e exageros. De todo modo, Macedo asseverou que “não [havia] ainda poesia nacional, mas somente uma condição para a nacionalidade”, propiciada, sobretudo, pela independência política em relação à metrópole portuguesa. Na sua opinião, somente os poetas Firmino Rodrigues Silva, com sua Nênia (1837), e Gonçalves Dias, com os Primeiros Cantos, se teriam aproveitado dessa condição, estabelecendo assim “as bases da nacionalidade da arte” (SOARES, 1858, s.p.). É nesse cenário ainda movediço aos olhos macedianos, no entanto, que vemos afirmado o sentimento nacionalista – apesar de o crítico não definir precisamente a noção de “senso íntimo” –, pos-

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“Embora tenha dado à poesia o atributo

de forma mais elevada em detrimento das demais, o crítico afirmou que não “[era] preciso que o artista escrev[esse] um poema, uma epopeia, para dar conta da cor local, das crenças, dos costumes, das instituições ou da história” (SOARES, 1857, p. 387). to em relação com as tendências do movimento romântico e com as questões sociopolíticas caracterizadoras do século XIX brasileiro. Tais direcionamentos convergiriam, então, para a legitimação dos elementos nacionais, para a autonomia da nossa literatura e, consequentemente, para a validação do fazer crítico desse mesmo período, que procurou delinear as normas estéticas que melhor traduziriam a realidade brasileira e indicar os elementos simbólicos – ou os mitos – que correspondessem de forma satisfatória ao nacionalismo brasileiro. Por fim, temos aqui um posicionamento crítico de evidente relevância, cujo inegável valor intelectual exprimiu a necessidade de discutir a realidade brasileira e as transformações internas no intuito de definir com mais nitidez as nossas unidade e identidade histórica e literária. As reflexões de Macedo Soares, portanto, marcaram “uma etapa nova no romantismo brasileiro” (CASTELLO, 2004, p. 204) pela coerência e pelo equilíbrio identificados nas advertências que fazia e na compreensão mais ampla do destino da nossa literatura que apresentou em sua crítica militante.

¹Doutoranda em Literatura Brasileira pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro, sob a orientação do prof. Titular Roberto Acízelo de Souza; mestre em Literatura Comparada pela Universidade Federal do Ceará, sob a orientação da profa. Titular Odalice de Castro Silva. ²Macedo Soares chegou a citar o artigo de Santiago Nunes Ribeiro num ensaio em que trata de Gonçalves Dias, publicado no Correio Mercantil, em 1862. Na ocasião, Macedo concorda com a ideia defendida por Nunes Ribeiro, de que a linguagem poética deve estar de acordo com a época em que vive o poeta; logo, não se podia exigir caráter nacional da poesia colonial, visto que “era portuguesa demais para satisfazer a solução do problema” (SOARES, [1857] 1862a, s.p.) relativo à nossa nacionalidade literária. Não esqueçamos do “sentimento íntimo” defendido por Machado de Assis em seu “Instinto de nacionalidade”, de 1873.


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Marcos Pereira - marcoscpereira@globo.com

INDEPENDÊNCIA OU MORTE, UM GRITO SEM ESCUTA

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Marcos Pereira é professor.

Comemoramos no mês de setembro um grito que deveria ecoar pelos quatros cantos do mundo, mas o que vemos é um grito abafado sem patriotismo. Então devemos pensar: quais as noções de independência que temos? Ou melhor, quais as conotações que esta independência representa para o nosso povo? Nas escolas nos ensinam que a nossa independência foi a libertação das mãos portuguesas, porém o que as escolas não ensinam é que saímos das mãos de Portugal mas viramos colônia de outros, com direitos estendidos até os dias atuais. Infelizmente temos uma independência velada por ausência de uma liberdade comercial, econômica, diplomática, política e bélica. Como disse o nosso representante de Estado, devemos nos curvar à soberania americana pois os EUA são uma potência mundial. Com uma política intencionista de usurpação, os americanos ditam o seu protecionismo excluindo os direitos de qualquer outro povo, contrariando a soberania e interesses de qualquer nação. O Brasil, sendo um seguidor assíduo dos americanos, não poderia ficar de fora deste ciclo vicioso, pois o povo brasileiro é levado a acreditar na própria mídia que o governo internaliza com suas mentiras, divulgando a todos a liberdade que a América proporciona às nações do mundo. Uma divulgação ilusória sobre a

terra da liberdade. Liberdade essa as custas da exploração comercial, financeira, bélica entre tantas outras sobre nós mesmos. É uma triste realidade a hegemonia americana no mundo. Como evitar essa subjugação? Tornando-nos independentes através dos nossos próprios recursos, deixando de sermos um país corrupto, exigindo dos nossos governantes maiores responsabilidades, respeito e patriotismo. Mas para isso é necessário que os políticos não cortem as verbas da educação, não privem seu povo de obter uma aposentadoria digna, não declarem o país apenas como uma fonte de prostituição; que defendam a soberania da Amazônia, que não vejam o país apenas como um celeiro, mas sim como uma potência tecnológica. Como dizia Karl Marx, “a Ideologia é um sistema de pensamento”, ou seja, uma forma de conceber o mundo que abrange – principalmente os seus aspectos sociais. Nunca seremos independentes se continuarmos amarrados aos detentores do capital que utilizam-se dos políticos corruptos para explorar os nossos recursos. Então, podemos concluir que é muito difícil gritar/festejar uma independência, pois somos órfãos de grandes políticas públicas e de um povo desprovido de um entendimento político e cívico que proclamem/ gritem o verdadeiro domínio do povo brasileiro sobre a sua própria terra.


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Motivação como base de poder Altamir Lopes

altamirlopesconsultoria@gmail.com

Altamir Lopes é gestor de RH.

Há muito tempo que se diz em meandros populares ou eruditos que dinheiro é poder, que conhecimento é poder. Podemos arriscar, por extensão, e dizer também que a fama é poder, força física é poder, beleza é poder... A manifestação do poder concedido ou conquistado pelo homem se apresenta de todas as formas possíveis e absorvíveis pelo mesmo na sua busca contínua de dominar os seus semelhantes – antes mesmo de aprender a dominar a si mesmo. Observando a essas manifestações e vorazes conflitos rumo à detenção do poder, percebi que a origem, criação e sustentação deste advém de um combustível essencial – A Motivação. De onde ela vem, como ela surge, o que a alimenta? A Motivação humana tem sido estudada praticamente desde as primórdias ações adâmicas, passando por todas as culturas até os dias pseudomotivados de hoje. Poderíamos escrever infindáveis linhas tratando e observando as curvas de pensamento de

estudiosos diversos, mas vou elencar um dos que apresenta de forma um tanto quanto frugal quanto complexa tão importante tema: O Psicólogo Norte-americano Abraham H. Maslow (1908-1970), o qual postula as condições necessárias para que cada ser humano atinja a sua satisfação pessoal e profissional utilizando-se do conhecido conceito por ele criado e denominado Hierarquia das Necessidades, normalmente representado por uma pirâmide. O motivo de explorar o tema com base nos estudos de Maslow é simples, ele é muito feliz em determinar de forma clara e objetiva o tema e consegue alinhar facilmente as ações humanas com seus motivos, ou seja, explica de forma muito clara a base do entendimento para o fenômeno da Motivação, enfocando o ambiente interno do indivíduo para aferição dos seus movimentos motivacionais. Conforme postula Newstron (2008, p. 201): Os seres humanos vivem para satisfazer as


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Araçá - Edição: Fevereiro de 2020 suas necessidades, com o objetivo de conquistar a sonhada autorrealização plena. O esquema descrito na Pirâmide de Maslow trata justamente da hierarquização dessas necessidades ao longo da vida do ser humano. A Pirâmide de Maslow é dividia em cinco níveis hierárquicos, cada um formado por um conjunto de necessidades. Na base da pirâmide estão os elementos que são considerados primordiais para a sobrevivência de uma pessoa, como a fome, a sede, o sexo e a respiração. Para progredir na hierarquia é necessária a conquista das condições elementares da Pirâmide, passando para os próximos níveis, um a um, até alcançar o topo. A Motivação Humana, é portanto a base para o processo de busca de obtenção do poder, seja ele qual for. Podemos explicitar isso sob duas óticas simples: 1 – A necessidade básica de sobrevivência – Envolvendo as necessidades fisiológicas gerais e de segurança: Uma vez ameaçada a sua sobrevivência, o impulsionamento interior do indivíduo o movimentará rumo a busca de soluções para manter-se vivo. E essa necessidade transforma-se em poder à medida que o impulsionado gera ações positivas e afirmativas para defender a si próprio ou sua prole. Até uma frágil galinha se transforma

na mais agressiva das aves quando percebe o perigo rondando os seus filhotinhos indefesos. Poder gerado pela necessidade de sobreviver e defender... 2 – As necessidades psicológicas – As quais envolvem as questões de relacionamento e autoestima: Podemos trabalhar nesse ponto a palavra “desejo”. Sim, desejo. O ato de desejar dentro do contexto da aceitação interna e social. Na busca da satisfação desse desejo, os meandros da personalidade do indivíduo o impulsionam a ações igualmente potencializadas quanto as que enfocam a sobrevivência. Poder para ser, estar, aparecer... 3 – As necessidades de autorrealização – Diretamente enfocada na realização pessoal, voltadas estritamente as idiossincrasias do indivíduo: Quando encontra conforto na base da pirâmide, o ser humano – “inatistamente” explorador – procura em si mesmo um motivo maior do que tão somente por sua sobrevivência. Ele precisa entender sua existência, seu lugar no mundo, sua força vital. Nesse ponto, onde todos os poderes motivacionais convergem-se rumo a auto-afirmação, o ser humano posiciona-se como soberano dele mesmo. Um erro, ou um acerto? Reflexão que fica sob seu poder. Assim, não importa a quantidade de fatores externos que compõem o poderio humano: Muito dinheiro, muito conhecimento, muita força etc, o que provoca o acúmulo desses poderes é o poder maior – o poder da motivação, ora re-

presentado por uma poderosa necessidade, ora por um poderoso desejo. E aí, qual é seu poder sobre sua própria motivação?

“As

necessidades psicológicas – As quais envolvem as questões de relacionamento e autoestima: Podemos trabalhar nesse ponto a palavra “desejo”. Sim, desejo. O ato de desejar dentro do contexto da aceitação interna e social. Na busca da satisfação desse desejo, os meandros da personalidade do indivíduo o impulsionam a ações igualmente potencializadas quanto as que enfocam a sobrevivência. Poder para ser, estar, aparecer...


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A importância dos cordelistas locais na Literatura de Cordel por: Rejane Rosa e Maria Isaura Pinto

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uando encontramos poetas locais que escrevem e divulgam a literatura de cordel em nosso Estado, nós nos sentimos representados naquela que é uma das mais importantes manifestações culturais do nosso país. Zé Salvador e João Batista Melo são exemplos de poetas que enaltecem, respectivamente, as cidades de São Gonçalo e Niterói. Quem deseja ter um contato direto com a arte produzida por esses cordelistas poderá fazê-lo visitando a Feira do Campo de São Bento, no final de semana. Lá encontrarão os poetas expondo e vendendo seus folhetos. Quando lemos o folheto “Grande prêmio de Neves, o automobilismo em São Gonçalo”, escrito por Zé Salvador, temos a oportunidade de conhecer um pouco mais daquele que foi um dos maiores

eventos da cidade, a segunda tivo é desenvolver ações corrida automobilística realiza- diversas de incentivo à da no Brasil (set/1909). Já João apreciação da literatuBatista Melo, quando escreve o ra de cordel, como por folheto A história de Niterói em exemplo oficinas, expocordel, também nos mostra o sições, declamações, percurso desse município onde entrevistas com poetas, a qualidade de vida permanece além de abrir espaço à entre as mais elevadas do país. divulgação de estudos Foi com grande satisfação e de práticas pedagóque a Cordelteca Gonçalo gicas e artísticas, que Ferreira da Silva, localizada possam oferecer difena Faculdade de Professores rentes enfoques da culda UERJ, no Paraíso, recebeu tura popular. Esperamos a doação de parte da obra contar, nessa ocasião, desses dois destacados cor- com a participação desdelistas. A cordelteca abriga ses ilustres poetas para um acervo de mais de 2000 que possamos conhecer cordéis, e, agora, após a ofer- ainda mais seus folhetos ta dos poetas, está ainda mais que, de uma maneira enriquecida. Aberta à visita- descontraída, acabam ção, de segunda à sexta-feira, por ensinar, divertir e endas 8h às 18h, a Cordelteca cantar seus leitores. realizará em setembro próxiFoto: Divulgação/ À esquerda o cordelista Zé mo, o evento Folheto Aberto: Salvador (em destaque) e à direta o presideno cordel em cena, cujo obje- te da ABLC Gonçalo Ferreira da Silva


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Purê do gato Erick Bernardes

ergalharti@hotmail.com

Erick Bernanrdes é professor e escritor Muitas vezes nos perguntamos por que algumas lendas existem e sobrevivem há séculos. Uns duvidam até certo ponto, outros afirmam categoricamente, que a língua do povo ecoa profecias divinas. Não sei ao certo, confesso que tenho cá certas manias também. Uma dessas minhas cismas é a de acreditar que os gatos possuem as sete vidas típicas da crendice popular. Quem não põe fé em alguma superstição ou outra, por acaso? Qual cidadão nunca fez sua prece rápida por causa de alguma premonição estranha? Pois é, desnecessário emitir julgamento. Fica a sensação estranha no ar. Principalmente porque esses animais costumam nos encarar de frente; olhos nos olhos; coisa de arrepiar. Certa vez, em meio a rua onde moro, deparei com um gato siamês extremamente adoentado. Sim, avistei um bichano de raça, usando coleira e tudo, porém abandonado, com certeza estava morrendo. Olhando bem, notei que uma das patas trazeiras encontrava-se em estado avançado de decomposição. Verdade. Um fedor danado só de passar perto. Eu via até parte do osso do membro infectado por larvas de moscas que começavam a roer o quadril. Ferimento nojento, talvez fosse

resultado de alguma mordida de cachorro bravo. Absurdo! Cadê o dono do animal nessas horas que não faz curativos? Coitado do felino. Se os gatos têm mesmo as sete vidas tantas vezes apregoada, certamente uma dessas vidas já estaria se esvaindo. Duvidava se bicho sobreviveria ao apodrecimento do corpo daquele jeito. Sentia o estômago embrulhar, verdade. Durante três dias eu vira o gato bem no mesmo lugar, fedendo, decompondo-se aos poucos naquele calor intenso. Revoavam-lhe as moscas verdes brilhosas, enquanto ele encontrava-se deitado na rua, junto ao poste que servia de apoio à placa do lava-jato que havia lá no bairro. Depois disso o bichano desapareceu, evaporara-se das redondezas – decerto morreu, senão continuaria exalando mal cheiro por lá. Impossível resistir à carcomida das larvas de insetos no corpo magro. Bem, passados sete dias exatos (juro a você leitor, não é conta de mentiroso), o semblante com o olhar vitrificado do gato não se apagava da lembrança. Ahh! Aquele mirar de varar a alma! Sensação de agouro, sete dias, melhor seria esquecer o azul translúcido das pupilas felinas. Mas não, infelizmente não havia como apagar da mente. Ao chegar do trabalho, já pelas onze da noite, qual não foi a minha surpresa! Sim, pasmem, o gato bem ali a me encarar, me olhando fixamente. E pior, o diabo do bicho estava na cozinha, deitado na enorme panela de purê de batata que a minha esposa deixara com carinho antes de viajar. Imundice. Ainda bem que ela viajara logo, com certeza passaria mal. Havia secreção de membros podres manchando o chão. Que porcaria! Vontade de vomitar com aquele cheiro grosso de carniça. Cruzes! Todo lambuzado de purê, certamente comeu tudo, nem enxerguei direito. O cheiro

do leite ou da manteiga usado no amolecimento da batata deve tê-lo atraído. Mas como? Ele devia estar morto. O fogão era só manchas escuras de sangue pisado. Sujeira negra. Do outro lado grãos semelhantes a arroz mexiam-se aos montes sobre as bordas da panela. Mas não, em hipótese alguma eram de comida aqueles pontos brancos a retorcerem tanto, coisa mais asquerosa: eram larvas de insetos bailando saciadas. Ojeriza. A saliva engrossou na minha boca, senti odor de morte arder o nó do nariz — e o gato diabólico me encarou de frente. Eu fiquei petrificado, se não fosse meu instinto de defesa, bem provável que teria desmaiado ali ao pé da pia. Os olhos do animal em vias de decomposição não apresentavam mais aqueles cristalino. Não aparentava estar vivo aquele troço ruim. Mostrava-se calmo ao me encarar com os bugalhos baços. Do purê só restaram as raspas na panela repletas de pelos cinzentos grudados. Tonteei de entorpecimento. Entretanto, três segundos foram suficiente para eu pegar o soquete de aço e sentar no demônio meia dúzia de pancadas fortes. Resultado? Quer saber o que aconteceu? O gato fugiu. Sim. Pois é, mesmo decompondo-se o felino conseguiu correr. Não era de outro mundo o bichano, certamente restava alguma vida das sete que teve. O inferno foi ter que lavar casa e fogão com água sanitária depois de jogar a panela fora. E o purê? Nunca mais caiu-me bem no estômago esse tipo de alimento mole.


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Resenha por: Antonio Rodrigues

O Conto da Ilha Desconhecida, de José Saramago

A viagem não começa quando se percorrem distâncias, mas quando se atravessam as nossas fronteiras interiores.” (Mia Couto, O Outro Pé da Sereia) “Pior que não terminar uma viagem é nunca partir.” (Amyr Klink)

José Saramago é um tradutor da condição humana. Sua literatura é quase sempre um mergulho nas sombras da alma. Já o vimos em seu “Ensaio sobre a cegueira”, onde o gênero humano é acometido por uma misteriosa “cegueira branca” que impede a vítima de ver com os olhos, mas lhe proporciona, nesse não-ver, um mergulho naquilo que é a inquieta e contraditória alma humana. Em “O Conto da Ilha Desconhecida”, Saramago se apresenta com essa potência toda de tradutor de nossas inquietudes. A princípio, o conto é uma narrativa banal sobre um personagem que bate à porta das petições do rei. É atendido pela mulher da limpeza, responsável também por atender os súditos em suas petições e encaminhá-las por meio de um caminho burocrático, de superior a superior, até chegar ao rei. Dessa vez, contudo, o personagem não faz o pedido direto. Diz apenas que deseja falar com o rei e acaba travando a porta das petições. Criado o impasse, o rei, que passava o tempo todo atendendo a porta dos obséquios, resolve ir ao encontro do súdito na porta das petições, e acaba por ficar chocado com o pedido peculiar: um barco para descobrir a ilha desconhecida. O súdito acaba recebendo do rei a aprovação e se dirige ao porto para receber um barco para a empreitada à ilha desconhecida, sendo acompanhado pela mulher da limpeza, que decide tomar um rumo e mudar sua vida, saindo pela porta das decisões e tonando-se limpadora de barcos. No porto, o conto encontra seu ponto de inflexão e tensão até seu final. É o ponto em que a viagem de descobrimento encontra sua partida. Que pode nunca encontrar o destino, ou ao destino que chegar, ainda assim o ponto a que se deveria chegar:


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33 busca fundamental do homem por si mesmo. “mas quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou eu quando nela estiver, Não o sabes, Se não sais de ti, não chegas a saber quem és, O filósofo do rei, quando não tinha que fazer, ia sentar-se ao pé de mim, a ver-me passajar as peúgas dos pajens, e às vezes dava-lhe para filosofar, dizia que todo o homem é uma ilha, eu, como aquilo não era comigo, visto que sou mulher, não lhe dava importância, tu que achas, Que é necessário sair da ilha para ver a ilha, que não nos vemos se não nos saímos de nós”. Para chegar ou descobrir a ilha desconhecida, é necessário partir, é necessário sair da ilha desconhecida que somos, e partir nessa viagem do descobrimento de si mesmo. A tensão é justamente a partida, porque se não partimos nunca, nunca chegamos. E ainda assim, a viagem é sempre ao desconhecido. Pois finalizemos com outro português ilustre, Fernando Pessoa:

“Mas tu, se bem entendi, vais à procura de uma (ilha) onde nunca ninguém tenha desembarcado, Sabê-lo-ei quando lá chegar, Se chegares, Sim, às vezes naufraga-se pelo caminho, mas, se tal me viesse a acontecer, deverias escrever nos anais do porto que o ponto a que cheguei foi esse, Queres dizer que chegar, sempre se chega, Não serias quem és se não o soubesses já.” A parte da narrativa superficial não é, de modo algum, de entusiasmar o espírito literário. Mas penetrando suas camadas, vão se revelando os caminhos mais interessantes pelos quais a narrativa nos conduz ao ponto central, o Fio de Ariadne, o fio condutor que leva o leitor a encontrar, finalmente, a ilha desconhecida, que não pode ser outra coisa senão a

Nunca, por mais que viaje, por mais que conheça O sair de um lugar, o chegar a um lugar, conhecido ou desconhecido, Perco, ao partir, ao chegar, e na linha móbil que os une, A sensação de arrepio, o medo do novo, a náusea — Aquela náusea que é o sentimento que sabe que o corpo tem a alma, Trinta dias de viagem, três dias de viagem, três horas de viagem — Sempre a opressão se infiltra no fundo do meu coração. (Álvaro de Campos, in “Poemas”, Heterónimo de Fernando Pessoa)


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1. Quando você se percebeu escritor? Qual foi, ou quem foi, sua maior inspiração para que o André-escritor nascesse? André: “Foi no início do curso de jornalismo, na Escola de Comunicação da UFRJ, a ECO, em 1989. Foi lá, no primeiro período, que comecei a escrever pequenos textos sobre o cotidiano da faculdade, sempre com humor, e o pessoal gostou. Dali comecei a me aprofundar em leituras de ficção e a escrever mais ainda, descobrindo o que eu queria ser na vida, mais até do que o jornalismo”.

por Renato Cardoso

Um bate-papo com o jornalista e escritor André Mansur

Entrevista

André Luis Mansur é jornalista e escritor, autor de 11 livros, entre eles “O Velho Oeste Carioca”, “Marechal Hermes - a história de um bairro” (Edital), “A rebelião dos sinais” (Edital) e “Fragmentos do Rio Antigo” (Edital), este com Ronaldo Morais. Trabalhou em jornais como “Tribuna da Imprensa”, “Jornal do Brasil” e “O Globo”, onde publicou mais de cem críticas literárias. E o Suplemento Araçá bate aquele bate-papo agradável com ele. Vamos conferir!

2. Você é marcado por escrever sobre a história do Rio de Janeiro, dialogando com diversos momentos históricos da antiga capital do país. Como e por que você se interessou por essa temática? E como foi o processo criativo de cada livro seu? André: “Eu sempre gostei de ler sobre o passado da cidade, mas

nunca levei isso para o lado profissional. Foi no final dos anos 90, quando trabalhava em um projeto do jornal O Globo chamado O Globo 2000, uma enciclopédia sobre o século XX e que gerou uma outra publicação, Brasil 500 anos, foi ali que me interessei de fato pela pesquisa histórica não só sobre o Rio de Janeiro, mas sobre o Brasil. Logo em seguida, no ano 2000, com as comemorações dos 500 anos do descobrimento, foram lançados vários livros sobre a História do Brasil e sobre a História do Rio de Janeiro e aí percebi que nada havia sobre a História da Zona Oeste do Rio, onde moro, sobre a História dos Subúrbios, em geral, e resolvi começar a pesquisar sobre o tema”. 3. No livro “TIRADENTES CARIOCA: AS RELAÇÕES DOS INCONFIDENTES MINEIROS COM O RIO DE JANEIRO”, você e seu parceiro de escrita, Ronaldo Morais, mostram uma figura diferente dos livros didáticos sobre Tiradentes. O que levou a vocês ao interesse pela figura do Tiraden-


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“A ideia foi do Ronal-

do, que já tinha um material de pesquisa sobre o livro. Eu me interessei bastante, pois é muito difícil achar um aspecto inovador sobre uma figura histórica tão dissecada nas pesquisas como Tiradentes... tes? E como foi descrever todos os fatos históricos passados por ele aqui no Rio de Janeiro? André: “A ideia foi do Ronaldo, que já tinha um material de pesquisa sobre o livro. Eu me interessei bastante, pois é muito difícil achar um aspecto inovador sobre uma figura histórica tão dissecada nas pesquisas como Tiradentes, e aí me entusiasmei e fui buscando, principalmente nos Autos da Devassa, tudo o que existia sobre as referências no Rio de Janeiro não só com Tiradentes, mas com os demais inconfidentes. Lembrando que esse tema já foi pesquisado, mas em artigos isolados, até onde eu sei não havia um livro específico sobre as relações de Tiradentes e dos inconfidentes com o Rio de Janeiro”. 4. Nesse mesmo livro, segundo a própria sinopse do livro: “O livro não mergulha fundo no movimento em si, já que o foco aqui é outro, mas o explica de forma leve e agradável, dando destaque a personagens não tão conhecidos, e muito emblemáticos, como o padre José da Silva e Oliveira Rolim, o responsável pelo único momento de tiroteio na Inconfidência Mineira, e o advogado carioca José de Oliveira Fagundes, que fez o que pôde para tentar salvar os inconfidentes presos”. Por que esses personagens secundários da história despertaram em vocês tanto interesse?

André: “A gente percebeu que a inconfidência era muito mais do que os personagens famosos, como Tiradentes, Tomás Antônio Gonzaga e Cláudio Manuel da Costa. Havia ali uma série de personagens que não ficaram conhecidos, mas que são bem interessantes, principalmente em termos de literatura, e que deram sustentação ao movimento. Esse foi um dos aspectos do livro que mais chamaram a atenção dos leitores, de perceberem que a Inconfidência Mineira não foi apenas o movimento de um grupo de ricos que queriam se livrar dos impostos da Coroa Portuguesa, foi bem além disso”. 5. No livro “A INVASÃO FRANCESA DO BRASIL: O CORSÁRIO DU CLERC ATACA O RIO DE JANEIRO POR GUARATIBA”, você mostra a invasão francesa no Rio de Janeiro no período monárquico. Como foi montar um livro, que além de fotos sobre o período, busca mostrar detalhes da sociedade da época? André: “Este tema foi o que fez o Ronaldo me procurar, em 2009, e aí nós iniciamos nossa amizade e nossos projetos literários. Ele já pesquisava há bastante tempo a história do Du Clerc no Rio de Janeiro, chegou a lançar um livro chamado Os arquivos da invasão, e quando ele viu, no livro O Velho Oeste Carioca, que eu também abordei o tema, me procurou e aí nos conhecemos. A


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personagens são todos inspirados em pessoas que conheci, não só na praça, e depois de um tempo percebi que era um livro realmente sobre prostituição, mas tirando o glamour com que às vezes essa profissão é retratada... minha ideia, e o Ronaldo também compartilhava disso, é sempre contextualizar os livros históricos, mostrar como era a sociedade na época daquele fato e trazer para os dias de hoje, fazer análises comparativas, mostrar o que mudou na cidade, transportar o leitor para aqueles dias e, ao mesmo tempo, situar o leitor em relação àqueles fatos históricos, ocorridos há séculos, e o que a gente vive hoje. Acho que estamos conseguindo, mas exige uma apurada pesquisa sobre costumes, hábitos, estilo de vida de épocas passadas, é trabalhoso, mas é fascinante ao mesmo tempo”. 6. Você também ficou marcado pela parceria com o pneumologista Ronaldo Morais, como nasceu esta parceria? E quais obras você escreveram juntos? E como é escrever em parceria? André: “Acabei respondendo na pergunta anterior como nos conhecemos (risos), mas nós escrevemos 4 livros juntos: A invasão francesa do Brasil, Fragmentos do Rio Antigo, Violência no Rio Antigo e Tiradentes Carioca. Posso dizer que Ronaldo foi um grande amigo, apesar da convivência de apenas 6 anos, pois ele faleceu em 2015. Foi excelente trabalhar com ele, sinto muita falta dele, pois nos falávamos praticamente todos os dias e fizemos os livros de forma bastante harmoniosa, pois o entusiasmo dele pela História do Rio de Janeiro era tão grande quanto o meu, e ele era uma pessoa

extremamente cordial, modesta, não queria holofotes, só contribuir para que aspectos da História do Rio não muito conhecidos fossem divulgados. Fiquei com o acervo do Ronaldo de cerca de 500 fotos digitalizadas e também um grande material de pesquisa que pretendo utilizar em novas publicações, assinadas em parceria com ele, como os próximos volumes de Fragmentos do Rio Antigo. Tenho uma ótima relação com Fátima, a viúva dele, e com o Fábio, seu filho, e tinha prometido ao Ronaldo que daria continuidade ao nosso trabalho. Ele disse que, caso eu não fizesse isso, puxaria a minha perna e olha que eu já tive uns sonhos com ele me cobrando isso”. 7. No livro “A Praça”, você descreve minuciosamente os personagens da história que passa na Praça Tiradentes. Como você pensa seus personagens? E nesse livro, você tentou desconstruir a imagem da prostituta? André: “Este livro foi sendo construído desde 2003, que é a época da narrativa. Fui fazendo várias experiências e hoje já achei o meu “tempo” na construção de um romance. Os personagens são todos inspirados em pessoas que conheci, não só na praça, e depois de um tempo percebi que era um livro realmente sobre prostituição, mas tirando o glamour com que às vezes essa profissão é retratada em outras produções cultu-


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37 ria desenvolver logo as histórias, tanto nos contos quanto nos romances, mas com o passar do tempo fui trabalhando mais os enredos, me envolvendo com os personagens, e isso deixou o trabalho da escrita bem mais prazeroso. Quando as histórias se passam há muito tempo, realmente faço uma pesquisa sobre aquele período, mas nada muito detalhado, pois a ficção não é igual aos livros históricos, você pode inventar à vontade na ficção, é a tal da “licença poética”. 9. Você coordenou durante muito tempo o CineClube Moacyr Bastos, onde exibiu mais 300 filmes gratuitamente. O que era o projeto e como foi coordenar ele?

rais. Lá eu vi o lado mais difícil da prostituição, meninas que chegavam à praça completamente perdidas, vindas de famílias desestruturadas, geralmente com algum estupro ou assédio dentro de casa, tendo filhos bem jovens, várias situações dramáticas que as levavam a se prostituir e a ser exploradas por um gigolô, a se drogarem, um caminho sem volta que retratei principalmente na personagem Pompom”. 8. “A Rebelião dos Sinais” e “Copa de 50” são seus livros de contos. Qual a grande diferença entre escrever contos e romances? Qual a sua preferência? E como é todo o processo de pesquisa para suas histórias, uma vez que muitas passam em épocas passadas? André: “Escrevo contos desde os anos 90, mas romance, como eu disse, foi uma experiência que levei mais tempo para conseguir realizar, pois é uma narrativa mais complexa. No início eu que-

André: “Foi quando trabalhei no Centro Universitário Moacyr Sreder Bastos, em Campo Grande, bairro da zona oeste carioca, onde moro. Trabalhei lá de 2005 a 2012 e fiz o projeto junto com o professor Moacyr Bastos, que já exibia filmes lá desde os anos 90. Foi uma experiência fascinante, pois passávamos filmes, tanto novos como antigos, fora do circuitão comercial, filmes que despertavam algum tipo de reflexão, de debates, de polêmicas, que é a proposta de um cineclube. A sala tinha 80 lugares, era com telão e suas poltronas fizeram parte do Teatro Duse, o Teatro-Laboratório que Paschoal Carlos Magno montou em Santa Teresa nos anos 50. Paschoal presenteou o professor Moacyr com as poltronas”. 10. Quais são os próximos projetos do André-escritor? André: “Este ano devo lançar meu primeiro livro infantil, pois as crianças sempre folheiam meus livros, mas não há nada específico para elas. Na verdade, vou pegar a minha peça A Rebelião dos Sinais e adaptá-la para um livro infantil, com imagens coloridas desenhadas por Fernando Krieger, que fez as ilustrações dos meus livros A Praça e Copa de 50. E também pretendo continuar a série Fragmentos do Rio Antigo, sem o Ronaldo presente fisicamente, mas com fotos e material de pesquisa deixados por ele”.


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Um Naufrágio Angela Moreira

angelamoreira09@hotmail.com

Angela Moreira é professora. Tudo aconteceu durante a primeira viagem que fiz a um país não muito distante. Adiei essa viagem durante muito tempo, talvez por medo, por insegurança, não sei bem porquê, nunca tinha coragem de ir. O país não era distante, mas para chegar ao meu destino, depois que chegasse lá, ainda teria quatro horas e meia pela frente para chegar ao lugar onde iria me hospedar. Finalmente tomei coragem e segui o meu caminho, mas resolvi que a minha viagem seria de navio. E assim aconteceu. Durante a viagem tudo corria perfeitamente, até que o mar ficou revolto, o navio a balançar e sendo jogado de um lado para o outro. Fiquei desesperada, junto com uma amiga que viajou comigo, para fazer companhia. Os outros passageiros e tripulantes corriam de um lado para o outro. Em determinado momento, não sei em que o navio bateu, arrebentando o seu casco e to-

dos precisaram deixar o navio em balsas para salvarem suas vidas. Ficamos navegando por muito tempo, até que encontramos uma ilha, na qual aportamos. Lá ficamos durante algumas semanas. Por incrível que pareça, a ilha era maravilhosa, linda, cheia de árvores frutíferas , uma paisagem magnífica, onde havia montes um pouco distante dali. Um dia um grupo resolveu desbravar pelos caminhos que encontraram na ilha. Para nossa surpresa, descobrimos que essa ilha tinha ligação com o continente, e aí, durante o caminho, encontramos uma cidadezinha muito aconchegante. Ficamos por lá, até encontrarmos um jeito de chegar ao nosso destino. Numa bela manhã de domingo, recebemos o comunicado que seríamos resgatados por um outro navio, mas, alguns minutos depois do susto, preferiram ir mais adiante, até chegar ao aeroporto que nos levaria ao nosso destino. Eu e minha amiga optamos em continuar nossa viagem de navio. E finalmente chegamos ao nosso destino e nos hospedamos para descansar em um hotel daquele lugar. Eu estava tão cansada que acabei dormindo. E ao acordar, uma surpresa, tinha sido apenas um sonho. Um sonho que um dia se tornará realidade, mas que nele só acontecerá coisas boas.

A Arte de Ser Mulher Dentre os seres que encantam, embelezam e nos fazem tanto bem; destacamos a mulher que não se iguala a ninguém. Com “mil” atividades, no trabalho e no lar, tem grande facilidade de amar sem reclamar. Incentiva, faz-se forte, não desiste facilmente; gigante, se necessário, doce e leve se a vida requer. É princesa, é rainha ou a mais humilde serviçal, faz tudo com galhardia, e isso a torna “imortal”. Cumpre bem o seu papel, não desiste do que quer. Parabenizo “esta raça” na arte de ser MULHER!

Fatima Daniel

fatima.daniel@yahoo.com.br

Fátima Daniel é professora e poetisa.


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tavares.luisa20@gmail.com

âmbito do acesso à cultura, quanto na questão da mobilidade urbana. Sua obra é acessível porque, diferente da arte intocável entre quatro paredes nos espaços museais, ela está ali, no vai e vem do espaço público. Disponível para ser visitada, para ser fotografada. Pronta para ser ponto de encontro e parte da vida da cidade. Na escadaria, a arte pode ser tocada, tateada, pode ser percorrida de forma literal. De degrau em degrau, de azulejo em azulejo. Democrática na acessibilidade à cultura, a questão da mobilidade urbana na Escadaria Selarón convida ao debate, pois pessoas com dificuldade de locomoção não têm acesso facilitado aos 215 degraus que compõem a obra. Nessa discussão, entra ainda a questão do tombamento da escadaria, que restringe alterações em sua estrutura. Então, a galeria ao ar livre, a arte colorida que alegra aquele canto da cidade, a obra da vida de Selarón é dual, pois é beleza ao mesmo tempo acessível e inacessível.

Luisa Tavares

Dos pontos turísticos do Rio de Janeiro , a escadaria Selarón é o terceiro mais visitado. Atrás apenas do Cristo Redentor e Pão de Açúcar. Dentre as atrações gratuitas, é a campeã em visitas – segundo o historiador Luciano Tardock, que atualmente pesquisa sobre a vida de Selarón e seu trabalho na Escadaria. Apesar de chileno o artista acolhe e é acolhido pela cidade através de sua obra, que tem como mote as comunidades cariocas, especialmente a figura da mulher grávida. A escadaria foi chamariz para o ateliê do artista, no mesmo local, em um primeiro momento. Mas o impacto de sobra foi tamanho que a antes conhecida como Escadaria do Convento de Santa Teresa, na Rua Manoel Carneiro, é atualmente conhecida como “Escadaria Selarón”. Tendo mais visibilidade que o próprio Ateliê do artista, onde hoje funciona o “Selahostel”, que abriga turistas nacionais e estrangeiros. O debate sobre a acessibilidade é um dos muitos que permeiam a obra de Selarón. Tanto no sentido cultural; no

Cultura e mobilidade urbana na Escadaria Selarón

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Luísa Tavares é professora.


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Acesse: www.entrepoetasepoesias.com.br (21)994736353


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