Universidade Estadual de Campinas Faculdade de Educação
ISSN 1676-2592
Volume 15
Número 2
Maio/Agosto
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2013
Catalogação na Fonte ______________________________________________________________ ETD - Educação Temática Digital / Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Biblioteca Prof. Joel Martins. -- Campinas, SP, v.3, n.1, dez. (2001-). Publicação semestral. Continuação de: Rev. Online da Biblioteca Prof. Joel Martins, 1999, 2000, 2001. ISSN: 1676-2592
1. Educação - Periódicos eletrônicos. 2. Multidisciplinaridade - Periódicos. I. Universidade Estadual de Campinas. Faculdade de Educação. Biblioteca Prof. Joel Martins. CDD - 370.5 ______________________________________________________________
Qualis/CAPES (Avaliação) Estrato Área de Avaliação A1 EDUCAÇÃO A2 INTERDISCIPLINAR A2 ARTES / MÚSICA A2 HISTÓRIA B1 ENSINO B1 GEOGRAFIA B3 ANTROPOLOGIA / ARQUEOLOGIA B3 SERVIÇO SOCIAL B3CIÊNCIA POLÍTICA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS B4 CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS I B4 ADMINISTRAÇÃO, CIÊNCIAS CONTÁBEIS E TURISMO B4 PSICOLOGIA B4 ENFERMAGEM B4 SAÚDE COLETIVA B5 FILOSOFIA/TEOLOGIA:subcomissão FILOSOFIA B5 SOCIOLOGIA B5 LETRAS / LINGUÍSTICA B5 BIODIVERSIDADE B5 EDUCAÇÃO FÍSICA B5 MEDICINA I C CIÊNCIA DA COMPUTAÇÃO
Equipe Editorial Editores Científicos Gildenir Carolino Santos, Universidade Estadual de Campinas, Brasil Regina Maria de Souza, Universidade Estadual de Campinas, Brasil Editora Técnica Rosemary Passos, Universidade Estadual de Campinas, Brasil Comitê Editorial Consultivo André Luiz Paulilo, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Brasil Antonio Carlos Amorim, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Brasil Dirce Djanira Pacheco e Zan, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Brasil Evaldo Piolli, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Brasil Heloisa Andreia de Matos Lins, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Brasil Sérgio Ferreira do Amaral, Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação, Brasil Conselho Editorial Nacional Ana Maria Falcão de Aragão, Universidade Estadual de Campinas, Brasil Alfredo Veiga-Neto, Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Porto Alegre, RS, Brasil) Ana Beatriz Sousa Gomes, Universidade Federal do Piauí (Teresina, PI, Brasil) Carlos Roberto Jamil Cury, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (Belo Horizonte, MG) César Augusto Castro, Universidade Federal do Maranhão (São Luís, MA - Região Norte), Brasil Diomar das Graças Motta, Universidade Federal do Maranhão (São Luís, MA, Brasil) Hilda Gomes Dutra Magalhães, Universidade Federal do Tocantins (Palmas, TO, Brasil) Leilah Santiago Bufrem, Universidade Federal do Paraná (Curitiba, PR, Brasil) Márcia dos Santos Ferreira, Universidade Federal de Mato Grosso (Cuiabá, MT, Brasil) Marcos Antonio da Silva, Universidade Federal de Sergipe (Aracajú, SE, Brasil) Miguel Ángel Márdero Arellano, Instituto Bras. Inform. Ciência e Tecnologia (Brasília, DF, Brasil), Brasil Regina Célia Baptista Belluzzo, Universidade Estadual Paulista (Bauru, SP, Brasil) Solange Puntel Mostafa, Universidade de São Paulo (Ribeirão Preto, SP, Brasil) Stella Maris Bortoni-Ricardo, Universidade de Brasília (Brasília, DF, Brasil) Walter Omar Kohan, Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Rio de Janeiro, RJ, Brasil) Conselho Editorial Estrangeiro Angélica Maria Reis Monteiro, Instituto Piaget, Portugal António Nóvoa, Universidade de Lisboa (Porto, Portugal) Aristeo Santos Lopez, Universidad Autónoma Estado del México (Ciudad de México, México) Estela Marta Miranda, Universidad Nacional de Córdoba (Córdoba, Argentina) Fernando Cabral Pinto, Instituto Piaget, Portugal José Alberto Lencastre, Universidade do Minho, Insituto de Educação, Portugal Luis Ernesto Behares, Universidad de la República (Montevideo, Uruguay) Michel J. Menou Menou, Pesquisador Independente (Paris, França) Richard P. West, Utah State University, Estados Unidos da América do Norte
Expediente/Staff Universidade Estadual de Campinas Reitor José Tadeu Jorge Faculdade de Educação Diretor Luiz Carlos de Freitas Diretora-Associada Ana Luiza Bustamante Smolka Editores Científicos Gildenir Carolino Santos Regina Maria de Souza Editora Técnica Rosemary Passos Revisão textual Leda Farah / Margarida Gouvea Assessoria na Tradução dos Abstracts e Títulos Célia Maria Ribeiro Criação Logotipo Fernando Gracioli
SUMÁRIO / CONTENIDO v. 15, n. 2 (2013) Número Temático: "Formação e novos saberes aplicados à educação" Editorial Editorial Gildenir Carolino Santos, Rosemary Passos
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Artigos Infância e tecnologia: aproximações e diálogos Marcele Homrich Ravasio, Ana Paulo de Oliveira Fuhr
Novas práticas de leitura: implicações no comportamento do aluno-leitor Léa Anny de Oliveira Moraes, Adriana Pastorello Buim Arena
Dialogicidade e a formação de educadores na EJA: as contribuições de Paulo Freire Leôncio José Gomes Soares, Ana Paula Ferreira Pedroso
A formação do professor no contexto das tecnologias do entretenimento Eucidio Pimenta Arruda
Letras negras, páginas brancas: as imagens do negro entre a historiografia e o ensino de história (Brasil, segunda metade do século XX) Renilson Rosa Ribeiro
Aroldo de Azevedo e Hermano Justo Ramón: suas contribuições para o ensino de geografia Daniel Mendes Gomes, Maria Alejandra Taborda Caró
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281-299
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Elementos para reflexões sobre educação, comunicação e tecnologia: nada é tão novo sobre redes, linguagem e aprendizagem Cláudio Márcio Magalhães, Daniel Mill
Espaço de Convivência Digital virtual (ECODI): o acoplamento estrutural no processo de interação Luciana Backes
Relato de Experiência Análise de projeto pedagógico em narrativas de autoavaliação Marie Jane Soares Carvalho, Eliana Rella
320-336
PDF 337-355
PDF 356-375
Pesquisa Permanências e distanciamentos da formação inicial nas primeiras práticas docentes relacionadas à matemática Maria Auxiliadora Bueno Andrade Megid
PDF 376-394
SABERES E PRÁCTICAS ESCOLARES Vanesa Mariángeles Gregorini
PDF 395-399
Resenha de livros
EDITORIAL
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Prezados Leitores,
Iniciamos este editorial com uma notícia que há muito esperávamos: a nossa Revista ETD – Educação Temática Digital alcançou a estratificação A1 do Qualis/Capes Periódicos. Isso quer dizer que atingimos o índice de classificação da qualidade da produção intelectual e científica dos programas de pós-graduação. Esse feito é motivo de grande satisfação e, principalmente, de agradecimento a todos os envolvidos no processo de construção deste periódico, que depositaram confiança no trabalho, e ao cumprimento da missão da Revista “que se dedica à publicação de artigos da comunidade científica nacional e internacional, que investiguem questões de interesse do campo educacional e áreas afins, tendo como objetivo a contribuição para a formação do pesquisador da área de Educação por meio da divulgação e disseminação de pesquisas e estudos realizados por educadores, vinculados a instituições nacionais e estrangeiras”. Todos estão de parabéns (equipe editorial, pareceristas, revisores, técnicos, entre outros), mas o nosso agradecimento especial é para você leitor, é para você colaborador da revista, você que lê, você que submete artigos, você que confia no nosso trabalho, você que movimenta a informação no contexto educacional, você que nos acompanha desde o início, é para você nosso “Muito obrigada”. O ciclo do conhecimento é feito de trocas e vivências, e isso acontece a cada número publicado pela ETD. E o que nos faz mais gratos ainda é saber que continuaremos contando com a colaboração e empenho de todos vocês, em busca de novas conquistas e possibilidades, nos tornando um canal de informação cada vez mais confiável e de qualidade. Este número da ETD traz para o leitor oito trabalhos na seção Artigos, um Relato de Experiência, uma Pesquisa e uma Resenha de origem argentina, descritos a seguir: Entre os oito artigos, temos a contribuição de Marcele Homrich Ravasio (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) com o artigo “Infância e tecnologia: aproximações e diálogos”, em que a autora destaca críticas ao excesso da tecnologia na infância. O estudo dedica-se a um resgate histórico da infância e aborda discussões referentes às concepções de infância do século XXI, com foco nos apontamentos positivos e negativos da tecnologia.
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As autoras da Universidade Federal de Uberlândia, Léa Anny de Oliveira Moraes e Adriana Pastorello Buim Arena, escreveram sobre “Novas práticas de leitura: implicações no comportamento do aluno-leitor”. O artigo tem como objetivo analisar práticas de leitura atuais em ambientes digitais e refletir sobre suas implicações no comportamento do leitor. Os resultados da amostra coletada demonstram que a leitura digital abala os modos de ler em qualquer suporte e, por isso, pode ser entendida como uma ferramenta que promove a superação dos limites do homem na área da leitura. Com a “Dialogicidade e a formação de educadores na EJA: as contribuições de Paulo Freire”, Leôncio José Gomes Soares e Ana Paula Ferreira Pedroso (Universidade Federal de Minas Gerais) fazem algumas reflexões acerca das especificidades inerentes ao campo da Educação de Jovens e Adultos com o objetivo de demarcar essa modalidade educativa, abordando a problemática da formação de seus educadores e explicitando seus principais desafios. Eucidio Pimenta Arruda, da Universidade Federal de Minas Gerais, em seu artigo intitulado “A formação do professor no contexto das tecnologias do entretenimento” discute e problematiza a formação dos professores no contexto das tecnologias do entretenimento e das mudanças cognitivas nas formas como os jovens aprendem e ensinam, mostrando como a centralidade do lazer e do entretenimento na vida contemporânea reconfiguram as estratégias de ensino e aprendizagem escolares. “Letras negras, páginas brancas: as imagens do negro entre a historiografia e o ensino de história (Brasil, segunda metade do século XX)” é o título do artigo de Renilson Rosa Ribeiro (Universidade Federal de Mato Grosso). Nesse trabalho o autor faz uma abordagem sobre as representações do negro forjadas pelo discurso histórico a partir do diálogo com os saberes da história acadêmica e escolar no período, promovendo um debate sobre as imagens do negro nos livros didáticos de História produzidos no Brasil na segunda metade do século XX, remetendo-nos à análise das principais interpretações historiográficas desenvolvidas sobre a escravidão no mesmo período. O resultado de uma comparação entre dois grandes autores de livros didáticos de Geografia resultou no artigo que leva o título de “Aroldo de Azevedo e Hermano Justo Ramón: suas contribuições para o ensino de geografia”, de autoria de Daniel Mendes Gomes (Pontifícia Universidade de São Paulo) e María Alejandra Taborda Caró (Universidad Pedagógica Nacional − Colômbia). O texto deles nos permite conhecer a vasta produção © ETD – Educ. temat. digit.
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didática dos autores em seus respectivos países. Pelo estudo apresentado é possível acompanhar as mudanças no campo educacional (reformas curriculares; mudanças no público escolar; modificações no mercado editorial), que acarretaram a saída desses autores do mercado da produção de livros didáticos no início da década de 1970. Cláudio Márcio Magalhães (Centro Universitário UMA) e Daniel Mill (Universidade Federal de São Carlos) escreveram o trabalho “Elementos para reflexões sobre educação, comunicação e tecnologia: nada é tão novo sobre redes, linguagem e aprendizagem”, em que discorrem sobre comunicação-educação, observando as suas implicações mais evidentes no desenvolvimento e na crítica das TICs e vice-versa, com o objetivo de demonstrar que a visão deturpada, preconceituosa e factual da comunicação e da sua mediação tecnológica pode prejudicar posturas mais construtivas e maduras dos educadores que desejam explorar a relação comunicação-tecnologia-educação em benefício do ensino-aprendizagem de modo mais efetivo. No último artigo Luciana Backes, do Centro Universitário La Salle, trata da formação do professor durante o fluxo de interações entre os seres humanos em congruência com o meio (constituído no ECODI). Na perspectiva da autora, o processo de ensino-aprendizagem considera: a ontogenia dos seres humanos, a dinâmica de relações nos sistemas sociais, a congruência entre seres humanos e tecnologias digitais (TD), a prática pedagógica utilizada na docência e a mediação pedagógica estabelecida no processo. Na seção Relato de Experiência, contamos com a colaboração de Marie Jane Soares Carvalho, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, que realizou uma análise dos alcances e limitações do projeto pedagógico de um curso de Pedagogia na modalidade a distância. Com o título de “Análise de projeto pedagógico em narrativas de autoavaliação”, as autoras apresentaram um diagnóstico considerando a qualidade e a eficácia das narrativas sobre as aprendizagens. Para responder a questão sobre as relevâncias atribuídas na autoavaliação, a amostragem foi feita a partir de portfólios do último ano do curso. Na seção Pesquisa, o trabalho de Maria Auxiliadora Bueno Andrade Megid (PUCCampinas) intitulado “Permanências e distanciamentos da formação inicial nas primeiras práticas docentes relacionadas à matemática”, analisa as contribuições que a cooperação, num contexto de práticas reflexivas e investigativas relacionadas à matemática, pode trazer ao processo de constituição de professores dos primeiros anos do Ensino Fundamental em suas experiências docentes iniciais. O texto baseia-se nos estudos de Cochran-Smith e Lytle © ETD – Educ. temat. digit.
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(1999), Marcelo (1998) e Schön (1992) relacionados à formação de professores. As análises apontaram que o trabalho solitário interfere nas ações docentes e que a inserção em grupos colaborativos, bem como as reflexões sobre as práticas, além de proporcionar a segurança docente, possibilita a teorização da prática. Finalizamos este número da ETD com a resenha de Vanesa Mariángeles Gregorini (Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires) do livro “ FINOCCHIO, Silvia; ROMERO, Nancy (Comp.) Saberes y prácticas escolares. Rosario: Homo Sapiens Ediciones, 2011. 200 p. (Pensar la educación. FLACSO. Área educación). ISBN 9789508086525”. Esse livro é composto por sete trabalhos que dialogam sobre as reflexões que surgiram em torno do currículo de graduação e práticas escolares no contexto da FLACSO-Argentina. O livro relata o desempenho de professores e pesquisadores da área na troca de conhecimentos e experiências, fazendo com que os autores do livro e uma equipe de profissionais se preocupem com a função que limita o potencial da escola no contexto sociocultural contemporâneo. Com a exposição desse panorama da ETD, com assuntos diversos que congregam interesses múltiplos, esperamos aumentar o número de leitores que nos prestigiam, trazendo temas que atendam à sua demanda de pesquisa. Boa leitura, bom trabalho, ótima pesquisa!!! Até o próximo número. Gildenir Carolino Santos Rosemary Passos Editores ETD – Educação Temática Digital Agosto 2013
Como citar este editorial: SANTOS, Gildenir Carolino; PASSOS, Rosemary. Editorial. ETD - Educação Temática Digital, Campinas, SP, v. 15, n. 2, maio/ago. 2013. ISSN 1676-2592. Disponível em: <http://www.fae.unicamp. br/revista/index.php/etd/article/view/5370>. Acesso em: 29 Aug. 2013.
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INFÂNCIA E TECNOLOGIA: APROXIMAÇÕES E DIÁLOGOS CHILDHOOD AND TECHNOLOGY: APPROACHES AND DIALOGS INFANCIA Y TECNOLOGÍA: ENFOQUES Y DIÁLOGO Marcele Homrich Ravasio1 Ana Paula de Oliveira Fuhr2 RESUMO: Frente às críticas ao excesso de tecnologia na infância, o presente estudo tomou como ponto de partida a seguinte pergunta: quais as influências da tecnologia sobre a infância no século XXI? Este estudo de cunho monográfico utilizou-se de pesquisa bibliográfica, na qual se optou por apresentar como embasamento teórico ideias e conceitos de autores como Ariès (1981), Boto (2002), Postman (1999), Dornelles (2005), Levin (2007) e Moita (2007). O primeiro momento do trabalho dedicou-se a um resgate histórico da infância, e, em seguida, abordaram-se as discussões referentes às concepções de infância do século XXI. Para finalizar, tratouse de apontamentos positivos e negativos da tecnologia em sua relação com a infância. PALAVRAS-CHAVE: Infância. Tecnologia. Jogos. ABSTRACT: Following criticism towards technology in childhood, the present study focused on the following question: What are influences of technology on children in the twenty-first century? This monographic study used bibliographic research, where it was chosen to present as theoretical basis and concepts of authors such as Ariès (1981), Boto (2002), Postman (1999), Dornelles (2005), Levin (2007) and Moita (2007). The first part of the work based on a historical rescue of childhood and, soon after that, discussions about the childhood conceptions in the twenty-first century were approached. All in all, positive and negative notes on technology were covered in relation to childhood. KEYWORDS: Childhood. Technology. Games. RESUMEN: Frente a las críticas sobre la tecnología en la infancia, este estudio tuvo como punto de partida la siguiente pregunta: ¿cuáles son las influencias de la tecnología en la infancia del siglo XXI? En este estudio monográfico realizado una búsqueda en la literatura, en la que eligió para presentar como conceptos teóricos y las ideas de autores como Ariès (1981), Boto (2002), Postman (1999), Dornelles (2005), Levin (2007) y Moita (2007). La primera parte del estudio se dedica a una infancia histórica, y a continuación abordó las discusiones sobre concepciones de infancia en el siglo XXI. Finalmente, fue de notas positivas y negativas de la tecnología en su relación con la infancia. PALABRAS CLAVE: Infancia. Tecnología. Juegos.
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Psicóloga. Mestre em Educação pela Unisinos, Doutoranda em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Atualmente é docente do Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo – IESA/CNEC. Santo Ângelo – RS – Brasil – E-mail: celehomrich@ibest.com.br 2 Graduada em Pedagogia pelo Instituto Cenecista de Ensino Superior de Santo Ângelo. Santo Ângelo – RS – Brasil Recebido em: 11/04/2012 - Aprovado em: 01/03/2013
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1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS O presente texto partiu do seguinte problema: quais as influências da tecnologia sobre a infância no século XXI? A discussão que se apresenta tem como objetivo evidenciar a construção de concepções de infância no decorrer da história, bem como a construção da infância cyber (DORNELLES, 2005) e a infância virtual (LEVIN, 2007) no século XXI, sendo estas consideradas efeitos das tecnologias na infância. A fim de contemplar o objetivo proposto, utilizou-se a pesquisa bibliográfica por esta apresentar, por meio de pressupostos teóricos, informações para a compreensão e o aprofundamento da temática. Enfatizam-se ideias e conceitos de autores como Ariès (1981), Boto (2002), Postman (1999), Dornelles (2005), Levin (2007) e Moita (2007), entre outros. O estudo organizou-se em três eixos, sendo que o primeiro dedicou-se a um resgate histórico da infância e no segundo eixo abordaram-se as discussões referentes às concepções de infância no século XXI. Para finalizar, tratou-se de apontamentos positivos e negativos da tecnologia em sua relação com a infância nos dias de hoje.
2 INFÂNCIA: BREVE RESGATE HISTÓRICO O eixo inicial deste estudo focalizou o resgate histórico da infância. A respeito, buscou-se compreender as principais concepções dela, bem como o processo pelo qual ela passou, desde a sua “inexistência” até o momento em que ela se tornou um sentimento. Com o surgimento do sentimento de infância, as crianças passam a ocupar um espaço de destaque perante a sociedade. Posteriormente, no decorrer dos séculos, ao chegar na modernidade, surge a tese sobre o possível “desaparecimento da infância” (POSTMAN, 1999), não havendo novamente diferenciação entre a infância e a fase adulta. Tais concepções foram se desenvolvendo juntamente com o desenvolvimento social. A cada período da sociedade, desenvolvia-se uma concepção de infância, acompanhada pelo desenvolvimento da ciência, assim como da economia e política. O estudo deste processo de desenvolvimento possibilitou refletir sobre o modo como a criança era vista no passado e de como ela é vista atualmente. Segundo Ariès (1981), na idade antiga o sentimento pela infância inexistia, com o passar do tempo surgiu uma percepção sobre a criança, nomeada de “paparicação”, em que
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era vista como um animalzinho cuja tarefa era distrair os adultos. Posteriormente, esse sentimento foi substituído pelo de exasperação, ou seja, os adultos passaram a se irritar com a presença das crianças, achando insuportável a presença delas em determinados espaços. Durante a Idade Média, houve várias invenções tecnológicas, mas nenhuma que mudasse a concepção ou o ritmo de vida dos adultos. No entanto, por volta do século XV, surgiu uma invenção que mudaria completamente as concepções da vida adulta: a prensa tipográfica. Segundo Postman (1999), com a criação dela desenvolveu-se uma divisão da sociedade em dois mundos: o dos que sabiam ler e o dos que não sabiam ler. Os adultos faziam parte do mundo dos que sabiam ler; as crianças por sua vez, faziam parte do mundo dos que não o sabiam. Posteriormente a essa separação, reconheceu-se que existia uma classe diferente da dos adultos, a qual foi chamada de infância. Após o surgimento da infância, desencadeou-se uma necessidade de haver separação entre adultos e crianças, pois havia a preocupação em manter a pureza original do infante. Com isso, a criança devia frequentar espaços, ter vestimentas, brincadeiras próprias à sua idade, desencadeando, assim, a necessidade de se criar os colégios. Assim como as crianças passaram a ocupar um espaço na sociedade, os adultos passaram a exercer os seus papéis de pais, possuindo responsabilidades pela formação e preparação da criança para o mundo simbólico adulto. De acordo com a tese de Postman (1999), a infância passou a existir a partir de uma revolução tecnológica, desenvolvendo assim, a formação de uma classe de pessoas diferentes da dos adultos. Surge, com isso, a necessidade de ensinar as crianças a aprender a ler e, dessa forma, poder fazer parte do mundo dos adultos. A partir das ideias de Postman (1999), entende-se que a infância surge após uma revolução tecnológica e deixa de existir a partir de outra revolução tecnológica: a criação da televisão. Com o surgimento da televisão, a divisão, a separação, a diferenciação intelectual entre adultos e crianças deixou de existir. Crianças e adultos assistem aos mesmos programas. Em consequência, os adultos deixam de ocupar um lugar de destaque na sociedade por possuírem mais conhecimento que as crianças. Dessa forma, a diferença é eliminada, pois para assistir à televisão, as crianças não precisavam frequentar a escola. Diferentemente dos livros que possuíam uma adequação a cada idade, a televisão poderia ser visualizada e compreendida por qualquer criança ou adulto.
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Portanto, a infância percorreu diferentes concepções, que foram surgindo no decorrer da História, tais como: adulto em miniatura e o sentimento de paparicação, logo substituído pelo sentimento de exasperação (ARIÈS, 1981). As produções tecnológicas podem ser consideradas eixos de alterações nos conceitos de infância. Postman (1999) considera duas tecnologias de fundamental importância: a prensa tipográfica e a televisão. A primeira produz a separação do mundo do adulto do mundo da criança; a segunda origina uma “igualação” entre adultos e crianças, e que pode ser entendido como um possível desaparecimento da infância.
3 A INFÂNCIA NA ATUALIDADE E A TECNOLOGIA Após o surgimento da televisão, a família deixou de ser o principal meio de transmissão geracional; esse papel também passou a ser desempenhado pelos meios de comunicação (LEVIN, 2007). Os brinquedos e as brincadeiras também foram se modificando e sendo substituídos por brinquedos de plástico de tecnologias e formatos dos mais variados . As crianças, por vez, passam a ser vistas como sujeitos de direitos e deveres, com um lugar na sociedade, podendo falar dos seus desejos, frustrações, medos e opiniões, influenciando assim nas decisões da família. As crianças, atualmente, estão imersas em uma sociedade que cada vez mais disponibiliza produtos eletrônicos destinados a elas. Nesse contexto, a televisão passou a ter maior influência no mundo infantil, não apenas como forma de entretenimento, mas como principal meio publicitário de veiculação desses lançamentos, sendo eles dos mais variados produtos destinados ao mundo infantil. Os brinquedos foram sendo aperfeiçoados, transformando a condução da brincadeira, pois não são mais as crianças que dirigem a brincadeira, mas o brinquedo. É ele que dita os comandos e a criança os executa. Sendo assim, essa fase da criança da contemporaneidade foi conceituada por Levin (2007) como Infância Virtual. Da mesma forma, com a evolução dos brinquedos, surgem os videogames, juntamente com uma variedade de modelos e jogos. As crianças são atraídas em virtude dos “poderes” por eles apresentados. Por meio desse instrumento, elas encenam, transformam-se nos personagens do jogo, acreditando que podem fazer o que quiserem com o aparelho. No entanto, a brincadeira está determinada eletronicamente do início ao fim. Nesses termos,
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acriança se apega à tela e cria uma realidade virtual, assim deixando de lado os brinquedos, substituindo-os pelos computadores. É relevante ressaltar que a tela influencia diretamente no desenvolvimento da personalidade infantil. Segundo Levin (2007), a imagem, a tela, aprisionam a criança e interferem diretamente na sua experiência infantil. Conforme o autor, a imagem provoca nas crianças uma determinada passividade corporal e também uma quebra no imaginário infantil. As imagens digitais são tantas que as crianças ficam inseridas diretamente nelas, provocando, desse modo, um enclausuramento no imaginário. Esse enclausuramento, por sua vez, provoca uma alienação nas crianças, uma vez que não conseguem diferenciar o real do virtual. Outra concepção de infância da contemporaneidade foi nomeada por Dornelles (2005) de cyber-infância. Essa infância é afetada pelas novas tecnologias e espaços e, em vista disso, desenvolve nos adultos um determinado sentimento de medo por não possuírem um ou conhecimento suficiente para controlá–las. Pensar acerca da cyber-infância é pensar problematizando os efeitos dos fenômenos intelectuais e culturais que afetam as infâncias atuais. Pensar sobre estas infâncias é pensar diferente do que pensava antes. Pensar a infância naquilo que ela nos incita, nos perturba, nos marca, nos atormenta, nos cativa (DORNELLES, 2005, p.79).
Nessa infância, há um novo espaço para as crianças. Sobre esse aspecto Dornelles salienta que: Na atualidade, novos espaços se apresentam ou são reconfigurados para que as crianças vivam o seu dia a dia. Outros, como os seus quartos, se mostram diferentes dos antigos quartos que apenas buscavam impedir a criança do acesso à sexualidade paterna. […] Agora o quarto dos infantis se transforma em uma sala informatizada, um quarto/lan house globalizado e cheio de argúcia do mundo via Internet ou televisão a cabo […] Estes espaços que configuram a infância contemporânea, visto que “a construção de espaço é eminentemente social e se entrelaça com o tempo de forma indissolúvel, congregando simultaneamente diferentes influências mediatas e imediatas, advindas da cultura e do meio onde estão inseridos seus autores” (HORN apud DORNELLES, 2001, p. 79 e 80).
Conforme Dornelles, a concepção de infância cyber faz “parte das pedagogias culturais que concorrem para engendrar as crianças numa variedade de espaços sociais, incluindo e não se limitando ao espaço escolar” (DORNELLES, 2001, p. 81). Os sujeitos dessa cyber-infância são seres que ainda escapam de explicações !!! Pouco ou quase nada se conhece sobre eles, formando assim um sentimento de desconforto nos
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adultos, em virtude de eles não serem mais os donos do saber e apenas possuírem alguns conhecimentos reservados a eles que, anteriormente, eram considerados seres superiores. No entanto, pode-se entender que na infância cyber, tanto as crianças como os adultos possuem conhecimentos, apesar de serem embora distintos. Em virtude disso, desenvolve-se nos adultos um desconforto por não dominarem ou possuírem determinada ciência. Muitas vezes, isso se faz notório na dificuldade de os adultos para conseguirem sobrepujar em certas áreas, habilidades e informações em que as crianças são peritas, tais como os jogos eletrônicos e virtuais. Com base nessa discussão, pode-se afirmar que a partir da infância cyber e da infância virtual nos deparamos com crianças muito menos passivas, dependentes e sujeitas à autoridade dos adultos. Nesse contexto, deixam de ser os únicos detentores do saber, pois as crianças começam a ter acesso e conhecimento a determinadas informações, anteriormente destinadas e reservadas apenas aos adultos.
4 INFÂNCIA E TECNOLOGIA: ARTICULANDO OS EIXOS O avanço e o acesso da população às tecnologias transformou o contexto social e cultural, pois as crianças e os adolescentes passaram a se relacionar ativamente com as mídias digitais. Segundo Rosado (2006, p. 03), “este rápido processo é refletido na forma como o público infantojuvenil aprende a comunicar-se, e a praticar uma atividade imprescindível na infância e na adolescência: o jogar. Bolas, bonecas hoje disputam lado a lado com os jogos eletrônicos”. Em vista disso, esse tema vem sendo estudado por diferentes pesquisadores que apresentam as suas concepções com relação ao assunto, bem como os malefícios e os benefícios do uso dos videogames. Os games encantam, fascinam e seduzem cada vez mais crianças e jovens, levando-os a se fixarem por mais tempo na atividade. Segundo Moita (2007), por volta do ano de 2009, as pesquisas referentes ao tema “games”, na educação, aumentaram. Atualmente, há associações3 que desenvolvem pesquisas 3
Escola de Comunicação da UFRJ, Escola de Comunicação e Artes da USP, Instituto de Artes e Comunicação Social da UFF, Programa de Pós-Graduação em Educação da UFRGS, Núcleo de Comunicação e Educação da USP, Departamento de Ciências da Computação da PUC/RJ e PUC/SP, Universidade Anhembi Morumbi-SP, Departamento de Ciências da Computação da Unisinos, Departamento de Educação da UNEB, e Faculdade de Ciências e Tecnologia – FTC, entre outros. De uma maneira geral, as pesquisas vêm indicando, de forma cada vez mais contundente, que não é possível compreender a dinâmica de funcionamento de sociedades audiovisuais
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que são discutidas em eventos e resultam em vasta produção acadêmica sobre o assunto. No entanto, ainda são poucas as pesquisas que se dedicam exclusivamente ou detidamente à análise dos jogos eletrônicos. Tais estudos requerem uma busca em vários campos do conhecimento, já que o estudo dos games interliga educação, comunicação, sociologia e antropologia, no enfoque da juventude. Nos contextos escolares, encontram-se muitas críticas à utilização dos games e da televisão pelas crianças, por neles estarem inseridas, muitas vezes, cenas de violência intensa. Supostamente, o uso excessivo desses meios tecnológicos prejudica o desenvolvimento emocional, cognitivo e físico das crianças. Outros elementos ainda são apontados como negativos: a ausência da interação social, o desenvolvimento da violência, a formação da personalidade com base nos personagens estereotipados dos jogos e até os possíveis problemas de saúde. De acordo com Moreira, muitos adolescentes tornam-se viciados em internet e nos jogos eletrônicos, devido a fatores como: “a sequência frenética de imagens, a sensação de desafio e ‘perigo’, os movimentos rápidos e coordenados, concentração total e gratificação instantânea” (2003, p.121). No entanto, de acordo com Gros (1998 apud MOITA, 2007), existem pontos positivos para o uso do videogame, pois possibilita ao sujeito o desenvolvimento das capacidades de retenção da informação, estimula a criatividade, requer o planejamento de situações, a formulação de hipóteses, a experimentação, obriga a tomada de decisões e consequente confirmação ou invalidação das hipóteses colocadas à medida que o jogo se desenrola. Facilita, assim, o desenvolvimento das capacidades de resolução de problemas. Desse modo, a aquisição do sentido do jogo poderá facilitar ao sujeito a capacidade de enfrentar as tarefas do cotidiano (GROS, 1998 apud MOITA, 2007, p. 40). Outro aspecto que também se desenvolve a partir da utilização do videogame é o exercício psicomotor. Eles proporcionam um melhor desenvolvimento da coordenação viso motora, da organização espacial, da visão estratégica, bem como o desenvolvimento de conflitos acerca da lateralidade. Segundo Alves (2005), “os games podem funcionar como espaços de elaboração de conflitos, medos, angústias, sociabilidade, prazer e aprendizagem. Dessa forma, os jogos sem analisar o papel desempenhado pela relação que os diferentes grupos e atores sociais estabelecem com a atmosfera cultural em que estão imersos, sobretudo, com a produção veiculada maciçamente em imagem-som dos games (MOITA, 2007, p. 36).
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eletrônicos e as LAN Houses funcionariam como simuladores da vida real” (apud MOITA, 2007, p. 51). Ao jogar, a criança tem a oportunidade de colocar em prática as suas estratégias elaboradas e sofrer com as possíveis consequências ou comemorar pela escolha. Com isso, aprende e tem a oportunidade de superar seus medos e angústias. Com a evolução tecnológica digital, desenvolve-se uma nova geração de crianças e jovens acostumados a fazer diversas coisas ao mesmo tempo. Segundo Moran (2008) “as redes digitais possibilitam organizar o ensino e a aprendizagem de forma mais ativa, dinâmica e variada, privilegiando a pesquisa, a interação e a personalização em múltiplos espaços e tempos presenciais e virtuais” (apud CHAVES; BARROS, 2010, p. 1). Além disso, o sujeito torna-se ativo no seu processo de aprendizagem, pois para desenvolver determinado jogo, precisa pesquisar estratégias, muitas vezes utilizar sites tradutores para compreender a informação obtida, interagir com diferentes sujeitos que estão jogando ao mesmo tempo, em diferentes espaços, seja em LAN House ou do outro lado da tela, virtualmente. Dessa forma, o sujeito compartilha suas experiências, conhecimentos, estratégias. Desenvolve-se como sujeito autônomo na sua própria aprendizagem. Nesse sentido, os games permitem aos jogadores uma construção de conhecimento, em que eles próprios são os responsáveis pela sua aprendizagem, pois vai depender do interesse de cada um a elaboração prévia de estratégias, e, depois, a reflexão sobre elas, a fim de verificarem seus acertos e erros e elaborarem um novo plano de ação. Assim sendo, constata-se que atualmente temos uma nova forma de alfabetização, pois as crianças têm acesso a diferentes meios tecnológicos. Elas chegam à escola com uma bagagem cultural bem diversificada. Pode-se afirmar que o acesso aos diferentes meios tecnológicos como a internet, games, entre outros, contribui para o desenvolvimento do sujeito. Os espaços de aprendizagem não se limitam mais ao espaço escolar. A criança também aprende no contato com os mais diferentes contextos sociais. Esse contato com os artefatos culturais possibilita aos sujeitos a construção de diversas habilidades, bem como o desenvolvimento e a construção da sua própria aprendizagem. Portanto, conclui-se que as formas de ver a relação da infância com a tecnologia são múltiplas, não havendo mais lugar para reducionismos. As pesquisas têm apontando para fatores negativos e positivos da tecnologia, sendo possível ao espaço escolar refletir sobre os
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pensamentos fechados acerca dos interesses das crianças. É fundamental que os games, computadores, MP3, 4, 5, 6 etc., máquinas digitais e outros meios tecnológicos ganhem espaço no contexto escolar, de forma que a escola não fique impermeável às transformações sociais e culturais decorrentes dos avanços tecnológicos. Por conseguinte, não cabe apenas apontar aspectos negativos, mas refletir, criticar e também apropriar-se de possibilidades entre a tecnologia, a infância e a escola que favoreçam o desenvolvimento de diferentes habilidades em crianças e jovens. Sendo assim, é fato que as evoluções tecnológicas foram modificando o contexto social e cultural, com isso desenvolvendo uma nova geração de crianças e jovens.
REFERÊNCIAS ALVES, Lynn. Jogos eletrônicos e screenagens: possibilidades de desenvolvimento e aprendizagem. 2005. Disponível em: <http://www.comunidadesvirtuais.pro.br/novastrilhas/programa.htm>. Acesso em: 1º nov. 2010. ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Trad. Dora Flaksman. Rio de Janeiro: LTC, 1981. BOTO, Carlota. O desencantamento da criança: entre a renascença e o século das luzes. In: FREITAS, Marcos C. de; KUHLMANN, Moysés. (Org.). Os intelectuais na história da infância. São Paulo: Cortez, 2002. CHAVES, Heloísa Nascimento Chaves. BARROS, Daniela Melaré Vieira. Ambientes digitais interativos e o potencial pedagógico. Disponível em: <http://www.comunidadesvirtuais.pro.br/seminario4/programacao.htm>. Acesso em: 1º nov. 2010. DORNELLES, Leni Vieira. Infâncias que nos escapam: da criança na rua à criança cyber. Petrópolis, RJ: Vozes, 2005. LEVIN, Esteban. Rumo a uma infância virtual?: a imagem corporal sem corpo. Trad. Ricardo Rosenbush. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007. MOITA, Filomena. Game on: jogos eletrônicos na escola e na vida da geração @. Campinas, SP: editora Alínea, 2007. MOREIRA, Alberto da Silva. Cultura midiática e educação infantil. 2003. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br> Acesso em: 30 out. 2010. POSTMAN, Neil. O desaparecimento da infância. Rio de Janeiro: Graphia, 1999.
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ROSADO, Janaína dos Reis. História do jogo e o game na aprendizagem. 2006. Disponível em: <http://www.comunidadesvirtuais.pro.br/seminario2/chamada.htm>. Acesso em: 01 nov. 2010.
Como citar este texto: RAVASIO, Marcele Homrich; FUHR, Ana Paula de Oliveira. Infância e tecnologia: aproximações e diálogos. ETD - Educação Temática Digital, Campinas, SP, v. 15, n. 2, p. 220-229, maio/ago. 2013. ISSN 1676-2592. Disponível em: <http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/etd/article/view/3035>. Acesso em: 28 ago. 2013.
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PERMANÊNCIAS E DISTANCIAMENTOS DA FORMAÇÃO INICIAL NAS PRIMEIRAS PRÁTICAS DOCENTES RELACIONADAS À MATEMÁTICA PERMANENCIES AND DISTANCES OF INITIAL EDUCATION IN THE FIRST TEACHING PRACTICES RELATED TO MATHEMATICS PERMANENCIAS Y DISTANCIAMIENTOS DE LA FORMACIÓN INICIAL EN LAS PRIMERAS PRÁCTICAS DOCENTES RELACIONADAS A MATEMÁTICA Maria Auxiliadora Bueno Andrade Megid1 RESUMO: As primeiras experiências de professores do Ensino Fundamental após a formação inicial são comumente acompanhadas de inseguranças e embates relacionados às pressões estabelecidas nas escolas. O trabalho solitário e sem estímulos dos pares repercute em dificuldades para os professores iniciantes. Esta pesquisa analisa as contribuições que a cooperação, num contexto de práticas reflexivas e investigativas relacionadas à matemática podem trazer ao processo de constituição de professores dos primeiros anos do Ensino Fundamental em suas experiências docentes iniciais. O grupo colaborativo foi constituído pela pesquisadora e duas professoras: Mel, que exercia suas primeiras práticas docentes e Ana, que embora recémformada, era professora há dez anos, uma vez que havia cursado o Magistério de 2º grau que a habilitava a lecionar para os anos iniciais. Tomamos por base os estudos de Cochran-Smith e Lytle (1999), Marcelo (1998) e Schön (1992) relacionados à formação de professores. As análises apontam que o trabalho solitário interfere nas ações docentes e que a inserção em grupos colaborativos e as reflexões sobre as práticas, além de proporcionar a segurança docente, possibilita a teorização da prática. PALAVRAS-CHAVE: Formação de professores. Anos iniciais. Ensino de matemática.
ABSTRACT: The Elementary School teachers’ first experiences after initial education are commonly followed by insecurity and by debates regarding the pressure established in the schools. The lonely and stimulusless work of the pairs causes difficulties to the teachers who are just starting. This research analyses the contributions that cooperation can bring to the Elementary School’s first years teachers’ building process in their initial teaching experiences in a context of reflexive and investigative practices related to Mathematics. The collaborating group was made up by the researcher and two teachers: Mel, who was experiencing her first teaching practices, and Ana, who, although she was newly graduated, has been a teacher for ten years, due to a High School teaching profession course, which enabled her to teach the first years. Cochran-Smith and Lytle (1999), Marcelo (1998), and Schön (1992) studies related to teachers’ education were taken as the basis for this research. The analysis states that the lonely work interferes on the teaching practices and that the insertion in collaborative groups and the reflections on the practices, besides providing the teacher with security, enables the theorization of the practice. KEYWORDS: Teacher education. Elementary school. Mathematics teaching.
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Pedagoga. Doutora em Educação pela UNICAMP, docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da PUCCAMP. Participa do Grupo de Pesquisa Formação e Trabalho Docente, vinculado à linha de pesquisa Formação de Professores e Práticas Pedagógicas. Campinas – SP – Brasil – E-mail: dmegid@puccampinas.edu.br Recebido em: 24/04/2012 – Aprovado em: 07/02/2013.
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RESUMEN: Las primeras experiencias de profesores de la educación primaria después de la formación inicial son comúnmente acompañadas de inseguridad y embates relacionados a las presiones establecidas en las escuelas. El trabajo solitario y sin estímulos de los pares repercute en dificultades para los profesores que se inician en la carrera docente. Esta investigación analiza las contribuciones que la cooperación, en un contexto de prácticas reflexivas e investigativas relacionadas a la matemática pueden traer al proceso de constitución de profesores de los primeros años de la enseñanza primaria en sus experiencias docentes iniciales. El grupo colaborativo fue constituido por la autora y dos profesoras: Mel, que realizaba sus primeras prácticas docentes y Ana, que aunque recién se había formado en la universidad, era profesora hace diez años, una vez que había tenido la formación para el magisterio durante la enseñanza secundaria, estando habilitaba para enseñar a los alumnos de los primeros años de la educación primaria. Tomamos por base los estudios de Cochran-Smith y Lytle (1999), Marcelo (1998) y Schön (1992) relacionados a la formación de profesores. Los análisis apuntan que el trabajo solitario interfiere en las acciones docentes y que el ingreso a grupos colaborativos, las reflexiones sobre las prácticas, además de proporcionar la seguridad docente, posibilita la teorización de la práctica. PALABRAS CLAVE: Formación de profesores; Años iniciales; Enseñanza de Matemática.
1 INTRODUÇÃO Esta pesquisa teve por objetivo desenvolver uma experiência investigativocolaborativa com professoras dos anos iniciais do Ensino Fundamental, no contexto do ensino da matemática, buscando averiguar os efeitos e impactos de uma proposta inovadora de uma disciplina do curso de Pedagogia sobre a prática profissional de duas professoras recém-egressas do curso. A proposta toma por pressuposto a organização de atividades de ensino de matemática planejadas pelas professoras e pela pesquisadora no contexto de um grupo de estudopesquisa-e-ação colaborativo. A partir de discussões, orientações para planejamentos, leituras de aporte teórico, problematização e análises de aula, narrativas e socializações das mesmas, o desenvolvimento do trabalho colaborativo procurou proporcionar avanços na prática docente das professoras recém-egressas do curso de Pedagogia, favorecendo a reflexão e a construção da prática docente. A pretensão com tais ações era a de que as professoras pudessem refletir sobre as práticas iniciais da docência, no sentido de (re)significar e potencializar seus saberes constituídos na graduação, bem como superar as limitações desses saberes. Buscamos refletir acerca das contribuições que a cooperação, num contexto de práticas reflexivas e investigativas, pode trazer ao processo de constituição de professores dos primeiros anos do Ensino Fundamental em suas experiências docentes iniciais. Procuramos compreender as dificuldades e conquistas das professoras em suas experiências iniciais de docência no processo de construção de práticas docentes. Também © ETD – Educ. temat. digit.
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buscamos verificar as aproximações e os distanciamentos que são encontrados entre os saberes construídos na formação inicial em Pedagogia e aqueles necessários para a prática docente, e em que medida os primeiros auxiliam na configuração dos segundos.
2 SABERES DOCENTES E DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DO PROFESSOR A partir de estudos relacionados à formação de professores em exercício é possível afirmar que o envolvimento deles, quando em fase inicial, com os aspectos referentes à docência lhes confere uma dupla compreensão: por um lado, a importância da organização de saberes teóricos aprendidos em sua formação inicial, muitas vezes ainda não consolidados, referentes aos conteúdos que irão ministrar; de outro, à forma de utilizar tais conteúdos para que seja possível e significativa a aprendizagem de seus alunos. Cochra n-Smith e Lytle (1999) indicam que a formação dos professores pode favorecer a mudança da escola, a qual é um espaço que necessita ser compreendido e colocado em debate, não sendo possível dividir o universo do conhecimento em conhecimento formal e conhecimento prático. A produção de conhecimentos deve ocorrer a partir da própria sala de aula dos professores, de investigações intencionais, considerando também teorias e materiais produzidos por outros, mas que são questionados e (re) interpretados. Em outra perspectiva, os professores na sua formação inicial muitas vezes trazem as imagens de bons professores que tiveram no passado, projetam a própria imagem como bons professores e a imagem de si mesmos como alunos. É a partir dessas imagens que buscam estabelecer uma prática docente, ora imitando, ora desprezando as experiências e gerando ações que o acompanham no percurso de professor por um tempo não tão curto (MARCELO, 1998, p.55). Distanciar-se dessas imagens, partindo das reflexões sobre as práticas da sala de aula, podem trazer contribuições para a formação dos professores. Tomamos aqui o conceito de professor como profissional reflexivo a partir de Schön (1983; 1992), segundo o qual o conhecimento profissional se desenvolve na ação. Ao se inserir na sala de aula e na diversidade complexa na qual ela se insere, o professor terá que tomar decisões numa variedade de situações problemáticas, num espaço impregnado pelas incertezas, pelas peculiaridades, pelos conflitos. Nesse ambiente se dá a construção do saber pedagógico, © ETD – Educ. temat. digit.
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partindo das reflexões na ação e sobre a ação, ou seja, durante e depois da ação, o que propicia a reconstrução dos saberes iniciais e daqueles que os professores trazem da formação nos cursos de graduação. Ocorre, assim, o que Schön (1992) designa de “conhecimento-naação”, diferente, por vezes, do conhecimento teoricamente produzido. Cochran-Smith e Lytle (1999) trazem três concepções sobre o processo de formação de professores.
Na
primeira, “conhecimento-para-a-prática”, os
pesquisadores
da
universidade produzem conhecimentos — formais e teóricos — para que os professores os utilizem com a intenção de melhorar sua prática profissional. Na segunda concepção, “conhecimento-na-prática” ou “conhecimento prático”, são os conhecimentos que os professores produzem ao refletir sobre suas práticas e, assim, formar-se em processo. A partir dessas duas concepções, os professores aprendem ao investigar aqueles conhecimentos gerados pelo trabalho de especialistas ou quando refletem sobre suas ações e seus pensamentos, quando fazem julgamentos ou interagem em sala de aula. Na última concepção, “conhecimento-da-prática”, não é possível dividir o universo do conhecimento em formal e prático, mas sim produzir conhecimentos a partir da própria sala de aula dos professores, com base em investigações intencionais, considerando também teorias e materiais produzidos por outros, mas que são questionados e (re)interpretados pelos próprios docentes. Ou seja, nessa terceira concepção os professores aprendem ao gerarem conhecimento no ambiente onde estão desenvolvendo sua prática, no local de prática. A terceira concepção de formação de professores apresentada por Cochran-Smith e Lytle (1999) orientou as práticas durante a pesquisa aqui apresentada. Os procedimentos se encaminharam para que as professoras tomassem como ponto de partida a problematização da prática vivida em suas salas de aula, na busca da construção de saberes a serem trabalhados na prática junto aos seus alunos. Também na compreensão do processo formativo dos professores, emprestamos de Tardif (2002) o conceito de “saberes profissionais” dos professores. Para esse autor, tais saberes podem ser distinguidos em temporais, plurais e heterogêneos. Designa-os assim por entender que são constituídos ao longo do tempo, desde suas histórias iniciais de vida, passando pelas experiências escolares e que vão se desenvolvendo durante a prática pedagógica. Provêm, assim, de diferentes fontes, buscando contemplar diferentes objetivos, todos a um só tempo, sempre associados aos aspectos referentes aos seus trabalhos. São esses diferentes aportes, construídos a partir de crenças e diferentes concepções e direcionados ao êxito do trabalho docente, que caracterizam a profissão do professor. © ETD – Educ. temat. digit.
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Fiorentini e Costa (2002) desenvolvem três imagens de professor em relação aos saberes da atividade profissional. A primeira delasé a de professor “prático”, por considerar a prática da sala de aula como “uma instância autossuficiente para desenvolver seu saber fazer” (p. 314) e “isolado”, por não “se abrir às inovações curriculares de seu tempo”, a partir de cursos, leituras, reflexões sobre estudos produzidos na área ou participação em congressos (FIORENTINI; COSTA, 2002, p. 314). Numa segunda imagem, os mesmos autores trazem o professor “dependente” ou “subordinado”, assim justificando sua dependência, uma vez que o “desenvolvimento profissional depende das inovações produzidas pelos especialistas e de sua frequência aos cursos de atualização ou treinamento nessas inovações”; e justificam a subordinação, pois “ocupa uma posição inferior e subalterna, ligada à prática, em relação aos especialistas e pesquisadores acadêmicos que dominam os conhecimentos teórico-científicos” (FIORENTINI; COSTA, 2002, p. 316). O professor “interativo” ou “autônomo”, a terceira imagem, é aquele que deixa de ser prático e subordinado, pois busca acompanhar o desenvolvimento do campo em que atua e os debates públicos sobre as inovações curriculares, participando ativamente de grupos e/ou projetos, tanto no âmbito escolar como fora dele; e busca “no outro e com o outro novas experiências e saberes da profissão.” (FIORENTINI; COSTA, 2002, p. 317). O terceiro viés de formação de professores apresentado por Cochran-Smith e Lytle (1999) e a terceira imagem de professor encontrado em Fiorentini e Costa (2002) – o professor interativo ou autônomo – orientaram as práticas durante a pesquisa. Os procedimentos se encaminharam para que as professoras tomassem como ponto de partida a problematização da prática vivida em suas salas de aula, na busca da construção de saberes a serem trabalhados na prática, junto aos seus alunos, e a socialização das reflexões com outros professores. Como professora formadora de professores dos anos iniciais, considero importante refletir como as ações desenvolvidas no âmbito da formação inicial repercutem nas práticas da sala de aula dos professores, sobretudo em suas primeiras experiências docentes. Dessa forma, como Tardif (2000, p. 21) percebo como essencial que os professores universitários de Educação realizem “pesquisas e reflexões críticas sobre suas próprias práticas de ensino”.
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3 O AMBIENTE E A METODOLOGIA DA PESQUISA Para constituir o grupo colaborativo, realizamos um chamado inicial a partir de mensagens eletrônicas para aproximadamente vinte professoras recém-egressas do curso de Pedagogia, período noturno, de uma universidade da rede particular de ensino de Campinas, SP. Apenas duas delas se disponibilizaram inicialmente a participar da pesquisa: Ana e Mel (nomes fictícios). As demais, responderam a mensagem informando que atuavam na Educação Infantil ou que não tinham disponibilidade de tempo para os encontros. Além de Ana e Mel, o grupo contava com a participação da autora desta pesquisa, professora das disciplinas relacionadas à matemática do citado curso de Pedagogia. As disciplinas foram cursadas por Ana e Mel em anos diferentes, embora tivessem feito o curso de Pedagogia à mesma época. Ambas, no entanto, demonstraram bom entrosamento durante as reuniões, relacionando os componentes da disciplina com as ações das professoras nos anos subsequentes à sua formação. A professora Mel contava à época dos encontros com 26 anos. Havia concluído Ensino Médio regular alguns anos antes de ingressar no curso de Pedagogia. Durante a graduação, exercia atividades funcionais não ligadas à docência. Ao terminar esta formação inicial, foi aprovada em concurso público municipal, vindo a assumir sala de segundo ano do Ensino Fundamental de uma escola pública de um município do interior de São Paulo. Exerceu suas primeiras práticas docentes no ano seguinte ao da finalização do curso de Pedagogia e anterior ao da realização dos encontros do grupo. A professora Ana já exercia a docência antes e durante o curso de Pedagogia, uma vez que possuía habilitação para o Magistério por ter frequentado o curso Normal de Ensino Médio. Contava à época com pouco mais de 30 anos. Durante a graduação já atuava como professora, também em rede pública, num município do estado de São Paulo. No ano dos encontros do grupo, ela vivenciava seu 10º ano como professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Embora a distinção de experiência profissional entre as professoras não tivesse sido intencional, ela acabou por oferecer uma troca importante de vivências entre as participantes, bem como a possibilidade de emergirem, para fins de investigação, aspectos diferentes daqueles inicialmente supostos. Nas reuniões do grupo, a pesquisadora, Ana e Mel tiveram a intenção de discutir as estratégias didáticas de Ana e Mel em suas respectivas classes do © ETD – Educ. temat. digit.
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Ensino Fundamental. Assim seria possível dar tratamento à questão central da investigação: como se dá o processo de aprendizagem profissional e de (re)significação de noções aprendidas na formação inicial das professoras participantes, bem como os indícios de configuração de relação entre os aspectos teóricos aprendidos no curso de Pedagogia e a sua utilização nas práticas docentes ao longo da experiência investigativo-colaborativa? No que se refere aos encontros, as ações tomaram como princípio básico o diálogo entre as participantes, a disposição de trocar experiências, de aprender, de se comunicar, considerando que a qualidade da comunicação no ambiente em que os diálogos se estabelecem qualifica o desenvolvimento de uma ação pedagógica. Diálogo, para Freire (1999), é o encontro entre pessoas que buscam conhecer e nomear o mundo e subentende engajamento entre as partes, criando relações de igualdade e de fidelidade, além de respeito ao pensamento crítico num processo de ação e reflexão. Na mesma direção, AlrØ e Skovsmose (2006) apresentam o conceito de “atividades de aproximação”. A aprendizagem, nessas atividades, é entendida como ação. Porém é importante destacar que nem toda ação remete à aprendizagem. A intencionalidade distingue a aprendizagem de outras tantas ações feitas mecanicamente. Esses autores indicam ainda dois elementos básicos na investigação: o envolvimento dos participantes e o processo aberto, o que impossibilita predeterminar os resultados e as conclusões nos processos investigativos. A respeito da ação dos professores em seus trabalhos cotidianos, ancorada em Cochran-Smith e Lytle (2009), a pesquisa considerou que as professoras parceiras constituíram-se também investigadoras ao apresentar suas ações de sala de aula, ao discutir as estratégias utilizadas, ao relacionar seus conhecimentos adquiridos na graduação com aqueles que desenvolviam em suas práticas docentes. Essa postura não se dava individualmente apenas, ou seja, cada qual em suas ações particulares. Tratava-se de uma postura coletiva, das professoras e da pesquisadora. É nesse movimento que a pesquisa e suas relações dialéticas entre a pesquisadora e as professoras, o conhecer e o fazer, as análises e as atuações, podem contribuir com essas práticas, produzindo mudanças, dizimando os limites entre quem indica os problemas e quem lhes atribui soluções. Quanto à metodologia, na presente pesquisa as professoras recém-egressas foram instigadas a escrever narrativas envolvendo as ações docentes e também nos momentos de encontro do grupo colaborativo. Já tinham vivenciado essa prática de registro nas aulas de Pedagogia e consideravam tal ação produtiva para a compreensão do vivido e do que pode ser construído pela ação de escrever. A utilização do recurso de narrativas reflexivas no processo © ETD – Educ. temat. digit.
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de ensino-aprendizagem docente constitui uma dimensão formativa e auxiliar ao desenvolvimento dos saberes docentes das recém-professoras. As ações realizadas pelas professoras nas suas práticas escolares ao longo dos encontros foram por elas expressas na busca de ganhar sentido por meio de relatos orais e escritos a partir do que chamamos, com base em Suárez (2008), de “práticas narrativas”. Essas práticas “referem-se a uma categoria aberta de práticas discursivas que quase sempre concernem à construção e reconstrução de eventos” dando sentidos a elas (SUÁREZ, 2008, p. 110). Por meio desses relatos tornou-se possível a reconstrução de experiências vividas, na busca de (re)significar o vivenciado a partir de reflexões individuais e no grupo. Segundo o autor, as práticas sociais se estruturam a partir das narrativas e ajudam a esclarecer o que foi experimentado, de forma a produzir individual ou coletivamente novas práticas (p. 110).
4 AS PRÁTICAS E REFLEXÕES DAS PROFESSORAS Os encontros foram realizados durante dois semestres de um mesmo ano. As professoras estavam iniciando o segundo ano de trabalho após o término do curso de Pedagogia. Inicialmente, planejávamos nos encontrar quinzenalmente; contudo, por vezes isso não foi possível devido às atividades profissionais das professoras. Optamos por agendar os encontros a cada reunião. A dinâmica e o conteúdo dos encontros eram estabelecidos por nós três: debatíamos problemas das salas de aula, trocávamos experiências, configurávamos atividades para serem realizadas com as turmas de Mel e de Ana, e depois discutíamos o ocorrido nas duas salas: as diferenças, as aproximações, as ações das professoras e dos alunos. Conversamos inicialmente sobre as práticas de sala de aula naqueles dois anos subsequentes ao término do curso de graduação: os aspectos relacionados à matemática utilizados com os alunos; o que julgavam sobre o que os alunos mais gostavam de trabalhar; as dificuldades apontadas pelos alunos, ou por elas detectadas, relacionadas à aprendizagem de matemática; as maneiras de superação dessas dificuldades; as preferências das professoras por trabalhar com os alunos em matemática e quais estratégias utilizadas. Trazemos a seguir alguns relatos e análises correspondentes às narrativas de cada professora. Segundo as narrativas de Mel, correspondentes ao seu primeiro ano de docência após a conclusão do curso de Pedagogia (ano anterior ao da realização dos encontros), ela atuou pela primeira vez como professora em uma turma de 3º ano do Ensino Fundamental de uma escola pública municipal do interior do Estado de São Paulo. Tinha 26 alunos na turma, © ETD – Educ. temat. digit.
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número por ela considerado bom, uma vez que a média por classe era de 30 alunos. Naquele período sentiu-se muito angustiada, não sabendo “por onde começar” seu trabalho. Tinha dificuldades para entender como os alunos aprendiam. Achava, ao concluir o curso de Pedagogia, que a sua formação, no que se referia à matemática, tinha preparado-a para a docência. Mas, ao chegar à sua sala de aula e encontrar alunos em diferentes fases de aprendizagem, muitos deles necessitando de uma atenção diferenciada, viu-se “perdida”. Nas reflexões feitas na disciplina de matemática durante a graduação, discutia-se a importância da compreensão dos conteúdos, da utilização de diferentes estratégias para resolver situações-problema. Porém as crianças com as quais começava a trabalhar estavam condicionadas a repetir procedimentos indicados pela professora. A compreensão das ideias, aspecto tão destacado no curso, não era preocupação nem dos professores, seus parceiros, nem dos gestores da escola. Na resolução dos problemas, as crianças queriam saber “qual a operação a fazer”, e inquiriam a professora a esse respeito: “Professora, é de mais ou de menos?” A escola utilizava um material apostilado e também desenvolvia um projeto pedagógico (Projeto ALFA), ambos comprados pela prefeitura. A pressão pelo uso das apostilas, pelo desenvolvimento do projeto, trabalhando de modo solitário, sem apoio dos colegas professores e da coordenação pedagógica no primeiro ano de atuação da Mel, constituem fatores que contribuíram para que ela sentisse muitas dificuldades e insegurança. Além disso, uma inquietação a perseguia: será que as aulas e os procedimentos podem ser diferentes daqueles apresentados na apostila ou designados pela coordenação? Não seria possível, no planejamento, em vez de apenas se decidir “o que e em quais datas” abordar os itens da apostila, conversar sobre “como” seria mais interessante desenvolver aqueles conteúdos? Sem apoio dos colegas e gestores, individualmente planejava ações para utilizar o material apostilado com as crianças de maneira a cumprir as obrigações que a coordenação sugeria e ainda sobrar tempo para fazer aquilo em que realmente acreditava. Trazia ainda, como reflexo do curso de Pedagogia, a necessidade de perceber o que e como o aluno aprendia, a preocupação de buscar alternativas para ajudá-lo a avançar na aprendizagem. Sentia necessidade de utilizar estratégias e oportunidades diferenciadas, pois acreditava que as pessoas aprendem de maneiras diferentes. A coordenação valorizava muito o ensino e treino dos algoritmos tradicionais. Mel percebia que os alunos não estavam aprendendo, apenas reproduziam técnicas. Resolveu mudar os procedimentos, mesmo sem a anuência da coordenação. Propôs às crianças que discutissem as ideias, dramatizassem os problemas, © ETD – Educ. temat. digit.
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fizessem desenhos para exprimir o que estavam pensando. À mesma época, houve mudança de coordenação na escola e a nova profissional apoiou Mel em seus procedimentos. Isso lhe trouxe alívio. Afinal, nos três primeiros anos de docência estaria em estágio probatório e, por isso todas as suas ações eram analisadas e avaliadas pela gestão da escola. Mel começou a utilizar recursos aprendidos na graduação: o uso de materiais alternativos; o incentivo à escrita sobre o que e como os alunos pensam durante as atividades; a socialização das diferentes estratégias dos alunos; sobretudo, refletia sobre as perguntas feitas pelas crianças. Era comum a indagação: “Professora, do que é este problema?” E ela respondia: “É de pensar”. No seu segundo ano de docência, Mel atuou com uma turma de 2º ano na mesma escola. Continuava utilizando as apostilas, uma a cada bimestre. Analisava o material, organizando estratégias para aproveitar o que nelas havia, mas também produzindo outras atividades, não perdendo de vista seus princípios. Na escola havia considerável quantidade de materiais didáticos, mas os professores quase não os utilizavam; fixavam-se nas ações da apostila. Embora nela existam indicações de manuseio de recursos didáticos diferenciados, os professores usavam apenas as ilustrações, sem recorrer ao material físico. Havia ainda as avaliações externas, como, por exemplo, a “Provinha Brasil”. Os professores eram orientados a prepararem as crianças, treinando-as por meio de “simulados”, para que dessem respostas certas, o que não necessariamente indicaria que tivessem aprendido os conteúdos. Avaliando as vivências da graduação, Mel relata que, embora a disciplina de matemática tenha sido a que mais a auxiliou no início da docência, ainda sentiu falta de um olhar mais profundo nos aspectos relacionados ao acompanhamento dos alunos em suas diferentes necessidades de aprendizagem. Por fim, demonstra seu encantamento com a profissão e seu contentamento em participar do grupo de estudo e pesquisa, o que se configurou para ela como uma possibilidade de continuar estudando e compreendendo melhor a sala de aula. É possível inferir que Mel foi produzindo seus saberes e práticas docentes nos primeiros tempos de docência. A reflexão sobre a importância de respeitar os alunos em suas estratégias individuais, não perdendo de vista o compromisso de avançar com a aprendizagem deles, perseguiu Mel nessas primeiras experiências. A partir de seus relatos e das discussões e leituras coletivas no grupo, percebemos que ela passou a teorizar sua prática, no sentido de compreender como se fazia possível com seus alunos trabalhar a matemática a partir do vivenciado na formação inicial. De maneira mais específica, indicava que entre os aspectos abordados no curso de Pedagogia, o que de mais importante ficou se refere à © ETD – Educ. temat. digit.
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valorização do raciocínio dos alunos: O que utilizei com frequência foi valorizar o raciocínio dos alunos, buscando entender, através dos erros deles, a construção do conhecimento dos alunos, buscando aprender a ensinar melhor através dos registros realizados. (...) Buscava entender o erro do aluno, entender e valorizar o que já sabia, o que foi construído e o que ainda precisava ser reforçado (MEL, destaque da pesquisadora).
Explicita sua intenção de, a partir da investigação das ações da aula, produzir seus conhecimentos docentes. E refletindo sobre sua formação assim comenta: “Percebi que o estudo fica mais claro e significativo depois de passar pela real experiência de professora. A preocupação de ensinar fica evidente, porque o que pretendo é que realmente os alunos aprendam”. Essa afirmação indica que Mel não abandonou o vivido e estudado na graduação. Ao contrário, buscou (re)significar as leituras e práticas na perspectiva de configurar sua ação docente num movimento de investigação e de reflexão. Vejamos, agora, as vivências e reflexões de Ana relacionadas aos anos seguintes à conclusão do seu curso de Pedagogia. Como já indicado, Ana era uma professora mais experiente. Atuava há aproximadamente dez anos nas primeiras séries do Ensino Fundamental. Tinha feito o Ensino Médio na modalidade “Magistério de 2º Grau”. Cursou Pedagogia para melhorar suas ações docentes e também em função da exigência legal de formação mínima em curso de graduação para todos os professores da educação básica. No ano dos encontros do grupo, Ana ingressou como professora efetiva em uma escola de tempo integral da rede pública estadual no interior do Estado de São Paulo, assumindo uma turma de 3º ano. Sua jornada ali era de 40 horas semanais. Havia nessa escola uma grande preocupação em cumprir o currículo proposto pela Secretaria de Estado da Educação, em especial o veiculado pelo Programa Ler e Escrever. As reuniões semanais do corpo docente com a coordenação da escola eram utilizadas para a exposição das ocorrências de aula e o planejamento da semana seguinte. Ana relatou que, embora já estivesse acostumada a utilizar estratégias didáticas diferenciadas — tocar violão para seus alunos; dramatizar histórias; produzir textos coletivos; trabalhar com jogos e materiais pedagógicos —, começou a apresentar nessa nova escola essas propostas metodológicas lentamente. Sentiu-se testada pela diretora, mas, gradativamente, a partir do trabalho com seus alunos, foi demonstrando a professora organizada que era e seu trabalho com diferentes recursos, tendo registros das atividades desenvolvidas com seus alunos. Atribui sua postura segura de professora à formação no curso © ETD – Educ. temat. digit.
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de Pedagogia. Os recursos desenvolvidos durante esse período, além de proporcionarem segurança para exercer o magistério, lhe possibilitaram também discutir os conteúdos das diferentes áreas. Ana, como Mel, também se incomodava com as avaliações às quais são submetidos os alunos e, de forma indireta, os professores. Indicou que elas sofrem uma pressão contínua no ambiente escolar. Comentou resistir a essa pressão, procurando manter em sua sala um ambiente tranquilo. Ana destacou seu grande apreço pelo trabalho com a matemática. Indicou o interesse em usar atividades que integrassem as diferentes áreas curriculares. Porém, ao contrário do que é usual nas escolas, desenvolvia-as tendo a matemática como ponto de partida e fazendo-a permear todo o processo. Utilizava paródias, histórias inventadas por ela e por seus alunos, elaborava com eles problemas a serem resolvidos em grupos. Mesmo já tendo trabalhado muitos anos no Ensino Fundamental, foi a partir do curso de Pedagogia que seu gosto por ensinar matemática começou. Dedicava-se à preparação das aulas, procurando perceber como os alunos desenvolviam seus raciocínios, quais procedimentos utilizavam para resolver os problemas. Interessava-se em estimular os trabalhos em grupos e as trocas de estratégia. A formação da graduação auxiliou Ana a (re)significar suas práticas, compreendendo a importância do ensino de matemática nessa fase escolar. Como Mel, Ana agora teorizava suas práticas com a intenção de compreender cada aluno em seus processos de aprendizagem, na busca de que todos pudessem alcançar um desenvolvimento na compreensão da matemática que ali era ensinada. O relato das professoras corrobora com o que trouxemos a partir das publicações de outros autores: a organização dos saberes teóricos, conferidos pela formação inicial, para serem consolidados e utilizados na aprendizagem significativa de seus alunos não se faz de maneira automática. Há a necessidade do apoio dos pares e das interlocuções relativas aos problemas e sucessos que o ambiente da sala de aula oferece. Conforme encontrado em Cochra n-Smith e Lytle (1999), compreender a escola pressupõe o debate da mesma, a partir da busca dos conhecimentos docentes que se desenvolvem nas salas de aula, no percurso das investigações dos professores, de seus estudos, dos materiais produzidos por esses e por outros, pelos questionamentos e interpretações pertinentes.
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5 IMPACTOS DA FORMAÇÃO DA GRADUAÇÃO E DOS ENCONTROS DO GRUPO NA PRÁTICA DOCENTE Ao longo do ano foram realizados dez encontros e neles atuamos como um grupo colaborativo. Para Ibiapina (2008) a colaboração implica em negociação de conflitos próprios do ensino e da aprendizagem, o que pode demandar formas de superação das dificuldades e também a tomada de decisões democráticas. A interação de docentes e pesquisadores favorece a construção de teorias relacionadas às práticas ao negociarem crenças e valores, no movimento de compreender a questão de investigação, ocorrendo o favorecimento das duas dimensões da pesquisa em educação: a construção de saberes e a formação contínua de professores (IBIAPINA, 2008, p. 21). Ao trazer aspectos dos encontros do grupo que corroboram com tais afirmações, essa seção se encontra dividida em dois aspectos: (1) as concepções das professoras sobre a permanência da formação da graduação na ação da docência; (2) o grupo e as contribuições a título de formação continuada. 5.1 As concepções das professoras sobre a permanência da formação da graduação na ação da docência Nos diálogos ocorridos nos encontros, Mel afirmou que as novas experiências docentes não expressavam a idealização que fazia delas. Na intenção de acompanhar seus compromissos, assumia posturas diferentes daquelas que inicialmente tinha determinado. Muitas das coisas que aprendi na faculdade nas aulas de matemática abandonei neste início de carreira, diante das pressões vindas da cordenação pedagógica, em prol de resultados satisfatórios, pressão psicológica em relação ao domínio de sala, dos conteúdos específicos que os alunos deveriam atingir. A inexperiência somada à insegurança no trabalho docente me levaram a caminhos tortuosos. Depois de quase quatro meses de aula percebi que muito do que ensinava os alunos não compreendiam, pois havia ensinado de uma forma tradicional, apresentando algoritmos prontos aos alunos, pulando etapas essenciais da aprendizagem. Quando notei tudo isso, voltei atrás, retomei a matemática aprendida na Faculdade e vivenciada em minha pratica como aluna e pesquisadora (se assim posso me chamar) sobre o ensino da matemática (MEL).
Sentir-se sozinha, inserida em um novo grupo de atuação, e as pressões dos gestores, confundiam-na. Fragilizou-se, mesmo sentindo que a base inicial de formação era sólida. Mas o espírito de investigação não a abandonou e Mel retomou suas concepções, considerando que seriam importantes para a aprendizagem das crianças. Por outro lado, Ana, quando realizou o curso de Pedagogia, já atuava como © ETD – Educ. temat. digit.
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professora. Seus relatos indicam que suas práticas pedagógicas relacionadas à matemática foram sendo alteradas no percurso das disciplinas destinadas a esse conteúdo. Antes do curso, dedicava pequeno espaço da semana para as atividades relacionadas à matemática e sempre abordava os conteúdos dessa área a partir da exposição dela para os alunos, que deveriam reproduzir os “ensinamentos” da professora. Mas durante seu curso de Pedagogia, por vezes procurou realizar com seus alunos as atividades que vivenciava na disciplina de matemática, e trazia os resultados de sua sala de aula para ser comentado nas aulas da graduação. O curso de Pedagogia para Ana funcionou não como “formação inicial”, mas como formação continuada em serviço. Afirma que se sentiu fortalecida na mudança de suas práticas docentes, porque tinha o apoio da professora da universidade e das colegas. Os dois depoimentos permitem a reflexão sobre o quanto a possibilidade de discutir, em serviço, as práticas pedagógicas, buscando alternativas de trabalho diferenciadas, mas tendo o apoio para essas mudanças, pode ser fator relevante para a inclusão de outras práticas, que não as da repetição, da cópia, da educação bancária, nos procedimentos de matemática. Se Mel tivesse tido a mesma oportunidade que Ana, ainda que em sua primeira experiência docente, sua insegurança talvez fosse menor e poderia, desde suas primeiras práticas, utilizar as concepções relacionadas ao ensino que se faziam presentes na sua formação. 5.2 O grupo e as contribuições a título de formação continuada Num dos diálogos realizados no grupo, as professoras lembraram que uma prática comum na disciplina relacionada à matemática do curso de graduação era a de a professora da disciplina lançar a questão: “Como você pensou?” em vez de declarar se uma resolução estava certa ou errada. A justificativa para isso é a de que o percurso de uma resolução, no processo ensino-aprendizagem, é muito importante, tanto quanto ou mais que o resultado de um problema. Desenvolver oralmente ou por registro escrito o caminho mental realizado, ajuda aquele que está respondendo a organizar as ideias dele, a refletir sobre o que fez e, em muitos casos, a perceber possíveis enganos. Para os demais que ouvem ou leem os registros, traz condições de adquirir estratégias diferentes das que conhecia e também contribuir com as produções do colega. Mel tinha vivenciado essa prática como aluna da graduação. Isso agora experimentavam com seus alunos e, desse modo, teorizavam a sua prática. A disponibilidade das professoras para participar do grupo se deu de maneira importante ao longo da pesquisa. © ETD – Educ. temat. digit.
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Apesar de seus compromissos e dos horários noturnos dos encontros, vinham com disposição e, conforme a conversa e os encontros se desenrolavam, a participação se ampliava. Apesar de os encontros em conjunto serem poucos, foram muito significativos, pois percebo que nós professores não temos esse tempo para refletir sobre a nossa prática e também sobre como o aluno aprende. Avaliar as estratégias que os alunos realizam, pensar e perguntar a eles como chegaram aos seus resultados, repensar outras estratégias de ensinar, fazem do encontro uma necessidade que proporciona bons resultados um progresso em minhas práticas escolares (ANA).
Ana considerou a importância dos encontros como um espaço em que as inquietações podiam ser expostas e em que todos buscavam as saídas em conjunto: “Os encontros propostos pela professora me fortaleceram nesta caminhada, nos enfrentamentos que a docência nos exige, também na confiança do meu trabalho” (MEL). E destaca ainda a importância das trocas de ações que se deram nos encontros: “Ouvir a Ana, suas estratégias de ensino e seu amor pelos alunos também me motivaram a seguir em frente, continuar estudando maneiras de aprender melhor a ensinar”. As interações ocorridas nas trocas de experiências, estratégias, angústias, fortaleceram o trabalho das professoras. Conforme ambas já haviam indicado, o trabalho solitário, mas, sobretudo, com pouca reflexão sobre as ações pedagógicas, minimiza a oportunidade de aprendizagem e de teorização sobre as práticas docentes. De outra maneira, quando essa ação se configura possível, a ansiedade diminui, abrindo-se novas perspectivas de trabalho: Percebo que a oportunidade de falar de forma livre, sem olhares de repressão e pré-julgamentos sobre conteúdos, materiais didáticos, datas estabelecidas e metas a serem cumpridas em relação aos conteúdos programados, diminuem nossas dúvidas sobre o que é preciso ensinar e proporciona segurança aos profissionais da Educação. (MEL)
Ana concorda com Mel e destaca que essa liberdade de expressar-se, sem precisar se preocupar com o julgamento do outro, permite que todas as inquietações venham à tona, processos que os espaços escolares deveriam favorecer para os professores, mas pelas declarações das professoras não o fazem, muito pelo contrário. E Mel ainda destaca: Falar sobre as dificuldades minhas como professora neste espaço não é fácil, pois demonstro minhas fraquezas. No entanto consigo refletir sobre elas de uma forma mais tranquila quando percebo que as dificuldades aparecem não apenas em mim, nos meus alunos. Mais do que isso, elas podem ser usadas para romper barreiras.
Muito mais que momentos de informes e tomadas de decisões administrativas ou burocráticas, as reuniões pedagógicas deveriam ser espaços de estudo, de troca de experiências, de discussão dos problemas das salas de aula, de vislumbrar coletivamente © ETD – Educ. temat. digit.
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possibilidades de avanços nos momentos de contato com as crianças. Se as professoras tivessem essas oportunidades em suas respectivas escolas, aliadas a estudos relacionados aos trabalhos dela, avançariam em segurança e qualidade de trabalho. Outra ação realizada no âmbito das reuniões do grupo colaborativo foi a escolha de atividades para serem desenvolvidas nas duas turmas. Cada atividade era discutida antes de ser levada para os alunos e depois de realizada com eles. Essa ação foi assim avaliada por Ana: A reflexão proporcionada pela elaboração de atividades a serem desenvolvidas pelos alunos, e posteriormente discutidas em nosso grupo, possibilitou transitar por uma via de mão dupla, pois mesmo quando discutíamos a natureza da atividade a ser realizada, já nos propúnhamos a levantar hipóteses acerca do conhecimento do aluno, e do domínio conceitual metodológico das professoras envolvidas. (ANA).
Para as duas professoras, essa reflexão as acompanhava no momento da aplicação das atividades, no trabalho com as crianças. Ana relata: Essa reflexão se estendia durante o desenrolar das atividades, seja na sala de aula com as crianças, seja na reflexão mediada pela pesquisadora, por meio da partilha do encaminhamento do conteúdo abordado em cada uma das classes.
Para Mel não foi diferente. Sentiu-se segura ao usar cada atividade discutida no grupo e apreciou a discussão dos resultados dos alunos, indicando os diferentes procedimentos que utilizaram. As professoras ainda comentam que, embora existam iniciativas esparsas na tentativa de ampliar as discussões do que acontece na sala de aula, estas chegam muito timidamente nos espaços escolares. E, no que se refere à matemática, parece que isso se dá com menor intensidade. As professoras avaliam da mesma forma: Há muitos anos essa história de uma matemática difícil e para poucos foi e continua sendo construída (MEL). Apesar de iniciativas diferenciadas, a escola ainda está distante de conseguir parcerias eficazes em seu interior, que sejam capazes de elevar o nível de ensino de maneira significativa, pois na maioria das vezes essas iniciativas esbarram tanto na estrutura do ensino, quanto na própria formação do professor (ANA).
As professoras demonstraram também a mesma intenção da pesquisadora, de que os espaços escolares se abram para as discussões da sala de aula e que os pesquisadores se voltem para os espaços da escola a fim de compreenderem o que lá ocorre, ouvindo os professores, as crianças, os gestores, sendo parceiros da escola, aprendendo, compartilhando os saberes relacionados à docência.
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6 REFLETINDO SOBRE OS RESULTADOS DA PESQUISA Entendemos como muito significativo o processo de pesquisa percorrido. Os encontros, não só proporcionaram as trocas de ações da sala de aula, aproximando a realidade escolar da pesquisadora e permitindo que cada professora pudesse se ver nas experiências da outra, como também possibilitaram retomadas de ações vividas pelas professoras e pela pesquisadora, em situações diferenciadas. Os planejamentos conjuntos auxiliaram as professoras em suas práticas docentes, bem como proporcionaram a reflexão “da” e “na” prática docente. A análise e interpretação de uma experiência didática na formação em exercício de professoras, a partir de um grupo colaborativo, possibilitou a configuração de saberes de diferentes naturezas. Mobilizados no exercício do magistério, contribuem para a construção da identidade docente. Para as professoras, foi possível a retomada de alguns conceitos estudados, trazendo a intenção e a segurança de trabalharem a partir de novas posturas. Para o grupo a discussão de estratégias permitia a reflexão sobre as incertezas e um caminhar mais seguro, inclusive para argumentar com os coordenadores e gestores das escolas onde atuavam, em relação às posturas diferenciadas que tomavam com suas classes. Para a pesquisadora, foi importante compreender, pelas narrativas e afirmações das professoras, que ocorrem aproximações relacionadas ao que foi abordado nas disciplinas de matemática no curso de Pedagogia. Porém há necessidade de trazer “casos de ensino” semelhantes àqueles que irão enfrentar no futuro para as discussões das aulas na universidade, proporcionando às professoras em formação um confronto com a diversidade das escolas de Ensino Fundamental. Foi possível perceber que as professoras que atuaram na pesquisa tinham características consideradas fundamentais para a docência: são investigadoras; exercem criticamente a docência; possuem práticas consideradas de natureza inclusiva, uma vez que buscam que todos aqueles que se fazem presentes em suas aulas sejam de alguma maneira inseridos no contexto de aprendizagem ali proposto; avaliam com frequência os resultados, propondo novas ações, quando não percebem que seus objetivos de aprendizagem foram alcançados; e, sobretudo, buscam aprofundar seu desenvolvimento profissional por meio de leituras e de participação em discussões com os pares. A partir do que foi relatado por Ana e Mel, a pesquisa contribuiu para as suas reflexões. Da mesma forma ocorreu com a pesquisadora, no que se refere às suas intenções acerca da formação docente que busca © ETD – Educ. temat. digit.
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proporcionar aos seus alunos de Pedagogia. Para as professoras recém-egressas do curso de Pedagogia, envolvidas no grupo de pesquisa colaborativo, foi possível (re)significar suas aprendizagens no campo da matemática, configurando outros saberes docentes nessa área, promovendo coletivamente o aprofundamento do processo de desenvolvimento profissional de cada uma. Em continuidade ao trabalho aqui apresentado, instituímos um grupo que continuará a se reunir quinzenalmente para discutir e investigar salas de aula dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Esse grupo tenderá a ampliar-se, uma vez que outros professores serão convidados, mesmo porque as integrantes desta pesquisa já foram consultadas por colegas de suas escolas a esse respeito. Com isso, diferentemente do que muitas vezes ocorre no campo das investigações, esta pesquisa deverá ter continuidade. Uma primeira etapa está sendo finalizada, mas pretende-se estendê-la, continuar instigando outros professores. Há necessidade, como mencionam Cochran-Smith e Lytle (2009), que ao investigar as práticas dos professores com eles, envolvê-los num processo que não se encerra e assume compromissos de constantemente questionar diferentes formas de conhecimento, as construções das práticas, as formas como são avaliadas. Essas posturas não se findam, ao contrário, necessitam de instigações constantes. Acreditamos, as professoras e a pesquisadora, que as ações do grupo fortalecem as práticas e devem ser mais que mantidas, mas ampliadas para aqueles que delas quiserem fazer parte.
REFERÊNCIAS
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Como citar este texto: MEGID, Maria Auxiliadora Bueno Andrade. Permanências e distanciamentos da formação inicial nas primeiras práticas docentes relacionadas à matemática. ETD - Educação Temática Digital, Campinas, SP, v. 15, n. 2, p.376-394, maio/ago. 2013. ISSN 1676-2592. Disponível em: <http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/etd/article/view/3046>. Acesso em: 28 ago. 2013.
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CDD: 370.9
SABERES Y PRÁCTICAS ESCOLARES SABERES E PRÁCTICAS ESCOLARES SCHOOL KNOWLEDGE AND PRACTICES
FINOCCHIO, Silvia; ROMERO, Nancy (Comp.) Saberes y prácticas escolares. Rosario: Homo Sapiens Ediciones, 2011. 200 p. (Pensar la educación. FLACSO. Área educación.) ISBN 9789508086525.
Vanesa Mariángeles Gregorini1 Silvia Finocchio y Nancy Romero reúnen en este libro siete trabajos que ponen en diálogo las reflexiones surgidas en torno del Posgrado Currículum y prácticas escolares en contexto, de FLACSO-Argentina. El desempeño como docentes e investigadores de dicho ámbito de intercambio de saberes y experiencias, convierte a los autores de este libro en un equipo de profesionales preocupados por el lugar, la función, los límites y las potencialidades de la escuela en la trama sociocultural contemporánea. La persistencia así como la reconfiguración de la escuela moderna, su relación con la cultura infantil, con el mundo juvenil y con la multiplicidad de puentes de acceso al conocimiento, tanto como los nuevos sentidos construidos en torno de las prácticas docentes y la consecuente transformación de los saberes escolares son algunos de los temas medulares que guían la discusión. Dichas cuestiones bregan por dilucidar un problema más complejo que actúa como epicentro de los trabajos compilados: la transmisión intergeneracional en un contexto de cambios culturales y reconfiguración de las relaciones sociales.
1
Professora de História pela Universidad Nacional del Centro de la Provincia de Buenos Aires. Bolsista de pósgraduação (CONICET). Doutoranda em Ciências da Educação pela Universidad Nacional de La Plata. Buenos Aires – Argentina – E-mail: vanegregorini@yahoo.com.ar Recebido em: 23/08/2012 – Aprovado em: 12/06/2013. © ETD – Educ. temat. digit.
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RESENHA
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En el primer artículo, Continuidades y rupturas en la escuela y el currículum en la modernidad, Daniel Pinkasz ubica el foco en las transformaciones protagonizadas por el currículum escolar así como en los vestigios heredados de la “escuela moderna”. La adopción de una perspectiva histórica colabora con el análisis de los cambios del Sistema Educativo Nacional en relación a las configuraciones sociales y su incidencia en las transformaciones actuales. Así, el autor efectúa un repaso por algunas de las principales características de dicho sistema para luego centrarse en el estudio de las mutaciones sociales, culturales y educativas de las últimas décadas, sin dejar de lado los indicios de continuidad de la escuela moderna en las prácticas escolares de hoy en día. Con el propósito de superar la mirada dicotómica que reduce las prácticas docentes a tradicionales o innovadoras, el artículo representa una invitación a valorizar la complejidad de las transiciones, la diversidad de los cambios así como la vigencia de ciertas prácticas y saberes en la cultura escolar. El texto siguiente, de autoría de Leandro Stagno, tiene como tema central la infancia, su configuración histórica en relación con los distintos contextos socioculturales y su vínculo con la intervención adulta y con la institución escolar. El artículo en cuestión se sitúa en la convergencia de los aportes provenientes de la Historia Cultural y la Historia de la Educación así como de los interrogantes planteados por la Sociología de la Infancia. Desde esta perspectiva y recurriendo a los estudios de R. Darnton, P. Ariès, A. Farge, L. Stone, J. Gélis, entre otros, el autor indaga cómo se fue construyendo la sensibilidad moderna sobre la infancia. Luego discurre sobre la relación entre dicha definición moderna de infancia y la creación de lugares diferenciados para los niños, donde la escuela cumple un papel destacado. Asimismo, se interroga sobre la correlación entre las normas y prácticas de la cultura escolar con la cultura infantil, expresada en la elaboración de objetos y producciones culturales para niños indagando, principalmente, en la prensa infantil. En último lugar, Stagno nos invita a reflexionar en torno del niño como actor social con capacidad de decisión y autonomía. El próximo artículo, desarrollado por Liliana Dente y Gabriel Brener, se propone revisar las imágenes más comunes y los estereotipos sobre los jóvenes construidos desde la mirada de los adultos. Preocupados por los vínculos intergeneracionales y la transmisión cultural, los autores plantean la necesidad de analizar la cotidianeidad escolar para conocer los “lugares practicados” por los jóvenes como un modo de derribar los estigmas y prejuicios que los rodean, invitando a los docentes lectores a resignificar sus ideas y prácticas educativas. Teniendo como interés central la relación y el diálogo entre las culturas juveniles con las culturas docentes y la escuela, se trata además de destacar el lugar de la institución © ETD – Educ. temat. digit.
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escolar como garante de la democratización del saber y de la construcción de ciudadanos, interpelando a los alumnos como sujetos de derecho, como productores de cultura, con voz propia y con intereses singulares. La potencia socialmente productiva de los saberes latinoamericanos constituye el cuarto apartado, donde María Luz Ayuso nos invita a explorar los caminos propuestos por la escuela, teniendo en cuenta la histórica disposición de saberes y las posibilidades que ellos implican en el presente. Al comienzo plantea la relación entre pasado, presente y futuro, valorizando a la escuela como la institución facultada para llevar adelante la transmisión y la “filiación cultural”, aún en un contexto de crisis o incertidumbre como el actual. Con el objetivo de reposicionar la construcción de los saberes, presenta la existencia de distintos tiempos y duraciones sobre los cuales es necesario intervenir en pos de transformar la realidad social. Con este fin, la autora desarrolla la categoría de saberes socialmente productivos como una alternativa a los reduccionismos modernos cuyos efectos políticopedagógicos busca problematizar. Lejos de permanecer en el plano de las críticas, este artículo representa un esfuerzo por responder a los nuevos desafíos y al debate pedagógico actual, teniendo como norte la búsqueda por restituir el valor social del conocimiento propuesto por la escuela. ¿Cuáles son las lecturas, usos, prácticas y sentidos asociados a los libros de texto en la escuela primaria actual? Para ensayar un acercamiento a este complejo y pertinente interrogante, Nancy Romero analiza la relevancia del texto en el aula desde un punto de vista histórico. Con este fin, atiende a los cambios visibles experimentados por el libro así como a las transformaciones inmateriales, terreno de las prácticas y relecturas, factibles de ser captadas a partir de una mirada minuciosa sobre la cotidianeidad escolar. Desde una perspectiva que resalta la lectura como una acción que produce diversos sentidos, la autora describe y analiza tres tipos de prácticas que se presentan como las más frecuentes entre los maestros de primaria: seleccionar actividades sugestivas que fomenten la creatividad del alumnado, considerar al libro como generador de autonomía y, por último, mixturar lectura lineal y exploratoria. Dichas prácticas dan cuenta de las permanencias, resistencias y transformaciones que conforman la cultura escolar, al tiempo que subrayan la necesidad de atender a las variadas características de los alumnos, devenidos en lectores de distintos formatos y soportes mediados por las nuevas tecnologías. En relación a lo anterior, se puede afirmar que formas inéditas de acercamiento al saber conviven con modos tradicionales de construcción del conocimiento. En este contexto © ETD – Educ. temat. digit.
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de “hibridismo cultural”, el lugar de la escuela como transmisora de los saberes exhorta a una redefinición que incluya el esfuerzo por comprender y valorar los lenguajes y los espacios juveniles. Desde esta perspectiva, Marisa Massone nos invita a repensar las prácticas escolares y la función de la escuela, teniendo presente la mutabilidad de las relaciones intergeneracionales. Para ello, se detiene a examinar las interpretaciones realizadas por diferentes docentes sobre una fotografía donde se observan tres jóvenes utilizando la computadora y el celular en el aula. La diversidad de interpretaciones que dicha imagen ha suscitado en un foro de posgrado virtual, abre un abanico de posibilidades para analizar la supremacía de la cultura escrita, la multiplicidad de recursos disponibles y las experiencias de aprendizaje asociadas a ellos, así como el rol del docente en el cambiante entramado escolar. En consonancia con estas ideas, la autora propone indagar el caso de los contenidos asociados a la disciplina Historia, con el fin de profundizar el estudio sobre los modos en que los jóvenes se acercan al conocimiento. En el último artículo, Los docentes, los saberes y la mutación de la escuela, Silvia Finocchio propone matizar la mirada nostálgica que impera en parte de la investigación educativa, cuestionando la idea que sentencia a los saberes y a las prácticas docentes al letargo. Para esto, su esfuerzo interpretativo se orienta a introducir nuevas perspectivas y problemas destinados a resignificar lo que sucede puertas adentro de la escuela. A partir de un vasto recorrido histórico, se ensaya un acercamiento a las creaciones y renovaciones de sentidos y significados que se encuentran asociados a las prácticas cotidianas escolares. En consecuencia, el énfasis analítico se halla en la descripción y explicación de las temporalidades diferenciadas que han operado, y continúan transformando, la constitución de los saberes y prácticas actuales. Los trabajos compilados en este libro constituyen una invitación a pensar el rol de la escuela en el marco de un mundo cambiante que demanda y produce, al mismo tiempo, una profunda redefinición de saberes y prácticas. Ubicando la lupa en el cotidiano escolar, los diferentes artículos buscan analizar las características de la cultura escolar, atendiendo a los elementos tradicionales o residuales del sistema, así como a las innovaciones y alternativas incorporadas al ritmo de las transformaciones sociales y culturales del contexto vigente.
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Como citar esta resenha: MARIÁNGELES GREGORINI, Vanesa. Saberes y prácticas escolares. FINOCCHIO, Silvia; ROMERO, Nancy (Comp.). Saberes y prácticas escolares. Rosario: Homo Sapiens Ediciones, 2011. 200 p. (Pensar la educación. FLACSO. Área educación.) ISBN 9789508086525. (Resenha). ETD - Educação Temática Digital, Campinas, SP, v. 15, n. 2, maio/ago. 2013. ISSN 1676-2592. Disponível em: <http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/etd/article/view/3613>. Acesso em: 28 ago. 2013.
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NOVAS PRÁTICAS DE LEITURA: IMPLICAÇÕES NO COMPORTAMENTO DO ALUNO-LEITOR NEW READING PRACTICES: IMPLICATIONS FOR THE BEHAVIOR OF THE STUDENT-READER NUEVAS PRÁCTICAS DE LECTURA: IMPLICACIONES EN COMPORTAMIENTO DEL ESTUDIANTE-LECTOR Léa Anny de Oliveira Moraes1 Adriana Pastorello Buim Arena2 RESUMO: Este artigo tem como objetivo analisar práticas de leitura atuais em ambientes digitais e refletir sobre suas implicações no comportamento do leitor. Os sujeitos da pesquisa foram alunos de Pedagogia da Universidade Federal de Uberlândia, no ano de 2010. Foi desenvolvido um trabalho estruturado com base na abordagem qualitativa sócio-histórica de pesquisa, e adotada a modalidade estudo de caso do tipo etnográfico. Por meio de entrevistas semiestruturadas, foi possível recolher os dados e depois analisá-los à luz das teorias que embasam o trabalho, construídos sobre dois pilares conceituais: a concepção de homem como ser social, cultural e histórico, postulada por Vygotsky (1999) e a análise histórica e sociológica das práticas de leitura, segundo Chartier (1999). Os resultados demonstraram que a leitura digital abala os modos de ler em qualquer suporte ou meio e, por isso, pode ser entendida como uma ferramenta que promove a superação dos limites do homem na área da leitura. As práticas de leitura vêm acompanhando a evolução tecnológica, por isso, o homem precisa se adaptar verdadeiramente aos novos suportes textuais para que a leitura não perca sua função de informar e de proporcionar a assimilação de novos conhecimentos. PALAVRAS-CHAVE: Leitura em materiais impressos. Leitura digital. Modos de ler. ABSTRACT: This article aims to examine current practices in digital reading and to reflect on its implications on the reader behavior. The research subjects were students of the Faculty of Education, Federal University of Uberlandia in 2010. We developed a structured approach based on qualitative socio-historical research, and adopted the case studies of ethnographic type. Through semi-structured interviews it was possible to collect data and then analyze according to the theories that underline the work based on two conceptual pillars: the conception of man as a social, cultural and historical being postulated by Vygotsky (1999) and historical and sociological analysis of reading practices according to Chartier (1999). The results showed that digital reading changes the modes of reading in any support and therefore can be understood as a tool that promotes the overcoming of man’s limitations in reading. Practices reading have been following developments in technology, so the man needs to truly adapt to new media textual reading does not lose its function which is to inform, provide the assimilation of new knowledge. KEYWORDS: Reading printed materials. Digital reading. Ways of reading.
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Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação da Universidade Federal de Uberlândia. Graduada em Pedagogia pela mesma instituição. Uberlândia – MG – Brasil – E-mail: annylea3@hotmail.com 2 Doutora em Educação. Professor Adjunto da Faculdade de Educação - FACED e do Programa de PósGraduação em Educação da Universidade Federal de Uberlândia. Uberlândia – MG – Brasil – E-mail: dricapastorello@gmail.com Recebido em: 22/02/2012 – Aprovado: 02/07/2013
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RESUMEN: El presente artículo tiene como objetivo analizar las prácticas actuales de la lectura en entornos digitales y reflexionar sobre sus implicaciones para el comportamiento del lector. Los sujetos eran estudiantes de Educación de la Universidad Federal de Uberlândia, en el año 2010. Hemos desarrollado un enfoque estructurado basado en la investigación socio-histórica cualitativa, y adoptamos la forma de estudios de caso etnográfico. A través de entrevistas semi-estructuradas los estudiantes fueron capaces de recoger datos y analizarlos a la luz de las teorías que sustentan el trabajo, con base en dos pilares conceptuales: la concepción del hombre como ser social, cultural e histórico postulado por Vygotsky (1999)y la análisis histórica y sociológica de las prácticas de lectura, según Chartier (1999). Los resultados demostraron que la lectura digital provoca câmbios en los modos de leer en cualquier soporte o medio, y, por lo tanto, se puede entender como una herramienta que promueve la superación de los límites del hombre en la zona de lectura. Las prácticas de lectura han siguiedo la evolución de la tecnología, por lo tanto, el hombre necesita adaptarse verdaderamente a los nuevos soportes textuales a fin de que la lectura non pierda su función de informar y de proporcionar la asimilación de nuevos conocimientos. PALABRAS-CLAVE: Lectura en materiales impresos. Lectura digital. Modos de leer.
1 INTRODUÇÃO Com o grande avanço tecnológico, várias mudanças ocorreram e afetaram fatalmente os diversos aspectos da vida em sociedade: o uso do computador e da internet, por exemplo, proporcionaram a universalização das informações. Por meio dessa ferramenta, o navegador tem acesso a um mundo virtual em alta velocidade e sem distâncias territoriais. A linguagem não permaneceria imutável perante tal fato; a leitura, por exemplo, sofreu mudanças acentuadas com seus novos costumes e práticas diante dos textos disponíveis em meio digital. Partindo da concepção de leitura como prática cultural criada e adaptada pela sociedade, este artigo expõe dados parciais de uma pesquisa monográfica desenvolvida em um curso de graduação em Pedagogia, no ano de 2010, e tem intenção de compreender como tem sido o comportamento do leitor de textos digitais e quais as consequências desse tipo de leitura na assimilação do conteúdo textual. O curso de graduação está alocado na Faculdade de Educação (FACED) da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). As turmas possuem em média 40 alunos e destes foram selecionados três de cada período, dos turnos diurno e noturno, para a obtenção dos dados. A metodologia de pesquisa utilizada tem sua base na abordagem qualitativa sócio-histórica, tendo sido adotada a modalidade estudo de caso do tipo etnográfico. Por meio das entrevistas semiestruturadas, os dados foram recolhidos e depois analisados à luz das teorias. A escolha pelo método qualitativo, que possui um caráter interpretativo das ações sociais, ocorreu pelo entendimento de que em sociedade os indivíduos constroem e transmitem os significados de mundo estabelecidos por eles nas interações sociais. Cada cultura possui uma forma particular de organização social, ou seja, a interação entre os
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indivíduos é particular, possui significados e ações locais específicas do grupo e interage com o tempo, com as heranças deixadas pelas gerações. Assim, as perspectivas individuais partem do coletivo, daquilo que a sociedade em que o sujeito está inserido lhe oferece. O cotidiano influencia na formação do homem e nas suas concepções; por isso, ele se torna um campo de pesquisa relevante sobre as experiências humanas. Portanto, a interpretação contextual foi a melhor maneira para compreender a manifestação geral do tema abordado, evidenciando as ações, os comportamentos e as interações das pessoas envolvidas na problemática. Segundo André (2005, p. 31): [...] pode-se dizer que o estudo de caso do tipo etnográfico em educação deve ser usado quando: (1) há interesse em conhecer uma instância em particular (2) pretende-se compreender profundamente essa instância particular em sua complexidade e totalidade; e (3) busca-se retratar o dinamismo de uma situação numa forma muito próxima do seu acontecer natural.
A escolha pelo estudo de caso do tipo etnográfico ocorreu justamente pelo fato de a pesquisa necessitar de um caráter especulativo, interpretativo e contextual, já que utiliza a fala dos entrevistados para compreender melhor as características de leitura dos alunos. Sendo assim, o estudo permitiu uma visão ampliada e esclarecida do conjunto de significantes – os fatos, ações, e contextos produzidos – para que assim houvesse a possibilidade de interpretá-los e responder as questões-chave apresentadas. Compreende-se então que, apesar de ser predominantemente descritivo, o estudo de caso tem um profundo alcance para analisar, refletir, interrogar e até confrontar a situação com outras já conhecidas e com as teorias existentes. A importância de estudos desse tipo é inegável, haja vista que o caráter heurístico alarga as fronteiras do conhecimento, proporciona um avanço significativo no campo de investigação. Um dos grandes benefícios do método em questão é que o estilo descritivo, com uma abordagem mais informal na coleta de dados, traz sinceridade e clareza aos fatos. Para compreender os parâmetros de análise da pesquisa realizada, é importantíssimo compreender o homem como ser histórico, cultural e social. O quadro teórico aqui assumido entende que a formação do homem se dá em uma relação dialética entre o sujeito e a sociedade ao seu redor, e esta contínua construção deve ser permeada por estímulos favoráveis ao desenvolvimento humano.
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Ler e escrever são considerados fundamentos primordiais à socialização dos indivíduos que, desde crianças, são estimulados para o desenvolvimento dessas habilidades; portanto, é possível afirmar que a leitura e a escrita são práticas culturais, resultados da apropriação da cultura. Ninguém nasce sabendo ler e escrever e somente em sociedade é possível essa aprendizagem. Vygotsky3 (1999) postula que as funções psíquicas superiores (mecanismos psicológicos mais sofisticados) como memória, atenção, abstração, aquisição de instrumentos, fala, pensamento abstrato, raciocínio dedutivo e, capacidade de planejamento, entre outras, só terão condições de se desenvolver mediante a aquisição de conhecimentos transmitidos historicamente, os quais, necessariamente, para serem apropriados pela criança, precisam da mediação dos indivíduos mais desenvolvidos culturalmente. Segundo Leontiev (1978, p. 262): [...] o homem é profundamente distinto dos seus antepassados animais [...] a hominização resultou da passagem à vida numa sociedade organizada na base do trabalho [...] esta passagem modificou a sua natureza e marcou o início de um desenvolvimento que, diferentemente do desenvolvimento dos animais, estava e está submetido não às leis biológicas, mas a leis sócio-históricas.
Leontiev (1978) apresenta no texto O homem e a cultura, uma versão sócio-histórica sobre o desenvolvimento humano. Baseado em Engels, sustenta que o homem tem uma origem animal, porém as duas principais características da vida humana são o trabalho e a vida em sociedade, sendo tais características primordiais para um salto de qualidade no desenvolvimento humano. O homem liberta-se de suas limitações biológicas para construir a condição humana e, então, a partir daí, as habilidades e os comportamentos humanos não são mais previstos pelo código genético. Por isso, o homem passa a não estar submetido às leis biológicas e sim a leis sócio-históricas. Isso define que a relação homem-sociedade interfere diretamente no desenvolvimento humano. Diante do que se pretende apresentar, este artigo será dividido em duas partes. A primeira busca apresentar de forma geral e sucinta uma breve análise histórica sobre os comportamentos do leitor nas diferentes épocas, evidenciando que há uma modificação na prática de leitura por causa das mudanças sociais e do suporte textual, reafirmando que a leitura é uma apropriação cultural, assim como todas as outras habilidades e comportamentos humanos, pois estes são construídos socialmente. Na segunda parte, encontram-se os dados 3
A escrita do nome Vygotsky aparece grafada de diversas formas, em diferentes traduções; portanto, neste trabalho será utilizada a grafia de acordo com a bibliografia referenciada.
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recolhidos na pesquisa original, por meio das entrevistas realizadas com os alunos do curso de Pedagogia, que foram gravadas e posteriormente transcritas, separadas em categorias e analisadas com base nas teorias apresentadas. Para evidenciar as categorias, elas foram colocadas em tabelas que contêm as principais falas dos alunos, que, em seguida, desdobramse nas reflexões e análises das informações obtidas. Após os dois itens apresentados, seguem as considerações finais do artigo, que trazem uma síntese de tudo o que foi desenvolvido e apresentado, verificando se os resultados atenderam aos questionamentos colocados à prova.
2 A LEITURA COMO PRÁTICA CULTURAL As convenções e hábitos de leitura mudam de acordo com o tempo e a cultura, e até mesmo a razão de ler é modificada. Da pintura antiga até o fim da Idade Média, o livro era representado como algo onipresente, ligado ao sagrado, à divindade. Muitas vezes aparecia em tamanhos gigantescos, sem relação com o tamanho real do objeto (livro). Desde os séculos VI até o século XIX, a prática de leitura era regida de acordo com a moral e os costumes da época. Nas bibliotecas universitárias era obrigatória a leitura em silêncio, ou seja, somente com os olhos, e o comportamento devia ser discreto. Até o século XVIII o espaço de leitura era reservado, pois não deveria se misturar com ambientes de divertimento, conversas, brincadeiras. Os leitores mantinham a postura de ficar sempre sentados, sem movimentações bruscas, concentrados, em ambiente fechado e privado. Chartier (1999, p. 79) explica que “[...] é sobretudo a partir do momento em que a leitura é representada pela fotografia e pelo cinema que se vê esta liberdade expandir-se e desenvolver-se. Na maioria das representações picturais, o leitor, durante muito tempo, permaneceu sentado”. As pinturas mostram que somente a partir do século XVIII o leitor passa a ter mais liberdade no ato da leitura, tendo comportamentos mais variados e, menos controlados. É possível que existissem outras práticas de leitura naquele século e nos anteriores a ele, porém, tais práticas não eram consideradas legitimamente representáveis, afinal, nem tudo que acontecia, de fato, era lícito de se mostrar, de se deixar eternizado pelas figuras. De acordo com Chartier (1999, p. 82):
[...] seria temerário concluir demasiado rápido sobre a realidade dos comportamentos a partir de representações codificadas que dependem tanto das
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convenções ou dos interesses envolvidos no ato de mostrar − pela pintura, pela gravura − quanto da existência ou ausência dos gestos que são mostrados.
As imagens que representam a época não podem ser desprezadas pelo fato de nem sempre mostrar toda a realidade, as práticas reais; ao contrário, essa atitude demonstra os valores da época, o que era considerado válido como prática de leitura. Somente com a distribuição mais ampla do jornal se iniciam as representações de leitores em práticas espontâneas e livres. O jornal veio como forma de circular as notícias, trazer conhecimento ao público e também deu oportunidade ao leitor de ser redator de suas ideias por meio das “cartas dos leitores”. Segundo Chartier (1996, p. 236), “um livro de 1530 não se apresenta como um livro de 1880 e há evoluções globais que atingem toda a produção impressa em suas regras e seus deslocamentos”. O livro, como produção cultural, passa pelas transformações de sua época, trazendo em si a intenção do texto e também o interesse do leitor. Principalmente quando se trata de uma distribuição em massa, há uma modificação na finalidade da veiculação do conteúdo e na organização textual, seja nos capítulos, seja nos parágrafos, para que facilite a leitura. Os primeiros textos que surgiram, há quase 4 mil anos, eram utilizados como forma de registro dos fatos da época, escritos em folhas de palmeiras egípcias. Com o passar do tempo, começou-se a utilizar o papiro, que nada mais é que o talo dessas mesmas folhas trituradas, entrelaçadas e secas. Os livros antigos eram principalmente lidos em voz alta, haja vista que os escritores supunham que as pessoas iriam somente escutar em vez de ver o texto; por isso as palavras não precisavam ser escritas separadamente: bastava o emissor entrelaçá-las em frases contínuas. Não havia distinção entre letras maiúsculas e minúsculas e não havia pontuação; quem estava pronunciando o texto é que compunha a sua estruturação. Com a evolução das práticas de leitura, os textos precisaram ser mais esquematizados para melhor entendimento do leitor. Portanto, no século IX, com o aumento de leituras silenciosas e individuais, os textos começaram a ser escritos com as palavras separadas. No século X, as primeiras linhas das seções principais eram escritas em vermelho, marcando o início da separação do texto em parágrafos. O fato é que, desde o momento em que o livro passou a ser lido individualmente, o editor do texto precisou se preocupar com o leitor, que passava a estar desconectado de quem o fez. Um texto escrito passava a ser lido por diversas pessoas que o autor nem sequer
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conhecia e por isso a estruturação do texto precisava ser prática e de fácil entendimento para quem lia. É muito complicado o leitor entender a mensagem que o texto deseja transmitir se as letras, palavras ou frases estiverem jogadas aleatoriamente na folha, ou mesmo se estiverem todas grudadas. Devido a todos esses fatos é que o livro impresso atual tem uma estrutura padronizada – e tal padronização iniciou com o surgimento da imprensa. Os editores passaram a exigir um texto formatado para a impressão, mas a maioria dos escritores relutou muito contra essa imposição. A verdade é que desde que Johann Gutenberg criou a imprensa, por volta de 1450, a arte de imprimir livros e os distribuir causou muita discussão. A grande polêmica se referia à crença de que se o livro não fosse escrito pelo monge escriba poderia abalar a fé cristã, diminuir a autoridade da Igreja. Os conflitos estavam ligados, em grande parte, com a religião, que ditava as regras sociais da época. A difusão do saber e do conhecimento desesperava os detentores do poder que, até aquele momento, conseguiam limitar o acesso aos textos. Na mesma época, na Inglaterra, os professores ficaram desconsolados com a notícia de que os livros impressos logo seriam distribuídos em grande escala. A angústia deles se dava pelo pensamento de que logo não teriam mais função, pois se todos pudessem ter acesso aos livros, poderiam também aprender tudo sozinhos. Segundo Chartier (1999, p. 91):
[...] cada leitor, para cada uma de suas leituras, em cada circunstância, é singular. Mas esta singularidade é ela própria atravessada por aquilo que faz que este leitor seja semelhante a todos aqueles que pertencem à mesma comunidade.
A leitura é uma atividade presente e necessária em qualquer sociedade, mas as mudanças na prática de ler ocorrem de acordo com a comunidade, a cultura e o período, pois os princípios e as concepções mudam. As ações e os hábitos do homem refletem a identidade da sociedade. O tópico subsequente pretende explicitar como ocorrem as práticas de leitura do homem atual na sociedade moderna. 1.1 A leitura na era digital Toda a efervescência do livro impresso até os dias de hoje, com o livro digital, traz à tona problemas originados da circulação do texto, como a insegurança dos professores ingleses com a invenção da imprensa, insegurança esta que já demonstrava a divisão clara
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entre os detentores do conhecimento (consequentemente do poder) e os meros aprendizes, que tinham contato somente com aquilo que lhe era concedido. Com a internet, abriu-se uma nova forma de comunicação, de interação com os diversos textos produzidos no mundo. Esse meio pode ser considerado uma forma de difusão do conhecimento em massa. Todos os navegadores são leitores e podem ser escritores de textos digitais. Segundo Belmiro (2003, p. 17):
[...] a entrada e a navegação na rede, já que, de alguma forma, todos podem alimentá-la sem qualquer intermédio ou censura, constitui mais um paradoxo da cibercultura: o acesso fácil, por um lado e a impossibilidade de se determinar, muitas vezes, a credibilidade da fonte alimentadora dos dados.
A leitura digital é cada vez mais aceita como uma prática extremamente útil, haja vista que sua natureza imaterial permite que seja realizada em qualquer parte do planeta, a qualquer hora do dia e por mais de um leitor simultaneamente. É um contato com o mundo virtual rápido, prático e liberal que abarca cada vez mais navegadores. O computador, atualmente, representa mais que uma simples máquina com ferramentas úteis ao homem: é a representação do universal, a soma de todas as memórias interconectadas e a possibilidade infinita de acessos. Na verdade, a inserção no mundo virtual, mais que uma necessidade do homem, tornou-se uma imposição da sociedade, que utiliza a tecnologia para agilizar diversos processos sociais, inclusive o processo de trabalho. O homem age em um ritmo cada vez mais veloz, assim como as máquinas. O leitor de textos digitais mudou sua prática de leitura, que já não está ligada à materialidade do livro, nem com o manuseio das folhas, sendo uma prática que exige um leitor muito mais ativo, já que antes mesmo de interpretar o sentido do texto, para ler na tela, é preciso enviar comandos ao computador e para isso é preciso conhecer as ferramentas da máquina. Ocorreu, então, a quebra do elo físico que existia entre objeto impresso e escrita, que ele veicula. O leitor passa a dominar a aparência e a disposição do texto que aparece na tela do computador. São novos hábitos, novas ações e novas expectativas que estão sendo criadas em torno do texto e da leitura.
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3 O QUE PENSAM OS ALUNOS SOBRE A LEITURA IMPRESSA E A LEITURA DIGITAL Com os avanços tecnológicos a linguagem também passa por mudanças significativas na sua representação. Diante da cultura digital o texto ganha novos significados, novos valores e nova estruturação, e a partir daí os leitores têm a oportunidade de contatar as formas textuais atuais e se apropriam destas de acordo com sua necessidade. A respeito dos novos tipos e gêneros textuais, Coscarelli (2003, p. 65) apresenta que:
Além dos textos que temos em circulação em nossa sociedade letrada, outros aparecem e merecem ser pesquisados com profundidade. Entre eles, podemos citar o Chat, o hipertexto, a multimídia, a hipermídia, os banners publicitários, a literatura digital em toda a sua diversidade, e, provavelmente, alguns outros que ainda não somos capazes de mencionar.
Diante desses novos textos, fica mais complexo o trabalho de categorizar os gêneros textuais, pela maneira diferenciada com que são construídos. É preciso ter cuidado com o sentido tradicional da palavra texto, já que este atualmente em formato digital, possui movimento, imagem e música em sua composição. O quadro a seguir apresenta as falas registradas dos alunos, com suas definições pessoais do que é um texto digital. QUADRO 1 – Definição de texto digital descrita pelos alunos entrevistados DEFINIÇÃO DE TEXTO DIGITAL Penso que seja um tipo de texto que lemos através da imagem digital, como exemplo o computador.(V) Existem diversos arquivos na internet, muitos em pdf, a exemplo os artigos, acredito que estes tipos de textos são digitais. (G) Um texto digitalizado, ou seja, para se ler no computador. (AD) Eu entendo que texto digital é todo escrito em meios eletrônicos. (L) Pra mim é um texto que temos acesso por meio do computador. (S) É o texto digitalizado, ou seja, que está disponível em mídia, que pode estar na rede, que é a internet. (LN) É o texto lido no computador, um texto que veio de uma fonte da internet, quando você me pergunta o que é texto digital eu entendo um texto que é lido em tela, a palavra digital remete ao texto do computador. (A) O texto digital é aquele que você lê no computador. (C) Fonte: A autora
De acordo com as repostas apresentadas pelos alunos, é possível notar que eles conhecem essa nova configuração textual, já que todos fizeram a relação do texto digital com a tecnologia, com o computador e com os meios eletrônicos. Além disso, eles também disseram que usam frequentemente tais textos, porque são muito utilizados por seus professores. Sendo assim, mesmo não tendo um conhecimento profundo sobre textos digitais,
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tais alunos já tiveram o contato com a leitura que inclui os recursos verbais, que são os signos linguísticos e também os recursos não verbais que são as imagens, as marcas, a barra de rolamento, os sons, os gráficos, as animações, os ícones entre outros recursos. Desse modo, esses alunos podem ser considerados como leitores de um novo modelo de texto, que utiliza infinitas formas de expressar sua mensagem, de se comunicar, de interagir em um mundo imaterial. Partindo desse pressuposto, o Quadro 2, subsequente, traz os dados que averiguam a preferência dos alunos em relação à leitura do texto impresso e a do texto digital, contendo também a justificativa da escolha. QUADRO 2 – Preferência dos alunos em relação à leitura impressa e à leitura digital PREFERÊNCIA DOS ALUNOS POR LEITURA DIGITAL OU IMPRESSA Categorias Texto impresso Texto digital
Possibilidades de anotações/ Marcações no texto
Prefiro o material impresso justamente pelo fato de poder riscar, fazer anotações. (I) Eu prefiro impresso, porque eu gosto de rabiscar, de fazer anotações, apesar de ter a consciência que não é bom para a natureza, que vão destruir as árvores para fazer papel, mas eu prefiro porque eu me organizo melhor no papel. (LN)
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Cansaço nos olhos
Atenção à leitura
Facilidade de acesso
O texto impresso é bem melhor porque não tem nada para tirar a atenção da leitura. (C) A leitura no papel é bem mais tranquila. Para mim, basta ficar num lugar silencioso que nada tira minha atenção. (L)
O texto impresso eu posso levar para onde eu quiser. (AD) O papel eu amasso, rasgo, levo na bolsa para onde eu quiser. (O)
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Minhas vistas cansam mais rápido lendo na tela do computador. (L) O computador cansa rapidinho o corpo e os olhos, e dá muito sono. (F) Meus olhos ficam lacrimejando quando fico muito tempo lendo no computador, por isso eu não gosto. (O) Para ler na tela do computador o texto tem que conseguir prender minha atenção, caso contrário prefiro ler em material impresso, porque a tela do computador me deixa com sono. (S) Lendo no computador eu perco a atenção por ter outras coisas para mexer. (B) Particularmente prefiro ler no computador, apesar de cansar as vistas, pois acho mais prático até para localizar algo (Ctrl + l) mais rápido, e pela facilidade de acessos aos textos. (M) Quando a gente lê no computador o que facilita é que tem mais locais para pesquisar, complementar a leitura, no papel você fica preso, você pega no máximo um dicionário. (L)
Fonte: A autora
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É perceptível, na sociedade atual, a mudança que a tecnologia tem trazido ao cotidiano e uma nova forma de ler, pelo meio digital, imposta pelo meio eletrônico. Os sujeitos da pesquisa, nos últimos anos, têm aumentado substancialmente a leitura de textos digitais por meio de data-show – usado nas aulas e em todo movimento de estudos, pesquisas, construção de textos, práticas de grupos – e pelo computador. À primeira vista, o uso desse tipo de texto se torna tão necessário e útil que é difícil não fazer parte do grupo de leitores que usam as novas ferramentas com propriedade e sem qualquer dificuldade aparente. O uso do computador se torna vantajoso pelas possibilidades de acrescentar novos conhecimentos ao homem, além de acarretar economia, já que existem espaços de acesso fácil e gratuito, como universidades, e também em relação à compra de material impresso para leitura, pois é possível ler somente na tela. Porém, surpreendentemente, quase 100% dos alunos entrevistados nesta pesquisa declararam sua preferência pela leitura de texto impresso; somente uma aluna disse preferir a leitura no computador. Os dados mostram que os alunos não se apropriaram totalmente da leitura digital; eles afirmaram que atualmente a maior parte de livros, apostilas e artigos está disponível no formato digital e que isso facilitou o acesso a tais materiais. Entretanto, não afirmam que a leitura digital é a preferida por eles. Chartier (1999) explica que o mundo contemporâneo está em tensão justamente pela divulgação acelerada que a tecnologia possibilitou ao conhecimento, tornando-o “universal”, ou seja, sem distâncias territoriais ou materiais. Ao mesmo tempo, porém é um momento de crise pela imaterialidade do texto e pela confusão entre o particular e o coletivo. O contato físico com o texto é uma questão cultural, já que historicamente a leitura tem sido feita em livros impressos; por isso o texto digital traz um desconforto por não poder manuseá-lo. O conflito entre o particular e o coletivo fica evidente na possibilidade de alterações e distribuição que podem ocorrer com os textos digitais; um texto postado na internet facilmente é copiado e modificado por qualquer navegador, mesmo que este não seja autor do texto. Tudo o que está no mundo virtual foi criado por alguém, portanto é pessoal, individual, mas ao mesmo tempo se torna coletivo nesse espaço de compartilhamento. Todas as mudanças tecnológicas que alteram, inclusive, os formatos dos textos, acarretam alterações comportamentais nas pessoas, tendo elas que se adaptar às novas atitudes e técnicas de leitura, como afirma Chartier (1999, p. 93):
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No início da era cristã, os leitores dos códex tiveram que se desligar da tradição do livro em rolo. Isso não fora fácil, sem dúvida. A transição foi igualmente difícil, em toda uma parte da Europa do século XVIII, quando foi necessário adaptar-se a uma circulação muito mais efervescente e efêmera do impresso. Esses leitores defrontavam-se com um objeto novo, que lhes permitia novos pensamentos, mas que, ao mesmo tempo, supunha o domínio de uma forma imprevista, implicando técnicas de escrita ou de leitura inéditas.
Assim como em todas as revoluções anteriores da cultura impressa, esta nova cultura eletrônica, digital, oportuniza técnicas de leitura diferenciadas das já vividas, e o avanço demora a ser aceito e inserido como parte da cultura presente. Os alunos entrevistados fazem parte desses sujeitos em adaptação, pois antes o uso de computadores era menor, já que não era tão acessível quanto tem sido nesta década. Os professores desses alunos já optam por livros que estão disponíveis em formato digital para que todos possam ler gratuitamente, além de usarem data-show em sala de aula para projetar o texto e, a partir daí, explicarem. Por outro lado, dificilmente o aluno consegue ter em mãos todos os textos impressos, mesmo tendo preferência por eles. É possível perceber, pela fala dos alunos, que eles ainda estão muito presos à materialidade do texto, na possibilidade de poder manuseá-lo, fazer anotações, levá-lo para onde quiser, ficar horas “agarrados” com o livro que, ainda nos dias de hoje, representa um bem de valor cultural relevante para as pessoas. Ler um livro, um texto, mesmo que emprestado de uma biblioteca, significa adquirir conhecimento, seja do senso comum, seja científico, ambos importantes para a constituição do homem. Outro fator citado pelos entrevistados é a facilidade maior de concentração que eles alegam ter por meio da leitura impressa, pelo fato de no papel não haver tantas opções de ferramentas quantas no meio digital. O auxílio do computador é visto com bons olhos, principalmente no que se refere ao fácil acesso a diversos textos que podem ser encontrados na internet, inclusive para localizar livros em outras línguas, fato este muito importante para as pesquisas e os estudos. Por outro lado, torna-se difícil focar somente no conteúdo do texto quando há uma variedade de acessórios virtuais que podem ser ativados a qualquer momento do período da leitura. A pesquisa constatou que, para os alunos, o maior problema encontrado no exercício de leitura digital é o cansaço visual diante da tela; este problema é causado pelo fato de o leitor ter que focar e desfocar a visão diversas vezes durante a leitura diretamente em uma tela que projeta luz, gerando, assim, uma tensão nos músculos dos olhos. Para atingir o foco e
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acompanhar os movimentos da tela, o usuário acaba forçando a visão para manter as imagens bem definidas; além disso, há uma diminuição na quantidade de piscadas normais, que ocorrem durante o dia para a lubrificação dos olhos pelas lágrimas, por isso os olhos ficam mais ressecados, podendo coçar, causando cansaço e vermelhidão. Após destacar as diferenças encontradas nos tipos de leitura, pode-se agora averiguar as vantagens e desvantagens encontradas pelos alunos em relação à leitura digital e à impressa, no Quadro 3, a seguir. QUADRO 3 – Vantagens e desvantagens mencionadas pelos alunos entrevistados em relação à leitura de textos impressos e de textos digitais LEITURA DO TEXTO IMPRESSO E LEITURA DO TEXTO DIGITAL Categorias Texto Impresso Texto Digital
Vantagens
Desvantagens
Posso fazer anotações, tenho mais concentração, pode ser feita em diversos locais, tais como o ônibus, onde leio muito. (G) Eu consigo organizar melhor meu raciocínio, posso ler em mais lugares, como no ônibus, em locais que não tem energia elétrica e posso manusear com facilidade, um exemplo, se eu quiser mostrar alguma coisa para alguém, eu posso pegar o papel e levar até ela sem dificuldade, já com o texto digital teria mais dificuldade (...) tem que ligar o computador, pegar a mídia, pode ser que ela não funcione no momento, pode dar erro no sistema, aí já não tem como, no papel é mais fácil,mais garantido. (LN) Acho que a única coisa que dificulta minha leitura é quando a letra muito pequena, daí tenho que me esforçar para ler e isso cansa. (AD) Papel com falhas na impressão, leitura que não é interessante ao leitor, letra em tamanho muito pequeno. (S) Hum... Às vezes a qualidade da impressão é ruim e dificulta a visualização e a concentração (...). Dependendo do tipo de letra, da fonte eu tenho dificuldade em ler. (LN)
No computador eu leio mais rápido, porque eu vou descendo assim... (fez gesto com a mão) e leio bem mais rápido.(LN) Não é necessária a impressão do texto. (F) Textos curtos eu não preciso imprimir, porque dá para ler só no computador que já entendo o conteúdo e guardo na memória. (L) No caso de letra pequena, no computador eu já posso aumentar a letra, isso facilita. (AD) O material permanece sem danos. (G) Pode aumentar a fonte. (S)
O aspecto visual, porque vai cansando a cabeça... Não poder estar marcando, registrando o texto... Eu não gosto de ler no computador! Me dá sono... É ruim demais, vai me dando um mal estar, uma sonolência, então, não dá. (A) Não é todo momento que eu tenho disponível o computador para ler, nem é em todo lugar. (LN) Falta de concentração, as vistas cansam, eu começo a ficar inquieta, vou ficando louca para sair do computador e descansar (...) parece que ele (computador) suga a minha energia. (L)
Fonte: A autora
Como já foi destacado anteriormente, e fica reafirmado no Quadro 3, a maior parte dos alunos tem preferência pela leitura do texto impresso devido às vantagens encontradas © ETD – Educ. temat. digit.
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por eles, sendo a principal delas a possibilidade de anotar, deixar suas marcas pessoais no texto. É possível dizer que a leitura e o entendimento do que foi lido é uma situação singular, ou seja, cada sujeito cria seus significados para a mensagem do texto; é uma junção das experiências que a pessoa tem com a nova descoberta inclusa na mensagem do texto e isso dá margem a diversas produções de significados. Segundo Chartier (1999, p. 77): [...] a leitura é sempre apropriação, invenção, produção de significados [...] o leitor é um caçador que percorre terras alheias. Apreendido pela leitura, o texto não tem de modo algum – ou ao menos totalmente – o sentido que lhe atribui seu autor, seu editor ou seus comentadores.
Isso significa dizer que o autor traz o sentido de seu texto ao leitor, mas é este último quem livremente compreende e dá sentido ao que lê. A necessidade de fazer anotações, marcações e grifos, citados pelos entrevistados, reafirma essa coautoria do leitor em relação ao texto, pois quando o leitor sente essa necessidade de marcar o texto e até mesmo acrescentar suas ideias diante do que foi lido não significa simplesmente que ele entendeu exatamente o que o autor escreveu, mas demonstra sua capacidade de construir a sua história, a sua compreensão por meio das ideias deixadas pelo autor. Para Chartier (1999, p. 88), “eles deixaram, no próprio livro, os vestígios de suas maneiras de ler e de compreender a obra”. O tempo histórico e as mudanças culturais consolidam as novas formas de como o leitor se comporta diante do texto: [...] os gestos mudam segundo os tempos e lugares, os objetos lidos e as razões de ler. Novas atitudes são inventadas, outras se extinguem. Do rolo antigo ao códex medieval, do livro impresso ao texto eletrônico, várias rupturas maiores dividem a longa história das maneiras de ler (CHATIER, 1999, p. 77).
Diante dos novos formatos em que o texto é disponibilizado, a leitura vai se modificando, e com o texto digital as pessoas podem utilizar diversas ferramentas para auxílio da leitura; porém esta pesquisa indica que a tecnologia foi aceita como facilitadora, mas não se tornou uma forma tão agradável quanto útil, afinal muitos alunos demonstraram resistência à leitura digital, inclusive afirmaram que essa leitura é apenas complementar a leitura no papel. As desvantagens da leitura no papel citadas pelos entrevistados estão relacionadas com letras ilegíveis e má impressão, encontradas principalmente em livros velhos, em textos
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xerocados e em manuscritos. A aluna (L) disse que se sente amedrontada ao pensar que o texto impresso pode ser totalmente substituído pelos digitais: “[...] será um tempo de falta da materialidade do texto para escrever, amassar, rasgar”. Chatier (1999) comenta sobre o lamento de alguns pelo surgimento do livro eletrônico e o provável fim do livro tradicional. Entretanto, para ele, o historiador não deve fazer um discurso nostálgico e irreal, mas sim científico, respeitando os formatos e os processos em que o texto se torna um livro. O ideal é que a definição de livro seja buscada ou formulada sem ligação direta com os formatos. A leitura contemporânea tem sido feita em ambientes altamente interativos. Por meio do espaço cibernético, existe a oportunidade de se conectar a um mundo antes muito restrito, hierarquizado, em que poucos tinham acesso ao conhecimento, contido principalmente em livros. Para Lévy (2000, p. 13), o ciberespaço é: [...] um novo espaço de interação humana que já tem uma importância profunda principalmente no plano econômico e científico, e, certamente, esta importância vai ampliar-se e vai estender a vários outros campos, como por exemplo na Pedagogia, na Estética, na Arte e na Política. O ciberespaço é a instauração de uma rede de todas as memórias informatizadas e de todos os computadores. Atualmente, temos cada vez mais conservados, sob forma numérica e registros na memória do computador, textos, imagens e música produzidos por computador. [...] Com o espaço cibernético, temos uma ferramenta de comunicação muito diferente da mídia clássica, porque é nesse espaço que todas as mensagens se tornam interativas, ganham plasticidade e têm uma possibilidade de metamorfose imediata.
O ciberespaço é um mundo invisível em que informações podem ser facilmente encontradas; é um espaço de comunicação, armazenamento e troca de dados por todos os navegadores digitais. Os alunos da pesquisa concordam que existem vantagens na leitura digital. A entrevistada LN afirmou que além das ferramentas que podem ser utilizadas no próprio texto há uma abertura para novas pesquisas no ciberespaço a partir das dúvidas que surgem durante a leitura e essas pesquisas estão muito mais completas e complexas do que as que eram possíveis antes, em enciclopédias e dicionários impressos. A maior parte das leituras feitas pelos alunos desta pesquisa ocorre no computador, seja em casa, no local de trabalho ou na própria universidade onde estudam. Diante das respostas recolhidas, é possível perceber uma grande convergência de comportamento dos leitores e de suas opiniões em relação às desvantagens da leitura na tela. A grande maioria dos entrevistados enfatizou que a leitura no computador causa certo cansaço físico,
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principalmente da visão, ocasionando sonolência, dor de cabeça, mal-estar, inquietação e o problema disso, segundo eles, está na luminosidade da tela. Não é possível ignorar que a tecnologia vem submetendo o homem a uma intensa cobrança de inserção e envolvimento com o ambiente digital. Para conseguir qualquer emprego atualmente é necessário ter conhecimento básico em informática, mesmo que a atividade a ser desenvolvida não tenha contato direto com o computador. O objetivo da globalização é que toda a população se envolva na cultura digital, e isso faz com que o ser humano, cada vez mais, fique submetido a longos períodos diante do computador, expondose assim às radiações do aparelho em momentos solitários que necessitam de concentração e fixação na tela. Atualmente já se fala na CVS – Computer Vision Syndrome, que traduzida para o português refere-se à “síndrome da visão do computador”, sendo diagnosticada em casos mais graves, atingindo principalmente profissionais e estudantes que passam o dia todo em frente ao computador e acabam tendo os sintomas mais agudos. De acordo com Pombeiro et al. (2009, p. 2), “é sabido que a visão não foi criada para encarar uma tela de computador durante muitas horas. Para atingir o foco, o usuário tem de forçar a visão para manter as imagens bem definidas”. A imagem no monitor do computador é feita por pequenos quadradinhos denominados pixels. Os nossos olhos não conseguem manter o foco neles, por isso, eles têm de focar e refocar continuamente. Depois de longo tempo de leitura, isso vai causando um estresse nos músculos oculares, resultando em sintomas como cansaço, olhos secos ou lacrimejando, vermelhidão nos olhos, entre outros já citados. Para a diminuição dos prejuízos visuais é preciso ter cuidados para com o uso do computador. Segundo Pombeiro (2009, p.2) torna-se necessário: [...] verificar as condições do ambiente de trabalho [...] A má iluminação do ambiente de trabalho, posição inadequada do monitor, cadeira posicionada ou imprópria, tela do monitor suja, ausência de intervalos durante o trabalho, bem como a não utilização de dispositivos de correção óptica, quando necessária, contribuem constantemente para o surgimento de problemas relacionados ao uso contínuo do computador.
O uso adequado do computador pode auxiliar para que a leitura seja menos cansativa, tornando-se proveitosa, já que atualmente há a necessidade de passar mais tempo diante da tela lendo, pesquisando e digitando. Diante das pesquisas atuais, é possível dizer que os
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entrevistados têm razão ao afirmar que sentem um desconforto diante da leitura no computador; alguns dos alunos nem sabem dizer qual o motivo do mal-estar, mas alegam fazer uma leitura mais proveitosa diante do texto impresso. Em relação à diferença de assimilação do conteúdo entre a leitura digital e a leitura impressa pouco foi citado; os alunos sabem que são tipos de leitura diferentes e que cada uma tem suas vantagens e desvantagens. Muitos afirmaram que a leitura no papel é mais fácil para a compreensão, mas também afirmaram que leem mais vezes no papel do que no computador, que causa cansaço. Talvez esse seja o maior motivo pelo qual a leitura no papel é mais compreensível. A aluna (C) teve uma fala bastante interessante: disse que acredita que a leitura no computador não altera a assimilação do conteúdo, porém o incômodo de estar diante da tela faz com que o leitor não tenha vontade e capacidade de ficar horas lendo, como é comum fazer com um livro impresso. A aluna também disse que a diferença na compreensão da leitura está na quantidade de vezes em que o aluno relê o texto, pois cada nova leitura traz novos olhares, novas descobertas. Segundo Lévy (2000, p. 14): O importante é que a informação esteja sob forma de rede e não tanto a mensagem porque esta já existia numa enciclopédia ou dicionário. Portanto, a verdadeira mutação se passa noutros aspectos. Em primeiro lugar, não é mais o leitor que vai se deslocar diante do texto, mas é o texto que, como um caleidoscópio, vai se dobrar e se desdobrar diferentemente diante do leitor.
Entende-se que a partir do suporte de texto que o leitor utiliza, o comportamento é modificado, pois o texto é que se move. Assim, é possível afirmar que a leitura impressa é diferente da leitura de um texto no ambiente digital, que tem suas características próprias. No texto digital há movimento, tamanhos diferenciados, janelas que podem se sobrepor ao texto, comandos ativados pelo teclado e mouse, com funções de copiar, colar, recortar, avançar, voltar, além da localização de informações de maneira rápida (CCtrl + L). Todas essas ferramentas modificam a maneira com que o texto se apresenta para o leitor e até mesmo a velocidade da leitura é modificada em relação ao impresso.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS Os estudos e os dados da pesquisa realizada no ano de 2010 com alunos do curso de Pedagogia reafirmam o entendimento de que as ações do ser humano são transformadas pela
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sociedade, ou seja, a cultura determina como o homem vive, expressa-se, comporta-se, comunica-se e, sendo assim, a linguagem segue as constantes mudanças sociais. A tecnologia integra esse movimento social constante e é uma expressão do que o homem conseguiu desenvolver. Cada vez mais o homem mostra a sua capacidade de utilizar os recursos que estão disponíveis no mundo em seu benefício. Diante da tela, o navegador participa de um compartilhamento imenso de conhecimento construído pela humanidade, e o interessante é que simultaneamente ele pode doar e receber saberes. Ao mesmo tempo em que a tecnologia contribui para a vida em sociedade, ela também obriga o homem a se inserir no mundo digital, que exige uma produção intelectual muito rápida, e assim o homem tem sido igualado a uma máquina que deve reproduzir continuamente. As escolas têm incorporado a tecnologia como auxílio na aprendizagem; os professores enviam textos eletrônicos em grande quantidade, usam data-show, comunicam-se por e-mail, exigem de seus alunos trabalhos digitados e incentivam o uso da internet para estudos e pesquisas. É possível perceber a importância social do uso do computador, tanto do ponto de vista tecnológico, quanto do da linguagem e da comunicação, mas ao mesmo tempo esta pesquisa constatou que seu uso gera alguns conflitos, principalmente para aqueles que não sabem usar todas as ferramentas de que o equipamento dispõe. Durante as entrevistas, vários alunos alegaram sentir falta de marcar o texto digital, porém, em geral, os suportes de textos dispõem de ferramentas para realçar, riscar e sublinhar, além de adicionar comentários e notas. Esse fato demonstra que a maioria dos alunos tem apenas o conhecimento básico e isto acaba desfavorecendo a leitura, pois o texto digital é projetado e se movimenta na tela mediante os comandos do leitor. Outro motivo encontrado para a falta de qualidade na leitura diante da tela é o desconforto citado pelos leitores por causa da claridade da luz emitida, que acaba cansando os olhos e desmotivando o leitor, que se sente cansado e indisposto. Por meio da análise dos dados foi possível perceber que o comportamento do leitor em relação ao texto digital foi modificado bruscamente e isso causa ainda dificuldades na leitura, que acaba não sendo tão proveitosa quanto no papel com o qual o leitor está totalmente adaptado.
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A leitura digital exige um leitor muito dinâmico, que saiba selecionar os textos que chegam até ele, que tenha conhecimento sobre a linguagem utilizada no texto eletrônico e sobre os aparatos tecnológicos. É por isto que os alunos sentem mais dificuldades na leitura do texto digital: por causa da grande quantidade de informações com as quais entra em contato quando estão diante da tela. Fica difícil se concentrar no conteúdo quando há inúmeros comandos disponíveis, além de todos os signos não verbais, tais como, áudio, vídeo, imagem e animações dispostos no texto. Fica claro que o ato de ler na tela exige novas técnicas de leitura e causa certa tensão no leitor que está acostumado com o impresso. O contato físico com o texto é uma questão cultural e ainda está fortemente arraigada nos leitores. As práticas de leitura vêm acompanhando a evolução tecnológica, mas diante disso o homem precisa se adaptar verdadeiramente aos novos suportes textuais para que a leitura não perca sua função, que é a de informar, proporcionar a assimilação de novos conhecimentos. Entretanto, a mudança não é instantânea, mas sim um processo que leva tempo, o tempo histórico-cultural em que o indivíduo está inserido.
REFERÊNCIAS ANDRÉ, Marli Elisa Dalmazo. Estudo de caso em pedagogia e avaliação educacional. Brasília: Líber Livro Editora, 2005. BELMIRO, Ângela. Fala, escritura e navegação: caminhos da cognição. In: COSCARELLI, Carla Viana (Org.). Novas tecnologias, novos textos, novas formas de pensar. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, p. 15-23. CHARTIER, Roger. A aventura do livro: do leitor ao navegador. São Paulo: Unesp, 1999. COSCARELLI, Carla Viana. Entre textos e hipertextos. In: COSCARELLI, Carla Viana. (Org.). Novas tecnologias, novos textos, novas formas de pensar. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, p. 23-35. LEONTIEV, Alexis. O homem e a cultura. In: LEONTIEV, Alexis. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978. LÉVY, Pierre. A emergência do cyberspace e as mutações culturais. In: PELLANDA, Nize Maria Campos; PELLANDA, Eduardo Campos (Org.). Ciberespaço: um hipertexto com Pierre Lévy. Porto Alegre: Artes e Ofícios, 2000, p. 12-20.
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POMBEIRO, Orlei José et al. Saúde X computador: duelo que prejudica o homem. Disponível em: < http://www.vivavidamt.com.br/textos/Sa%FAdecomputadorhomem.pdf>. Acesso em: 20 set. 2010. VYGOTSKY, Lev Semenovitch. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Como citar este texto: MORAES, Léa Anny de Oliveira; ARENA, Adriana Pastorello Buim. Novas práticas de leitura: implicações no comportamento do aluno-leitor. ETD - Educação Temática Digital, Campinas, SP, v. 15, n. 2, p.230-249, maio/ago. 2013. ISSN 1676-2592. Disponível em: <http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/etd/article/view/2994>. Acesso em: 29 Aug. 2013.
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CDD: 374
DIALOGICIDADE E A FORMAÇÃO DE EDUCADORES NA EJA: AS CONTRIBUIÇÕES DE PAULO FREIRE DIALOGICITY AND TEACHER TRAINING IN ADULT EDUCATION: THE CONTRIBUTIONS OF PAULO FREIRE DIALOGICIDAD Y LA FORMACIÓN DE LOS EDUCADORES EN LA EDUCACIÓN DE ADULTOS: LOS APORTES DE PAULO FREIRE Leôncio José Gomes Soares1 Ana Paula Ferreira Pedroso2 RESUMO: A Educação de Jovens e Adultos (EJA) constitui uma modalidade educativa estruturada a partir da constatação de que seus sujeitos trazem consigo um conjunto de vivências e saberes que devem ser tomados como norteadores das práticas pedagógicas (FREIRE, 1978, 1992, 1999). Assim, atentando-se para tais especificidades inerentes ao campo da EJA, presume-se que o perfil do profissional que atua nessa modalidade deve também ser diferenciado. Entretanto, a discussão acerca das bases teóricas fundamentais para a formação dos educadores de jovens e adultos permanece sem parâmetros que possam orientá-la (ARROYO, 2006; VÓVIO, 2010). Nesse sentido, o presente artigo apresenta algumas reflexões acerca das especificidades inerentes ao campo da Educação de Jovens e Adultos, com o objetivo de demarcar essa modalidade educativa. Em seguida, a problemática da formação de seus educadores é abordada, explicitando-se seus principais desafios. Por fim, e sem ter a pretensão de esgotar a referida discussão, busca-se elencar alguns pressupostos defendidos por Paulo Freire, sobretudo os relacionados à dialogicidade, no intuito de contribuir para a discussão das questões mencionadas. PALAVRAS-CHAVE: Educação de jovens e adultos. Formação de professores. Diálogo. ABSTRACT: The Adult Education is a structured educational modality from the fact that its subjects bring with them a set of experiences and knowledge that should be taken as a guide to their pedagogical practices (Freire, 1978, 1992, 1999). Thus, paying attention to the specifics inherent to the field of adult education, it is assumed that the profile of professionals working in this area should also be differentiated. However, the discussion of the fundamental theoretical basis for the training of these educators remains without parameters as guidelines (ARROYO, 2006; VÓVIO, 2010). Accordingly, this article presents some reflections on the particularities inherent to the field of Adults Education in order to contextualize this type of education. Then the problem of training teachers is discussed, detailing key challenges. Finally, and without pretending to end this debate, it is intended to list some assumptions advocated by Paulo Freire, especially those related to the dialogicity, in order to contribute to the discussion of the issues mentioned. KEYWORDS: Adult education. Teacher training. Dialogue.
1
Pós-Doutorando em Educação na Northern Illinois University com bolsa da CAPES. Professor Associado da UFMG e Pesquisador do CNPq. Belo Horizonte – MG – Brasil – E-mail: leonciosoares@uol.com.br 2 Pedagoga. Doutoranda em Educação e bolsista da CAPES pela UFMG. Belo Horizonte – MG – Brasil – Email: ana@crions.com.br Recebido em: 04/06/2012 – Aprovado em: 27/06/2013 © ETD – Educ. temat. digit.
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RESUMEN: Educación de Jóvenes y Adultos (EJA) es una modalidad educativa estructurada sobre la constatación de que sus sujetos traen consigo un conjunto de experiencias y conocimientos que se deben tomar como guía las prácticas pedagógicas (Freire, 1978, 1992, 1999). Por lo tanto, prestar atención a tales especificidades inherentes al campo de la educación de adultos, se supone que el perfil del profesional que actua en esta modalidad también debe ser diferenciada. Sin embargo, la discusión sobre las bases teóricas fundamentales para la formación de educadores y jóvenes sigue sin parámetros que pueden guiar a él (ARROYO, 2006; VÓVIO, 2010). Por consiguiente, este artículo presenta algunas reflexiones sobre las particularidades inherentes al campo de la Educación de Jóvenes y Adultos, con el fin de delimitar esta modalidad educativa. Luego se discute el problema de la formación de sus profesores, explicando sus principales desafíos. Por último, y sin pretender agotar la discusión anterior, tratamos de enumerar algunos supuestos defendidos por Paulo Freire, en especial las relacionadas con la dialogicidad, a fin de contribuir a la discusión de los temas mencionados. PALABRAS CLAVE: Jóvenes y Adultos. Formación del Professorado. Diálogo.
1 O CAMPO DA EJA E SUAS ESPECIFICIDADES: PRINCIPAIS PREMISSAS Agora, o senhor chega e diz: “Ciço, e uma educação dum outro jeito? Um saber pro povo do mundo como ele é?” Esse eu queria ver explicado. [...] Aí o senhor diz que isso bem podia ser feito. [...] Daí eu pergunto. “Pode? Pode ser dum jeito assim?”3
O debate acerca das possibilidades das práticas pedagógicas vem ganhando cada vez mais espaço nos contextos educacionais. Especialmente em relação à EJA, tais discussões têm enfatizado que, para se potencializar o processo ensino-aprendizagem, as práticas pedagógicas devem tomar a vivência dos sujeitos como ponto de partida (PARREIRAS, 2001). Tal assertiva constitui uma das principais premissas defendidas por Paulo Freire, que argumenta que as práticas pedagógicas devem considerar o contexto de vida dos educandos como conteúdo básico, levando-os a se compreenderem como seres culturais, originários e produtores de cultura (FREIRE, 1978, 1992, 1999). No que diz respeito à EJA, é importante atentar para o fato de que a experiência de vida de seus educandos confere a essa modalidade educativa uma identidade que a diferencia da escolarização regular, com demandas educativas específicas, características diferenciadas de aprendizado, práticas adequadas de trabalho, representações também distintas acerca da idade cronológica e do tempo de formação (SOARES, 2011). Segundo Arroyo (2005), tais premissas são fundamentais na configuração da EJA enquanto campo específico:
3
Antônio Cicero de Sousa, lavrador de sitio na estrada entre Andradas e Caldas, no sul de Minas Gerais. Trecho da entrevista feita por Carlos Rodrigues Brandão, publicado no prefácio do livro “A questão política da educação popular” (BRANDÃO, C. R. A questão política da educação popular. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1984). © ETD – Educ. temat. digit.
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A Educação de Jovens e Adultos tem de partir, para sua configuração como um campo específico, da especificidade desses tempos de vida – juventude e vida adulta – e da especificidade dos sujeitos concretos que vivenciam esses tempos. Tem de partir das formas concretas de viver seus direitos e da maneira peculiar de viver seu direito à educação, ao conhecimento, à cultura, à memória, à identidade, à formação e ao desenvolvimento pleno (ARROYO, 2005, p.22).
Para além dessas preposições, cabe destacar que a singularidade dessa modalidade educativa em relação às outras engendra uma dinâmica própria do público que ela atende. Quando nos referimos ao educando jovem e adulto, não nos reportamos a qualquer sujeito vivenciando a etapa de vida jovem ou adulta, e sim a um público particular e com características específicas: sujeitos que foram excluídos do sistema escolar (possuindo, portanto, pouca ou nenhuma escolarização); indivíduos que possuem certas peculiaridades socioculturais; sujeitos que já estão inseridos no mundo do trabalho; sobretudo, sujeitos que se encontram em uma etapa de vida diferente da etapa da infância (OLIVEIRA, 2001). O reconhecimento de tais especificidades também foi salientado em pesquisa realizada por Silva (2010): Diante da proposição de se trabalhar com a Educação de Jovens e Adultos – EJA depara-se, de pronto, com uma necessidade real de olhar para esses sujeitos de maneira diferenciada da comumente associada aos estudantes que seguem uma trajetória escolar quando crianças e adolescentes. As pessoas jovens e adultas, ao retornarem aos espaços de educação formal, carregam consigo marcas profundas de vivências constitutivas de suas dificuldades, mas também de esperanças e possibilidades, algo que não deveria ficar fora do processo de construção do saber vivenciado na escola (SILVA, 2010, p.66).
Frente ao exposto, não se pode desconsiderar que esses alunos jovens e adultos possuem uma grande bagagem de conhecimentos, construída ao longo de suas histórias de vida. Eles trazem consigo saberes, crenças e valores já constituídos, e é a partir do reconhecimento do valor de suas experiências de vida e de suas visões de mundo que cada aluno jovem ou adulto pode apropriar-se das aprendizagens escolares de modo crítico e original, na perspectiva de ampliar sua compreensão e seus meios de ação e interação no mundo. Tal assertiva é defendida por Freire (1992): O que tenho dito sem cansar, e redito, é que não podemos deixar de lado, desprezado como algo imprestável, o que educandos [...] trazem consigo de compreensão do mundo, nas mais variadas dimensões de sua prática na prática social de que fazem parte. Sua fala, seu modo contar, de calcular, de seus saberes em torno da saúde, do corpo, da sexualidade, da vida, da morte, da força dos santos, dos conjuros (FREIRE, 1992, p. 85-86).
Todavia, é importante explicitar que a afirmação sobre o valor que possuem tais saberes nunca implicou que Freire considerasse que os educandos devessem ficar limitados a © ETD – Educ. temat. digit.
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tais conhecimentos. Partir do saber que os educandos tenham não significa ficar girando em torno deste saber. Partir significa pôr-se a caminho, ir-se, deslocar-se de um ponto a outro e não ficar, permanecer. Jamais disse, como às vezes sugerem ou dizem que eu disse, que deveríamos girar embevecidos, em torno do saber dos educandos, como mariposas em volta da luz. Partir do ‘saber de experiência feito’ para superá-lo não é ficar nele (FREIRE, 1992, p. 70-71).
Ou seja, é imprescindível que os educadores procurem conhecer seus educandos, suas características, suas culturas, suas expectativas, além de suas necessidades de aprendizagem. Cabe ressaltar que estas não estão desvinculadas das necessidades básicas da população. Nesse contexto, “a EJA deve perguntar primeiro que realidade há de transformar, e depois o que pode fazer a educação para que essa transformação seja de melhor qualidade” (SOARES, 2001, p. 211-212). Para tanto, Freire afirma que é fundamental que os docentes construam uma postura dialógica e dialética, não mecânica, trabalhando o processo ensinoaprendizagem fundamentado na consciência da realidade vivida pelos educandos, jamais o reduzindo à simples transmissão de conhecimentos (FREIRE, 1992). Coerentemente com todas essas colocações, esse princípio tem como base fundamental a concepção de educação libertadora, que segundo o referido autor, “implica na negação do homem abstrato, isolado, solto e desligado do mundo, e na negação do mundo como uma realidade ausente dos homens” (FREIRE, 1978, p. 81). Ao contrário, tal concepção enreda um esforço permanente pelo qual os homens vão percebendo, criticamente, como estão inseridos no mundo em que se encontram. A partir dessa perspectiva, fica explícito não só a relevância, mas principalmente o desafio da complexidade que se revela aos educadores dessa modalidade de ensino, conforme corroborado por Moura (1999): Ao longo de sua trajetória, Freire mostrou que os educadores de alunos jovens e adultos devem, além de seu papel político de ajudar a desvelar o mundo, a fazer uma leitura crítica da realidade e buscar elementos necessários à intervenção na sociedade, proporcionar aos educandos os saberes necessários à leitura e escrita da palavra e a sua consequente apropriação como instrumento desencadeador de novos conhecimentos que possibilitem formas competentes de atuação nos contextos em que estão inseridos (MOURA, 1999, p. 76)
A partir das questões apresentadas, pode-se afirmar que a tarefa imputada aos educadores de alunos jovens e adultos exige deles um perfil plural, múltiplo e, mais do que isso, flexível, movediço. Assim, em razão desse perfil diferenciado, torna-se imperativo indagar sobre os desafios inerentes à formação do educador de jovens e adultos, conforme sistematizado a seguir. © ETD – Educ. temat. digit.
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1.1 Formação de educadores de jovens e adultos: possibilidades e desafios Diante do contexto apresentado, as reflexões acerca das práticas pedagógicas voltadas para a EJA, trazem à tona, como implicação direta, alguns questionamentos relacionados à formação dos educadores nessa modalidade de ensino, dentre eles: quais são as bases teóricas necessárias para a formação desses educadores? Porém, antes de nos debruçarmos sobre essa questão, é importante destacar que o debate que envolve o processo de formação do educador de jovens e adultos não é recente. Em trabalho anterior, já constatávamos que: a primeira Campanha Nacional de Educação de Adultos no Brasil, lançada em 1947 e baseada na ação voluntariada, foi sistematicamente criticada por não preparar adequadamente professores para trabalhar com essa população. Além disso, o I Congresso Nacional de Educação de Adultos, realizado no Rio de Janeiro, ainda em 1947, já ressaltava as especificidades das ações educativas em diferentes níveis e recomendava uma preparação mais apropriada para se trabalhar com adultos. Passados mais de dez anos, no II Congresso Nacional de Educação de Adultos, realizado em 1958, as críticas à ausência de formação específica para o professorado, assim como à falta de métodos e conteúdos pensados particularmente para a Educação de Adultos, tornaram-se ainda mais agudas, explícitas e generalizadas (SOARES, 2008, p. 84).
Além disso, tem-se observado que, nas últimas décadas, a questão da profissionalização do educador de adultos vem se tornando cada vez mais nuclear nas práticas educativas e nas discussões teóricas da área. Aos poucos, a própria legislação incorporou a necessidade de uma formação diferenciada desse educador (SOARES, 2003). No campo legal, a LDB 5692/714 tem um capítulo dedicado exclusivamente ao ensino supletivo e às demandas na formação do educador, considerando as especificidades do trabalho com esse público. Também a nova LDB, Lei 9394/965, enfatiza a necessidade de uma preparação adequada ao educador de jovens e adultos. As Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA também propõem um importante movimento no que se refere à formação do educador desse campo de ação educativa, ao destacar as especificidades exigidas desse profissional. Nessa perspectiva, na medida em que o movimento de caracterização da educação de jovens e adultos se amplia, o aprofundamento do debate sobre formação do educador da EJA 4
BRASIL. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1º e 2º graus, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1971. Disponível em: http://www.prolei.inep.gov.br/prolei/. Acesso em junho de 2007. 5 BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (9.394/96), de 20 de dezembro de 1996. Apresentação por Carlos Roberto Jamil Cury. 6 ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. 176 p. © ETD – Educ. temat. digit.
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torna-se imprescindível. . Ao discutirmos a educação como direito, não há como e nem porque desconsiderarmos os sujeitos envolvidos, com todas as suas peculiaridades que, em última análise, devem estar sintonizados com cada proposta educativa, o que nos leva a problematizar o perfil do educador capaz de efetivar esse processo. Como coloca Barreto (2006): não se pode perder de vista que a formação é um momento privilegiado de pensar o trabalho do educador. A conciliação destes dois aspectos, teoria e prática, só é possível porque toda prática tem uma sustentação teórica, isto é, um conjunto de ideias, valores, preconceitos, certezas e outras representações que fazem o educador agir da forma que age (BARRETO, 2006, p. 97).
Mas, se não é uma questão nova, como apontado por Soares, somente nas últimas décadas a formação de educadores para a EJA vem ganhando ênfase, o que pode ser relacionado à própria configuração do campo da Educação de Jovens e Adultos. Nesse sentido, “a formação dos educadores tem se inserido na problemática mais ampla da instituição da EJA como um campo pedagógico específico que, desse modo, requer a profissionalização de seus agentes” (SOARES, 2008, p. 85). De acordo com a Declaração de Hamburgo sobre Educação de Adultos: A Educação de Adultos engloba todo o processo de aprendizagem, formal ou informal, onde pessoas consideradas “adultas” pela sociedade desenvolvem suas habilidades, enriquecem seu conhecimento e aperfeiçoam suas qualificações técnicas e profissionais, direcionando-as para a satisfação de suas necessidades e as de sua sociedade. A Educação de Adultos inclui a educação formal, a educação não formal e o espectro da aprendizagem informal e incidental disponível numa sociedade multicultural, onde os estudos baseados na teoria e na prática devem ser reconhecidos (UNESCO; MEC, 1997, p. 42).
Tal proposição é corroborada pelo inciso VII do art. 4º da LDBEN 9394/96, que determina que as especificidades dos trabalhadores matriculados nos cursos noturnos devem ser consideradas no contexto pedagógico. Assim, torna-se evidente a necessidade de uma formação específica para atuar na EJA, o que é sustentado pelo Parecer CEB/CNE 11/20006: “Trata-se de uma formação em vista de uma relação pedagógica com sujeitos, trabalhadores ou não, com marcadas experiências vitais que não podem ser ignoradas” (p. 58). Entretanto, é importante ressaltar que, no meio acadêmico, a quantidade de pesquisas voltadas para essa temática nessa modalidade de ensino ainda é escassa e lacunar. A exemplo disso, nas últimas dez Reuniões Anuais da ANPEd (25a - 2002 a 34a - 2011), dos 233 6
BRASIL. Conselho Nacional de Educação/Câmara de Educação Básica. Parecer nº 11/2000, de 10 de maio de 2000. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos. 2000. © ETD – Educ. temat. digit.
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trabalhos apresentados no GT8 sobre Formação de Professores, não foi encontrado nenhum no campo da EJA. Tal assertiva é confirmada pelos estudos de Haddad (2000) e de Pereira (2006), que nos alertam que essa produção não tem se mostrado tão efervescente e abrangente na EJA como se apresenta em outras modalidades. Esse fato tem como agravante a proporção atual da população brasileira jovem e adulta pouco ou não escolarizada, e reafirma a posição marginal que a EJA tem ocupado no campo das pesquisas acadêmicas relacionadas à formação de educadores, ou ainda, no campo das práticas e programas educativos (VÓVIO, 2010). Outro aspecto importante a ser destacado em relação à formação de educadores de jovens e adultos é a inexistência de parâmetros oficiais que possam delinear o perfil desse profissional. Isso pode ser associado ao fato de não termos ainda uma definição muito clara da própria EJA, pois, conforme já mencionado, trata-se de uma área em processo de amadurecimento e, portanto, com muitas interrogações. Nesse contexto, deve-se registrar que mesmo após dez anos do GT18 da ANPEd7 e da realização de três Seminários Nacionais sobre a Formação de Educadores de EJA8, os seus fundamentos permanecem em discussão. Tal fato é reiterado por Arroyo, quando afirma que “o perfil do educador de EJA e sua formação encontram-se ainda em construção” (ARROYO, 2006, p. 18). Em razão do exposto, a questão que se impõe é: qual seria o e perfil de educadores de jovens e adultos? Em concordância com o que foi mencionado anteriormente, se partirmos do pressuposto de que é fundamental reconhecer as especificidades da EJA, então se torna imprescindível reconhecer essas peculiaridades e, a partir delas, estabelecer os parâmetros para esse educador, e, consequentemente, uma política específica para a sua formação. Em síntese, é o que propõe Arroyo, ao enfatizar a “particularidade de sua condição social, étnica, racial e cultural [...] como o ponto de referência para a construção da EJA e para a conformação do perfil do seu educador” (ARROYO, 2006, p. 23). Do contrário, os educandos serão vistos apenas como alunos com trajetórias escolares truncadas, incompletas, a serem supridas. E, enxergar esses jovens e adultos a partir da ótica escolar é negar identidade à EJA. Diante disso, ser educador exige uma postura aberta e dialógica, de
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Grupo de Trabalho sobre Educação de Jovens e Adultos da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação. 8 Os Seminários Nacionais sobre a Formação de Educadores de EJA foram realizados, respectivamente, em 2006 (Belo Horizonte/MG), 2007 (Goiânia/GO) e 2010 (Porto Alegre/RS). Cada um desses seminários deu origem a uma publicação, quais sejam: SOARES, 2006; MACHADO, 2008; OLIVEIRA et al, 2011. © ETD – Educ. temat. digit. Campinas, SP v.15 n. 2 p.250-263 maio/ago. 2013 ISSN 1676-2592
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comunhão em relação ao contexto no qual cada educando está inserido e aos valores que trazem consigo. Outro elemento essencial para o qual se deve atentar em relação à formação do educador de jovens e adultos é a base teórica que irá fundamentar a sua prática. Para tanto, cabe destacar que as teorias pedagógicas construídas com base no período da infância (quando se acreditava que os tempos da educação se esgotavam depois da infância e da adolescência), não atendem às características inerentes à EJA e, portanto, não respondem às demandas advindas da prática do seu educador. Constata-se, portanto, que outro grande desafio se apresenta: a construção, pelos próprios educadores da EJA, de uma proposta pedagógica que privilegie os processos de formação dos jovens e adultos, sujeitos que já têm voz e questionamentos, e que são formados em múltiplos espaços. Para além, conforme argumentado por Arroyo (2006), é necessário vincular a construção dessa teoria pedagógica com as grandes matrizes formadoras que tiveram por referência a vida adulta: educação e trabalho, movimentos sociais eculturais. É preciso reconhecer inclusive, como nos lembra Freire (1978), que a própria opressão vivida por esses jovens e adultos é uma matriz formadora. Coerentemente com essa questão, é essencial que os educadores da EJA sejam capacitados para perceber e considerar os saberes que seus educandos trazem de sua vivência, uma vez que o conteúdo escolar selecionado, ordenado e hierarquizado para as mentes e vivências infantis, não se adéqua à realidade do público jovem e adulto. Isso se torna ainda mais evidente ao legitimarmos a herança deixada pelos movimentos de educação popular, que tanta importância deu à EJA. Um legado do trabalho e da valorização dos saberes, conhecimentos, culturas, interrogações e significados que os jovens e adultos produzem em suas vivências individuais e coletivas. Em termos concretos, é preciso considerar que a experiência vivenciada por educandos e educadores pode se constituir em um eixo propício para a leitura crítica do mundo e para a construção de uma visão reflexiva que vá além do instituído, possibilitando a emergência do novo. Nesse contexto, o foco para se definir uma política para a EJA e para a formação do seu educador deve enfatizar a necessidade de os profissionais buscarem refinar seus procedimentos para conhecer bem quem são esses jovens e adultos populares e como se conformam como tal. De acordo com Fávero et al. (1999), o profissional da EJA tem como desafio conhecer, valorizar e se apropriar dos diversos espaços em que jovens e adultos © ETD – Educ. temat. digit.
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transitam e constroem conhecimentos, no intuito de oferecer a eles possibilidades de se apropriarem criticamente da realidade e transformá-la. Para tanto, muitos autores apontam para a necessidade de os processos formativos desses educadores partirem da prática pedagógica, seguidos da teorização sobre ela, mantendo esse movimento de ação-reflexão.
1.2 Dialogicidade: base para se pensar a formação de educadores na EJA Ao afirmar que “formar é muito mais que puramente treinar o educando no desempenho de destrezas” (FREIRE, 1999, p.14), Freire nos convida a refletir sobre a postura dos educadores. Neste sentido, é necessário que os docentes assumam-se como colaboradores9 da produção do saber e compreendam que ensinar significa criar possibilidades para a construção do conhecimento. Nessa perspectiva, e sem ter a pretensão de esgotar a referida discussão, torna-se imperativa uma reflexão mais aprofundada acerca da dialogicidade e das suas contribuições para a formação dos educadores na EJA, um importante referencial epistemológico da teoria freiriana. Segundo o autor, considerando que o ato de conhecer dá-se no processo social, o diálogo, se configura como o principal mediador desse caminho. Assim, no processo de aprendizagem, só aquele que escuta de fato - que encontra sentido no que foi dito, a partir de procedimentos de apropriação, transformação, reinvenção e aplicação concreta – aprende, constrói conhecimento. O diálogo impõe a superação da dicotomia ensino-aprendizagem como compreensão tradicional da educação, por não se efetivar em processos de extensão ou de invasão cultural, no qual está implícita a ação de levar, transferir ou depositar algo em alguém. Essa seria uma proposta antidialógica e incompatível com uma educação humanista e libertadora, uma vez que toda invasão cultural pressupõe a conquista, a manipulação e outros instrumentos de domesticação. Para uma educação libertadora, o conhecimento tem que ser dialógico, sem espaço para invasões e manipulações, ações que não cabem quando se busca compreender as relações homem-mundo, e a transformação constante da realidade. É o que Freire coloca: Comecemos por afirmar que somente o homem, como um ser que trabalha, que tem um pensamento-linguagem, que atua e é capaz de refletir sobre si mesmo e sobre a sua própria atividade, que dele se separa, somente ele, ao alcançar tais níveis, se fez um ser da práxis. Somente ele vem sendo um ser de relações num mundo de relações. (...) Desprendendo-se do seu contorno, veio tornando-se um ser, não da adaptação, mas da transformação do contorno, um ser de decisão. 9
Colaborar: aqui entendido como laborar junto, em prol de algo comum. © ETD – Educ. temat. digit. Campinas, SP v.15 n. 2 p.250-263
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(...) Daí que, para este humanismo, não haja outro caminho senão a dialogicidade. Para ser autêntico só pode ser dialógico. E ser dialógico, para o humanismo verdadeiro, não é dizer-se descomprometidamente dialógico; é vivenciar o diálogo. Ser dialógico é não invadir, é não manipular, é não sloganizar. Ser dialógico é empenhar-se na transformação constante da realidade (FREIRE, 2001, p. 39).
O diálogo, conceito-chave e prática essencial na concepção freiriana, é o momento em que homens e mulheres se encontram para refletir sobre sua realidade, sobre o que sabem e o que não sabem, para construir novos saberes como sujeitos conscientes e comunicativos. “O que se pretende com o diálogo é a problematização do próprio conhecimento em sua indiscutível relação com a realidade concreta na qual se gera e sobre a qual incide, para melhor compreendê-la, explicá-la, transformá-la.” (FREIRE, 2001, p. 52). Ressalta-se que esse diálogo deve significar, ao mesmo tempo, ação-reflexão e, portanto, corresponder à práxis. Ao mesmo tempo em que refletimos sobre e denunciamos o mundo em que vivemos, agimos para sua transformação. Assim, a dialogicidade se revela como uma categoria capaz de catalisar o pensamento crítico, de promover a comunicação e de garantir uma educação comprometida com a humanização. É a possibilidade de se rever práticas estabelecidas e poder reconhecer que há sempre outras coisas a observar, a dizer e a descobrir. A educação problematizadora se faz, assim, num esforço permanente pelo qual os homens vão percebendo, criticamente, como estão sendo no mundo com que e em que se encontram. Por isso, o diálogo é “o selo do ato cognoscente, desvelador da realidade”. Essa dialogicidade começa “não quando o educador-educando se encontra com os educandoseducadores em uma situação pedagógica, mas antes, quando aquele se pergunta em torno do que vai dialogar com estes” (FREIRE, 1978, p. 96). Em relação a isso, Freire propõe que o ponto de partida desse diálogo seja a busca do conteúdo programático, em que estão implicados saberes diferentes que não podem ser impostos por ninguém, mas podem emergir a partir da comunicação crítica e esperançosa sobre nossa condição no mundo. Conforme apontado por Zitkoski: O desafio freiriano é construirmos novos saberes a partir da situação dialógica que provoca a interação e a partilha de mundos diferentes, mas que comungam do sonho e da esperança de juntos construirmos nosso ser mais (Zitkoski, 2010, p. 118).
De acordo com Paulo Freire, o momento dessa busca é o que inaugura o diálogo da educação como prática da liberdade. É o momento em que se realiza a investigação do que é chamado de universo temático ou o conjunto de temas geradores (FREIRE, 1978). O que se © ETD – Educ. temat. digit.
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pretende investigar é a visão de mundo dos educandos a respeito de determinada realidade e como cada um percebe e se relaciona com essa realidade. É importante explicitar que os temas geradores não são temáticas motivacionais que se limitam a satisfazer as curiosidades dos educandos, recursos didáticos para melhor atrair sua atenção. São objetos de estudo selecionados no processo de investigação junto à comunidade e a partir do seu caráter significativo, conflituoso e contraditório. “A representação concreta de muitas destas ideias, destes valores, destas concepções e esperanças, como também os obstáculos ao ser mais dos homens constituem os temas da época” (FREIRE, 1978, p.107). Nessa perspectiva, o tema gerador não se encontra em homens isolados da realidade, tampouco na realidade separada dos homens. Só pode ser compreendido nas relações homens-mundo. Por isso, investigar o tema gerador é investigar o pensar e o atuar dos homens sobre a realidade. E, para o conhecimento da visão de mundo dos educandos, onde estão os seus temas geradores, é imprescindível uma pesquisa que possa desencadear uma ação dialógico-problematizadora. “Assim é que, no processo de busca da temática significativa, já deve estar presente a preocupação pela problematização dos próprios temas” (FREIRE, 1978, p. 116). A problematização é a reflexão que alguém exerce sobre um conteúdo ou ato para agir melhor, na realidade, com os demais e não tem um ponto de chegada. A cada passo dado no sentido de aprofundar-se na situação problemática, novos caminhos de compreensão do objeto de análise vão surgindo, como defende Freire: Colocar este mundo humano como problema para os homens significa proporlhes que “ad-mirem”, criticamente, numa operação totalizada, sua ação e a de outros sobre o mundo. Significa “re-ad-mirála”, através da “ad-miração” da “admiração” anterior, que pode ter sido feita ou realizada de forma ingênua, não totalizada. Desta maneira, na “ad-miração” do mundo “admirado”, os homens tomam conhecimento da forma como estavam conhecendo, e assim reconhecem a necessidade de conhecer melhor. Aí reside toda a força da educação que se constitui em situação gnosiológica (FREIRE, 2001, p. 57).
Sintetizando, para Paulo Freire, a dialogicidade Freire, está ancorada no tripé educador-educando-objeto do conhecimento. E, para que ela se efetive de fato, ou seja, haja a aproximação entre educador-educando-objeto do conhecimento, o principal instrumento é a pesquisa do universo vocabular, cultural, e das condições de vida dos educandos. Nesse contexto, o diálogo freiriano torna-se um referencial epistemológico de uma pedagogia que possibilita construir coletivamente uma educação que promova a humanização e a libertação. Diante do exposto, ressalta-se que a proposta de uma formação docente pautada nas premissas da dialogicidade encontra uma ampla argumentação, na medida em que seus © ETD – Educ. temat. digit.
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fundamentos apoiam-se em pilares que norteiam uma educação humanizadora e para todos. Além disso, o diálogo, na qualidade de uma categoria fundamental do pensamento freiriano, tem-se mostrado imprescindível para se pensar as práticas pedagógicas e o currículo, sobretudo no âmbito da EJA.
REFERÊNCIAS ARROYO, Miguel. Formar educadores e educadoras de jovens e adultos. In: SOARES, Leôncio José Gomes (Org.). Formação de educadores de jovens e adultos. Belo Horizonte: Autentica, 2006. p. 17-32. ARROYO, Miguel. Educação de jovens adultos: um campo de direitos e de responsabilidade pública. In: SOARES, Leôncio José Gomes; GIOVANETTI, Maria Amélia.; GOMES, Nilma Lino. (Org.). Diálogos na educação de jovens e adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. p.19-50. BARRETO, Vera. Formação Permanente e Continuada. In: SOARES, L.J.G. (Org.) Formação de educadores de jovens e adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2006, p.93-101. FÁVERO, Osmar, RUMMERT, Sonia Maria, DE VARGAS, Sonia Maria de. A formação de profissionais para a educação de jovens e adultos trabalhadores, In: REUNIÃO ANUAL DA ANPEd, 22., Caxambu, 1999. Anais da... Caxambu: ANPEd, 1999. FREIRE, Paulo. Extensão ou comunicação? Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001. 65 p. FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 11 ed. São Paulo: Paz e Terra, 1999. 165 p. FREIRE, Paulo. Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1992. 245 p. FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 6 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. 218 p. HADDAD, Sérgio. (Coord.). O estado da arte das pesquisas em educação de jovens e adultos no Brasil: a produção discente da pós-graduação em educação no período 19861998. São Paulo, 2000. 123 p. Disponível em: <http://www.acaoeducativa.org.br/base. php?t=publ_down&y=base&z=16 >. Acesso em: 10/11/06. MACHADO, Maria Margarida (Org.). Formação de educadores de jovens e adultos. Brasília: MEC/Secad; UNESCO, 2008. 184 p. MOURA, Tânia Maria de Melo. A prática pedagógica dos alfabetizadores de jovens e adultos: uma contribuição de Paulo Freire, Emilia Ferreiro e Vygotsky. Maceió: EDUFAL, 1999. 215 p.
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Como citar este texto: SOARES, Leôncio José Gomes; PEDROSO, Ana Paula Ferreira. Dialogicidade e a formação de educadores na EJA: as contribuições de Paulo Freire. ETD - Educação Temática Digital, Campinas, SP, v. 15, n. 2, p.250-263, maio/ago. 2013. ISSN 1676-2592. Disponível em: <http://www.fae. unicamp.br/revista/index.php/etd/article/view/3063>. Acesso em: 28 ago. 2013.
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CDD: 370.71
A FORMAÇÃO DO PROFESSOR NO CONTEXTO DAS TECNOLOGIAS DO ENTRETENIMENTO TEACHER EDUCATION IN THE CONTEXT OF ENTERTAINMENT TECHNOLOGIES FORMACIÓN DE PROFESORES EN EL CONTEXTO DE LAS TECNOLOGÍAS DE ENTRETENIMIENTO
Eucidio Pimenta Arruda1 RESUMO: Este artigo tem como objetivo discutir e problematizar a formação dos professores no contexto das tecnologias do entretenimento e das mudanças cognitivas nas formas como os jovens aprendem e ensinam. A centralidade do lazer e do entretenimento na vida contemporânea altera as estratégias de ensino e aprendizagem escolares. Tais estratégias passam, necessariamente, por mudanças estruturais dos cursos de formação de professores, uma vez que, mais do que a incorporação do equipamento, à escola cabe um papel importante de reconhecimento das mudanças cognitivas e sociais das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs), a fim de que seja possível formar as novas gerações para outras formas de apropriação de tais tecnologias que ultrapassem a lógica do consumo, da centralidade do lazer e do entretenimento e ajudem a construir outras experiências culturais mais amplas e humanas. PALAVRAS-CHAVE: Lazer e entretenimento. Ensino-aprendizagem. Formação de professores. ABSTRACT: This article aims to discuss and problematize the training of teachers in the context of the entertainment technologies and cognitive changes in the ways young people learn and teach. The centrality of leisure and entertainment in contemporary life reconfigures the strategies of teaching and learning school. Such strategies are necessarily structural changes of the training of teachers, since more than the incorporation of the equipment, the school lies an important recognition of the social and cognitive changes in digital technologies for information and communication (DTICss ), to be able to form new generations for other forms of appropriation of these technologies beyond the logic of consumption, the centrality of leisure or entertainment and other experiences help build broader cultural and human. KEYWORDS: Leisure and entertainment. Teaching-learning. Teacher education. RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo debatir y problematizar la formación de profesores en el contexto de las tecnologías de entretenimiento y los cambios cognitivos en las formas en que los jóvenes aprenden y enseñan. La centralidad de ocio y entretenimiento en la vida contemporánea alterar las estrategias de enseñanza y aprendizaje de la escuela. Tales estrategias son necesariamente cambios estructurales de la formación de los profesores, ya que más de la incorporación de los equipos, la escuela se encuentra un importante reconocimiento de los cambios sociales y cognitivas en las tecnologías digitales de información y comunicación (TDICs ), de modo que es posible la formación de las nuevas generaciones a otras formas de apropiación de estas tecnologías más allá de la lógica del consumo, la centralidad de ocio y entretenimiento y otras experiencias de ayudar a construir más amplio cultural y humano. PALABRAS CLAVE: Ocio y entretenimiento. Educación-aprendizaje. Formación del professorado.
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Historiador, Doutor em Educação pela UFMG, é professor Adjunto da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais e professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da FAE/UFMG. Belo Horizonte – MG – Brasil – E-mail: eucidio@gmail.com © ETD – Educ. temat. digit.
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1 INTRODUÇÃO Discutir o papel das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs) na escola tem se tornado cada vez mais um desafio para formadores de professores da educação básica, dada a efemeridade do fenômeno, bem como os conflitos teóricos e embates de poder envolvidos que acabam por direcionar para caminhos argumentativos que se apresentam como consolidados no tratamento de processos sabidamente transitórios e dinâmicos. Em uma perspectiva histórica de mudança contínua, acelerada pelos microchips, é preciso observar que nossa compreensão sobre esse fenômeno estará sempre inacabada e passível de reinterpretações constantes. Talvez nossa dificuldade seja lidar com algo que nunca se apresenta de maneira completa, mas sempre como um devir. Este artigo procura problematizar essas questões, também no mesmo espírito de transitoriedade, pois se acredita que os desafios à escola têm aumentado com a ampliação dos acessos e usos de TDICs pelos jovens e alunos em geral, o que tem acarretado uma perda de centralidade da escola em suas vidas. Se, por um lado, não significa o seu desaparecimento, por outro, pode representar uma “marginalização” de seu papel, no sentido de ela não ser mais uma referência de formação que busca a constituição de bases necessárias para a cidadania, a crítica e o posicionamento em um mundo cuja tônica das tecnologias se direciona mais para o consumo do que para a apropriação analítica.
2 A “SOCIEDADE DO ENTRETENIMENTO” EM PERSPECTIVA Falar em entretenimento não é nenhuma novidade, pois a sua forma de divertimento, de distração, de tradição e de rituais acompanha a sociedade há muitos séculos. O termo “entretenimento” adquire um sentido próprio no capitalismo, sobretudo a partir do século XX, pois ele acaba por se vincular ao lazer e ao caráter mercantil que ele possui na contemporaneidade. O alcance do entretenimento na sociedade contemporânea é cada vez maior, seja pelos seus gadgets (aparelhos tocadores de mídias diversas, como áudio, vídeo e animações), seja pelo lugar que ocupa nas horas dedicadas pelos sujeitos diariamente (navegando por redes sociais, assistindo a filmes, à televisão, jogando em consoles ou internet etc.) Em vez de um olhar técnico sobre esses artefatos, é mais pertinente considerá-los como produto da cultura, neste caso especificamente da cultura das mídias. Para Setton (2010), é importante
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compreender como as formas simbólicas das mídias, suas ações, objetos, moralidade, produções e linguagens ajudam-nos a entender suas implicações na sociedade, uma vez que elas têm origem em processos historicamente específicos e socialmente datados. Compreender a historicidade do entretenimento envolve percebermos as transformações capitalistas que culminam com a valorização relativa dessas produções na comparação com outras construções culturais humanas. Diferentemente da compreensão que Debord (1967) dá à expressão “sociedade do espetáculo”, cuja compreensão pode ser sintetizada como uma relação social entre pessoas, mediada por imagens, a alienação do espetáculo é também lugar de apropriação, de mudança das estruturas de poder constituídas, que fazem emergir forças indeterminadas pelas análises e teorizações. Haja vista os movimentos observados nos últimos anos de ações políticas organizadas em diversos países por meio de redes sociais, as quais estruturalmente foram constituídas para o entretenimento, mas apropriadas para atividades de protesto contra condições políticas, econômicas e sociais. É nessa linha argumentativa que teço minhas considerações neste artigo, pois o movimento histórico das tecnologias não pode ser determinado ou determinante e à escola cabe um importante papel de construir percursos analíticos e formativos que levem a problematização anterior à incorporação das TDICs no universo escolar. Interessa-me então compreender as maneiras como os jovens aprendem, bem como analisar as limitações da incorporação das TDICs no ambiente escolar e a sua estreita relação dessas com as estratégias de formação docente, cujo discurso se difere da prática de formação inicial. Por fim, espero, ao final deste artigo, indicar caminhos possíveis para as discussões sobre tecnologias na escola em uma perspectiva menos tecnicista e mais “tecnológica” e cultural.
3 APRENDER E ENSINAR NA SOCIEDADE DO ENTRETENIMENTO Não é novidade o tema das tecnologias digitais de informação e comunicação (TDICs) no ambiente escolar. Tal tema já havia sido abordado por Papert (1981) e Niskier (1970). No caso brasileiro, é o advento da abertura econômica do mercado nacional que vê ampliar a produção de objetos baseados na microinformática que estimulou o aumento do número de computadores nas escolas e o sucessivo amadurecimento das discussões teóricas a
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respeito das implicações dos computadores no trabalho pedagógico do professor e nas estratégias de aprendizagem dos alunos. Apesar de a mudança, no seu sentido de história em movimento, ser característica da humanidade, esta tende a ser conservadora, a resistir àquilo que é novo, desconhecido, cujas implicações não possam ser aferidas. Observamos tal comportamento em diversos momentos de nossa História e hoje não é diferente, apesar da presença marcante de um discurso mercantilista da mudança como motor do consumo e do capitalismo. Não queremos lidar com aquilo que remodela nossas relações, mas aceitamos aquilo que amplia nossas capacidades humanas, como o celular, o avião e os editores de texto, sob uma percepção técnica da inovação. Por outro lado, Hobsbawm (2001) afirma que são atribuídas resistências às tecnologias quando há mudanças de cunho social em sua aplicação (como transformações nas relações de poder na escola, por exemplo). Entretanto, o grande paradoxo da resistência é que as tecnologias que promovem a ampliação de nossas capacidades físicas e constroem uma sensação de melhoria de nossas condições técnicas promovem também alterações de âmbito cultural e social. Dito de outra maneira: as tecnologias transformam nossas vidas e somos transformados por elas. Entre as tecnologias do entretenimento, Arruda (2011) considera o jogo digital (também chamado de videogame) importante para compreender o papel social das mídias. Os jogos, bem como as demais tecnologias que promovem o entretenimento, são formadores de conceitos e de culturas e constroem relações de saber entre aqueles que delas compartilham. Os jogos ocupam hoje parte considerável das vidas de jovens e adultos e criaram uma imbricação de diferentes artefatos midiáticos, que se tornam cada vez mais a característica das mídias contemporâneas. Trata-se de um movimento já observado de produção integrada de jogos, vídeos, cinema, brinquedos, redes sociais, quadrinhos e outros artefatos temáticos ou de personagens de séries e histórias. Mas não se trata apenas de um movimento de aproveitar o potencial de vendas de um determinado personagem, mas a criação de histórias paralelas ou complementares, constituintes de verdadeiros universos que envolvem jovens e adultos no seu consumo. Percebe-se, portanto, o envolvimento do sujeito no universo a ser consumido, cujos resultados são observados em fenômenos como o dos geeks, especializados em determinados personagens e que constroem comunidades paralelas e complementares às suas vidas. Em © ETD – Educ. temat. digit.
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síntese, conforme compreensão teórica de Lave e Wenger (1991),esse movimento de imbricação mobiliza os consumidores das mídias de entretenimento para a constituição de comunidades de prática ou de aprendizagem. Acredito que tanto elas quanto a mobilização que as constitui sejam aquilo que deve ser almejado pela escola contemporânea, pois observamos que o que a escola tem feito menos na contemporaneidade é criar grupos de mobilização em seu interior, sejam elas direcionadas para a aprendizagem, para a política ou à socialização de seus sujeitos. Assim, compreender as TDICs não envolve apenas perceber ou não a sua existência no universo dos alunos, mas tecer interpretações acerca da sua “audiência”, ou seja, a quantidade de pessoas que consomem com frequência esses artefatos e os tipos deles mais consumidos por grupos de pessoas. Assim como Martín-Barbero (2003), observamos uma crescente fragmentação dos públicos aos quais os meios de comunicação de massa e as mídias se destinam, o que evidencia várias formas de usos e apropriações dos meios e das mensagens. Diferentemente do jogo digital, no qual a crítica da escola vincula-se mais à negação de seu aspecto lúdico frente ao seu aparente caráter de “seriedade”, as demais tecnologias que se configuram como aparatos de entretenimento sofrem olhares de elitismo, como se seus produtos culturais não fossem legítimos para a formação social da criança e do jovem. Isso ocorre, por exemplo, com os chamados filmes “arrasa-quarteirões”, como O senhor dos anéis, Crepúsculo e Harry Potter, livros best-sellers como Harry Potter, Crepúsculo, As crônicas de Nárnia e Guerra dos Tronos, bem como músicas de diferentes gêneros como sertanejo, funk, pop etc. É interessante perceber as limitações que podem incorrer o olhar crítico sobre tais mídias, na medida em que a avaliação baseia-se menos no conteúdo do que no meio de veiculação. Haja vista o filme O senhor dos anéis¸ bem como As crônicas de Nárnia que são clássicos da literatura mundial, considerados literatura de qualidade por gerações do passado, mas criticados no formato cinematográfico. Nesse sentido, a transcodificação do conteúdo de uma mídia para outra seria a responsável pela perda da qualidade do conteúdo ou seria a sua desvalorização históricocultural? Conforme afirma Morin (1984), não podemos nos esquecer da dimensão do lazer e do entretenimento ao analisar as mídias, uma vez que fazem parte da nossa vida imaginária e são produtoras de sentido, independentemente do meio de transmissão e recepção da informação e do conteúdo. © ETD – Educ. temat. digit.
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O lazer e o entretenimento ocupam grande parte da vida dos jovens contemporâneos e também dos adultos, mas, diferentemente da perspectiva do ócio, as tecnologias contemporâneas envolvem uma constituição de sentidos sociais de labor, de aprendizagem, de seriedade, aspectos que ainda são obscuros para o espaço escolar, haja vista que ele é historicamente compreendido como o centro de emanação dessas características. Apenas como exemplo, a escola seria um dos lugares privilegiados para a formação da autoria e da autonomia jovens, entretanto, percebemos a ampliação desses espaços de ação devido às características intrínsecas dos computadores: o de possuírem dispositivos de entrada de dados que exigem dos usuários ações e produções diversas Além disso, existe um discurso de liberdade no qual qualquer sujeito com acesso à rede pode se tornar autor e evidenciar mundialmente suas ações. Longe de querer discutir o caráter alienante ou a perspectiva de ideologia dominante nisso, interessa mais compreender as potencialidades da voz do receptor, alterando a unilateralidade da produção midiática, característica da televisão, do rádio, dos livros (inclusive didáticos) para uma multilateralismo, em que todos se comunicam e se posicionam frente a todos e a tudo o que é produzido. Nesse sentido, Arruda (2011) observa que para vencer o videogame Age of Empires III, jovens jogadores , , buscavam referenciais externos que complementavam seus saberes e interpretações sobre o jogo e o mundo. Mendes (2006) e Gee (2003) também chegam a conclusões semelhantes, pois os jogos digitais são potencializadores da aprendizagem na medida em que são necessárias diferentes habilidades para serem jogados. Entre as habilidades citamos aquelas mais conhecidas do senso comum, como: a habilidade motora, o raciocínio lógico, capacidade de intervenção, tomada de decisões, relacionamento com os demais jogadores, capacidade de discutir e elaborar análises e críticas sobre si e sobre o outro (jogador). Johnson (2005), por outro lado, vai mais além. Afirma que as mídias contemporâneas, como a televisão e o videogame, têm se tornado cada vez mais complexas e demandado desafios cognitivos àqueles que os utilizam. Para o autor, uma das características mais importantes dessas tecnologias é a de que elas geralmente se parecem inacabadas aos nossos olhos, ou seja, sempre existem desafios, elementos não observados ou incompreendidos na primeira vez em que as assistimos, jogamos ou navegamos. Isso faz com que o sujeito retorne ao produto midiático para tentar solucionar os desafios restantes.
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Trata-se de uma estratégia marcadamente voltada para o consumo contínuo da própria tecnologia do entretenimento produzida pelas empresas do ramo, mas que podem ser observadas e compreendidas no interior da escola, uma vez que a atividade do jovem em se manter conectado a essa tecnologia incorre em um caminho diferente daquele do senso comum de considerar o jovem “desligado” ou “sem interesse”. O jovem possui autonomia para buscar leituras, problematizar situações e construir conhecimentos, mas acontece que as tecnologias do entretenimento tecem laços de permanência pela criação contínua de novos desafios voltados para a manutenção do jovem dentro de suas estruturas, com vistas claras para a manutenção do seu consumo. É essa a questão que pode ser rompida pela escola a partir da apropriação das estratégias de permanência do jovem nas estruturas midiáticas de entretenimento: fazer o jovem se sentir pertencente ao universo escolar, apropriar-se desse espaço escolar, bem como desenvolver ações de ensinar e aprender em estreito laço com os demais sujeitos envolvidos no processo educativo, sob a perspectiva de um rompimento com a lógica do consumo. Assim como as empresas de tecnologia e entretenimento fazem, a escola pode inovar por meio da integração de mídias antigas e do seu redimensionamento cultural na sociedade, com a respectiva construção de diferentes maneiras de lidar com a informação e o conhecimento, tendo em vista que a integração de tecnologias antigas em uma nova modifica também as maneiras como interpretamos os discursos e compreendemos o processo. Os jovens, portanto, modificam a maneira como leem, pois a tela não segue o padrão linear “de baixo para cima e da esquerda para a direita” que o “imigrante digital” (PRENSKY, 2001) utiliza, pois o conteúdo (imagem, texto, vídeo, áudio) estão presentes em qualquer ponto do monitor. Ainda se ensina na escola o esquema de leitura e interpretação baseadas na cultura escrita, que privilegiam a linearidade, apesar de existirem incursões voltadas para a ampliação dos gêneros linguísticos. Entretanto, o problema que emerge é a ampliação do próprio significado da leitura em um mundo em que o analfabetismo não é mais somente o das letras, mas também os dos ícones, dos processos e das técnicas. O letramento digital sistematizado, a meu ver, é uma das ações a serem assumidas oficialmente pela escola − e isso não significa mudar o foco dela: ela continua a ensinar os conhecimentos socialmente produzidos, mas com uma forma de construção que envolve diferentes signos e símbolos. © ETD – Educ. temat. digit.
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Além do letramento digital, outro desafio posto à escola diz respeito à mudança na ordem e na aparência do conteúdo, materializado pelo uso de múltiplas janelas de mídias que tocam vídeos, permitem compartilhar documentos, discutir com colegas, ler jornal ou blog, publicar ou baixar imagens, elaborar animações etc. Johnson (2005) e Arruda (2011) indicam que essas estratégias, denominadas “multitarefas”, são características da interatividade, presentes nos suportes tecnológicos contemporâneos. Entretanto, não significam aumento na capacidade de aprendizagem e de retenção de conteúdos por meio do seu acesso simultâneo. Na verdade, quando elaborados de maneira desordenada, sem foco ou objetivos, a multitarefa tende a ser menos eficaz para a aprendizagem dos alunos, conforme pesquisas realizadas nos últimos anos, dentre as quais destaca-se a realizada por Clifford Nass, da Universidade de Stanford, Estados Unidos (2009). Johnson (2005) considera que a multitarefa não é tão “multi” assim, pois os diversos softwares e aparatos tecnológicos são direcionados para um foco: vencer o jogo, conhecer melhor uma série de TV, aprender sobre os personagens de uma história em quadrinhos, analisar as características musicais de uma banda de rock. Essa ação é diferente daquela que se baseia na abertura aleatória de janelas e programas com temas e conteúdos diferentes sob o argumento de buscar informações diversas, comunicação compartilhada e múltiplas opções de lazer. Conforme aponta Nass (2009), quem leva a multitarefa ao extremo tem mais dificuldade para filtrar estímulos irrelevantes, é mais propenso a deixar de lado as memórias recentes sem importância e não consegue controlar bem a alternância de atividades. É nesse contexto que novamente a escola emerge em importância, pois a sistematização é uma das suas características mais caras e, nesse caso, necessária à formação do jovem. Diferentemente da valorização acrítica da multitarefa, para compreender as possibilidades e limites dela nas ações cotidianas, a escola pode se apresentar como formadorado jovem. Reconhecer e reordenar a multitarefa pode soar como uma estratégia de adequar uma nova linguagem na estrutura escolar secularmente construída, mas, a meu ver, é uma das lacunas a serem preenchidas pela escola, pela sua capacidade de problematizar e historicizar mecanismos de ensino e aprendizagem voltados para a formação integral e crítica dos alunos. O que quero Viso com essa argumentação demonstrar que a escola pode se tornar a principal formadora do jovem para a apropriação da lógica multitarefa, que permita um maior protagonismo do aluno no mundo virtual ou físico. © ETD – Educ. temat. digit.
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Além dessa perspectiva da multitarefa e da mudança na maneira como se organizam os conteúdos para a nossa leitura, a época de vivência atual difere dos períodos históricos localizados entre 15 e 20 anos atrás. Não derivam daí superficialidades ou perda da qualidade dos conteúdos, mas exatamente o contrário: observa-se uma ampliação significativa da produção de informação e conhecimento relevantes, com um privilégio ao aspecto quantitativo. Vejamos, por exemplo, a quantidade de títulos de jornais, revistas, páginas web, canais de TV fechados, grupos musicais, títulos de filmes e livros: a impressão que se tem é a de que a flexibilidade e a tentativa de atender a todos os gostos e públicos levam a produção midiática a uma busca infinita pelo desconhecido, pelo porvir. Logo, há uma tendência em se ter e armazenar conteúdos diversos e não necessariamente compreendê-los, analisá-los ou problematizá-los. Trata-se de uma espécie de construção de grandes servidores de armazenamento das lembranças da humanidade. Vive-se o paradoxo apontado por Virilio (2001): as pessoas não se esquecem de nada, pois tudo é armazenado em equipamentos de dados (HD) e a memória humana acaba por não ser acionada, pois os artefatos culturais tudo armazenam, de tudo se lembram. Mas, se a memória for considerada como aquilo que fica quando se esquece, essas tecnologias se transformam em máquinas que se lembram de tudo. Por outro lado, se a memória humana não é acionada, então é possível afirmar que o homem pode se esquecer ou deixar de registrar em seu cérebro experiências e atividades, deixando a mente livre para a próxima experiência, em um movimento contínuo de devir e da amnésia, pois se a memória é externa, seu sentido de pertencimento torna-se vulnerável. É nessa perspectiva que a multitarefa se torna perigosa, pois ela não orienta para o amadurecimento, para o conhecimento, mas para flashes momentâneos e pouco aprofundados. Conforme dito anteriormente, tais tecnologias são historicamente recentes e os estudos de suas implicações estão inacabados e parciais. O caminho possível para seus estudos talvez seja compreender o fenômeno em seu nível macro e não em nível micro. Isso significa analisar não um software ou uma rede social em específico, mas o caráter mais amplo do objeto e dos sujeitos que deles fazem uso. Por exemplo: não basta analisar o Orkut ou o Facebook, pois os resultados dos estudos podem se tornar obsoletos e não se aplicar a eles antes mesmo da finalização da pesquisa, uma vez que há uma efemeridade significativa na abertura e encerramento de empresas e tecnologias. Por outro lado, é possível analisar os fenômenos das redes sociais (na dimensão da sociabilidade humana), pois sabemos que sua © ETD – Educ. temat. digit.
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essência permanece independente das tecnologias que fazem parte de seu escopo. Essa perspectiva pode consolidar as pesquisas na área e permitir a construção de suportes teóricos mais elaborados, que ultrapassem o “senso comum acadêmico”. O dilema é, então, desenvolver estratégias de ensino e aprendizagem que estabeleçam limites no consumo de informação e tecnologias, sem que isso signifique a sua negação. Observemos que não se trata de uma tarefa impossível ou mesmo incoerente com as formas de consumo de tecnologia pelos mais jovens. Conforme dito anteriormente, o jogador de videogame, o membro de um fórum temático, bem como o geek fanático por séries de TV ou por revistas em quadrinhos, deliberadamente fazem recortes, escolhas sobre quais saberes são mais importantes para que eles alcancem conhecimentos mais avançados sobre o assunto de interesse deles – logo, a superficialidade ou consumo desenfreado dá lugar a escolhas, análises, críticas sobre as produções – é a culminância da autoria e da autonomia em um ambiente mediado pelas TDICs. Esse é o caminho analítico e de ação da escola: tornar o ambiente dela e os conteúdos necessários para a vivência social interessantes e importantes para o jovem, em linguagens que, em vez de serem transformadas em formas ultrapassadas pelos jovens, representem novas maneiras de se comunicar e ensinar em seu interior. Essa argumentação não representa uma avaliação positiva de todas as tecnologias no ambiente escolar, mas a necessidade dos professores compreenderem, incorporarem e estabelecerem relações críticas com essas produções, conforme apontam Barreto (2009) e Fischer (2008). A compreensão dos aspectos sociais, políticos e econômicos dessas tecnologias só pode ser introduzida no discurso escolar à medida que as próprias tecnologias o sejam, isto é, a crítica pela negação e no âmbito da abstração constrói menos um olhar sobre a autoridade do professor sobre o assunto do que sua crítica pelo desconhecimento da tecnologia propriamente dita. Não é preciso retomar Vygotsky (2007) para afirmar que a aprendizagem ocorre na apropriação das TDICs, em suas interações com sujeitos e técnicas. Interessa ao docente a sistematização dessas aprendizagens por meio do ensino escolar, de maneira a formar um aluno não apenas para o consumo e o entretenimento, mas para a crítica, para a emancipação dele, para a construção de mecanismos subjetivos que permitam ao aluno escolher tecnologias a partir da comparação, da avaliação de suas potencialidades e da análise das implicações sociais, econômicas e culturais da tecnologia. Ou seja, o desafio da escola é © ETD – Educ. temat. digit.
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pensar em usos e apropriações de tecnologias que ultrapassem a visão mercantil positiva e inscreva suas contradições e complexidades na formação escolar. Para que isso seja possível, entretanto, é necessário voltar o olhar para as políticas e estratégias de formação docente contemporâneas, conforme será visto a seguir.
4 A FORMAÇÃO DOCENTE EM DESTAQUE É pertinente considerar que não se pode atribuir poder em demasia para as mídias, no sentido de considerá-las espaços mais apropriados na atualidade para se aprender, principalmente porque não é competência dessas produções midiáticas problematizar e estabelecer críticas quanto às suas próprias produções, conforme aponta Barreto (2010). Não é também o seu papel discutir a sua característica mercantil ou a relatividade da autonomia e da autoria, na medida em que a rede, dentro de seu caráter universal e onipresente é também promotora de autoritarismos, controle (quase) total da ação do indivíduo pelo registro de suas navegações, monitoramentos políticos e disseminação de preconceitos. Ensinar para construir a criticidade social continua sendo o papel da escola, entretanto, é necessário reorganizar o seu interior para que ela seja mais identificada com a sociedade atual e não um espaço de resistência simplista que opera mais no âmbito de se opor ao técnico do que compreender a cultura oriunda das tecnologias. Observa-se uma ampliação dos textos jornalísticos que discutem a incorporação de tecnologias no ambiente escolar na atualidade, haja vista os debates (e, por que não) embates em torno de programas como “Um Computador por Aluno” (UCA) e iniciativas por uso de tablets por alunos e professores. A tônica dos discursos faz emergir algumas “máximas”, como: “não adianta comprar equipamento sem qualificar professores”; “utilizar o tablet como livro didático é transpor um conteúdo para outra mídia”; “ser um professor ‘motivador’ pode ser mais eficiente do que a tecnologia” ou “tecnologia deixa a escola mais moderna e atrativa” etc. No que diz respeito aos documentos oficiais vigentes, o Decreto nº 9.394/1996 (LDB) e os Parâmetros Curriculares Nacionais apontam a necessidade de se formar professores para uso das tecnologias digitais de informação e comunicação. O parecer CNE/CP/2001, que trata das Diretrizes Nacionais para a formação de professores para a Educação básica, indica a necessidade de o professor conhecer e controlar as tecnologias, em direção a uma formação de alunos críticos, que aprendam a confrontar diferentes pontos de vista, discutir divergências © ETD – Educ. temat. digit.
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etc. Apesar desses indicativos oficiais, as políticas direcionam para formações complementares, paralelas à formação inicial do professor e não como processo intrínseco à vida do aluno, futuro professor. É interessante perceber a presença de uma compreensão limitada a respeito do que seja tecnologia no campo da formação docente. A resolução CNP/CP nº 01 de 2002, por exemplo, cita a palavra “tecnologias” três vezes em seu texto. No inciso VI do seu artigo 2º orienta para a organização curricular a ser observada por cada instituição que deve preparar o professor para “o uso de tecnologias da informação e comunicação e de metodologias, estratégias e materiais inovadores”. Há no texto uma interpretação implícita de que as tecnologias não são ensinadas nos cursos de formação de professores e que elas possuem relação direta com metodologias estratégias e materiais inovadores. Tiffin e Rajasingham (2010) indicam haver uma manutenção das práticas de ensino e de formação dos professores no ambiente universitário e apontam a necessidade de alterações estruturais nos cursos de formação de professores. O que se observa é uma tendência para o distanciamento cada vez maior do jovem que se comunica e aprende por meio de linguagens digitais, da escola, a qual mantém ainda um discurso analógico.
5 CAMINHOS PARA A FORMAÇÃO DO PROFESSOR Diferentemente da perspectiva das políticas públicas atuais, que privilegiam a formação continuada do professor para o trabalho com tecnologias digitais na sala de aula, a perspectiva defendida neste texto é a de alterações profundas na formação inicial dos professores em nível superior, que circunscrevam a incorporação das mídias em todas as dimensões da prática do professor universitário. Há uma aproximação entre o discurso das novas tecnologias e sua vinculação direta com a ideia de inovação, apresentada em uma perspectiva de transformação técnica positiva para a sociedade. Ocorre que não é possível compreender somente a dimensão positiva na incorporação de qualquer tecnologia, dada a sua complexidade nas formas como altera as relações humanas. A inovação não diz respeito à introdução de um novo maquinário, mas a qualquer aspecto novo para um indivíduo dentro de um sistema. Nesse sentido, inovação não significa a mesma coisa para todos e resulta em uma confluência de olhares e opiniões que procedem dos que tem algum tipo de relação com ela. Ou seja, incorporar TDICs no
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ambiente da escola ou como elemento secundário nas disciplinas de formação de professores, por si, não são suficientes e tampouco inovadoras. Talvez a resposta esteja em um repensar os sentidos atribuídos às TDICs dentro e fora da escola, de maneira que elas sejam problematizadas e distribuídas conforme suas características comunicacionais intrínsecas e criem condições de transformar a escola e, principalmente, serem transformadas por ela. Para se ter ideia das lacunas ainda enfrentadas, uma pesquisa coordenada por Gatti (2009) demonstra haver poucas alterações na organização dos cursos de formação de professores no Brasil. Apesar de todas as discussões ocorridas nas últimas décadas, presenciam-se ainda organizações didáticas e curriculares que dialogam pouco ou nada com as transformações sociais originadas pelas TDICs. Gatti (2009 e 2010) aponta que não houve mudanças significativas nos currículos dos cursos de formação de professores em Pedagogia, Matemática, Língua Portuguesa e Ciências Biológicas. Os resultados de sua pesquisa demonstram existir formações genéricas, com presença maciça de discursos que pouco dizem respeito a conteúdos e formas de funcionamento dos cursos, além da quase inexistência da presença de componentes curriculares relacionados às tecnologias no ambiente escolar. O problema não reside na oferta de uma disciplina específica para se discutir possibilidades de introdução das sTDICs no processo de ensino e aprendizagem. Ainda que o percentual de disciplinas na área da tecnologia e educação fosse maior, qual a garantia de que seus pressupostos teóricos e empíricos sejam objetos de diálogos com as demais disciplinas de um curso? Para além da presença de componentes curriculares, há a necessidade das políticas públicas direcionarem para a compreensão histórica das tecnologias, com suas contradições e paradoxos, de maneira a formar o professor para uma sociedade que apropria das tecnologias de seu tempo e que tem a escola como o espaço em que a crítica deve ser direcionada para uma apropriação crítica e emancipatória, desconstruindo o fetiche tecnológico característico contemporâneo. Diferentemente de outras épocas historicamente recentes, a prática docente encontrase em uma encruzilhada: por um lado é arauto da tradição escolar, de um modelo de escola que não pode ser implodido e substituído continuamente por “intenções” ou por experiências mercadológicas que buscam “testar” as reações do público a uma determinada relação e que,
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em caso de fracasso imediato, automaticamente deixa de existir, em uma semelhança próxima à maneira como as empresas produzem novas tecnologias para o consumo global. Por outro lado, a escola é espaço para se compreender a transformação advinda das tecnologias digitais. A escola é lugar da crítica, do posicionamento, da busca pela compreensão dos significados e significantes dessas tecnologias. É onde se busca analisar os discursos, as estratégias de produção, as maneiras como as tecnologias são apreendidas e como seus discursos são incorporados (ou não) pelas nossas ações. Ou seja, espera-se que a escola forme, de maneira sistematizada, “nas e para as mídias”, uma vez que elas são as atuais portadoras dos conteúdos apreendidos pelas pessoas, ampliando ainda mais a urgência na reconfiguração dos cursos de formação de professores. O trabalho com as tecnologias digitais coloca outros desafios à prática docente: para além da impossibilidade de definir o resultado futuro de uma ação presente, as tecnologias intensificam a transitoriedade das coisas e das ações ao comprimir substancialmente o espaço e o tempo contemporâneos. Mal os professores se apropriam de determinadas tecnologias ou de determinados discursos, outros são criados em velocidade impressionante e criam “sensações” de incompletude, de autoria inacabada da ação pedagógica. É importante lembrar que reconhecer as dinâmicas sociais como inacabadas é fundamental para a construção contínua da crítica e da reflexão que permite a produção do conhecimento pelo homem, entretanto, o que se percebe é uma mudança radical na maneira como se lida e interpreta o tempo, no sentido da duração e transformação, e o tempo histórico, no sentido das mudanças sociais. Uma importante questão emerge a partir das dimensões apresentadas neste artigo: as estratégias dos professores para ensinar são semelhantes às estratégias utilizadas pelos alunos ipara aprenderem por meio das tecnologias digitais? Arruda (2011) mostra que há diferenças significativas, pois, de um lado, ainda prevalece na escola a centralidade do texto escrito sobre a hipermídia, e, de outro, os alunos aprendem por meio da integração de diferentes mídias e discursos que, direcionados a objetivos específicos se complementam e mesclam a estética de sua aprendizagem. O autor considera ser importante a integração das mídias no universo escolar, de maneira a ultrapassar o caráter técnico do consumo, mas reconhecendo essas tecnologias como portadoras de discursos e de práticas culturais De maneira mais específica, isso significa dizer que a prática pedagógica contemporânea se movimenta por diferentes linguagens midiáticas que se complementam, © ETD – Educ. temat. digit.
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como: aulas expositivas que se mesclam a mensagens instantâneas e espaços de colaboração entre professores da turma, da escola, do município e de todo o mundo, vinculadas a produções audiovisuais disponíveis, mecanismos de busca, comparação de diferentes fontes (entre as indicadas pelos professores e as encontradas pelos alunos), incentivo à autonomia e à críticapor meio da elaboração de conteúdos próprios e da avaliação coletiva das produções e das interações via web. Pressupõe-se, portanto, incorporar novas dimensões de tempo, espaço e diálogos no ambiente escolar e reconhecer que todas as ações educativas precisam ser mediadas pelos suportes comunicacionais característicos da sociedade contemporânea, já que se configuram como estruturas simbólicas da vida humana.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS Em vias de concluir, acredito que a tradição histórica do espaço escolar não permite materializar mudanças imediatas pela própria transitoriedade marcada pelo desenvolvimento tecnológico recente. A transitoriedade é marcada como característica intrínseca das ações humanas; o que muda no contexto digital atual é a velocidade com que sentimos as mudanças, as transformações. Entretanto, tais mudanças não podem se configurar em inovações, conforme abordamos neste artigo. Observa-se mais a construção de mecanismos e artifícios voltados para a permanência e consumo dos artefatos culturais do que a de uma revolução tecnológica transformadora de nosso modo de vida. O significado disso reside na percepção de que não é a incorporação de um novo artefato que trará mudanças para ensinar e aprender na escola, mas a mudança na interpretação construída a respeito desses artefatos. Sua historicidade nos permite compreender que uma rede social é transportada para o mundo computacional, mas que conceitualmente ela já existia e se transforma pela imaterialidade possível das relações – o que ocorria, inclusive, por meio de outras tecnologias como o telefone. Essa análise pode ser ampliada para outras tecnologias, como a comunicação escrita – antes pelos correios, agora instantaneamente pelo e-mail. A divulgação de informação e conhecimento, antes por vias impressas, agora pelas páginas web. Esta linha argumentativa visa direcionar para a desconstrução de qualquer deslumbramento que possa ocorrer na incorporação das TDICs no ambiente da sala de aula. Trata-se de um movimento histórico que se configura pela rápida velocidade com que vem © ETD – Educ. temat. digit.
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transformando nossas ações e nossas produções. À escola cabe um papel importante de reconhecimento dessas mudanças, mais do que de seus aparatos tecnológicos, a fim de que seja possível formar as novas gerações para outras formas de apropriação das sTDICs que ultrapassem a lógica do consumo e ajudem a construir outras experiências culturais mais amplas e humanas.
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MENDES, Claudio. Jogos eletrônicos: diversão, poder e subjetivação. São Paulo: Papirus, 2006. MORIN, Edgar. Cultura de massa no século XX: espírito do tempo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1984. v.1. © ETD – Educ. temat. digit.
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Como citar este texto: ARRUDA, Eucidio Pimenta. A formação do professor no contexto das tecnologias do entretenimento. ETD - Educação Temática Digital, Campinas, SP, v. 15, n. 2, p.264-280. maio/ago. 2013. ISSN 1676-2592. Disponível em: <http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/etd/article/ view/2993>. Acesso em: 28 ago. 2013.
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CDD: 370.9
LETRAS NEGRAS, PÁGINAS BRANCAS: AS IMAGENS DO NEGRO ENTRE A HISTORIOGRAFIA E O ENSINO DE HISTÓRIA (BRASIL, SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX) LETTERS BLACK, WHITE PAGES: THE IMAGES OF THE NEGRO BETWEEN THE HISTORIOGRAPHY AND TEACHING HISTORY (BRAZIL, SECOND HALF OF THE TWENTIETH CENTURY) LETRAS NEGRAS, PAGINAS BLANCAS: IMÁGENES DE NEGRO ENTRE LA ENSEÑANZA DE LA HISTORIA Y LA HISTORIOGRAFÍA (BRASIL, SEGUNDA MITAD DEL SIGLO XX) Renilson Rosa Ribeiro1 RESUMO: O debate sobre as imagens do negro nos livros didáticos História produzidos no Brasil na segunda metade do século XX nos remete à análise das principais interpretações historiográficas desenvolvidas sobre a escravidão no mesmo período. Essas abordagens historiográficas, de uma forma ou de outra, têm influenciado a leitura dos autores de livros didáticos da área de História, no que concerne a essa temática. Nesse sentido, o presente trabalho irá abordar as representações do negro forjadas pelo discurso histórico a partir do diálogo com os saberes da história acadêmica e escolar no período. Ao longo deste ensaio iremos apresentar as duas matrizes interpretativas recorrentes – Gilberto Freyre (“democracia racial”) e Florestan Fernandes (“denúncia da violência da escravidão e do racismo”) – sobre a temática da escravidão e do negro, procurando estabelecer as suas diferenças, pontos de embate e os desdobramentos de suas teses no ensino de História. PALAVRAS-CHAVE: Negro. Historiografia. Ensino de história. Livro didático. História do Brasil. ABSTRACT: The debate about the images of black people history in textbooks produced in Brazil in the second half of the twentieth century brings us to the analysis of key historiographical interpretations developed over slavery in the same period. These historiographical approaches, one way or another, have influenced the reading of the authors of textbooks in the field of history in regard to this issue. In this sense, this paper will address the representations of black people wrought by historical discourse from dialogue with the academic knowledge of history and during school. Throughout this essay we will present the two arrays interpretive recurring - Gilberto Freyre ("racial democracy") and Florestan Fernandes ("denouncing violence of slavery and racism") - on the subject of slavery and black people, trying to establish their difference, points of confrontation and the ramifications of his theses on history teaching. KEYWORDS: Negro. Historiography. Teaching history. Textbooks. Brazil history.
1
Doutor em História Cultural pela UNICAMP, professor adjunto II do Departamento de História e do Programa de Pós-Graduação em História pela Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Cuiabá – MT – Brasil – Email: rrrenilson@yahoo.com Recebido em: 11/11/2012 – Aprovado em: 11/06/2013.
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RESUMEN: El debate sobre las imágenes de la historia del negro en los libros de textos producidos en el Brasil en la segunda mitad del siglo XX lleva a una análisis de las principales interpretaciones historiográficas desarrolladas sobre la esclavitud en el mismo período. Estos enfoques historiográficos, de una forma u otra, han influido en la lectura de los autores de libros de texto en el campo de la historia en lo que respecta a esta cuestión. En este sentido, este documento abordará las representaciones del negro forjado por el discurso histórico del diálogo con el conocimiento de la historia y de la escuela académica en el período. A lo largo de este artículo vamos a presentar las dos matrices interpretativas recurrentes - Gilberto Freyre ("democracia racial") y Florestan Fernandes ("denuncia de la violencia de la esclavitud y el racismo") - sobre el tema de la esclavitud y negro, tratando de establecer sus diferencias, puntos de confrontación y las ramificaciones de sus tesis sobre la enseñanza de la historia. PALABRAS CLAVE: Negro. Historiografía. Enseñanza de la historia. Libro de texto. Historia del Brasil.
1 INTRODUÇÃO A discussão sobre as imagens do negro nos livros didáticos de História produzidos no Brasil na segunda metade do século passado nos remete à análise das principais interpretações e debates historiográficos desenvolvidos sobre a escravidão no mesmo período. Essas abordagens historiográficas, de uma forma ou de outra, têm pautado a leitura dos autores de livros didáticos da área de História no que concerne a essa temática. De maneira geral, de acordo com Moreira (1996, p. 476), os livros didáticos de História do Brasil têm sofrido influência da historiografia tradicional fundamentada em dois extremos: Por um lado, segundo os estudos de Gilberto Freyre, a visão de uma escravidão revestida de um caráter paternalista, indicando uma escravidão menos violenta do que em outros países da América, e por outro lado, com os estudos da Escola de Sociologia e Política [de São Paulo], a desmistificação da escravidão amena com a teoria do ‘escravo coisa’, destituído de vontade, onde a humanidade era recuperada apenas através da rebeldia extrema.
Essas duas posturas interpretativas, a dos estudos de Gilberto Freyre e os da “Escola Sociológica de São Paulo” – representada por Florestan Fernandes e seus pesquisadores, inserem-se no debate sobre o caráter “brando” ou “cruel” da escravidão no Brasil. Nesse sentido, o presente trabalho irá abordar as imagens do negro forjadas pelo discurso histórico a partir do diálogo com os saberes da história acadêmica e escolar ao longo da segunda metade do século XX.
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2 ENTRE O PARAÍSO E O INFERNO RACIAL: INTERPRETAÇÕES ACERCA DA ESCRAVIDÃO NO BRASIL Quanto à primeira linha interpretativa sobre a escravidão, em diversos livros e artigos publicados entre os anos 1930 e 1970, o sociólogo pernambucano, ao estudar o desenvolvimento da temática de um “novo mundo nos trópicos”, constrói a visão de um Brasil como uma terra [quase] livre de preconceito racial, e que poderia servir de espelho para o restante do mundo resolver seus problemas raciais. Para Freyre (1936, p. 56), a formação da sociedade brasileira tem sido um processo de equilíbrio de antagonismos. Antagonismos de economia e de cultura. A cultura europeia e a indígena. A europeia e a africana. A africana e a indígena. Porém, sobrepondo-se a todos os antagonismos, o mais geral e o mais profundo: o senhor e o escravo. Freyre encontra as origens desse “novo mundo” na experiência colonial brasileira, e, em especial, na sua experiência supostamente benigna com a escravidão. Segundo Andrews (1998, p. 28), ao enfatizar: Os níveis relativamente baixos de preconceito racial entre os colonos portugueses no Brasil, e a escassez de mulheres europeias na colônia, Freyre argumentou que o Brasil proporcionou o ambiente ideal para a mistura racial entre os senhores europeus e as escravas africanas. A ampla miscigenação ‘dissolveu’ qualquer vestígio de preconceito racial que os portugueses poderiam ter trazido da Europa, ao mesmo tempo produzindo uma grande população de raça miscigenada.
O produto final dessa interpretação do passado colonial brasileiro, elaborada por Freyre, foi a constituição de uma das mais harmoniosas junções da cultura com a natureza e uma cultura com a outra que a América jamais vira. Para Freyre, na leitura de Andrews (1998, p. 28), “quando o Brasil passou para o século XIX e XX, esta ‘ união harmoniosa’ de negros com brancos formou a base da ‘democratização ampla’ da sociedade brasileira, e sua inexorável ‘marcha para a democracia social’”.2 2
Para Azevedo (1996, p. 152), a memória do paraíso racial não é uma invenção recente. O mito da democracia racial tem sido tema de diversos trabalhos acadêmicos nas últimas quatro décadas do século XX. Para desvendálo, parte-se geralmente dos estudos de Freyre, a quem se atribui uma espécie de autoria intelectual do mito da “democracia racial”. Contudo, segundo a autora, “muitos anos antes que Casa Grande & Senzala, publicada em 1933, apontasse a miscigenação como fator explicativo da suposta tolerância racial vigente na sociedade
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A ideia da escravidão amena, suave e humana no Brasil colonial está tão forte no discurso de Freyre (1971, p. 68), que este, em Novo Mundo nos Trópicos, chega a afirmar que à vista de todas essas evidências não há como duvidar de quanto o escravo nos engenhos do Brasil era, de modo geral, bem tratado, e a sua sorte realmente menos miserável do que a dos trabalhadores europeus que, na Europa ocidental da primeira metade do século XIX, não tinham o nome de escravos.
Essa primeira linha interpretativa da história da escravidão dentro da formação da sociedade brasileira, representada por Freyre, exerceu forte influência na literatura didática de História do Brasil aplicada nas salas de aula das escolas brasileiras até o final dos anos 1970 e início dos 1980. Nessa perspectiva de análise, Moreira (1996, p. 476) percebe que a “democracia racial”, visualizada pelo autor de Casa Grande & Senzala, por exemplo, presente nas páginas dedicadas à escravidão em grande parte dos livros didáticos de História ao longo deste período, induz os alunos e professores a concluírem que as sequelas da escravidão não teriam comprometido as relações entre “brancos” e “negros”, “senhores” e “escravos”, possibilitando a continuação da convivência sem conflitos após a Abolição (1888) – quando estes passaram a ser considerados cidadãos com “direitos iguais”. Na análise de Pinsky, essa leitura da escravidão explicaria não somente a viabilidade, assim como a particularidade do Brasil multirracial, “cadinho de raças”, mistura generosa que tende para o “tipo brasileiro”. Para Pinsky (1994, p. 17), este é outro valor que aparece nos livros didáticos de História: a ideia de um Brasil sem preconceito racial, onde cada um colabora com aquilo que tem para a felicidade geral. O negro com a pimenta, o carnaval e o futebol; o imigrante com sua tenacidade; o índio com sua valentia. Negando o preconceito, guarda-se o fantasma no armário ao invés de lutar contra ele. O menino negro pobre, duplamente segregado, aprende que além da unidade nacional, formamos uma unidade racial. A história que ele aprende não lhe diz respeito, é a de um Brasil
brasileira, os negros dos Estados Unidos já imaginavam o Brasil como um possível refúgio do racismo que os oprimia em seu país”. A ideia de que o Brasil tinha constituído uma sociedade paradisíaca em termos raciais, desde os primórdios de sua colonização, foi desenvolvida por abolicionistas dos dois lados do Atlântico, já nas primeiras décadas do século XIX, como parte de um largo esforço comparativo visando à compreensão das diversas sociedades escravistas e dos rumos políticos e sociais da luta pela abolição. O abolicionismo transatlântico, nas palavras de Azevedo (1996, p. 159), “constituiu os próprios rudimentos de uma história comparada das Américas, dando início, desse modo, à construção da memória do paraíso racial brasileiro”. Cf. também Azevedo, 2003.
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construído na cabeça de ideólogos e não na prática histórica, dentro do qual, afinal, ele vive.
Nadai (1993 apud PINSKY, 1994, p. 25) aproxima-se de Pinsky ao afirmar que o negro africano, assim como as populações indígenas, nos livros didáticos, é compreendido não em sua especificidade étnico-cultural, mas na função de cooperador da obra colonizadora/civilizatória comandada pelo branco português, europeu e cristão – o personagem principal no cenário histórico. Ao estudar os estereótipos e preconceitos em relação ao negro veiculados por meio dos livros didáticos de Comunicação e Expressão das primeiras séries do 1º grau, bem como a percepção dos professores quanto à sua existência e seu papel de mediador dos mesmos, Silva (1988, p. 29) – afirma que a “democracia racial” no Brasil tem o objetivo de escamotear a realidade social do negro e impedir sua organização efetiva contra o racismo existente, uma vez que ele é veementemente negado pela ideologia, ao tempo em que apresenta-se alguns negros e mestiços que ‘ascenderam’, sabemos a que preço, como prova concreta dos efeitos da democracia racial.
Para Nascimento (1983, p. 28), o discurso do Brasil como “paraíso racial” constitui um instrumento da hegemonia branca nacional que proporciona à sociedade nacional o ilusório orgulho de ser vista no mundo todo como uma sociedade pacífica e mascara uma realidade permeada pelo racismo. O autor, ao criticar esse discurso idílico, chega ao ponto de caracterizar o racismo brasileiro “tão violento e destrutivo quanto aquele dos Estados Unidos ou da África do Sul”. O Brasil, nessa perspectiva, seria uma África do Sul sem apartheid. 3 De acordo com Reis (1999, p. 59), autores inspirados pelo marxismo opuseram-se vigorosamente às teses freyrianas sobre a escravidão e a formação da sociedade brasileira. A “Escola de Sociologia e Política de São Paulo” ou “Escola Sociológica de São Paulo” – 3
Embora compreendamos a razão desse tipo de argumentação apresentada por Nascimento, devemos ter em mente, como nos sugere Andrews (ANDREWS, 1998, p. 23), que uma África do Sul sem apartheid não poderia ser uma África do Sul, ou pelo menos não a África do Sul que essa comparação invoca: “Os brasileiros que comparam seu país com a África do Sul estão citando o caso mais extremo de desigualdade racial do final do século XX. Mas o que torna esse caso extremo é justamente o que falta no Brasil: um sistema abrangente de discriminação racial imposto à sociedade pelo Estado nacional e executado pelas agências que representam esse Estado. Dizer que o Brasil é uma África do Sul sem apartheid é dizer que ele não é absolutamente uma África do Sul – e na verdade não é”. Assim como Andrews, Carneiro (2000) acredita que a particularidade do racismo à brasileira está na ausência de um dispositivo legal de segregação e discriminação racial como os existentes na África do Sul e Estados Unidos. A ausência de discriminação prescrita pela lei, em sociedades como o Brasil, torna a injustiça racial muito mais difícil de ser combatida.
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designação atribuída por Charles Wagley a Florestan Fernandes e sua equipe de pesquisadores – que teve intensa produção intelectual nos anos 1960 e 1970, passou a pensar o Brasil com os conceitos de “classe social” e “luta de classes” e “vão se opor à visão idílica do Brasil colonial produzida por Freyre”. Esse grupo de pesquisadores corresponde à segunda linha interpretativa da historiografia brasileira sobre a escravidão, também profundamente arraigada nas páginas dos livros didáticos de História do Brasil a partir do final dos anos 1970, como foi observado por Moreira (1996, p.476-81). Fernandes e seus colaboradores produziram muitos livros e artigos, a partir dos anos 1960, atacando diretamente o mito da “democracia racial” e mostrando a realidade da desigualdade e da discriminação racial no Brasil. Devemos observar que o discurso da “democracia racial” passou a ser revisto e questionado, principalmente após o desenvolvimento de uma série de pesquisas patrocinadas pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) sobre relações raciais no Brasil nos anos 1951 e 1952.4 Esse programa de estudos, que se convencionou chamar de “Projeto UNESCO”, não somente gerou um amplo e diversificado cenário das relações raciais no país, como também contribuiu para o aparecimento de novas leituras no campo das Ciências Humanas acerca da sociedade brasileira5. Dentre essas novas leituras se destacam os estudos dos pesquisadores da “Escola Sociológica de São Paulo” (MAIO, 1997; ANDREWS, 1997, p. 95-115). O ponto de partida para o processo de revisão desse discurso do Brasil como “paraíso racial” é marcado por essa série de projetos de pesquisas sobre relações raciais no 4
Nesse contexto, as disciplinas escolares, especialmente da área das Ciências Humanas (História, Sociologia, Geografia, Estudos Sociais, Filosofia), tornaram-se um importante instrumento na formação de uma nova concepção de cidadania voltada para a paz mundial, especialmente depois dos horrores vivenciados pela Segunda Guerra Mundial. A UNESCO passou a interferir na elaboração de livros didáticos e programas curriculares escolares, apontando os possíveis perigos no destaque dado as histórias de guerras, nas maneiras de apresentar a história nacional e nas questões étnicas e raciais, em especial na proliferação de visões e ideias racistas, etnocêntricas e preconceituosas. Para a UNESCO, o conteúdo dessas disciplinas deveria revestir-se com ideais de teor mais humanista e pacifista, voltando os estudos para os processos de desenvolvimento econômico das sociedades, assim como dos avanços tecnológicos, científicos e culturais da humanidade Cf. Lauwerys, 1953; Bibby, 1965. 5 Os dados coletados, segundo Cavalleiro (2000, p. 31), pelo “Projeto Unesco” contribuíram de maneira fundamental para o avanço de discussões sobre o tema do racismo em áreas como Biologia, Comunicação, Direito, Educação, História, Música e Psicologia.
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Brasil, desenvolvidos por eruditos nacionais, norte-americanos e franceses (ANDREWS, 1998, p. 22). Em resposta aos recentes horrores do Nazismo e do Holocausto – respaldado pela ideologia racista – derrotados nos campos de batalha, a UNESCO adotou, como parte de sua missão institucional, o combate ao racismo em todo o mundo. Na suposição de que a experiência brasileira da “democracia racial” à moda de Freyre parecia oferecer ao resto do mundo uma alternativa particularmente promissora, “como uma lição ímpar de harmonia nas relações entre raças”, num esforço de compreender como o igualitarismo racial havia se construído no Brasil e como funcionava na prática, a Divisão de Ciências Sociais da UNESCO comissionou equipes de pesquisas nas duas principais cidades do Sudeste brasileiro industrializado – Rio de Janeiro e São Paulo –, além de várias pequenas cidades de Minas Gerais e nos estados nordestinos da Bahia e de Pernambuco. Entretanto, contrariando os resultados esperados, essas pesquisas revelaram a existência de preconceito racial e de discriminação. A nova geração de cientistas sociais lançava um ataque à tradicional mitologia racial que estava enraizada no imaginário nacional e internacional. Dessa maneira, caía o mito de que o Brasil era o paraíso (racial) perdido nas Américas (MAIO, 1998, p. 375-413). Todas as equipes constataram elevados níveis de desigualdade entre as populações branca e não brancas, além de fortes evidências de atitudes e estereótipos racistas. Os estudiosos do Nordeste tenderam a considerar que tais desigualdades expressavam mais as diferenças de classe que as diferenças raciais, ou seja, como observa Andrews, “os negros sofriam discriminação e eram discriminados não por serem negros, mas por serem pobres” (ANDREWS, 1997: 101). Os pesquisadores do Sudeste, ao contrário, deram mais ênfase ao preconceito e à discriminação baseada na raça, notando as diferenças no tratamento de acordo com os brancos e negros da classe trabalhadora e as enormes dificuldades enfrentadas por negros e mulatos cultos e qualificados que lutavam para se introduzir na classe média. O interesse da UNESCO pela problemática da raça no Brasil, em primeiro lugar, incentivou consideráveis debates, reflexões e artigos por parte de ativistas e intelectuais afrobrasileiros do Rio de Janeiro e São Paulo. Em segundo lugar, muitos estudiosos brasileiros
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que haviam participado de pesquisas, notadamente Thales de Azevedo e Florestan Fernandes, mais tarde, prosseguiram e fizeram da revelação (denúncia) do discurso da “democracia racial” uma temática central de suas carreiras acadêmicas. Continuaram a publicar estudos críticos sobre relações raciais brasileiras durante os anos 1960, 1970 e 1980, participando da formação de estudiosos mais jovens, que prosseguiram na mesma linha desmistificadora, porém, aprofundando as análises e apresentando novas problematizações e questionamentos. O resultado da exposição dos estudantes brasileiros a tais mudanças, segundo Andrews, gerou uma nova onda de pesquisas nos anos 1970, 1980 e 1990 sobre a situação racial brasileira ainda mais críticas do que haviam sido os estudos da UNESCO. No campo da pesquisa sobre o tema do negro e do racismo, o “Projeto UNESCO” significou o primeiro reconhecimento por parte de autoridades acadêmicas das mazelas da chamada “democracia racial” no Brasil, confirmando, em boa parcela, as críticas desenvolvidas entre os intelectuais negros e a imprensa negra durante os anos 1930 e 1940. Segundo Nogueira (1985), os projetos de pesquisa deixaram um legado mais poderoso para a história da luta contra o racismo e para o repensar da identidade nacional brasileira. De acordo com Andrews (1997, p. 100), críticas que até então aconteciam fora dos limites da corrente principal dos discursos intelectual, acadêmico e oficial, nos quais o paradigma de formação da sociedade brasileira de Freyre era hegemônico e inquestionável. Nesse sentido, Fernandes e Freyre apresentam divergências quanto à natureza do impacto da escravidão no Brasil. Ao contrário de Freyre, para quem a escravidão tinha exercido uma influência positiva sobre o desenvolvimento social e cultural brasileiro, Fernandes e seus pesquisadores enxergam a escravidão como profundamente destrutiva e nociva, tanto por suas vítimas imediatas quanto pelo futuro da sociedade brasileira como um todo. Longe de ter qualquer efeito potencialmente democratizante, a escravidão foi um sistema inerentemente autoritário que implantou o preconceito e um forte senso de superioridade racial nos corações dos brancos brasileiros (ANDREWS, 1998, p. 30).
Além disso, Fernandes culpa a escravidão por negar às suas vítimas os básicos direitos e liberdades humanas e por mantê-las como trabalhadores analfabetos e não especializados. Para Fernandes (1978, p. 20), a desintegração do regime escravista e senhorial deu-se no Brasil, sem que se cercasse a destituição dos antigos agentes de trabalho escravo de
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assistências e garantias que os protegessem durante o processo de transição para o sistema de trabalho livre. Os senhores foram desobrigados da responsabilidade pela manutenção e segurança dos libertos, sem que o Estado, a Igreja ou outra qualquer instituição assumissem incumbências especiais, que tivessem por objeto prepará-los para o novo regime de organização da vida e do trabalho. O liberto encontrou-se convertido, sumária e abruptamente, em senhor de si mesmo, tornando-se responsável por sua pessoa e por seus dependentes, ainda que não dispusesse de meios materiais e morais para realizar essa proeza nos quadros de uma economia competitiva. Em linhas gerais, para Fernandes a escravidão mutilou os negros como povo e os privou completamente da capacidade de competir com os brancos na disputa do século XX por empregos, educação e sustento. De acordo com o autor, na análise de Andrews (1998, p. 30), em decorrência disso, longe de lhes oferecer o direito aos frutos da sua participação como membros de uma “democracia racial”, “após a emancipação o legado da escravidão continuaria a marginalizar e excluir os afro-brasileiros por meio dos fatores duais de sua própria incapacidade e da hostilidade e do preconceito dos brancos”. Ao analisar o estado contemporâneo das relações raciais no Brasil, Fernandes defende a tese da herança da escravidão como causa principal da incapacidade dos negros de concorrer com os brancos em pé de igualdade na sociedade competitiva de classes. Para ele, os negros não se integraram à sociedade brasileira pós-Abolição, não por causa da discriminação, e sim devido ao analfabetismo, à desnutrição, à criminalidade, à incapacidade de atuar como trabalhador livre – as heranças da escravidão. Para os pesquisadores tributários dessa perspectiva de análise enunciada por Fernandes, a revisão sistemática das teses da benevolência e suavidade da escravidão era justificada não somente pela realidade da escravidão ser dura, bárbara e cruel, mas também pela própria violência inerente ao sistema escravista, constituindo uma de suas principais formas de controle social e manutenção. De acordo com Lara (1988, p. 20), esses estudos, ao insistirem na afirmação da violência, lutavam contra o mito de uma pretensa “democracia racial” existente no país, tese imediatamente correlata àquela da suavidade da escravidão:
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Retomavam, assim, de certo modo, os termos abolicionistas da qualificação negativa da escravidão e da afirmação de que o ‘estado violento da compreensão da natureza humana’, como dizia Joaquim Nabuco, juntamente com o próprio peso da escravidão, transformavam o escravo (ou ex-escravo) num ser incapaz e amorfo, anômalo e patológico no mundo dos homens livres, e impediram sua plena integração na sociedade de classes.
Os trabalhos dos autores da “Escola Sociológica de São Paulo”, ao trazerem uma leitura desmistificadora da escravidão amena por meio da denúncia da violência e da herança nociva da escravidão na sociedade brasileira, principalmente entre os negros e descendentes, contribuíram de forma significativa para a denúncia do preconceito racial e a ampliação dos estudos e debates sobre as relações raciais no Brasil. Para os seus críticos, essa linha interpretativa negou ao negro a condição de sujeito da história. Essa crítica fundamenta-se no fato de os autores da “Escola Sociológica de São Paulo” afirmarem que os negros eram incapazes de empreender, por sua própria consciência e vontade, atitudes concretas que abalassem as estruturas do sistema escravista. Em contrapartida atribuem importância extrema ao movimento abolicionista, grupo que seria de caráter revolucionário e, portanto, capaz de conduzir os negros indefesos e passivos na luta contra a escravidão. Ou seja, a liberdade para o escravo não seria uma conquista, mas uma “dádiva”.6 Segundo Lara (1988, p. 20), para essa linha interpretativa, o destaque na violência da escravidão estava vinculado à denúncia da “coisificação do escravo”, convertido em “mercadoria”, destituído da sua condição humana e submetido às mais degradantes condições de vida e trabalho. Dentro desta realidade, “a humanidade do escravo aflorava apenas quando este cometia uma ação criminosa, quando fugia ou se aquilombava, ou dependia de iniciativas senhoriais de ensinar ofícios ao trabalhador cativo”. Na leitura de Azevedo (1987, p. 23), desde a publicação do livro. A integração do negro na sociedade de classes, de Fernandes, em 1965– cujo valor inestimável para revelar uma sociedade racista é ressaltado pela autora –, permanece na historiografia da transição do 6
Essa imagem do negro como personagem marginalizado ou secundário presente nas páginas nos livros didáticos, por exemplo, pode ser encontrada na interpretação apresentada no livro Da senzala à colônia, de Costa (1989), sobre o processo de Abolição no Brasil. A autora atribuiu importante papel para a atuação dos abolicionistas no processo de emancipação dos escravos, cabendo a estes últimos uma participação secundária nos momentos finais. Para uma crítica da visão abolicionista do fim da escravidão, cf. Daibert Junior, 2004; Azevedo, 2003.
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trabalho escravo para o livre no Brasil a visão da marginalização inevitável do negro por força da própria herança da escravidão carregada por ele: ao negro apático, despreparado em termos ideológicos para o trabalho livre, costuma-se contrapor o imigrante disciplinado e responsável, já suficientemente condicionado à ética do trabalho contratual, em que capacidades de iniciativa e de autossacrifício combinam-se de forma maleável a fim de atender aos anseios de mobilidade e ascensão social. Além disso, e também contrário ao imigrante, o negro não possuiria aqueles laços familiares tão necessários à reprodução e estabilidade de sua força de trabalho.
O questionamento dessa interpretação pode ser evidenciado a partir do desenvolvimento de pesquisas voltadas à identificação e análise da ação dos escravos no processo de superação do cativeiro. Pesquisadores como Reis (1986; 1991), Azevedo (1987), Lara (1988), Chalhoub (1990), Gomes (1995; 2005), Slenes (1999) entre outros, por meio de diferentes abordagens e de diversificado acervo documental (como, por exemplo, processos crimes e testamentos), contestaram a passividade dos negros, compreendendo-a como uma construção histórica datada. Com base na análise de distintas situações e realidades históricas, esses estudos buscaram demonstrar que os escravos tiveram, por meio de motivações próprias, um relevante papel no desmonte da escravidão no Brasil. A “Escola Sociológica de São Paulo”, nas palavras de Moreira (1996, p. 476), ao apresentar a imagem do escravo vítima indefesa da violência e irracionalidade da escravidão, “vulgarizada” nas páginas dos livros didáticos, amplamente, a partir do final dos anos 1970 e início da década seguinte, embora tenha contribuído para a denúncia do legado negativo da escravidão e do preconceito racial, acaba por destituir do negro a sua vontade própria, sua condição de agente histórico: “a escravidão teria destituído os escravos da sua humanidade [devido a sua violência]. Não mais a inferioridade biológica, mas a cultural: a vivência do escravo o torna incapacitado para certas vivências que não as da escravidão”. Na sua leitura, assim como Fernandes e seus pesquisadores, o livro didático e o sistema escolar, ao colocarem o negro na posição marginal – de “escravo coisa”, “massa de manobra”, “excluído”, “vítima indefesa”, “incapacitado”, “aríete”, entre outras expressões presentes nos trabalhos destes autores – contribuem para a construção de uma imagem negativa e condenada do negro e seus descendentes e também para a “evasão” da criança negra, uma vez que esta não se identifica com o universo construído em “páginas brancas”.
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Em estudo sobre os preconceitos e as discriminações raciais presentes nos livros didáticos e infantojuvenis , Negrão (1986, p. 87) sugere que a discriminação do negro no livro didático se faz pelo escamoteamento da sua história, assim como pelo alijamento do cotidiano e da experiência da criança negra no ato de criação dos personagens e do enredo da literatura didática e paradidática. De acordo com a autora, podemos identificar no livro didático a veiculação de discriminações, preconceitos e estereótipos em relação ao negro, capazes de concorrer para a inferiorização, fracionamento da identidade e da autoestima das crianças e jovens negros, que o utilizam em busca de conhecimento. Nesse sentido, Moreira (1996, p. 471-472) afirma que a história da população negra, tal como é tratada no sistema escolar, apresenta-se como significativa contribuição para a evasão da criança negra, influenciando também na formação de sua identidade: Caso esta socialização esteja imbuída de práticas e discursos discriminatórios que se expressam, através do ritual do silêncio e da omissão de fatos relevantes na história do negro, com certeza estes alunos (negros) estarão fadados ao fracasso, a não ser que, tenham condições de recorrer a outros meios socializadores capazes de superar as deficiências escolares – como a família, o lazer, a religião ou o envolvimento com entidades do movimento negro.
De certa maneira, as afirmações feitas por Negrão (1986) e Moreira (1996) comungam com a posição de Davies, uma vez que este evidencia a presença de uma imagem “distorcida” do negro dentro da questão da escravidão (e também no período pós-Abolição) no Brasil feita pelos livros didáticos de História. Davies (1991 apud PINSKY, 1994, p. 100), por exemplo, critica as explicações simplistas (economicistas) e coisificadas sobre a introdução de escravos negros no Brasil: “a) os interesses mercantis lusos no tráfico negreiro; b) ainda na inadaptabilidade do índio e a adaptabilidade do negro ao trabalho na grande lavoura”. Na sua leitura, a primeira interpretação nega a história dos índios e dos negros no processo e só leva em consideração o polo “dominante” (colonizador), considerando o povo como massa de manobra apenas. Nenhum elemento da história africana é levado em consideração, assim como a indígena. Aliás, estes últimos parecem não ter história antes da chegada dos portugueses. Para o autor, a segunda interpretação pregada pelos livros didáticos, a inadaptabilidade do índio e adaptabilidade do negro ao trabalho, além de inteiramente © ETD – Educ. temat. digit.
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errônea, é racista e estigmatizadora. Além de racista e de cunho ideológico, Davies (1991, p. 49) menciona que esta interpretação é negada pela própria história. É mais do que sabido que houve escravização indígena ao longo de vários séculos da história brasileira, sobretudo a colonial, que uma parte dos índios brasileiros conhecia a agricultura, e que milhares deles labutaram tanto nas fazendas quanto nas missões jesuítas, demonstrando grande capacidade para o trabalho regular, disciplinado, metódico, na agricultura e em outras atividades. Quanto aos africanos que aqui chegavam, nem todos conheciam a agricultura, e muito menos na condição de escravo, o que é bem diferente de ser lavrador numa sociedade tribal, como acontecia com os africanos trazidos à força ao Brasil.
Lara (1991, p. 12) contrapõe-se à tese da inadaptabilidade indígena para o trabalho ao afirmar que, no começo da colonização portuguesa no Brasil, os indígenas foram a principal fonte de braços para a lavoura açucareira durante quase um século. Mesmo após a introdução dos africanos em larga escala e a proibição legal da escravidão indígena, no século XVII, os índios poderiam ser encontrados nos engenhos ou em suas proximidades, na condição de trabalhadores forçados, assalariados ou camponeses. Em outras regiões da colônia, como o Maranhão, a escravidão indígena manteve-se até quase o século XVIII. Apesar da historiografia brasileira, atualmente, apontar para novos caminhos nos estudos sobre a escravidão e as imagens do negro dentro da história do Brasil, os autores que lidam com a temática no ensino de História têm observado nos livros didáticos a permanência de ideias preconceituosas, discriminatórias e estereotipadas do negro. Aos negros, nas “páginas brancas” dos livros didáticos e paradidáticos, continua cabendo ainda a função de personagem secundário marginalizado, assistindo a atuação dos grandes sujeitos históricos em cena, em sua maioria brancos ou coadjuvantes dos brancos. Para Oliveira (2000, p. 170), o negro na história ensinada prevalece sendo representado unicamente por uma lógica que o coloca sempre na mesma condição de seus antepassados escravizados e dificilmente pelas situações diversas que aparecem na sociedade contemporânea. Há um lugar e situação específicas para enforcar a população negra: “o negro escravo no passado, o negro marginal do presente”. Dessa forma, na sua análise, um dos principais desafios dos currículos e dos livros didáticos parece ser o trabalho com a diversidade de situações vivenciadas pela população negra. Para tanto,
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seria necessário sair da visão hegemônica predominante, que se não apresenta o negro apenas como escravo ou vitimado nas condições sociais atuais, cai em artificialismo ao retratar com traços sobejamente exóticos sua cultura. Seria importante que as narrativas presentes nos livros didáticos lidassem não apenas com o negro escravo, o negro que vive em condições precárias de sobrevivência, mas também a riqueza e problemas apresentadas por sua cultura, por sua atuação social, ou seja, com a multiplicidade de posições que ocupa ao longo da história. (OLIVEIRA, 2000, p. 170)
Em pesquisa com uma amostragem de livros didáticos de História do Brasil produzidos nos anos 1980 e 1990, identificamos que os negros continuam a aparecer sem nenhum tipo de autonomia. No cenário da história, a hegemonia das “grandes ações” está na figura dos heróis nacionais, em sua maioria, brancos. Embora a figura de Zumbi tenha ganhado destaque nas discussões, principalmente após as comemorações do “Centenário da Abolição” (1988), as imagens canonizadas da Princesa Isabel e Joaquim Nabuco continuam a ocupar especial destaque nos livros didáticos. A história dos quilombos no Brasil permanece uma página ainda a ser escrita. Mesmo a história do quilombo de Palmares carece de maiores informações e explicações. Os negros, assim como observa Oliveira, ainda permanecem figuras marginais no texto, num discurso que, embora defenda a inclusão, tende a excluir. Enfim, todos acontecimentos ligados ao negro, durante a História, estão sob a responsabilidade do branco. A escravidão quem institucionalizou foi o branco, a Abolição também. A abolição do tráfico aconteceu porque a Inglaterra, as elites locais ou os países hegemônicos quiseram. Não há nenhum tipo de ressalva nesse sentido nos discursos dos livros didáticos. O branco é o único agente histórico. Os livros didáticos, nessa perspectiva, não abrem espaços e/ou possibilidades para outras leituras ou interpretações. (RIBEIRO, 2002, p. 107)
Na leitura de Santos (2002, p. 55), o “ser negro” tem sido, de longa data, investigado, especulado de maneira problemática, demonstrando que formava um fenômeno diferente – um “outro” ou “exótico”: Quer por obra da natureza, quer por obra divina, havia se produzido um ser que mereceria explicação, um ser anormal. Essa explicação tornava-se quase sempre justificativa de sua inferioridade natural. A África seria uma terra de pecado e imoralidade, gerando homens corrompidos; povos de clima tórridos com sangue quente e paixões anormais que só sabiam fornicar e beber. A cultura diferente desse povo era encarada como signo de barbárie. A vida sexual, política, social dos povos africanos foi sendo devassada e diminuída diante da vida dos europeus. A invisibilidade das diferenças entre os vários povos da África fazia com que todos fossem vistos de uma única e mesma forma: todos são negros.
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A Europa ‘civilizada’, branca, era tomada como paradigma para a ‘compreensão’ da cultura do novo mundo, como se fosse possível fazer um transplante de valores. A biologia será a chave mestra para esta compreensão e, como já foi dito, fornecerá os elementos pelos quais a ideia de raça se transformará em racismo científico.
No discurso histórico que perdurou de forma recorrente nos livros didáticos até o final do século XX, os negros foram, numa repetição variada do cronista João Antonil, “os pés e as mãos” da obra colonizadora comandada pelos portugueses na América. A história do povo negro estaria, na perspectiva da narrativa histórica escolar, apenas atrelada à história da escravidão.7 No teatro da História, a ele estava reservado o destino da raça – a corrente da qual ainda não se libertou – “de ser escravizado, ser inferior, ser exótico”. A ele, assim como ao povo indígena, era negada a sua condição humana, seja pela violência física, seja pela agressão das práticas discursivas que têm naturalizado sua identidade racial com todas as credenciais necessárias para justificar seu lugar conhecido na sociedade, na história. (RIBEIRO, 2008, p. 75)
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS Mais do que a comprovação da existência de interpretações históricas sobre o negro permeadas pelo racismo, discriminação e preconceito nos livros didáticos de História do Brasil, essa pesquisa (RIBEIRO, 2002; RIBEIRO, 2004; RIBEIRO, 2008, p. 43-77) trouxe para a mesa de debate novos problemas que necessitam ser tratados com maior profundidade. Problemas que incidem justamente sobre as análises que até então vêm sendo desenvolvidas sobre as representações do negro no ensino de História. O primeiro problema está ainda na ausência de uma análise mais profunda no interior dos próprios textos didáticos de História do Brasil sobre as representações do negro. Falta um diálogo com o livro didático, ou seja, as afirmações, na maior parte das vezes, padecem da análise do documento. As afirmações são feitas sem oferecer dados de pesquisa. Não há o exercício de reflexão sobre como as imagens dos negros são construídas nos livros didáticos de História.
7
Para uma crítica da noção de raça, cf. AZEVEDO. In: SILVA, 2002, p. 129-148; GOULD, 1999; GILROY, 2007.
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O segundo problema está presente na falta de aprofundamento do diálogo entre o discurso historiográfico e o didático no que concerne ao tema proposto. As interpretações históricas que permeiam o discurso didático estão apresentadas, mas não há a preocupação de compreensão de como ocorre esta apropriação discursiva. A leitura feita da relação entre historiografia e livro didático parece automática, pois o segundo “vulgariza” o que o primeiro produz e ponto final. A preocupação com a historicidade da produção historiográfica não está presente na produção didática. Acreditamos que uma pesquisa nesse campo de saber necessite verificar como as interpretações da historiografia sobre a questão do negro são incorporadas na construção das representações deste no discurso dos livros didáticos utilizados por professores e alunos nas aulas de História. Se realmente, como nos lembra Cavalleiro (2000, p. 09), a discussão das relações étnicas em território brasileiro é “necessária para a promoção de uma educação igualitária e compromissada com o desenvolvimento do futuro cidadão”, devemos adentrar o mundo do texto e desconstruir os discursos da exclusão que o sustentam.
REFERÊNCIAS ANDREWS, G. R. Democracia racial brasileira (1900-1990): um contraponto americano. Estudos Avançados, São Paulo, v. 11, n. 30, p. 95-115, 1997. ANDREWS, G. R. Negros e brancos em São Paulo (1888-1988). Bauru: Edusc, 1998. 444 p. AZEVEDO, C. M. M. Abolicionismo: Estados Unidos e Brasil, uma história comparada (século XIX). São Paulo: Annablume, 2003. 253 p. AZEVEDO, C. M. M. O Abolicionismo transatlântico e a memória do paraíso racial brasileiro. Estudos Afro-Asiáticos, Rio de Janeiro, n. 30, p. 151-162, dez. 1996. AZEVEDO, C. M. M. Onda negra, medo branco: o negro no imaginário das elites do século XIX. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987. 267 p. AZEVEDO, C. M. M. Para além das ‘relações raciais: por uma história do racismo. In: SILVA, J. P. et al. (Org.). Crítica contemporânea. São Paulo: Annablume: FAPESP, 2002, p. 129-48. BIBBY, C. L’éducateur devant le racisme. Paris: Nathan: Unesco, 1965. 108 p.
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Como citar este texto: RIBEIRO, Renilson Rosa. Letras negras, páginas brancas: as imagens do negro entre a historiografia e o ensino de história (Brasil, segunda metade do século XX). ETD - Educação Temática Digital, Campinas, SP, v. 15, n. 2, p.281-299, maio/ago. 2013. ISSN 1676-2592. Disponível em: <http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/etd/article/view/4117>. Acesso em: 28 ago. 2013.
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CDD: 370.9
AROLDO DE AZEVEDO E HERMANO JUSTO RAMÓN: SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO DE GEOGRAFIA AROLDO DE AZEVEDO AND HERMANO JUSTO RAMÓN: THEIR CONTRIBUTIONS TO THE TEACHING OF GEOGRAPHY AROLDO DE AZEVEDO Y HERMANO JUSTO RAMÓN: SU CONTRIBUCIÓN A LA ENSEÑANZA DE LA GEOGRAFÍA Daniel Mendes Gomes1 María Alejandra Taborda Caró2 RESUMO: Este artigo é o resultado de uma comparação de dois grandes autores de livros didáticos de Geografia: Aroldo de Azevedo, no Brasil, e Hermano Justo Ramón, na Colômbia. Esses dois autores, em seus respectivos países, tiveram larga produção didática e delimitaram conhecimentos na área de Geografia na escola que perduraram por longos anos. Coube então à pesquisa investigar as mudanças no campo educacional – reformas curriculares; mudanças no público escolar; modificações no mercado editorial − que causaram a saída desses autores da produção de livros didáticos, ambos no início da década de 1970. Uma comparação entre esses dois países proporcionará estabelecer relações comuns na História da Disciplina de Geografia no Brasil e na Colômbia, contribuindo para esse campo de pesquisa. PALAVRAS-CHAVE: Conteúdos curriculares. Personalidades. História da educação brasileira. ABSTRACT: This article is the result of a comparison of two major authors of textbooks Geography: Aroldo de Azevedo, Brazil, and Hermano Justo Ramón, Colombia. These authors, in their respective countries, have large production delimited and didactic knowledge in geography at school that lasted for many years. Then fell to the research investigating changes in education - curriculum reforms, changes in public school, changes in publishing - which resulted in output of these authors in the production of textbooks, both in the early 1970s. A comparison between these two countries provide establish relationships common in the History of the Discipline of Geography in Brazil and Colombia, contributed to this field of research. KEYWORDS: Curricula. Personalities. History of Brazilian education. RESUMEN:Esta investigación es el resultado de la comparación de dos grandes autores de libros de texto de geografía: Aroldo de Azevedo, en Brasil, y Hermano justo Ramón, en Colombia. Estos dos autores, en sus respectivos países, lograron una importante producción didáctica y delimitado conocimientos en el área de geografía en la escuela que han perdurado a través de los años. Los cambios ocurridos en el campo de la educación como: las reformas de los programas de estudios; los cambios en la escuela pública; cambios en mercado editorial - provocó la salida de estos autores en la producción de libros, al comienzo de la década de 1970. Una comparación entre estos dos países a través de estos autores nos permite a futuro establecer las relaciones comunes en la historia de la disciplina de la geografía escolar en Brasil y en Colombia, configurando un promisorio campo de investigación. PALABRAS CLAVES: Contenidos Curriculares. Personalidades. Historia de la educación brasileña.
1
Geógrafo. Doutorando em Educação pelo Programa de Estudos Pós-Graduados em Educação: História, Política, Sociedade da PUC-SP. São Paulo – SP – Brasil – E-mail: danielmendesgomes@yahoo.com.br ² Geógrafa. Doutoranda em Educação pela Universidad Pedagógica Nacional, docente da Universidade de Córdoba. – Colombia – E-mail: alejandrata67@yahoo.com
Recebido em: 18/02/2013 - Aprovado em: 28/05/2013 © ETD – Educ. temat. digit. Campinas, SP v.15 n.2
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1 INTRODUÇÃO Autores de textos escolares marcam épocas. Na História do livro e das edições didáticas é comum encontrar autores “best-sellers” que com suas coleções atravessaram gerações, tiveram seus livros editados por muitos anos chegando a edições centenárias. Textos ou livros didáticos têm um papel fundamental na reconstrução da história de uma disciplina escolar. Hoje, o estudo desses tornou-se um campo de conhecimento que permitiu outras abordagens na cultura profissional de professores. Mas, para além de permitir registros curriculares, eles são, como afirma Escolano (2009), espelhos que refletem em seus traços materiais, marcas da sociedade que a produz, da cultura do ambiente em que circula e apedagogia que, como um sistema autorreferencial , regula suas práticas de uso utilizadas por professores e alunos. Os autores de livros didáticos se apresentam como agentes fundamentais na constituição da disciplina escolar. São eles que sistematizam o conhecimento prescrito por legisladores e estabelecem o conteúdo do livro que é passado aos professores e alunos. Daí a importância de conhecer quem são esses autores, de qual perspectiva eles fazem a Geografia e qual a relação entre a Geografia produzida nas universidades e a que os autores propõem nos livros didáticos. Esse trabalho debruça-se na trajetória do ensino de Geografia de dois autores: Aroldo de Azevedo, no Brasil, e Hermano Justo Ramón, na Colômbia. Pretende-se aqui, por meio da análise da obra desses autores renomados nos respectivos países, saber como eles propagaram o ensino de Geografia, podendo assim conhecer convergências e divergências dessa disciplina nos dois países. A análise dos autores não pode ser feita, entretanto, fora do seu contexto histórico. É necessário conhecer o público escolar, constituído, principalmente, pelos professores e alunos, os leitores das obras didáticas. A constituição das disciplinas escolares é fruto de conflitos oriundos da sociedade, portanto, é relevante compreender quais são os interesses que estão por trás das disciplinas e dos currículos. Nesse trabalho, parte-se da ideia de que os livros, de uma maneira geral, conduzem determinados tipos de leitura, os aspectos da materialidade do livro podem determinar comportamentos, tipos diferenciados de leituras e modos de se organizar. O livro implica em relações sociais. Essas relações ocorrem por que o leitor pode se apropriar do livro de diversas maneiras, lendo e dando a sua própria interpretação do assunto discutido. Assim, a
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materialidade do livro é de tamanha importância porque ela tenta inibir a liberdade de apropriação da leitura, isto é, criam-se protocolos de leitura com o intuito de dirigir o leitor. Sob esse aspecto, os livros didáticos formam uma categoria de livros que possuem protocolos rígidos de leitura, devido à sua própria natureza: livros instrutivos de caráter pedagógico. Assim, os livros didáticos apresentam- se como suporte material não somente de conteúdos e ideias de autores, mas também como suporte de uma metodologia específica de uma área do conhecimento e de uma concepção pedagógica, uma visão educacional de como ensinar. Para tanto, aspectos da materialidade dos livros didáticos ganham maior atenção. A disposição dos textos, exercícios, mapas, tabelas, gravuras, notas de rodapé, boxes e trechos ou textos destacados nos livros nos mostram concepções e metodologias.
2 OS LIVROS DIDÁTICOS DE AROLDO DE AZEVEDO E A GEOGRAFIA DA DÉCADA DE 1960 Aroldo de Azevedo foi o grande autor de livros didáticos das décadas de 1930, 1940, 1950 e 1960. Dos 30 livros didáticos encontrados no banco de dados LIVRES, destinados ao ensino ginasial3 na década de 1960, 20 são de autoria desse autor. Além da grande quantidade de títulos, o número de edições de seus livros é surpreendente. Livros didáticos como Geografia Geral – Segunda Série Ginasial, em 1960 chegou à sua 138ª edição. Em 1961 o livro Geografia Geral – Primeira Série Ginasial chega à sua 179ª edição. O quadro 1 evidencia o número expressivo de edições de livros didáticos de Geografia no período a ser analisado nesta pesquisa. QUADRO 1 - Livros didáticos de Geografia (1960-1969) Título
3
Autor
Edição
Ano
Geografia do Brasil: a terra, o homem, a economia − terceira série ginasial
Azevedo, Aroldo de (Autor)
109.ed.
1960
Geografia geral: geografia física e humana dos continentes − segunda série ginasial
Azevedo, Aroldo de (Autor)
138.ed.
1960
Geografia geral: primeira série, curso ginasial
Stempniewski, Renato (Autor);
9.ed.
1960
Essa faixa serial corresponde hoje ao Ensino Fundamental II
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Piccolo, Éli (Autor)
Geografia geral: a Terra no espaço, estrutura da Terra, os grupos humanos, a vida econômica; para a primeira série Azevedo, Aroldo ginasial de (Autor)
179.ed.
1961
Geografia do Brasil: as regiões geográficas − para a quarta série ginasial
Azevedo, Aroldo de (Autor)
91.ed.
1961
Brasil e o mundo, 3: as regiões brasileiras − curso médio
Azevedo, Aroldo de (Autor)
15.ed.
1962
Geografia do Brasil: para a terceira série ginasial
Azevedo, Aroldo de (Autor)
127.ed.
1962
Brasil e o mundo, 4: os continentes − curso médio
Azevedo, Aroldo de (Autor)
164.ed.
1963
Geografia geral: ciclo colegial
Cabral, Mário da Veiga (Autor)
2.ed
1963
Azevedo, Aroldo Terra brasileira: nossa terra, nossa gente, nossa economia de (Autor)
5.ed.
1963
Brasil e o mundo, 3: as regiões brasileiras − curso médio
Azevedo, Aroldo de (Autor)
24.ed
1964
Geografia do Brasil
Antunes, Celso (Autor)
10.ed.
1964
Geografia do Brasil, 1
Antunes, Celso (Autor)
96. ed.
1964
Brasil e o mundo, 4: os continentes − curso médio
Azevedo, Aroldo de (Autor)
176.ed.
1964
Brasil e o mundo, 3: as regiões brasileiras − curso médio
Azevedo, Aroldo de (Autor)
2.ed.
1966
Brasil e o mundo, 1: o mundo em que vivemos
Azevedo, Aroldo de (Autor)
4.ed.
1966
Brasil e o mundo, 2: terra brasileira
Azevedo, Aroldo de (Autor)
40.ed.
1966
3.ed.
1967
Brasil e o mundo, 3: as regiões brasileiras − curso médio © ETD – Educ. temat. digit.
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de (Autor)
Brasil e o mundo, 1: o mundo em que vivemos
Azevedo, Aroldo de (Autor)
Brasil e o mundo, 4: os continentes − curso médio
Azevedo, Aroldo de (Autor)
1967
Geografia para escola moderna: volume II
Castro, Julierme de Abreu e (Autor)
1968
Brasil e o mundo, 4: os continentes − curso médio
Azevedo, Aroldo de (Autor)
5.ed.
1967
2.ed.
1968
Azevedo, Aroldo Terra brasileira: nossa terra, nossa gente, nossa economia de (Autor)
41.ed.
1968
Azevedo, Aroldo Terra brasileira: nossa terra, nossa gente, nossa economia de (Autor)
42.ed.
1968
Geografia do Brasil, 2
Antunes, Celso (Autor)
51.ed.
1968
Geografia do Brasil
Antunes, Celso (Autor)
62.ed.
1968
As Regiões Brasileiras
Azevedo, Aroldo de (Autor)
5.ed.
1969
Geografia para escola moderna, 1
Castro, Julierme de Abreu e (Autor
1969
Geografia para escola moderna, 3
Castro, Julierme de Abreu e (Autor)
1969
Curso moderno de geografia do Brasil: segundo volume
Dias, Octacílio (Autor)
2.ed.
1969
Fonte: Banco de dados Livres, acesso em 15/12/2008
O recorte histórico optado neste trabalho, começando pela década de 1960 justifica-se pelo fato de esse decênio ser o último da larga produção didática de Aroldo de Azevedo, fim de um período de autores de livros didáticos consagrados, que se tornaram obras de referência. Com a análise da produção de livros didáticos da década de 1960 procuraremos revelar como esses livros, com base em seus autores, formato, diagramação, foram caindo na
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obsolescência e, aos poucos, dando lugar para novas produções e como essa mudança expressa também mudança na própria disciplina escolar. O professor James B. Vieira da Fonseca já no fim da década de 1950 fazia profundas críticas aos livros didáticos de Geografia das décadas de 1930, 1940 e 1950. Segundo Fonseca (1957), os livros didáticos de Geografia seguiam à risca o programa oficial: Em todos os compêndios há uma observância perfeita da sequência em que o Programa apresenta a matéria. Será que todos os autores concordam com a distribuição do Programa Oficial ou estão convencidos da obrigatoriedade à obediência? (p. 20).
Nessa mesma obra, o autor também menciona problemas de ordem pedagógica nos compêndios no que tange ao emprego de uma linguagem adequada dos livros aos alunos: O problema está em não esquecer que os alunos muitas vezes ainda não penetraram nas maravilhas da nossa ciência, de modo que não estão interessados nela. É preciso redigir com a dupla preocupação de expor com exatidão científica e de maneira a prender o aluno, a fazê-lo desejar ir mais além. É este um ponto fraco dos nossos compêndios. Há, algumas vezes, preocupação de clareza e simplicidade na exposição dos temas. Falta quase sempre, a introdução de elementos motivadores, isto é, elementos que despertem no leitor o desejo da aprendizagem. É preciso provocar a transferência da imposição do fato a ser aprendido, feita pelo autor, para o sentimento de necessidade íntima de aprender, criado no leitor, (p. 23).
O autor continua sua crítica apontando para problemas na disposição dos sumários dos livros didáticos, da má utilização das ilustrações e exercícios. Sempre mostrando que a finalidade geral do livro didático de Geografia é proporcionar um bom aprendizado para os alunos e mostrar aos autores a diferença que deve existir entre um livro de Geografia e um livro didático de Geografia. Os livros didáticos de autoria de Aroldo de Azevedo na década de 1960 seguiam o padrão de livros didáticos das últimas duas décadas tanto no conteúdo quanto na forma. Na 24ª edição de O Brasil e o mundo 3: as regiões brasileiras, o autor esclarece que aproveitou volumes já impressos para a composição dos quatros volumes dessa coleção. O inopinado da reforma do ensino que ainda reina sobre os currículos do curso médio, obriga-nos a uma solução de emergência, nitidamente transitória, que consiste no aproveitamento de volumes já impressos, pertencentes à antiga série elaborada pelo mesmo autor. Uma solução apenas para o ano escolar de 1963. Dentro desse critério, a matéria contida no volume I corresponde à antiga Geografia Geral para a 1º série ginasial, evidentemente excessiva diante das possibilidades de tempo com que contam os professores para o seu ensino, mas que os mestres poderão perfeitamente dosar e selecionar dentro dessas possibilidades, segundo o nível das classes e própria orientação dada ao curso. Isto, repetimos, como solução © ETD – Educ. temat. digit.
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de emergência e transitória para 1963, eis que desde já estamos preparando para 1964, um pequeno volume contendo somente as noções gerais de geografia indispensáveis como ponto de partida para o estudo da Geografia. Pelo plano acima exposto, então, o ensino de geografia na primeira série ginasial deverá ser ministrada com a utilização de dois livros: um, contendo as noções gerais de geografia (o atual livro para a 1º série), e, outro, de geografia do Brasil. Isto parece razoável, já que seria verdadeiramente impossível incluir no volume de Geografia do Brasil, para a 1º série, todas as noções de geografia geral acima referidas. O volume III corresponde à antiga Geografia do Brasil para a 4º série sendo necessária, e perfeitamente possível, igual adaptação. O volume IV contém o assunto abordado na antiga Geografia Geral para a 2º série, podendo ser integralmente aproveitado. Entretanto, o volume II – a Terra Brasileira aparecerá, já para o próximo período escolar, numa estrutura completamente nova, como exemplo de como serão os demais volumes da série em futura próximo, (p.12).
O autor demonstra preocupação de dar conta do conteúdo proposto. Os livros de Aroldo de Azevedo nesse período apresentavam pouca diferença em seus aspectos materiais. Todos produzidos pela Companhia Editora Nacional possuíam tamanho, em média, de 19 a 21 cm x 13 a 15,5 cm, com capa dura e colorida, sem exercícios, com índices de gravura e índice geral nas páginas finais e com gravuras localizadas, em sua maior parte, na parte superior das páginas em preto e branco seguidas de textos explicativos, linguagem formal, quase acadêmica. Mesmo com as limitações apontadas por Fonseca (1957), os livros didáticos de Aroldo de Azevedo eram, notadamente, os livros didáticos mais utilizados do Brasil no período em questão. Além de autor de livros didáticos, Aroldo de Azevedo foi professor da Universidade de São Paulo, autor de diversos artigos e livros na área de Geografia. Daí recai sobre a obra didática desse autor todo o peso de sua produção intelectual e posição acadêmica. Seus livros didáticos seguiam o padrão de textos dos livros de Geografia destinados a universitários e acadêmicos, com análises geográficas de síntese, bem detalhadas e com utilização de conceitos e termos científicos, próprios da ciência geográfica. Daí, a crítica de James Vieira da Fonseca ser bastante válida quando ele diz que se deveria saber separar um livro de Geografia de um livro didático de Geografia.
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Por ter uma longa jornada na produção de livros didáticos4, os livros didáticos de Azevedo passaram pelas mudanças dos programas curriculares o que obrigou o autor a fazer modificações nos livros e até a lançar novas coleções. Na década de 1960 seus livros passaram por uma transição: dos livros de Geografia Geral e do Brasil, publicados desde a década de 1930, para a coleção O Brasil e o Mundo, publicada a partir do começo da década de 1960. O próprio autor explica no prefácio de O Brasil e o mundo 3: As regiões brasileiras que essa nova coleção foi feita para atender a reforma de ensino – LDBN 4024/61, procurando trazer
matéria reduzida ao que julga o estritamente essencial para
asinteligências jovens a que se destina, (AZEVEDO, 1964 p. 13). Entretanto essa coleção não traz conteúdos essencialmente novos, mas somente reescritos, ou com maior quantidade de gravuras. O autor expõe que, na fase de transição, os professores poderiam usar tanto a antiga coleção quanto a nova, pois os conteúdos disciplinares não eram tão diferentes. Para facilitar a compreensão entre a equivalência dos livros didáticos do autor da década de 1950 com os livros didáticos da década de 1960, estabelecemos o seguinte quadro: QUADRO 2 - Equivalência das coleções didáticas de Aroldo de Azevedo Séries ginasiais
Geografia Geral e do Brasil
O Brasil e o mundo
1º série ginasial
Geografia Geral para 1º Série Ginasial
O mundo em que vivemos
2º série ginasial
Geografia Geral para a 2º Série Ginasial
Os continentes
3º série ginasial
Geografia do Brasil para a 3º Série Ginasial
Terra brasileira
4º série ginasial
Geografia do Brasil para 4º Série Ginasial
As regiões brasileiras
Fonte: Pesquisa direta
4
São 40 anos produzindo livros didáticos, de 1934 a 1974, ano de sua morte. Segundo Ferracini (2008), o primeiro livro didático data de 1934 – Geografia Geral para Primeira Série Ginasial. O último livro de Azevedo foi O Brasil no mundo: Estudos Sociais, cuja edição encontrada é de 1972. © ETD – Educ. temat. digit.
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Ainda sobre o prefácio de O Brasil e o Mundo 3: as regiões brasileiras, pode-se notar que o autor dá grande ênfase à Terra brasileira, segundo volume da coleção, por este ser de uma estrutura nova. Realmente esse volume diferencia-se dos demais pelo número de imagens coloridas, tabelas, mancha do texto reproduzida em duas colunas, o que facilita a diagramação das imagens, introdução de resumos ao final de cada capítulo e um pequeno vocabulário auxiliar ao final do livro. Na figura 1 destacam-se o maior número de imagens, fotos coloridas e a mancha do texto em colunas:
Fonte: AZEVEDO ( 1968, p. 81)
Figura 1 - Páginas de Terra Brasileira (fotos coloridas)
Entretanto, mesmo com tais modificações, não houve alterações quanto ao conteúdo dos livros didáticos. Mesmo com algumas partes reescritas, encontramos textos idênticos aos livros publicados em coleções anteriores. Isso pode ser relacionado ao fato de a década de 1960 não ter tido pressão do CFE para mudar o conteúdo do currículo oficial. Esses livros ainda ditavam o conteúdo que ia para a sala de aula. Da nova coleção, O Brasil e o mundo, somente o segundo volume, Terra brasileira, foi reescrito. O restante dos livros era produzido sempre em caráter provisório. Os editores da Companhia Editora Nacional ou o próprio autor escreviam nos prefácios que novos livros reestruturados estavam por ser lançados, mas isso não ocorreu. Os livros de Aroldo de Azevedo, com padrão e conteúdo da década de 1950, se arrastaram até o final da década de 1960. © ETD – Educ. temat. digit.
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A 178ª edição de O Brasil e o mundo 4: os continentes, lançada em 1966, é um bom exemplo de como os conteúdos não mudaram na década de 1960, mesmo com as mudanças da lei 4024/61. Logo nas primeiras páginas, em nota dedicada ao leitor, os editores fazem a promessa de livros novos: A presente edição constitui uma solução provisória, destinada a atender de imediato às necessidades do estudo de Geografia face à recente reforma do ensino médio. Para os anos próximos esperamos poder oferecer ao magistério e aos estudantes brasileiros um volume inteiramente reestruturado, a exemplo do que já o Prof. Aroldo de Azevedo realizou em relação ao volume II desta coleção, intitulado Terra Brasileira. Os editores (AZEVEDO, 1966)
Ao ler o livro, percebe-se que ele é uma cópia de Geografia Geral para a segunda série ginasial, pelo menos da 138ª edição lançada em 1960, edição que ainda se baseava no programa de Geografia Física e Humana dos Continentes, redigido pela Portaria Ministério da Educação e Cultura número 1045 de dezembro de 1951. Comparando os sumários das duas últimas obras, observa-se que eles são idênticos. Mas os livros de Aroldo de Azevedo se apresentaram inadequados às exigências das novas diretrizes educacionais trazidas pela lei 5692-71. Entre tantas mudanças a que mais atingiu a produção do autor a criação da disciplina de Estudos Sociais, rebaixando a Geografia e a História para componentes curriculares de uma área de conhecimento. Fora criado um conjunto de instruções e procedimentos didáticos para a área de Estudos Sociais e publicados na forma de um Guia Curricular para Estudos Sociais. Assim, aqueles autores que quisessem continuar publicando seus livros didáticos de Geografia deveriam reescrevê-los agora. A década de 1970 é marcada não somente por mudanças na legislação educacional, mas também por mudanças na maneira de se escrever e falar da sociedade, passando de uma linguagem marcada mais pela retórica e eloquência para uma linguagem mais despojada. O próprio currículo humanístico escolar vem sofrendo solapamentos desde a metade do século XX, dando lugar ao currículo científico. Podemos dizer que alguns jargões e construções gramaticais começam a cair no desuso, o que obriga uma mudança na forma de escrever os livros, inclusive os didáticos. Assim livros com o padrão das obras de Aroldo de Azevedo teriam que ser reescritos ou cairiam no obsoletismo.
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No caso de Aroldo de Azevedo, a solução da Companhia Editora Nacional foi a de juntar dois livros didáticos muito usados na década de 1970 de sua autoria num único volume de Estudos Sociais: O Brasil e o Mundo – Estudos Sociais. Sobre essa obra podemos aferir que, em primeiro lugar não se trata de uma obra de Estudos Sociais, mas de um livro de Geografia sob o rótulo de Estudos Sociais. O próprio autor deixa isso muito claro no prefácio da obra. Atendendo a inúmeros apelos, esse livro corresponde à fusão e a condensação de dois outros anteriormente publicados: O mundo em que vivemos e Terra Brasileira. Foi totalmente reescrito, remanejado e atualizado, contendo o que julgamos estritamente essencial ao conhecimento dos estudantes que iniciam o curso ginasial, no que se refere às noções básicas da Geografia Geral e da Geografia do Brasil. Dentro da nova orientação de estudo integrado, nele não figuram informações úteis à compreensão dos fatos geográficos pertencentes a outros campos, como as Ciências Naturais e as Ciências Sociais. Suas numerosas ilustrações pretendem completar e esclarecer o texto, reduzido ao que consideramos o mínimo necessário ao conhecimento da matéria. No final do volume, um singelo e despretensioso Pequeno Dicionário Auxiliar, escrito em linguagem acessível e sintética, oferece aos estudantes resposta imediata a dúvidas concernente ao significado de mais de um milhar de vocábulos técnicos, além de alguns outros da linguagem comum. No instante em que a Geografia, inexplicavelmente, passa a figurar em posição inferior a outros ramos do saber humano, dentro do currículo escolar do curso médio (em total desacordo com o que se verifica nos grandes países civilizados e em forte contraste com o admirável desenvolvimento das pesquisas realizadas pelos geógrafos brasileiros), esperamos que este livro consiga despertar o interesse de nossa mocidade estudiosa pelo fascinante campo da ciência geográfica e contribua para recolocá-la no lugar a que tem direito e que sempre ocupou no nossos currículos escolares. Por que reconhecer a geografia do Mundo em que vivemos e, em particular, a geografia da Terra Brasileira é um dever elementar de todo cidadão, um elemento indispensável à cultura geral de qualquer pessoa, (AZEVEDO, 1972, p.3)
Essa obra, provavelmente a última obra didática do autor para o ensino de 1º Grau, antigo Ginásio, nada mais é do que a atualização de dois livros da década de 1960, porém com uma linguagem mais fácil, textos resumidos, maior quantidade de imagens e maior ênfase aos aspectos humanos de Geografia. Essa menor ênfase à Geografia Física, como esclarece o autor no excerto acima, se dá não por sua opção, mas para melhor se adequar ao ensino da nova orientação de estudo integrado. O autor também faz uma crítica a esse modelo por ter rebaixado o papel da Geografia nos estudos escolares.
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Não somente o texto de O Brasil e o Mundo – Estudos Sociais como também grande parte da produção didática do começo dos anos 1970 começam a sofrer transformações. Percebe-se que a saída de Aroldo de Azevedo da produção de livros didáticos para o ensino de 1º Grau deu-se à sua pouca adequabilidade às novas necessidades educacionais promovidas pelas reformas no ensino de 1º Grau ocorridas a partir de 1971. Não foram encontrados livros didáticos de Geografia de autoria de Aroldo de Azevedo para as séries do 1º Grau após 1972. Conclui-se assim, que a Companhia Editora Nacional até fez uma tentativa de criar um livro didático do autor destinado ao 1º Grau, mas este não obteve sucesso como os livros didáticos que o autor produzira nas décadas anteriores. Apesar de ter sido reescrito, possuir maior número de imagens e fotos coloridas, O Brasil e o Mundo– Estudos Sociais, ainda continha trechos copiados de livros produzidos na década de 1960 e ausência de exercícios, recurso que todos os livros didáticos da época já continham. As mudanças do padrão editorial foram significativas para o surgimento de novos livros didáticos. Munakata (2007), ao estudar a produção de livros didáticos, esclarece que, nesse período, houve uma profissionalização da indústria editorial, marcada por uma minuciosa divisão técnica do trabalho e especialização nas áreas de produção de livros didáticos. Dessa forma houve profunda alteração nos livros no que diz respeito à diagramação, ao tamanho, número de imagens, aos mapas, gráficos, e recursos de visualização. Isso fica claro ao comparar os livros didáticos da década de 1970 com os da década anterior. Tais mudanças fizeram com que os livros didáticos melhor atendessem as prescrições dos Guias Curriculares Nacionais.
3 A REDUÇÃO DA GEOGRAFIA NO TEXTO ESCOLAR COLOMBIANO: SEGUNDA METADE DO SÉCULO XX - OS IRMÃOS LASSALISTAS E OS LIVROS DIDÁTICOS Para Garcia (2008), irmãos das escolas cristãs vêm para a América Latina em 1863, chamados para o Equador pelo presidente Gabriel García Moreno. Um dos primeiros a assumir o trabalho educativo no continente foi o irmão Miguel Febres Cordero. Canonizado em 1984, escreveu e traduziu mais de 70 livros franceses para o ensino primário e secundário, amplamente distribuídos na América do Sul. Essa comunidade veio para a Colômbia em 1875 e abriu uma escola na cidade de Pasto. Em geral, há uma tradição na comunidade para o © ETD – Educ. temat. digit.
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desenvolvimento de livros didáticos. Foram os lassalistas, entre 1901 e 1927, os encarregados oficiais da formação dos professores em todo país (Díaz 2006). No início da segunda metade do século XX, inaugura-se um período de várias décadas de lassalistas na produção de livros didáticos de Geografia. Dois desses clérigos que se dedicaram à geografia colombiana foram os irmãos Gonzalo e Justo Ramón. Seus textos apresentam uma descrição do território em sua composição, população, economia, divisão política e administrativa. Eles viajaram por todo o país na qualidade de professores e sacerdotes em busca de materiais e mapeamentos (SGC, 1981). Irmão das escolas cristãs slassalistas, Justo Ramón, ensinou Geografia por mais de 50 anos na Colômbia. O propósito dele, segundo Mendonza (2011), era que “que los colombianos conozcan el país, conociéndolo aprendan a amarlo y amándolo, aprendan a respetarlo”. Sob forte influência da escola francesa de Geografia, realizou traduções e comentários da Geografia dos anos 1950, como de Max Sorre e Jean Brunhes. Membro número um da Sociedade Geográfica da Colômbia, correspondente da Sociedade de Geografíca de Madrid e também membro honorário da Academia Colombiana de Educação, por mais de 20 anos ele participou como docente da famosa escola Normal Central Institutores de Bogotá, influenciando um grande número de professores. Sua larga produção didática baseou-se em sua larga experiência em seminários no Instituto de La Salle, Liceo de La Salle , Instituto San Bernardo, Colegio San José de Pamplona, Colegio Guanentá de San Gil, entre outros (SGC, 1981), e como membro da Sociedade de Geografia de Colômbia. Sua primeira obra, segundo Mendonza (2011), foi provavelmente um artigo enviado para o Congresso Pegagógico Nacional de 1917 com o título: Ejercicios Cartográficos para las clases superiores de las Escuelas Primarias. Na década de 1920,
percorre o
Departamento de Cundinamarca recolhendo dados climáticos, geomorfológicos e humanos com o irmão Sebastián Félix. É dessa pesquisa que nasce a Geografia de Cundinamarca, uma de suas primeiras obras didáticas, toda organizada por regiões naturais, uma classificação que não era usual em textos escolares de Geografia daquele tempo, já que o país era dividido em comarcas, departamentos e cidades. Essa mesma classificacão foi feita em seu outro livro: Geografia da Colômbia. Havia uma maneira particular de Hermano Justo Ramón desenvolver seus livros de Geografia. Eles iniciavam sempre a partir da escala do universo, passando pela localização e fronteiras da Colômbia e, em seguida, pelo clima, como o eixo central do que mais tarde iria trabalhar como população por meio de determinismo. O livro servia de referência para © ETD – Educ. temat. digit.
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conteúdos geográficos da Colômbia, por essa razão na capa do livro lia-se "Para autodidatas e professores". Uma emergência é expressa em novas alterações observadas nesses textos que explicam
as
geografia
física
e
humana
por
meio
do
clima.
Sobre a ação do clima tropical no desenvolvimento da população colombiana, Justa Ramón (1964) considerou não só a escolha de seu habitat, mas seu modo de vida, o trabalho do meio sobre o homem, influenciando seus aspectos físicos e também suas condições psíquicas, como o autor bem descreve: Los principales accidentes debidos a la influencia prolongada de los climas tropicales son la siguiente debilidad general del cuerpo y del espíritu, debida especialmente a la acción del calor y la humedad excesiva. Fatiga muscular producida por el sudor los individuos blancos poco a poco van cayendo en la indolencia por los sanos goces del espíritu y solo apetecen los excitantes alcohólicos y el desborde de los apetitos sensuales hasta llegar a la imposible vida en comunidad. ( p. 17)
A Geografia para Justo Ramón (1972) trata da distribuição e da existência da espécie humana na superfífie terrestre aos moldes do que a fitogeografia e zoogeografia fazem para plantas e animais. Essa ciência abrange um conjunto complexo de fatos e fenômenos terrestres dos quais o homem é agente e ao mesmo tempo paciente. A ideia de civilização que estava acompanhando os textos do século XIX, em oposição à barbárie ou selvageria, adquire aqui um novo elemento do meio. De acordo com Ramón (1968, p. 7) Desde un punto de vista meramente físico, existe de ella una idea fundada en la medida que las agrupaciones humanas se hallan subordinadas al medio. En tal sentido se reputan como más civilizados los grupos que mejor se han repuesto al ambiente físico, modificándolo, y como primitivos los que poco o nada han sabido aprovechar sus ventajas o sustraerse a su influjo.
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Fonte:RAMÓN (1968, p. 100)
Figura 2 - Página de Geografia superior de Colômbia
No entanto, o conceito tradicional de civilização não se limita a esse aspecto exclusivamente material, como mostrado na figura 2 retirada do livro onde Hermano Ramón (1968) assume o civilizado tanto em consenso a todos os aspectos da vida e ordens, mas também ao cultivo da inteligência e da moral. Incivilizado el hombre del ardor tropical que lo invita a la circulación de la sangre y lo saca de su yo ,el suelo ,las aguas, rinden en general fácil mantenimiento ,que obtiene con gastos exiguos ,suele ser gran fumador, recurre frecuentemente a la bebida para compensar las perdidas de la transpiración, el medio los obliga al aseo, contrario al hombre tierra fría hombre de montaña(p. 19).
Como salienta Ramón (1955) o aspecto humano está sempre atrelado ao meio. Nos textos de Geografia aparecem o homem em seu ambiente: montanha, litoral, cerrado, sempre ligado a regiões naturais. Tentando visualizar o colombiano, Hermando Justo afirma que a democracia colombiana é desconcertante. Não se mudam as ideologias para estudar inglês e literaturas mais orientais, tanto que aos colombianos foram dados os princípios filosóficos da Ásia budista e da Europa, de Kant e Marx. Os problemas sociais de outras nações nos preocupam mais do que os da própria Colômbia. Em consideração ao exposto, atreveu-se a definir os colombianos como uma raça forte. Localizados em uma natureza extravagante e exigente, os colombianos são generosos, sensíveis, orgulhosos, amam as ideias, respeitam aqueles que gostam de desfrutar da agilidade mental e tem senso de humor saudável. © ETD – Educ. temat. digit.
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Os textos de Geografia desse autor tentam responder à situação caótica criada na Colômbia durante os primeiros 50 anos do século passado. Os dois fatos que impactaram o trabalho de Justo Ramón, segundo Rivas (2011) foram a situação caótica, social e política, da Colômbia e a Guerra dos Mil Dias, que, juntamente com a perda do Panamá, foram um duro golpe para a consciência nacional. Foi necessário, portanto, buscar a unificação do país e o texto de Geografia de Justo Ramón tratou o território como a origem da nacionalidade colombiana. A ideia de território expressada nos textos de Geografia de Justo Ramón (1934, 1953, 1967, 1968) materializa-se pelas situações físicas e políticas das fronteiras e nas partes ainda inóspitas do território colombiano. Nos anos 1950 e início dos anos 1960, os textos mostram a necessidade de integrar o país por meio de processos de colonização. Em seu livro escrito sobre a Geografia de Cundinamarca, o autor mostra a preocupação em demarcar espaços que ainda permanecem no país para colonizar “quedan baldíos en regiones como Guabio y de Medina”. A produção de Justo Ramón tem duas linhas de trabalho: por um lado há a produção de textos escolares, propriamente didáticos, que estão em parte apresentados no quadro 3, e a produção efetivamente de caráter geográfico científico feita especialmente na década de 1950. Estas últimas pesquisas são tomadas e transformadas em livros e propostas didáticas de Geografia nas décadas de 1960. Isso ocorreu como os estudos do Canal de Dique, no ano de 1956, a explicação das fontes dos rios Magdalena e Caquetá, de 1953, dicionário geográfico e esboço do maciço colombiano, de 1954, documentação gráfica do sul marinho, de 1958, além de uma cuidadosa coleção de 33 mapas e ilustrações que trouxeram contribuições inestimáveis para os estudos geográficos. QUADRO 3 - Livros didáticos de Geografia na Colômbia (1930-1969) Título
Autor Justo Ramón, Hermano Justo Ramón, Hermano. Justo Ramón, Hermano
Geografía de Cundinamarca
Geografía elemental de Cundinamarca
Geografía de Colombia : 1er. curso © ETD – Educ. temat. digit.
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Edição 1a. edición 2a. edición 2a. ed. corregida
p.300-319
Ano
Editorial Imprenta de la Sociedad 1927. Editorial, Procuraduría de los 1930 Hermanos Esc. Grafs. Salesianas, 1932 1938.
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Justo Ramón, Hermano
Geografía de Colombia : 2o. curso
Geografía de Colombia : segundo curso / Justo Ramón. Curso de geografía universal de acuerdo con los programas oficiales : segunda parte Europ
Justo Ramón, Hermano Justo Ramón, Hermano
Justo Ramón, Hermano Justo Ramón, Hermano Justo Ramón, Hermano
Curso de geografía universal : América / por Justo Ramón.
Geografía de Colombia : 2o. curso
Geografía elemental de Cundinamarca
SN-Bogota
1a. ed.
1936 Ed. Argra,
7a. ed.
1948 Editorial Lumen,
1a. edición
1a. edición
17a. ed.
1940. Procuraduría de los Hermanos de las EE. 1941 CC Libr. Stella 1956 Lib. Stella,
17a. ed.
1959 Libr. Stella
Geografía de Colombia : 2o. curso / hermano Justo Ramón.
43a. ed
Justo Ramón, Geografía superior de Colombia / Hermano Justo Geografía moderna: geografía física, biológica y Ramón, humana de Colombia. Hermano
1963 Editorial Stella,
. 12a. ed.
1964. Editorial Stella,
37a. ed
1967
Fonte: Pesqusa direta
As propostas didáticas mais importantes de Justo Ramón aparecem em seus textos da década de 1960, como uso de resumos, explicação de gravuras, unificação das disciplinas de Geografia e História, as leituras complementares, os dados estatísticos, e a apresentação de cada capítulo com generalidades. As práticas pedagógicas dele não eram menos interessantes a Sociedade Geográfica da Colômbia (SGC). Esta, em 2011, em uma nota em sua homenagem, descreve que esse mestre se centrava na correção pessoal que os alunos deviam fazer em seus trabalhos; somente após uma correção apurada, ele apontava a qualificação. Finalmente, deve ser dito que nenhum outro autor supera a produção desse “irmão” em publicar textos de Geografia, chegando a mais de 40 textos, assinados individualmente em mais de 30 anos de produção geográfica. Considere-se que muitas das ideias expressas nos textos foram socializadas e articuladas ao pensamento geográfico da SGC. O primeiro © ETD – Educ. temat. digit.
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texto de sua produção é Geografía elemental de Cundinamarca, de 1930, e um dos seus ultimos foi Geografía moderna: física, biológica y humana de Colombia, de 1966. Os últimos textos de Justo Ramón foram editados em uma época em que começaram a aparecer o predomínio das Ciências Sociais na escola. Essa mudança implicou em uma restruturação no currículo escolar, deixando somente alguns elementos do conhecimento geográfico trabalhados por Justo Ramón. Muitas noções de Geografia foram trazidas de suas implicações mais profundas. É nesse contexto que se dá a saída de Hermano Justo Ramón da produção didática na Colômbia e, consequentemente, a saída de uma tradição de textos ecolares de Geografia de aproximadamente 140 anos.
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A história do ensino de Geografia nas escolas secundárias do Brasil e Colômbia guarda correspondências que necessitam de um estudo mais aprofundado. Aroldo de Azevedo e Hermano Justo Ramón mantiveram-se líderes na produção didática da primeira metade do século XX por razões muito semelhantes: suas respectivas posições no cenário intelectual como professores e formadores de professores, associados a sociedades de Geografia e autores de livros de conhecimento geográfico. A queda da produção didática desses autores também guarda algumas semelhanças, principalmente no que tange às mudanças curriculares da década de 1970, que impuseram a unificação das disciplinas de Geografia e História, dadas como áreas correlatas. Os pilares que sustentavam esses autores romperam- se ao mudarem as condições sociais. Tais mudanças vão desde a mudança no currículo até na forma de fazer livro didático. No entanto, este estudo não teve a envergadura de traçar uma simetria entre esses dois países, mas ele mostrou que pesquisas conjuntas e estudos no campo da História das Disciplinas Escolares e da História dos Currículos desses países podem se tornar um campo profícuo de investigação.
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AZEVEDO, A. de. Geografia geral: terceira série ginasial. 109. ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1960. AZEVEDO, A. de. O Brasil e o mundo 2: terra brasileira: nossa terra, nossa gente, nossa economia. 5. ed. Companhia Editora Nacional: São Paulo, 1963. AZEVEDO, A. de. O Brasil e o mundo 3: as regiões brasileiras. 24. ed. São Paulo, 1964. AZEVEDO, A. de. O Brasil e o mundo: o mundo em que vivemos. 4.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966. AZEVEDO, A. de. O Brasil e o mundo 4: os continentes. 178.ed. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1966. AZEVEDO, A. de. O Brasil no mundo: nosso mundo, nossa terra. Estudos Sociais. 2.ed. 1972. São Paulo: Companhia Editora Nacional, 1972. CHERVEL, A. História das disciplinas escolares: reflexões sobre um campo de pesquisa. Teoria & Educação, v.2, Porto Alegre, p. 177-229, 1990. ESCOLANO BENITO, A. El manual escolar y la cultura profesional de los docentes. Tendencias pedagógicas, n. 14, p.169-180, 2009. Disponível em: <http://www.tendenciaspedagogicas.com/Articulos/2009_14_12.pdf>. Acesso em 27 nov. 2012. DÍAZ MESA, Cristhian James; JIMÉNEZ IBÁÑEZ, José Raul; TURRIAGO ROJAS, Daniel. Historicidad, saber y pedagogía: una mirada al modelo pedagógico lasallista en Colombia. 1915-1935. Bogotá: Universidad la Salle, 2006. GARCIA AHUMADA, ENRIQUE. Aporte de La Salle a la educación en América Latina. Bogotá: RELAL, 2008. Disponível em:<http://www.relal.com.co/documentos/recursos/ AporteDeLaSalle/Aporte%20de%20La%20Salle%20a%20la%20Educacion%20-% 20Hno%20Enrique.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2012. FONSECA, J. B. V. da. Análise dos programas e livros didáticos em Geografia para a escola secundária: (1931-1956). Rio de Janeiro: INEP/ Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, 1957. JUSTO RAMÓN, H. Sociedad geografica de Colômbia. 2007. Diponível em: <http://www.sogeocol.edu.co/documentos/hno_justo_r.pdf>. Acesso em: 04 jan. 2013. JUSTO RAMÓN, H. El canal del Dique. Revista Policía Nacional de Colombia, Bogotá, v. 9, n. 43, p. 43-44, Ene./Feb. 1956. JUSTO RAMÓN, H. Geografia superior em Comlombia. 11.ed. Bogotá: Libreía Stella, 1964. JUSTO RAMÓN, H. Aporte a la exploración del macizo colombiano. Bogotá: PAX, 1964. © ETD – Educ. temat. digit.
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Como citar este texto: GOMES, Daniel Mendes; TABORDA CARÓ, Maria Alejandra. Aroldo de Azevedo e Hermano Justo Ramón: suas contribuições para o ensino de geografia. ETD - Educação Temática Digital, Campinas, SP, v. 15, n. 2, p.300-319, maio/ago. 2013. ISSN 1676-2592. Disponível em: <http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/etd/article/view/4556>. Acesso em: 28 ago. 2013.
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ELEMENTOS PARA REFLEXÕES SOBRE EDUCAÇÃO, COMUNICAÇÃO E TECNOLOGIA: NADA É TÃO NOVO SOBRE REDES, LINGUAGEM E APRENDIZAGEM ELEMENTS FOR THOUGHTS ON EDUCATION, COMMUNICATION AND TECHNOLOGY: NOTHING IS SO NEW ABOUT NETWORKS, LANGUAGE AND LEARNING ELEMENTOS DE REFLEXIÓN SOBRE LA EDUCACIÓN, COMUNICACIÓN Y TECNOLOGÍA: NADA ES TANNUEVO ACERCA DE LAS REDES, EL LENGUAJE Y EL APRENDIZAJE Cláudio Márcio Magalhães1 Daniel Mill2 RESUMO: Esse artigo busca apresentar a relação comunicação-educação, observando as suas implicações mais evidentes no desenvolvimento e na crítica das TIC e vice-versa. O objetivo é demonstrar que uma visão deturpada, preconceituosa e factual da comunicação e da sua mediação tecnológica pode prejudicar posturas mais construtivas e maduras dos educadores que desejam explorar a relação comunicação-tecnologia-educação em benefício do ensino-aprendizagem mais efetivo. O caminho para isso é demonstrar que as ideias de redes sociais já são pensadas há certo tempo, evidenciando certos preconceitos ideológicos aí residentes. Quando, efetivamente, a comunicação e a educação se tornam campos de estudo mais delineados e, aparentemente, se afastam, os seus caminhos são distintos somente numa perspectiva artificial e que temos que pensar a educação, a comunicação e as tecnologias contemporâneas de forma articulada e proativa, buscando melhorias no ensinoaprendizagem. PALAVRAS-CHAVE: Educação. Comunicação. TIC. História. ABSTRACT: This article aims to show the relation education-communication, noting its implications more evident in the development and critical ICT. The goal is to show that a distorted point-of-view, biased and factual communication and its technological mediation can undermine rather more constructive and mature attitudes of educators wishing to explore the relation-education-communication technology for the benefit of the teaching-learning more effective. The path to this is to demonstrate that the ideas of social networks are thought for some time, showing certain ideological biases residing there. When, indeed, the communication and education fields of study become more delineated and apparently move away, that their paths are different only in artificial perspective and we have to think about education, communication and contemporary technologies in coordination and proactive, seeking improvements in teaching and learning. KEYWORDS: Education.Communication. ICT. History.
1
Jornalista, doutor em Educação pela UFMG, professor/orientador do Mestrado em Gestão Social, Educação e Desenvolvimento Local e do Instituto de Comunicação e Artes (nos cursos de Jornalismo Multimídia, Cinema e Video e Publicidade e Propaganda) do centro universitário UNA. Belo Horizonte – MG – Brasil – E-mail: claudio.marcio@prof.una.br 2 Pós-doutor em Educação pela Universidade Aberta de Portugal, docente da UFSCar, líder do grupo HORIZONTE (Grupo de Estudos e Pesquisas sobre Inovação em Educação, Tecnologias e Linguagens) e membro do Grupo de Pesquisa sobre Trabalho, Tecnologia e Educação (UFMG). São Carlos – SP –Brasil – Email: mill.ufscar@gmail.com Recebido em:26/02/2013 – Aprovado em: 12/06/2013 © ETD – Educ. temat. digit.
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RESUMEN: Este artículo tiene como objetivo mostrar la relación comunicación-educación, teniendo en cuenta sus consecuencias más evidentes en el desarrollo y revisión de las TIC y viceversa. El objetivo es demostrar que una imagen distorsionada, sesgada y de hecho la comunicación y la mediación tecnológica pueden socavar las actitudes más constructivas y madura de los educadores que deseen explorar la relación comunicación-la tecnología de la educación en beneficio de la enseñanza y el aprendizaje más efectivo. La forma de este es demostrar que las ideas de las redes sociales ya están pensadas para un tiempo, mostrando ciertos sesgos ideológicos que residen allí. Cuando efectivamente, los campos de la comunicación y la educación de estudio cada vez más delineados y aparentemente se alejan, sus caminos son diferentes sólo en la perspectiva artificial y tenemos que pensar en la educación, la comunicación y las tecnologías contemporáneas en coordinación y proactiva la búsqueda de mejoras en la enseñanza y el aprendizaje. PALABRAS CLAVE: Educación. Comunicación. TIC. Historia.
1 INTRODUÇÃO Há uma tendência, ao escutarmos sobre as mais novas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC), de sermos levados a pensar nas “velhas” maneiras de abordar a educação e a comunicação. De certa forma, somos levados a contrapor os campos educacional, comunicacional e tecnológico. Ainda há um simplismo ao rotular uma educação “pura”, “romântica” ― voltada exclusivamente para o engrandecimento do ser ― em contraposição a uma “comunicação” repressora e manipulatória ― que busca apenas enriquecer os donos dos Meios de Comunicação de Massa (MCM)3. Prevalece aí a noção de uma educação com preocupação e responsabilidade exclusiva sobre os conteúdos e de uma comunicação voltada unicamente para a superficialidade do formato. Claro que há equívocos nesse raciocínio. Essa mentalidade tem mudado, mas ainda persiste em vários aspectos e em vários momentos acadêmicos, no contexto dos debates sobre a cibercultura e o uso das TIC no âmbito educacional, especialmente as tecnologias digitais. Geralmente, os primeiros movimentos percebidos na articulação dos novos artefatos tecnológicos no processo de ensino-aprendizagem são de salvação das más experiências educacionais vividas ao longo da história ou, pior ainda, de catástrofe e pessimismo. Assim, entre os educadores, há dois sentimentos quando se fala no uso de TIC na educação: por um lado, há boa parte que vê as TIC como aquelas que empurram os estudantes para uma cultura do consumismo e roubam os alunos da sala de aula ― quando não fisicamente, pelo menos nos seus aspectos de aprendizagem ou desenvolvimento intelectual. Como resultado, cria-se um movimento de resistência ao uso pedagógico das TIC
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Tal nomenclatura remete aos anos de 1970 e, embora em desuso, se justificará ao longo do texto.
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pelas suas possíveis repercussões negativas ao educando. Outra parcela de educadores, por outro lado, acredita que as TIC podem ter muita serventia, desde que “esterilizadas” de suas características “mundanas” e convenientemente “adaptadas” aos fins nobres da educação “pura”. Nos últimos anos, percebe-se nitidamente maior amadurecimento dos educadores nas reflexões e práticas de uso de TIC no ensino-aprendizagem (afinal, sendo tecnologias digitais ou não, é impossível educar sem o uso de técnicas e artefatos diversos), mas como observam Litwin (2001) e Sancho (1998), persistem as visões salvacionistas (tecnofilia) ou preconceituosas/pessimistas (tecnofobia) no meio educacional. Esses sentimentos de contraposição de tecnologias e educação são frutos daquelas velhas maneiras de se pensar a relação comunicação- educação como campos distintos quando não antagônicos. Sob esse pressuposto de antagonismo, este texto busca apresentar a relação comunicação-educação ao longo da história, observando as suas implicações mais evidentes no desenvolvimento e na crítica das TIC e vice-versa. Com esse intuito, o texto propõe uma trajetória que parte de Adam Smith para demonstrar que as ideias de redes sociais já são pensadas há certo tempo, evidenciando alguns preconceitos ideológicos aí residentes. É importante destacar que não somos adeptos (fanaticamente ou integralmente) ao trabalho de Adam Smith, pois isso está longe de ser verdade. Pelo contrário, estamos certos de que a sua “mão invisível” (SMITH, 1981) não está para a bênção assim como está para uma bofetada. Isto é, sabemos que (especialmente quando não conta com as condições ideais de mercado) há diversas falhas em sua teoria. O que queremos salientar, quando elegemos um autor com seus méritos, mas sem aceitabilidade universal é que, em determinadas áreas, muitas coisas foram ditas por um pensador e são esquecidas por seguirmos outra corrente de pensamento. Smith, por exemplo, escreveu coisas sobre as redes comunicacionais muito tempo antes de outros autores tidos como “pais” das redes, como geralmente atribuímos a Castells (2008) e Levy (2010). Aliás, reconhecemos que são admiráveis as obras desses dois autores; mas o rótulo que geralmente é dado a Smith, de “cavaleiro do apocalipse do capitalismo”, não invalida toda a sua obra, que em alguns casos pode ser analisada como vanguarda ―a exemplo da questão das redes. Enfim, queremos destacar na eleição desse autor entre tantos que não são apenas aqueles autores que admiramos que digam as coisas mais acertadas. Essa concepção normalmente traz injustiças e podem atravancar avanços civilizatórios. © ETD – Educ. temat. digit.
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Quando efetivamente a comunicação e a educação se tornam campos de estudo mais delineados e, aparentemente, se afastam, os seus caminhos são distintos somente numa perspectiva artificial. Na busca do entendimento da relação comunicação-educação exploramos aspectos do pragmatismo das teorias behavioristas, do humanismo das teorias críticas e dos estudos culturais ― parece-nos que as suas fontes e os seus desejos são os mesmos, embora o olhar enviesado de cada campo para o outro empobreça o debate do uso das TIC na educação. Enfim, como podemos pensar a educação, a comunicação e as tecnologias contemporâneas de forma articulada e proativa, buscando melhorias no ensinoaprendizagem?
2 REDES E COMUNICAÇÃO Toda tecnologia de comunicação e informação (TIC) passa por uma fase de deslumbramento, geralmente quando do seu surgimento ou socialização a cada grupo. Começa pelos especialistas, chega à mídia especializada, atinge certo senso comum e, dependendo de suas características, vai às massas. Não é uma trajetória garantida, pois algumas TIC ficam pelo caminho; mas geralmente segue-se o padrão clássico do ciclo de vida de um produto: lançamento, crescimento, maturação e declínio. Ao contrário do que muitos possam pensar, seria equivocado dizer que isso seja um ciclo moderno. Há a tendência de reinvenção da roda a cada novo artefato lançado, a exemplo das redes sociais. Essas redes tornaram-se um forte meio virtual de convivência e, à medida que se amplia o acesso à banda larga, fazem parecer que as TIC, finalmente, acharam sua razão de viver (embora ainda ignoradas pelas escolas). Entretanto pensar em TIC e redes sociais não é do nosso tempo, não é novidade. Desde que os homens começaram a utilizar dos seus desenhos rupestres, de arte representativa, passando pelas imagens de deuses, cenas militares e religiosas em argila e vitrais em igrejas, o homem já percebia que uma das principais funções da comunicação era a formação de redes. Temos uma enorme dificuldade de encarar como TIC àquelas que não se ligam na parede, na tomada elétrica, ou usam bateria. Ora, extratos de plantas e parede, pedra e vidro, papel e tinta têm milhares de anos de história como TIC ― por sinal, bastante eficientes, apesar de não baseadas no silício. E, diferentemente do que aconteceria no séc. XX e XXI, os pensadores dos tempos anteriores faziam mais facilmente essa ligação entre comunicação, educação, redes sociais e tecnologias. Como afirma Mattelart (1999, p.13), “Período de © ETD – Educ. temat. digit.
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invenção dos sistemas técnicos básicos da comunicação e do princípio do livre comércio, o século XIX viu nascer noções fundadoras de uma visão da comunicação como fator de integração das sociedades humanas”. Imaginar uma rede social como instrumento para a criação de um organismo dinâmico ― formado por minúsculas partes independentes em si, mas interdependentes entre si ― pode parecer muito moderno e democrático quando aplicado no Facebook ou na blogsfera, mas isso já era pensado por Adam Smith (1723-1790) no séc. XVIII. Ocorre que esse pensador, ao estabelecer os parâmetros da economia liberal que sustentou vários modelos de organização de países pelo mundo, atraiu a descrença e o ódio de grande parte dos pensadores de esquerda, os mesmos que estabeleceram as bases dos campos da comunicação e educação. O mundo ”liberal” seria o oposto a um mundo ”social”, o que colocaria autores como ele fora do debate histórico sobre TIC. Além de preconceituoso (pois acreditamos que Smith não pensava que iria moldar o mundo e menos ainda como as pessoas iriam se comunicar e educar no séc. XXI), podemos perder importantes referências da evolução das TIC apenas pela ideologia econômica dos pensadores. Lembramos que comunicar vem do latim comunicare (tornar comum), (RABAÇA; BARGOSA, 1995, p.151) e comunicação como imaginamos é um campo de troca, de barganha e comercialização de opiniões e visões de mundo. Para Armand Mattelart (1999), Smith faz a primeira formulação científica da divisão do trabalho, alerta para a comunicação e a rede social gerada por ela e destaca que “a comunicação contribui para a organização do trabalho coletivo no interior da fábrica e na estruturação dos espaços econômicos” (MATTELART, 1999, p.14). A história da comunicação é intimamente ligada à história da industrialização da humanidade como um todo (BRIGGS; BURKE, 2004): com a abertura de estradas, vieram os mensageiros; com a navegação, os mapas; com os templos, as esculturas, a arte representativa, os vitrais; com a necessidade de aprimoramento da elite e da mão de obra, a imprensa; com as estradas de ferro, o telégrafo; com a conquista do espaço, os satélites. É um constante e progressivo não cessar de implicações e aperfeiçoamentos tecnológicos, sempre a partir do contexto sócio-histórico e as necessidades de progresso do homem. Adam Smith previa que as redes sociais de comunicação se tornariam um instrumento de grande potencialidade, a ponto de ser de responsabilidade ― fiscal e financeira ― de todos (embora reconheça que aqueles que se beneficiam mais diretamente deveriam ter mais responsabilidade no seu sustento). Segundo Smith (1981, p.412), “a despesa de manter boas © ETD – Educ. temat. digit.
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estradas e comunicações, sem dúvida é benéfica a toda a sociedade, e pode assim, sem nenhuma injustiça, ser custeada pela contribuição geral”. A Revolução Industrial também é a revolução da circulação. Na cosmópolis comercial do laissez-faire, a divisão do trabalho e os meios de comunicação (vias fluviais, marítimas e terrestres) rimam com opulência e crescimento. A Inglaterra já efetuou sua “revolução da circulação”, que começa a integrar-se naturalmente à nova paisagem da revolução industrial em andamento (MATTELART, 1999, p.14).
Mattelart (1999) ainda lembra que Claude Henri de Saint-Simon (1760-1825), filósofo, e Herbert Spencer (1820-1903), engenheiro ferroviário, pensavam a sociedade como um sistema orgânico, um conjunto de órgãos com funções distintas e que tem, no dinheiro e na comunicação, o sangue que percorre todo o organismo a ponto de unificá-lo. John Stuart Mill (1806-1873), da escola de economia clássica inglesa, vê no dinheiro não o seu valor monetário, mas o canal que carrega a informação para que os demais fluxos materiais e a divisão de trabalho funcionem. Um corpo gerado por redes informacionais tecidas, mas por e para a indústria. Tais pensamentos corroboram com a concepção de que a área da comunicação é parceira do capital, contra o social. Ao contrário, a educação deveria cumprir um papel social, antes de possíveis favorecimentos ao capital; e, por isso, a área da educação afastar-se-ia da área da comunicação. Claro que isso não é verdade e nem é tão simples. Por trás de uma noção “social” de educação há sempre interesses diretos e indiretos do contexto social maior de cada sociedade ― e, portanto, se na sociedade atual prevalecem os interesses e princípios de um sistema capitalista, também a educação vai desempenhar papéis de cunho capitalista, sejam eles (in) diretos, implícitos ou explícitos. Em outras palavras, a função social da educação (MILL, 2007) em cada época está diretamente relacionada ao contexto social mais amplo. Até recentemente, e desde a fundação e consolidação da atual noção de sala de aula, mantêm-se semelhantes as suas estruturas originais: um mestre detentor de conhecimentos especiais, com posicionamento geográfico privilegiado em relação aos seus educandos, sentados e enfileirados nas cadeiras/carteiras e com ouvidos atentos à fala do professor, num modelo que Buffa e Pinto (2007, p.139) dizem explicar-se em determinado período pela dificuldade de acesso aos livros e à informação, justificando procedimentos de ensino baseados na repetição, na memória e nas classificações e distinções. A sociedade atual tem © ETD – Educ. temat. digit.
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estimulado a mudança desse modelo e, na última década, essa noção de educação tem mudado significativamente ―, mas ainda não o suficiente para desmanchar por completo a noção de educação da revolução industrial, dada em escolas compartimentadas no espaço e no tempo, em séries e horários, em salas de aulas organizadas de modo a produzir mais e “melhores” trabalhadores qualificados para o trabalho disponível em cada época. Essa ideia não é nossa e nem é nova: trata-se de uma noção fordista de educação, voltada aos interesses capitalistas e ao mercado de trabalho; pois se advogava que a escola ensinasse as crianças a serem produtivas para atender ao mercado de trabalho (PORTELA, 2005, p.33). Também no contexto da educação a distância (tradicional ou virtual/online) esses princípios fordistas são bem evidentes: por exemplo, é recorrente encontrar na literatura análises da EaD a partir de analogias com a produção industrial, inspirados na organização das redes sociais, tecnológicas e físicas do modelo de produção fordista. A racionalização, a divisão do trabalho e a produção em massa mostraram-se como três princípios do modelo fordista particularmente importantes para a compreensão da EaD (BELLONI, 2009, p.10). A análise da EaD de Coiçaud (2001, p.66) também passa pelo enfoque da produção industrial, destacando que a explícita intenção capitalista em transpor à escola o modelo de produção industrial, estabelecendo a divisão de tarefas específicas do ensino como condição básica para obter os resultados esperados. A organização de unidades estanques para a produção e ofertas de cursos pela modalidade EaD ganha importância em quase todas as experiências de EaD ao longo da sua história. O formato de EaD por teleaulas, sendo assistidas por milhares de pessoas espalhadas geograficamente, numa espécie de extensão da sala, também pode ser citado como implicações da organização industrial sobre a educação (ou sobre a EaD em particular). Enfim, pelos mesmos argumentos, educação e comunicação estariam sob orientação e a serviço de interesses capitalistas, o que não elimina todo o potencial criativo e a natureza humanista também latente em ambas. Sendo instituições vinculadas aos contextos sociais de cada época, as áreas de comunicação e de educação podem desempenhar funções subversivas em relação aos interesses hegemônicos do seu tempo. Isto é, podemos fazer uso da comunicação e da educação para fins sociais e humanitários mesmo numa sociedade dominada pela exploração capitalista (e vice-versa). Além disso, comunicação e educação são instâncias particularmente necessárias e capazes de exercer o papel de amenizar a barbárie e contribuir para o processo civilizatório, no sentido estabelecido por Meszaros (2002). Assim, educação e comunicação estão mais interligadas do que alguns podem imaginar. © ETD – Educ. temat. digit.
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3 PRAGMATISMO E O CLÁSSICO A comunicação e a educação ainda não eram campos separados no início do séc. XX e isso parecia benéfico para ambos. Essa relação foi corrompida e a percepção de dois campos inter-relacionados cedeu lugar a entendimentos antagônicos. Todavia, cada campo por sua vez continuou a buscar fórmulas mágicas para seu desenvolvimento e, direta ou indiretamente, na prática, continuaram se influenciando mutuamente. A base do behaviorismo e do pragmatismo foi a mesma para ambos os campos do saber e as inúmeras tentativas de objetivar os atos comunicativo e educacional numa fórmula simples mereceram a atenção de diversos pensadores da área e, claro, levaram a entendimentos dos processos comunicacionais e da prática educacional ― em especial referente a psicologia da aprendizagem. O matemático Charles Peirce (1839-1914), também cultuado como um forte aliado na tentativa de desvendar o invisível manipulatório dos signos comunicacionais, é fruto de um período de amadurecimento do pragmatismo (período coincidente ao pós-Revolução Industrial e à invenção de novos inventos na área de transportes e das tecnologias de informação e comunicação). Considerado o fundador da semiótica, Peirce sugeriu, como num bom modelo fordista e positivista, separar os tipos de signos para a sua melhor compreensão e uso: o pensamento como sinônimo de manipulação de signos (MATTELART, 1999, p.34). A seu favor, esse pragmatismo, ao buscar colocar a comunicação em uma fórmula matemática, encontrava par nas teorias psicológicas da época que, por sua vez, também abasteciam os pensamentos sobre a educação. Provavelmente inspirados em conceitos matemáticos, os psicólogos buscavam determinar regras que pudessem construir uma fórmula para descobrir e facilitar a aprendizagem. A denominada psicologia E-R (estímulo-resposta) é um exemplo da intenção dos psicólogos da época. De igual modo, outras teorias da aprendizagem baseavam-se nas relações entre as condições e os resultados da aprendizagem: o behaviorismo seguia essa linha (com John Watson, a partir de 1914) e também as conhecidas experiências de condicionamento, conduzidas por Ivan Pavlov. Como podemos perceber, todas essas ideias são anteriores à segunda metade do século passado, mas ainda alimentam sistemas comunicacionais atuais e embasam o desenvolvimento de novas tecnologias de suporte à comunicação; ainda podem ser usadas para entender a criação de redes sociais virtuais e as relações entre seus membros; ainda © ETD – Educ. temat. digit.
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alimentam diversos projetos de educação em geral e de EaD em particular ― desde modelos públicos ou comerciais, simples ou complexos, virtuais ou mistos (semipresenciais ou blended), personalizados ou para massas. A ideia de adoção da EaD para atender a grandes contingentes traz consigo a necessidade de reformular os processos comunicacionais das tradicionais redes de aprendizagem (historicamente estabelecidas na educação presencial) e criação de novas relações e novas formas de interlocução e linguagem, baseadas em processo comunicacionais mediados por tecnologias de informação e comunicação. A Escola de Frankfurt, que viria a formular a Teoria Crítica, seguindo a tradição humanista europeia (em oposição ao pragmatismo norte-americano), tentava enxergar a floresta inteira e não somente a árvore dos meios de comunicação de massa (MCM). De orientação marxista e influenciados pela psicanálise de Freud (MATTELART, 1999), os membros da Escola de Frankfurt acreditavam que o homem estava à mercê ― sem saber ― dos grupos capitalistas e/ou autoritários que controlavam os MCM. Adorno e Horkheimer (1985) resgatam o liberalismo inspirado em Adam Smith ao formular a Indústria Cultural, colocando a prática da comunicação em massa como mais uma engrenagem de um organismo social voltado para o lucro, subjugando a diversidade cultural. Ao subordinar da mesma maneira todos os setores da produção espiritual a este fim único – ocupar os sentidos dos homens da saída da fábrica, à noitinha, até a chegada ao relógio de ponto, na manhã seguinte, com o selo da tarefa de que devem se ocupar durante o dia – essa subsunção realiza ironicamente o conceito da cultura unitária que os filósofos da personalidade opunham à massificação. Assim a indústria cultural, o mais inflexível de todos os estilos, revela-se justamente como a meta do liberalismo, ao qual se censura a falta de estilo (ADORNO; HORKHEIMER, 1985, p.108).
Tal pensamento é quase hegemônico nas academias humanistas nos anos pós-guerra e conquista a esquerda da América Latina adiante, nos anos 1970, quando ela, finalmente, começa a desenvolver seus MCM e lutava para romper com regimes de governos autoritários. Há uma apropriação da Teoria Crítica com a criação de um modelo teórico da dependência, bastante popular na academia naquela época, e que segundo Polistchuk e Trinta (2003), tenta compatibilizar uma orientação científica e uma perspectiva política. Influenciados por proposições filosóficas do marxismo-leninismo (por exemplo, o conceito de “imperialismo cultural”), assim como pela tese de “hegemonia” (intelectual e cultural; militar e política), defendida pelo filósofo italiano Antonio Gramsci (1891-1937), teóricos eminentes, como o professor boliviano Luís Ramiro Beltrán, demonstraram que a dominação neocolonialista – econômica, em primeiro © ETD – Educ. temat. digit.
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plano; mas também política, ideológica e cultural – obrigava a que fossem reavaliados os conceitos de Comunicação procedentes de países desenvolvidos e, em particular, os Estados Unidos (POLISTCHUK; TRINTA 2003, p.123).
Trabalhos sobre cultura de massa e colonialismo; cultura de dominação e dependência cultural entre nações (BELTRÁN, 1978; DORFMAN; MATTELART, 20104) estavam na base da formação dos estudantes universitários dos anos 1970/1980 ― muito embora, como afirma Rüdiger (1999, 2001), a Teoria Crítica em sua profundidade tenha sido vista com superficialidade por um tempo. Depois de terem gerado simpatia, por desmascararem a face light, risonha e divertida da dominação, passaram a ser lidas como produto de um enfoque totalmente pessimista sobre o homem atual e, assim, de pouca serventia para os que desejavam mudar a situação vigente ou, ao contrário, pragmaticamente propuseramse de acordo com ela (RÜDIGER, 2001, p.143-144).
A partir dessa visão de uma cultura de dominação mantendo uma dependência cultural, os MCM alienam as massas e não as deixam conseguir sua independência intelectual e sua formação plena como cidadãos. Tal olhar contrapõe a proposta contemporânea de uma educação libertadora, inspirada nas obras de Paulo Freire (2000, 2007, 2010), e estabelece, então, uma mentalidade de oposição entre os campos. Desenvolvido a partir dos anos 1960, os Estudos Culturais são mais uma prova da aproximação dos campos da comunicação e educação. Sua origem é eminentemente educativa. Iniciado com preocupação com a literatura, os Estudos Culturais se expandem e ganham interesse em dar à cultura uma dimensão bem mais ampla do que a de um instrumento manipulatório, sendo necessária uma análise de todo o processo social, de uma área comum de sentido e significados, ao desenvolvimento dessa cultura e de práticas sociais comuns (WOLF, 1995). Com base em Raymond Willians ― pesquisador do Centro de Estudos Culturais Contemporâneos, na Universidade de Birmingham, na Inglaterra ―, Silva (2002, p.131) afirma que “a cultura deveria ser entendida como o modo de vida global de uma sociedade, como a experiência vivida de qualquer agrupamento humano”. Nesse sentido, Stuart Hall entende que a “cultura não é uma prática nem é simplesmente a descrição da soma dos hábitos e costumes de uma sociedade. Passa por todas as práticas sociais e é a soma das suas inter-relações” (WOLF, 1995, p.96). Dessa forma, os Estudos Culturais são perfeitamente aplicáveis à análise da educação, comunicação e suas tecnologias ― embora 4
A primeira edição desse livro de Dorfman e Mattelart é dos anos 70.
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tais estudos tenham sido ignorados pela visão tecnicista decorrente da ânsia de colocar comunicação e educação em campos diversos, quando não antagônicos. Nessa análise, é também inevitável buscar a escola canadense. Marshall McLuhan (1911-1980), conhecido pela frase/ideia “o meio é a mensagem” e pela concepção de “aldeia global”, dá continuidade ao seu precursor e não tão famoso Harold Innis (1894-1952). O destaque à obra de predecessor é merecido por si mesmo e porque, segundo o próprio McLuhan (1972, p.82), Harold Innis foi o primeiro a perceber que o processo de mudança estava implícito nas formas da tecnologia dos meios de comunicação. Innis foi um importante pensador que apontou a mídia, a comunicação e suas tecnologias como um dos fatores fundamentais na história da civilização (MATTELART, 1999; BRIGGS; BURKE, 2004)5. Ele acreditava que cada meio de comunicação tinha o seu viés e tinha a tendência de criar seu próprio monopólio de conhecimento. São também de Harold Innis as postulações de que as tecnologias de informação e comunicação são a base dos processos políticos, econômicos e culturais, não apenas reprodutores de conteúdo. Para Innis, “o poder é uma questão de controle do espaço e do tempo” (MATTELART, 1999, p.177) e são os sistemas de comunicação (usando as tecnologias da época) que estruturam a organização social justamente porque estruturam as relações temporais e espaciais. De todo modo, como afirma Thompson (1998), é preciso olhar com desconfiança para essa contemporaneidade repleta, cada vez mais, de TIC ou de “formas mediadas de informação e comunicação”. Que acontece com o self num mundo onde a experiência mediada desempenha um papel crescente e substancial nas vidas diárias dos indivíduos? Muitos textos recentes de teoria social e cultural sugerem maneiras de responder estas perguntas: a profusão de mensagens e imagens mediadas dissolveu efetivamente o self como uma entidade coerente. O self foi absolvido por uma desarticulada exibição de símbolos mediados (THOMPSON, 1998, p.201).
Podemos observar que, embora com abordagens bem diferentes, o resultado do pragmatismo norte-americano e da crítica europeia tende a ser o mesmo: as pessoas continuam sendo apenas o “R” (de “receptor”) da supracitada fórmula mágica da comunicação, dentro das relações comunicacionais. Nesse sentido, reforça-se que, também pela Teoria Crítica, os MCM e as TIC têm apenas papel de instrumento (manipulador), consolidando sua vocação de simples difusão, de veículo de determinada mensagem. No 5
“Espera-se que futuros historiadores analisem as consequências do uso do plástico e fios da mesma forma como Innis fez com a pedra e o papiro” (BRIGGS; BURKE, 2004, p.18). © ETD – Educ. temat. digit.
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mesmo sentido, desconsidera-se que esse ambiente é dinâmico, tanto pelo intenso desenvolvimento tecnológico atual (e pelas TIC em si), como pelas complexas subjetividades das pessoas que manipulam as TIC, nas duas pontas do fio (ou wireless) no processo comunicacional. O movimento de capilarização social e colonização da subjetividade (FAVACHO; MILL, 2007) criado pelas atuais tecnologias de informação e comunicação em busca do sujeito como unidade demográfica (NEGROPONTE, 1995) representa outra perspectiva de análise da relação comunicacional. As fórmulas mágicas apresentadas anteriormente precisam agora de mais elementos para dar conta da complexidade das interações entre os sujeitos da cibercultura (LEVY, 1999), em que a Internet surge como uma espécie de meio de comunicação de massa, ao mesmo tempo em que permite a veiculação de mensagens a indivíduos, no seio do seu próprio lar. Na cibercultura, a comunicação se dá em estrela (LEVY, 1999): a mensagem pode ser distribuída de muitos para muitos ou de todos para todos, o que nos exige outros novos parâmetros de análise dos processos comunicacionais e educacionais.
4 CONCLUSÃO As TIC podem e devem ser pensadas a partir, não somente de uma visão contemporânea de tecnologia, mas a partir da relação comunicação-educação, no passado e no presente. Afinal, a incorporação de novas tecnologias nos processos educacionais atende operacionalmente a viabilização de melhor comunicação e de ensino-aprendizagem mais efetivo e, não necessariamente, cria um “novo” para si ou para os campos da educação ou da comunicação. Uma nova TIC possibilita outras relações comunicacionais e, portanto, novas estratégias pedagógicas. Nesse sentido, a reflexão sobre a relação educação-tecnologia-comunicaçãoeducação deve ter como ponto de partida as contribuições de Piaget, Vigotsky, Freire, Bakhtin e outros pensadores6 que dedicaram especial atenção para o entender o desenvolvimento cognitivo dos educandos, as relações de aprendizagem, a formação social da mente e da linguagem, a comunicação e a construção do conhecimento7. 6
Entre suas várias obras, podemos citar Vigotski (1998), Piaget (2001), Freire (2010) e Bakhtin (2002). Infelizmente, temos aqui uma impossibilidade de explorá-los melhor pelas limitações e foco deste textos. Fica então a sugestão para futuros trabalhos explorar esses aspectos da relação comunicação-educação-tecnologias com base nas teorias de Piaget, Vigotsky e Freire. 7
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A educação não se reduz à técnica, mas não se faz educação sem ela, utilizar computadores na educação, em lugar de reduzir, pode expandir a capacidade crítica e criativa de nossos meninos e meninas. Depende de quem o usa, a favor de que e de quem, e para quê. O homem concreto deve se instrumentalizar com os recursos da ciência e da tecnologia para melhor lutar pela causa de sua humanização e de sua libertação (FREIRE, 2007, p.22).
São autores imprescindíveis para compreendermos os processos educacionais e comunicacionais dos homens ― individualmente, entre si e com o mundo. Os estudos de Bakhtin (2002) sobre polifonia, enunciação, dialogismo e linguagem construída social e historicamente, integrados à noção de linguagem como meio de formação social da mente humana de Vigotsky (1998), nos auxilia demasiadamente a entender a relação entre comunicação e educação. Nesse sentido, as tecnologias adotadas no processo comunicacional ou educacional tornam-se parte indispensável do processo de desenvolvimento cognitivo dos educandos, pois promovem, possibilitam ou estimulam a interação/interatividade entre os sujeitos da educação, entre os quais a comunicação se estabelece de modo peculiar e fundamental para o alcance dos objetivos. Na análise de Santaella (2007, p.77) os processos comunicativos e as relações entre internautas no ciberespaço englobam múltiplas linguagens e sistemas de signos caracteristicamente desenvolvidos para essa mídia. Assim, a linguagem, a cognição, a comunicação e a educação em geral precisam ser analisadas atualmente em função das relações estabelecidas nos espaços e tempos físicos, mas considerando as condições ciberespaciais, caracterizadas por tempos mais flexíveis, relações mais complexas, com espaços “dobrados” e interações mais fluidas (MILL; FIDALGO, 2007). Como afirma o próprio Levy (1999, p.30), a educação conta com diversos benefícios da cibercultura, em termos de tecnologias e possibilidades comunicacionais, e relacionais. Mas também há riscos e dificuldades no ensino-aprendizagem em tempos de cibercultura, como por exemplo: o isolamento potencial, a sobrecarga cognitiva, a dominação e a exploração, a “bobagem coletiva”, a dependência. Entre os benefícios ou facilidades desse contexto cibercultural para a comunicação ― a linguagem, as relações sociais, a interatividade e, portanto, a educação ― estão aspectos tangentes ao que Levy (2010) denominou de inteligência coletiva8. Adicionalmente, autores como Castells (2008)
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Aqui vale destacar que esse termo surge em obras de Pierre Levy, mas há autores que o atribui (antes) a pensadores como Kerckhove (1997). © ETD – Educ. temat. digit.
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contribuem para a análise da relação entre as emergências de tecnologias diversas e o contexto social de cada época. Para esse autor, existe uma relação de interação dialética entre a sociedade e a tecnologia (há tempos anunciada em obras de historiadores), em que “a tecnologia não determina a sociedade: incorpora-a. Mas a sociedade também não determina a inovação tecnológica: utiliza-a” (CASTELLS, 2008, p.62). Nesse sentido, a educação (como componente social) acaba sendo incorporada pelas TIC e também as utiliza, num processo dialético e sem determinismos evidentes ou diretos. Educação e tecnologia, assim como sociedade e tecnologia, mantêm uma relação dialética entre si, em que os processos comunicacionais constituem o principal eixo transversal e motivador da interatividade como instrumento primordial da construção do conhecimento. Nesse aspecto, assentam-se também as bases do construtivismo de Piaget (2001) e do sociointeracionismo de Vigotsky (1998), tendo o indivíduo como sujeito ativo perante o uso de TIC e interlocutores capazes de desenvolver-se enquanto promovem, pela linguagem e comunicação, condições para que o outro também construa novas bases para o conhecimento. A aprendizagem é social e as TIC potencializam as relações comunicacionais e, portanto, criam melhores condições para a aprendizagem efetiva... Para concluir, vale observar que a sociedade cibercultural incorpora intensamente mídias diversas, num complexo e dinâmico processo de convergência midiática. Assim, como discutem diversos críticos das mídias-comunicação, há aspectos perniciosos e subliminares das mídias, relacionados a poder, hegemonia, dominação, massificação e outros empecilhos à emancipação. Por exemplo, Thompson (1998, p.162) afirma que os conceitos de poder e recursos são ligados aos meios técnicos, partindo da análise das interações sociais e suas relações simbólicas (inspirado por Simmel) sob uma linha do tempo, com os meios de comunicação ligados à sociedade desde sempre. Similarmente, Castells (2008, p.422) afirma que “a mídia é a expressão de nossa cultura e nossa cultura funciona com os materiais fornecidos pela mídia”, numa espécie de “sistema de feedbacks entre espelhos deformadores”. Enfim, há a responsabilidade e a importância dos meios como poderosos instrumentos de influência. Mas essa influência acontece somente associada a outros fatores sociais, inclusive o tipo de educação daquela sociedade. Nas desigualdades de acesso aos recursos simbólicos, e na capacitação de suas habilidades, a exclusão também se perpetua (MILL; JORGE, 2007). Mas não é uma nova exclusão, é a continuidade da mesma. © ETD – Educ. temat. digit.
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CDD: 371.3078
ESPAÇO DE CONVIVÊNCIA DIGITAL VIRTUAL (ECODI): O ACOPLAMENTO ESTRUTURAL NO PROCESSO DE INTERAÇÃO VIRTUAL DIGITAL LIVING SPACE (VDLS): THE STRUCTURAL COUPLING IN THE PROCESS OF INTERACTION ESPACIO DEL ASOCIACIÓN DIGITAL VIRTUAL (ECODI): PARTICIPACIÓN EN EL PROCESO DE INTERACCIÓN ESTRUCTURAL Luciana Backes1 RESUMO: A formação do professor ocorre no fluxo de interações entre os seres humanos em congruência com o meio (constituído no ECODI). Assim, no processo de ensino-aprendizagem consideramos: a ontogenia dos seres humanos, a dinâmica de relações nos sistemas sociais, a congruência entre seres humanos e tecnologias digitais (TD), a prática pedagógica utilizada na docência e a mediação pedagógica estabelecida no processo. Na formação, os professores representam sua percepção (por meio de relações de aceitação, legitimação e respeito mútuo) instauram as perturbações nos sistemas sociais autopoiéticos, compensam as perturbações em congruência com o meio e estabelecem diferentes acoplamentos estruturais. A reflexão da problemática ocorreu no decorrer de cursos de formação inicial do professor, no contexto do ECODI - hibridismo tecnológico digital composto pelas TD: Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA); Comunicador Instantâneo; Blog e Metaverso. Os dados empíricos, utilizados para refletir sobre os domínios de acoplamento estrutural, resultaram do processo de interação dos cursos de formação inicial, desenvolvidos no Brasil e na França, e foram submetidos a metodologia de análise de conteúdo. A análise dos dados possibilitou identificar, nos cursos desenvolvidos no contexto do hibridismo tecnológico digital, acoplamentos estruturais de três domínios: acoplamento estrutural, acoplamento estrutural tecnológico e acoplamento estrutural de natureza digital virtual. Neste contexto, foi possível ampliar as reflexões sobre as práticas pedagógicas desenvolvidas no Ensino Superior, por meio de TD; identificar a ação docente que se estabelece na mediação pedagógica; e a proposição de cursos que possam representar uma inovação no processo de ensino-aprendizagem. PALAVRAS-CHAVE: Informática e educação. Formação inicial do professor. Processo de ensino-aprendizagem. ABSTRACT: Pre-service teacher education occurs in the stream of interactions among the human beings in congruence with the environment (constituted in the VDLS). Thus, in the process of teaching-learning we consider: the ontogeny of the human beings, the dynamic of relations in the social systems, the congruence among the human beings and digital technologies (DT), the pedagogical practice when teaching and the pedagogical mediation established in the process. During the pre-service education, the teachers represent their perception (through relationships of acceptation, legitimization and mutual respect), establish the disruptions in the auto-poetic social systems, compensate the disruptions incongruence with the environment and establish different structural couplings. The reflecion about the problems occurred during courses of initial formation of the teacher, in the context of VDLS – hybrid digital technology comprised of the DT: Virtual Environment of Learning (VEL); Instantaneous Communicator; Blog and Metaverse. The empiric data, used to reflect on the domains of structural coupling, resulted from the process of interaction of the initial formation courses, developed in Brazil and France, and have been submitted to the methodology of context analysis. The analysis of the data has made it possible to identify, in the courses developed in the context of hybrid digital technological, structural couplings of three domains: structural coupling, technological structural coupling, and structural coupling of virtual digital nature. In this context, it was possible to amplify the reflections on the 1
Doutora em Educação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos e em Ciências da Educação pela Universidade Lumiére Lyon 2. Professora do Mestrado em Educação do Centro Universitário La Salles (UNILASALLE). Canoas – RS –Brasil – E-mail: luciana.backes@unilasalle.edu.br Recebido em: 26/09/2012 - Aprovado em: 19/07/2013
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pedagogical practices developed in the Higher Education by means of DT; to identify the teaching action that is established in the pedagogical mediation; and the proposal of courses that may represent an innovation in the process of teaching-learning. KEYWORDS: Informatics and education. Initial formation of the teacher. Process of teaching-learning. RESUMEN: La formación del profesorado se realiza en el flujo de las interacciones entre los seres humanos en congruencia con el medio (que consiste en ECODI). Así, en la enseñanza-aprendizaje en cuenta: la ontogenia de los seres humanos, la dinámica de las relaciones en los sistemas sociales, la congruencia entre el ser humano y las tecnologías digitales (DT), las prácticas pedagógicas utilizadas en la enseñanza y la mediación pedagógica establecida en el proceso. En el entrenamiento, los profesores representan su percepción (a través de relaciones de aceptación, el respeto mutuo y la legitimidad) instauram alteraciones en los sistemas sociales autopoiéticos compensar las perturbaciones en congruencia con el medio ambiente y establecer diferentes acoplamientos estructurales. La reflexión de los problemas ocurridos en el curso de profesor de formación inicial del profesorado en el contexto de ECODI - tecnología híbrida digital se compone de la TD: Espacio Virtual de de Aprendizaje (EVA), Instant Communicator, metaverso y Blog. Los datos empíricos utilizados para reflexionar sobre los dominios de acoplamiento estructural, como resultado del proceso de interacción de los cursos de formación inicial, desarrollado en Brasil y Francia, y se sometieron a la metodología de análisis de contenido. El análisis de los datos señalados en los cursos desarrollados en el contexto de la tecnología digital híbrido, acoplamientos estructurales de las tres áreas: acoplamiento estructural, acoplamiento acoplamiento estructural tecnológico y estructural de naturaleza digital virtual. En este contexto, es posible ampliar la reflexión sobre las prácticas pedagógicas desarrolladas en la educación superior a través de TD, identificar la enseñanza que se lleva a cabo en la mediación pedagógica, y proponer cursos que puedan representar una innovación en la enseñanza y el aprendizaje. PALABRAS CLAVE: Información y la educación. Formación inicial del profesorado. Proceso de enseñanzaaprendizaje.
1 INTRODUÇÃO As transformações rápidas evidenciadas na sociedade contemporânea podem propiciar a reflexão e a (re)significação do viver e do conviver dos seres humanos. Como todo o viver é conhecer, segundo Maturana e Varela (2002), ao (re)significar o viver, (re)significamos a compreensão sobre a construção do conhecimento no processo de ensino-aprendizagem. A construção do conhecimento ocorre no fluxo de interações entre os seres humanos em congruência com o meio. No contexto deste artigo, o meio é representado pelo hibridismo tecnológico digital, que consiste na integração e articulação de diferentes tecnologias digitais (TD) para a constituição do ECODI, tecnologia-conceito sistematizada por Schlemmer et al. (2006; 2007), Schlemmer (2008; 2009; 2010). Neste sentido, o ensinar e o aprender, no contexto do hibridismo tecnológico digital, contemplam: a ontogenia dos seres humanos, a dinâmica estabelecida nos sistemas sociais, a congruência entre seres humanos, o objeto de conhecimento, as TD, a prática pedagógica utilizada na docência e a mediação pedagógica estabelecida na formação dos professores. Portanto, é a relação, interação e articulação entre os aspectos contemplados, que contribuirá © ETD – Educ. temat. digit.
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para a construção de novos conhecimentos, em um pensamento sistêmico2. No contexto do hibridismo tecnológico digital, a construção do conhecimento ocorre no fluxo de interações dos processos formativos em que há cooperação e acoplamento estrutural dos estudantes e professor. O fluxo de interação consiste na ação dos participantes em representar sua percepção nos espaços digitais virtuais, conhecer a percepção do outro e, por meio da interação, desencadear perturbações. Então, compensam a perturbação refletindo sobre as diferentes representações e reconstruindo a representação que é adequada ao grupo. Neste processo há a transformação de cada participante, do grupo e do meio na qual estão inseridos.
2 INTERAÇÃO/COOPERAÇÃO: FORMAÇÃO DE SISTEMAS SOCIAIS Para Maturana (1993), a interação ocorre em um espaço de convivência, onde o ser humano compartilha sua percepção e perspectiva com o outro, construída ao longo da história de transformação, ou seja, a ontogenia. Assim, “Toda interação implica num encontro estrutural entre os que interagem, e todo encontro estrutural resulta num desencadilhamento ou num desencadeamento de mudanças estruturais entre os participantes do encontro” (MATURANA, 2005, p.59). No processo de interação, os seres humanos representam a sua percepção, reconhecendo o outro como legítimo, alguém com quem se aprende. Segundo Maturana e Varela (2002), a percepção é constituída por meio da experiência do ser humano (observador), determinada pela sua estrutura3. Assim, é importante ressaltar que o viver caracteriza-se por uma constante e dinâmica mudança estrutural do ser humano, na realização de acoplamentos estruturais, conservando a organização4. [...] o viver é uma história na qual o curso das mudanças estruturais que se vive é contingente à história de interações pelo encontro com os objetos. E nossa história 2
“De acordo com a visão sistêmica, as propriedades essenciais de um organismo, ou sistema vivo, são propriedades do todo, que nenhuma das partes possui. Elas surgem das interações e das relações entre as partes. Essas propriedades são destruídas quando o sistema é dissecado, física ou teoricamente, em elementos isolados. Embora possamos discernir partes individuais em qualquer sistema, essas partes não são isoladas, e a natureza do todo é sempre diferente da mera soma de suas partes”. (CAPRA, 2004, p.40) 3 Para Maturana (2002), a palavra tem sua origem no latim struere que significa construir. Assim, a estrutura dos seres vivos está em constante construção e transformação, na medida em que é perturbada por meio das interações entre seus componentes. Portanto, a estrutura é composta por componentes que constituem uma unidade (seres vivos) particular. 4 Para Maturana (2002), a palavra de origem grega organon significa instrumento. Assim, a organização dos seres vivos é composta por componentes que definem e especificam um sistema como pertencente a uma classe particular. Portanto, a organização de uma unidade (seres vivos) é invariante. © ETD – Educ. temat. digit. Campinas, SP v.15 n.2 p.337-355 maio./ago.2013 ISSN 1676-2592
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de mudança estrutural, contingente à sequência de interações, o ser vivo e sua circunstância mudam juntos. Este é o ponto crucial: o ser vivo e a sua circunstância mudam juntos (MATURANA, 1993, p.30).
Além da interação com outros seres humanos, também é considerada a trajetória de interações ao longo do viver, onde se pode identificar a desintegração de algumas organizações. O ser humano é composto por muitas micro-unidades formadas por organizações e estruturas distintas. Algumas desintegrações de organizações são importantes para o desenvolvimento, pois fazem parte da evolução do ser humano e são desejáveis por ele, como, por exemplo, deixar de ser criança para ser adolescente; outras são inibidoras do desenvolvimento, quando há coação e autoritarismo, ou seja, a negação do outro nas relações ao impossibilitar a ação autônoma. Quando há recorrência nas interações entre os seres humanos, há a coordenação de ações5 de seus membros. Então, as interações recursivas geram relações cooperativas e, neste domínio, temos o acoplamento estrutural. Que les guíen en su crecimiento como seres humanos cuya individualidad se fundamenta en su respeto y aceptación de sí , y no en su oposición con diferencia de otros y que, por lo tanto, puden cooperar porque no temen desaparecer en su relación con otro (MATURANA, 1999, p.30).
A cooperação se dá na construção, na manutenção e no compartilhamento das representações com outros seres humanos, na perspectiva da constituição de sistemas sociais. “O ‘eu’ começa a interessar na perspectiva da vida em coletivos, ou seja, o ‘eu’ em sua relação com o grupo humano ao qual pertence, com sua língua, sua herança de métodos e técnicas intelectuais, suas instituições, tecnologias, ferramentas” (MARASCHIN; AXT, 2005, p.42). Os sistemas sociais se constituem por meio dos seres humanos que estabelecem relação de convivência, na interação e na cooperação com o outro. Assim, quando há coação/conformismo, relações hierárquicas e competição no sentido da negação do outro, não há a constituição do sistema social, pois não é possível haver interação e cooperação. Cada ser humano possui uma ontogenia que o torna único e particular, portanto, cada sistema social composto por diferentes seres humanos é igualmente único e particular. Neste sentido, há uma dinâmica que gera processos autopoiéticos nos sistemas sociais, que se 5
A coordenação de ações, conforme Maturana (2002), ocorre quando há um consenso no operar, ou seja, na sinalização de algo, em interação com o outro, perturba a estrutura e que resulta na compensação da perturbação. Essa sinalização não aponta para o ser humano, mas para um conceito, uma idéia, uma ação que faz sentido aos seres humanos envolvidos nessa interação. © ETD – Educ. temat. digit.
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autoproduzem por meio da autopoiese6 de seus componentes. Esta dinamicidade do sistema social o torna também um sistema vivo. Essa equivalência possibilitaria uma mútua retroalimentação: as instituições sociais funcionariam como potencializadoras de uma boa parte da atividade cognitiva do sujeito, assim como os sujeitos contribuiriam para a construção e reconstrução permanente das instituições (MARASCHIN; AXT, 2005, p.42).
Os seres humanos estabelecem diferentes convivências, participando de vários sistemas sociais. Ao mesmo tempo em que os sistemas sociais são fechados na coordenação da coordenação consensual de condutas7, eles apresentam uma abertura na medida em que os seres humanos estabelecem convivências nos diferentes sistemas sociais, ampliando a coordenação da coordenação consensual. Quando os processos de interação são desenvolvidos em espaços digitais virtuais a complexidade do sistema social é ainda maior, pois sem as fronteiras territoriais, as interações entre diferentes grupos são potencializadas. Nas interações são definidas as condutas adequadas8, assim, “Dentro do sistema social opera-se numa congruência de conduta que se vive como espontânea, porque é o resultado da convivência na aceitação mútua” (MATURANA, 2005, p.71). A aceitação mútua consiste em aceitar o outro como alguém legítimo na convivência e vice-versa, por meio do respeito. A relação de respeito é estabelecida quando há o reconhecimento da representação do outro, compreendendo o seu limite e a sua potencialidade, constituindo a dialogicidade entre os participantes, em relações heterárquicas. Na formação dos professores, desenvolvidas no contexto do hibridismo tecnológico digital, os seres humanos representam sua percepção por meio das relações de aceitação mútua e respeito entre os demais seres humanos, instauram as perturbações nos sistemas sociais autopoiéticos que são compensadas em congruência com o meio e estabelecem diferentes acoplamentos estruturais. Então, quais as dimensões em que são estabelecidos os acoplamentos estruturais na formação, desenvolvida no contexto do hibridismo tecnológico digital? 6
Segundo Maturana (2002), a palavra autopoiese é uma composição das palavras gregas que significam “para si mesmo” e “produzir”. 7 A coordenação da coordenação consensual de conduta está relacionada ao conceito de coordenação de conduta. Assim, para Maturana (2002), “Quando objetos são distinguidos, outra recursão no fluxo de coordenações consensuais de conduta (uma terceira recursão) distingue as relações entre objetos, e a possibilidade está aberta para a constituição de um domínio de relações como relações de relações distinguidas pela próxima recursão” (p.221) 8 Segundo Maturana (2002), a ação do ser humano ocorre em um sistema fechado e circular, ou seja, o sistema determina quais aspectos da circunstância o perturba e na interação entre os seus componentes, autoproduz. Assim, o ser humano opera de maneira adequada à circunstância, conservando sua organização e adaptação. Portanto, quando há a congruência entre o organismo e a circunstância, por meio de um operar que satisfaça o ser humano. © ETD – Educ. temat. digit. Campinas, SP v.15 n.2 p.337-355 maio./ago.2013 ISSN 1676-2592
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3 ACOPLAMENTO ESTRUTURAL: CONVIVER Os seres humanos ao configurar a convivência, no viver juntos, estão em congruência com o meio. Na contemporaneidade, este meio pode ser de diferentes naturezas e dimensões, como por exemplo, quando os seres humanos, representados por avatares, configuram uma convivência no metaverso, meio de natureza digital virtual. Neste sentido, o viver e conviver consiste na compreensão da coexistência entre os seres humanos e os diferentes meios, sendo estes, complementares. Nesta coexistência, as interações entre os seres humanos e o meio resultam em perturbações, desempenhando, reciprocamente, o papel de perturbações compensatórias. O acoplamento estrutural consiste nas modificações mútuas entre os seres humanos, ou seja, as unidades autopoiéticas que estão em processo de interação, e o meio. Na interação as unidades autopoiéticas se transformam, mas sem perder a identidade ao longo do processo. Para Maturana e Varela (1997, p.103) “Se durante a interação perdem-se as identidades das unidades interatuantes, a consequência disso pode ser a geração de uma nova unidade, porém não se verifica o acoplamento”. Uma unidade perde ou modifica sua identidade quando no processo de interação não é considerada legítima, ou quando é negada pelo outro. Normalmente, evidenciamos estas situações no viver e conviver em que há a dominação e opressão. Resumindo, o acoplamento estrutural pode ocorrer em dois casos: acoplamento entre ser humano e meio (inclusive se este meio é de natureza digital virtual); e acoplamento entre seres humanos que estão em congruência com o meio (que também pode ser de natureza digital virtual). O primeiro caso implica em estabelecer a congruência e o segundo caso em estabelecer o domínio consensual, ou seja, o domínio consensual é definido pela estrutura de cada ser humano na medida em que interage com o intuito de instaurar deformações compensatórias. Em ambos os casos, para que o acoplamento estrutural ocorra, necessariamente há a transformação da estrutura dos seres humanos e a transformação do meio que “[…] também vemos como dotado de uma dinâmica estrutural própria, operacionalmente distinta daquela do ser vivo” (MATURANA; VARELA, 2002, p.107). O ser humano (representado pelo avatar) se autoproduz nos processos de interação com o outro (também representado pelo avatar) em congruência com o meio. Assim, o meio © ETD – Educ. temat. digit.
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(metaverso), através da autoprodução dos seres humanos que o constroem mundo digital virtual em 3D (MDV3D), se transforma de maneira dinâmica, se desenvolve e se constitui por meio do “viver”. Para exemplificar, podemos observar a figura 1, que representa o momento inicial da construção da vila Aprendizagem em Mundos Virtuais, localizada noutra dimensão do mundo AWSINOS:
Figura 1 – Construção inicial no AWSINOS Fonte: Imagem capturada pela autora no metaverso AWEdu
A vila foi utilizada como espaço de interação e de representação metafórica dos conhecimentos construídos nos processos de formação de professores no contexto Brasil e França. Na medida em que os professores interagiam e representavam graficamente seus conhecimentos, a vila transformava-se, como podemos visualizar na figura 2:
Figura 2 – Transformações no AWSINOS Fonte: Imagem capturada pela autora no metaverso AWEdu
Ao final do processo de formação dos professores (figura 3), a partir das construções realizadas, a vila apresentou uma arquitetura própria e particular, muito diferente dos outros © ETD – Educ. temat. digit.
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MDV3D, disponíveis no metaverso Active Worlds (versão educacional), que podemos visitar como turistas.
Figura 3 – Construção final no AWSINOS Fonte: Imagem capturada pela autora no metaverso AWEdu
Como podemos observar, a vila Aprendizagem em Mundos Virtuais se transformou e se desenvolveu de maneira dinâmica por meio da ação dos e-cidadãos9 (estudantes brasileiros e franceses), representando a vida neste espaço. A construção do MDV3D é delineada pelos objetivos que os seres humanos têm com esta construção, a congruência dos e-cidadãos com a TD, o acoplamento do ser humano com o avatar, sua ontogenia e a rede de relações que estabelece com os demais e-cidadãos do MDV3D. No acoplamento estrutural constituímos redes, em que todos estão inter-relacionados e em congruência com o meio, por meio de obstáculo cognitivo e de soluções compensatórias. Segundo Maturana e Varela (1997), no processo de interação surgem as perturbações compensatórias entre as unidades autopoiéticas (ser humano), que se acoplam para compensar a perturbação. O acoplamento estrutural, no contexto do ECODI, para Backes (2011), ocorre em três situações que auxiliam na identificação de diferentes dimensões: a) Os seres humanos acoplados aos avatares: o ser humano escolhe ou personaliza o avatar estabelecendo relação a si (semelhante ou diferente); movimenta o avatar de maneira que seu campo de visão possibilite as melhores ações de construção em relação à noção espacial (de natureza digital virtual); interage com outros avatares utilizando os recursos gestuais, textuais, orais e gráficos; no processo de interação com outros avatares se autoproduz, transformando também o seu avatar (por meio do corpo 9
Segundo Backes (2011), o termo e-cidadão é construído em relação aos termos: e-habitante e e-residente. © ETD – Educ. temat. digit. Campinas, SP v.15 n.2 p.337-355 maio./ago.2013 ISSN 1676-2592
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tecnologizado); b) Os seres humanos, representados por avatares, acoplados aos MDV3D: o ser humano consegue utilizar os recursos disponíveis neste espaço para representar sua percepção; conhece a natureza deste espaço para escolher e utilizar o melhor recurso ao realizar suas ações; constrói um MDV3D dinâmico e representativo do viver e conviver destes e-cidadãos; c) Os seres humanos, representados por avatares, acoplados a outros seres humanos, também representados por avatares, em congruência com o MDV3D (caracteriza o acoplamento do acoplamento, resultando na convivência digital virtual): os seres humanos representam no MDV3D a sua percepção utilizando os recursos disponíveis; interpretam as representações dos demais e-cidadãos; estabelecem processos de interação utilizando os meios de comunicação existentes no MDV3D; configuram as formas de convivência entre os seres humanos por meio das condutas adequadas; constituem, por meio da sua autopoiese, sistemas sociais; transformam continuamente o MDV3D utilizando as suas potencialidades. Assim, esses diferentes acoplamentos estruturais se efetivam por meio da linguagem e podem contribuir para a conscientização e a responsabilidade pelo mundo que temos e que emerge no sentido de possibilitar a emancipação. Ao pensar na perspectiva da emancipação, a educação tem como finalidade promover a leitura crítica do mundo, na compreensão de Freire. “O mundo que nos rodeia é um mundo inacabado e isso implica a denúncia da realidade opressiva, da realidade injusta (inacabada) e, conseqüentemente, de crítica transformadora, portanto, de anúncio de outra realidade” (GADOTTI, 2001, p.59). Se a realidade pode ser transformada, a educação passa a ser entendida como provocadora e perturbadora no processo de interação e acoplamentos estruturais, a fim de que estes seres humanos compreendam a situação uns dos outros, sejam conscientes da sua situação e construam a história na promoção e libertação humana.
4 METODOLOGIA DA PESQUISA As reflexões sobre a temática foram realizadas a partir das interações e representações registradas pelos participantes nos espaços digitais virtuais dos três processos de formação do educador no Brasil e França. © ETD – Educ. temat. digit.
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A atividade complementar Aprendizagem em Mundos Virtuais (2005), ofertada aos cursos de graduação em licenciatura da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Brasil) iniciou com um grupo de nove estudantes, mas se efetivou com um grupo de cinco participantes dos cursos de Pedagogia, Filosofia e Letras. A proposta se desenvolveu por meio da metodologia de Projetos de Aprendizagem baseado em Problemas a partir da criação da Comunidade Virtual de Aprendizagem, no AVA-UNISINOS, e da construção da vila localizada no MDV3D AWSINOS. No contexto do hibridismo tecnológico digital, também foi utilizado o comunicador instantâneo MSN. Segundo Backes (2007), os objetivos consistiram em oportunizar a exploração dos espaços digitais virtuais (MDV3D, AVA-UNISINOS e MSN) em um processo de reflexão sobre o ensinar e o aprender; promover a aprendizagem de procedimentos básicos do software AWEdu, considerando a autonomia, autoprodução e a cooperação dos/entre sujeitos; possibilitar a sistematização de conhecimentos referentes à percepção sobre o processo de ensino e de aprendizagem; propiciar interações entre os sujeitos na construção do MDV3D; instigar a criação de um espaço de convivência a partir das interações entre os sujeitos e os recursos dos espaços digitais virtuais; perceber as possibilidades pedagógicas no uso das TD. A atividade complementar Prática pedagógica em Mundos Virtuais (2006) constituise em um espaço de construção e efetivação de práticas pedagógicas utilizando o MDV3D, perpassado por situações de reflexão sobre o processo de aprender e de ensinar. A proposta pedagógica foi construída a partir da solicitação dos estudantes, dando continuidade aos projetos de aprendizagens baseados em problemas da atividade anterior (realizada em 2005). A atividade complementar constitui-se de um grupo de seis participantes10 dos cursos de licenciatura em Pedagogia, Filosofia, Letras e do Unilínguas11. Segundo Backes (2007), os objetivos consistiram em concluir a construção do MDV3D, analisando as potencialidades e a viabilidade da utilização para a prática pedagógica; refletir sobre as características das práticas pedagógicas utilizadas em um paradigma emergente, envolvendo as TD; construir práticas pedagógicas para serem utilizadas com estudantes, a fim de vivenciar a experiência enquanto educador; observar a utilização das práticas pedagógicas planejadas pelos sujeitos da pesquisa em uma situação real de ensino e de aprendizagem; articular com os alunos os
10
O grupo não é mais composto só por estudantes dos cursos de licenciatura, mas foram incluídos dois educadores. 11 Unilínguas: setor responsável pela aprendizagem da língua estrangeira na UNISINOS. © ETD – Educ. temat. digit. Campinas, SP v.15 n.2 p.337-355 maio./ago.2013 ISSN 1676-2592
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aspectos que foram observados com o referencial teórico, evidenciando aproximações e distanciamentos entre a teoria e a prática. O Travail Dirigé Analyse du travail et polyvalence, está inserido no programa do Master (M1) Métiers de l'enseignement, de la formation, de la culture, ofertado pela l’Universtié Lumière Lyon 2, França. A proposta pedagógica desenvolvida se efetivou por meio da metodologia pedagógica de estudo de caso. Participou desta formação um total de 19 estudantes, com uma desistência por motivo de transferência. O hibridismo foi constituído por Blog e o MDV3D AWSINOS. Segundo Backes (2011), os objetivos consistiram em definir um problema profissional e/ou uma situação prática proveniente do ambiente de trabalho; relacionar as questões definidas com a postura polivalente do educador; experimentar métodos e ferramentas de análise do trabalho fundamentado em conceitos da ciência do trabalho, teorias da ação, da sociologia do trabalho, entre outras; identificar e construir competências para o desenvolvimento profissional do educador; construir uma postura de distanciamento e reflexiva em relação à prática profissional. Os dados empíricos resultaram do processo de interação dos estudantes (professores em formação) nas diferentes TD e submetidos a metodologia de análise de conteúdo, segundo Bardin (2011). A análise de conteúdo foi realizada por meio de unidades de análise que emergiram do quadro teórico e do processo de formação, de natureza qualitativa, quantitativa e, novamente, qualitativa.
5 REFLEXÕES SOBRE O ACOPLAMENTO ESTRUTURAL A interação e o acoplamento estrutural no desenvolvimento dos três processos formativos, em alguns momentos, tiveram que ser propiciados e instigados, pelo fato dos estudantes não estarem familiarizados com os recursos disponíveis nas TD e por não ser comum nas práticas pedagógicas vivenciadas por estes estudantes ao longo de sua trajetória escolar. Na tabela 1 referente aos dados empíricos (registros dos estudantes nos espaços digitais virtuais), em relação às unidades de análise, foram evidenciados os baixos índices em relação à interação e ao acoplamento estrutural, sobretudo no contexto França, ao considerar a média por estudante.
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TABELA 1 - Índice de interação e acoplamento estrutural evidenciado nos registros dos estudante no desenvolvimento dos processos formativos Brasil (2005, 2006) e França (2011)
Formação
Interação
Acoplamento estrutural
Aprendizagem em Mundos Virtuais
16,14
14,28
Prática Pedagógica em Mundos Virtuais
13,14
9
Analyse du Travail et Polyvalence
4,10
1
Fonte: Os índices foram extraídos dos registros dos estudantes nos espaços digitais virtuais no processo de formação, submetidos à análise de conteúdo.
Algumas inferências podem ser consideradas em relação a esta evidência: De um modo geral a França apresenta atitudes de resistência em relação às TD, o que resulta em distanciamento, o Brasil apresenta atitudes de adesão em relação às TD, o que resulta em aproximações. Tendo em vista estas características, a mediação torna-se fundamental no processo de formação do professor no contexto do hibridismo tecnológico digital. Por meio da mediação é possível que o ser humano: compreenda a TD na sua potencialidade; atribua outras operacionalidades não previsíveis; transforme a sua maneira de conviver por meio da TD; e construa novas estruturas cognitivas. No processo de interação, por meio da mediação, os seres humanos podem configurar uma convivência em espaços digitais virtuais, o que difere de utilizar a TD apenas como uma ferramenta. Nesta compreensão é possível desenvolver um processo formativo em que: De acordo com seus interesses e projetos, eles deformam ou reinterpretam os conceitos herdados. Eles inventam no contexto procedimentos de decisão ou novas participações do real. Certamente, o social pensa nas atividades cognitivas dos sujeitos. Mas inversamente, os indivíduos contribuem para a construção e a reconstrução permanentes das máquinas pensantes que são as instituições. Tanto é assim que toda estrutura social só pode manter-se ou transformar-se através da interação inteligente de pessoas singulares (LEVY, 2010, p.146).
Ao desenvolver processos de interação, dessa natureza e complexidade, é possível construir uma convivência de natureza digital virtual que resulta em acoplamentos estruturais. Na investigação, segundo Backes (2011), foi possível perceber, nos processos de interação no contexto do ECODI, três dimensões de acoplamento: o acoplamento estrutural, acoplamento estrutural tecnológico e acoplamento estrutural de natureza digital virtual. O acoplamento estrutural pode ser exemplificado na interação realizada no fórum de discussão AVA-UNISINOS, proposto aos estudantes, na Prática Pedagógica em Mundos Virtuais (2006):
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QUADRO 1 – Representação no Fórum AVA-UNISINOS
“Assunto: Relação metodologia/ensino e prática Autor: Ind02 Problematização: Como se faz a relação entre metodologia e prática? Como definir a melhor metodologia para determinado grupo de alunos? Podemos diversificar metodologias diferentes com um mesmo grupo? autor: Ind01 Título: Metodologia e Prática Mensagem: Acredito que uma boa sondagem é importante para saber que metodologia usar e como aplicar. Se o professor está a fim de perceber o aluno é porque ele está a fim de usar a melhor metodologia para aquela turma. Autor: Ind04 Título: Re: Metodologia e Prática Mensagem: É importante ter bem presente sobre o que se está tratando, o que se pretende com a atividade e o contexto dos alunos. Uma base teórica é de antemão necessária, considerando-se o tema a tratar e o público, mas ela pode ser reformulada ou substituída ao longo da atividade. Autor: Ind07 Título: Re: Metodologia e Prática Mensagem: O fato de perceber o aluno na escolha da metodologia implica em que concepção epistemológica de aprendizagem?” Há uma problematização inicial criada por um estudante (Ind02), que instaura a perturbação nos demais. Assim, cada um representa a sua percepção a respeito da problematização (Ind01 e Ind04). Então, considerando as representações anteriores há uma sistematização em relação à conduta adequada para este grupo e em uma recursividade se instaura uma nova perturbação (Ind07). Este domínio de acoplamento estrutural pode ser evidenciado nos processos de interação em espaços físicos e geográficos e espaços digitais virtuais. Em relação ao acoplamento estrutural tecnológico, destacamos o seguinte processo de interação entre os estudantes (Ind07 e Ind05) realizado no chat AVA-UNISINOS, na Aprendizagem em Mundos Virtuais (2005): QUADRO 2 – Representação no chat AVA-UNISINOS
Ind07: acho que poderíamos separar as seções por histórias Ind05: ótima ideia... Ind07: A história da alice, figura do personagem, escrita do vocábulo (pode ser faltando letras) e um linke para uma página da web com a história completa, assim poderiam localizar no texto os vocábulos que estamos trabalhando Ind05: poderíamos vincular histórias aos conteúdos, por exemplo, uma história que tenha números, para mostrar os números, mas não uma história que fale dos números, vc entende o que quero dizer? Ind07: isso mesmo © ETD – Educ. temat. digit.
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Ind05: outra que traga vários adjetivos, para trabalhar esta classe gramatical... Ind07: como a história dos 7 cabritinhos, dias da semana... Ind05: precisarei me situar nas histórias infantis... Ind07: posso ajudá-la nisso Ind07: as histórias em inglês podemos criar uma página simples e publicar no ava para fazer o link, eu fui professora 10 anos e agora tenho uma sobrinha de 5anos, isso renova o repertório de histórias No extrato identificamos a perturbação sobre como realizar a representação no MDV3D dos conhecimentos referente ao ensino e à aprendizagem da língua inglesa (Ind05). Cada ser humano representa sua percepção (Ind 05 e Ind07), estabelecendo relações epistemológicas sobre a alfabetização, descrevendo situações relacionadas aos espaços de natureza física e apontando possibilidades e limites do espaço de natureza digital virtual, a fim de construir a conduta adequada. No acoplamento estrutural tecnológico evidenciamos a preocupação do ser humano em explorar a TD na sua potencialidade e/ou criar novas possibilidades para a TD, ainda não pensadas. Este domínio de acoplamento pode resultar no processo de instrumentação para Rabardel (1995, p.143), quando os participantes representam a intenção de utilizar o MDV3D para desenvolver atividades com histórias infantis e os conteúdos da língua portuguesa e descobrem as possibilidades de efetivar estas atividades no contexto do ECODI. “La découverte progressive des propriétés (intrinsèques) de l’artefact par les sujets s’accompagne de l’accommodation de leurs schèmes, mais aussi de changements de signification de l’instrument résultant de l’association de l’artefact à de nouveaux schèmes”. O acoplamento estrutural de natureza digital virtual pode ser evidenciado nos processos de interação entre os estudantes do Brasil (formação realizada em 2006) e França (formação realizada em 2001) no chat do AWSINOS, representados nos quadros 3 e 4: QUADRO 3 – Representação no chat do metaverso AWEdu, Brasil
Ind06: 1 falar sobre o mundo virtual, o que é, 2 falar sobre o nosso projeto, 3 levantar os conhecimentos dos alunos sobre as epistemologias, 4 entrar no mundo e explorar por algum tempo Ind01: ensinar alguns comandos basicos de navegação Ind07: 3 este levantamento pode ser feito no chat do mundo, durante a visita Ind07: o 3 e o 4 são simultâneos, pode ser? Ind06: sim Ind06: no chat estabelecer questões norteadoras, como: Ind06: Onde percebes o empirismo, inatismo e construtivismo, ? Ind01: mas tem os nomes, assim a pergunta vai ser facil © ETD – Educ. temat. digit.
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Ind06: mesmo que tenha nomes, vão que ter argumentos para isto Ind01: ou entao, a relação conceito - expressão gráfica/ambiente Ind06: isto, discutindo todas as representações Ind07: acho que as ideias estão ficando boas, mas também precisam pensar no que cada um quer destacar na sua construção, e depois fazer a ligação, ou antes, não sei Ind01: podemos perguntar as diferencas, caracteristicas particulares de cada conceito Ind04: acho importante não só discutir os conceitos, mas ouvi-los sobre nosso mundo como ferramente de contrução de conhecimento O processo de interação entre os participantes, no chat, inicia com a representação da percepção (Ind06) ao propor uma prática pedagógica para utilização do MDV3D. Em seguida os demais participantes representam suas percepções (Ind01 e Ind07), em relação a novas sugestões e ampliação dos comentários anteriores. Por meio das diferentes percepções é instaurada a perturbação (Ind07), compensada pelos participantes que acompanhava o processo sem muita interferência (Ind06, Ind01 e Ind04). Estas compensações são particulares e únicas para este grupo, que está em congruência com o meio, e configura, assim, o espaço de convivência de natureza digital virtual. QUADRO 4 – Representação no chat do metaverso AWEdu, França
Ind14: On a une classe Ind14: ac des élèves qui arrive à suivre Ind05: alors dans cette classe, des bureau avec des élèves Ind05: oui Ind05: ils brillent de la couleur du feu rouge du prof Ind05: mais une chaise est vide au fond Ind05: si tu cliques dessus, tu arrive dans le couloir Ind14: et un qui est passif et perdu (caractérisé par le fait qu'il est au fond de la classe Ind14) Ind05: l'élève quoi Ind05: il peut voir la classe par une fenetre, sans l'attenidre Ind14: après on a un couloir qui représente le déterminisme Ind05: ca représente surtout le fait qu'il n'ait qu'une issue Ind05: le sport Ind05: l'autre issue, la classe, est bloquée par une fenetre Ind14: t'as mis un feu d'artifice qui représente l'attrait de lén=lève pour le sport? Ind05: le feu d'artifice n'a rien à voir, c'est un test Ind05: au cas où on ne trouve rien sur le sport Ind14: ben nn mais ca pourrai etre ca Ind14: la facilité, l'attrait Ind14: tu vois? Ind05: le feu d'artifice c'est symbole de fête et de victoire Ind05: on peut téléporter l'élève à deux autres endroits dans le couloir © ETD – Educ. temat. digit.
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Ind14: en gros s'il emrpeinte ce couloir ca va etre génial pour lui la vie (mais c'est une illusion) O processo de interação entre os participantes (Ind05 e Ind14) inicia com a perturbação em relação à representação gráfica construída no AWSINOS (Ind14) para a representação do caso estudado no processo formativo. Então, é estabelecida uma relação entre a metáfora construída e os conceitos envolvidos no caso (Ind05). O Ind14, compreendendo a relação entre metáfora e conhecimento, complementa as explicações feitas pelo Ind05, em uma relação dialógica. Nos dois extratos evidenciamos os participantes em processo de interação, representando as diferentes percepções em torno de uma perturbação, que diz respeito à utilização das metáforas construídas no MDV3D, bem como a construção da conduta adequada para a compensação dessa perturbação. No entanto, neste momento, os seres humanos têm suas atenções direcionadas às formas de utilização dos espaços de natureza digital virtual por outros seres humanos, então, a potencialidade da TD ou as novas possibilidades não é mais o objeto principal da discussão, tampouco se constitui enquanto elemento perturbador — ela já faz parte do viver e conviver. O acoplamento estrutural de natureza digital virtual pode ser pensado de maneira articulada com o processo de instrumentalização de Rabardel (1995, pp.140-141), “L’instrumentalisation peut être définie comme un processus d’enrichissement des propriétés de l’artefact par le sujet. Un processus qui prend appui sur des caractéristiques et propriétés intrinsèques de l’artefact, et leur donne un statut en fonction de l’action em cours et de la situation”. Portanto, quando o ser humano já está adaptado ao instrumento (espaço digital virtual), incorpora as aprendizagens realizadas no processo de adaptação para construir novos conhecimentos.
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS O fluxo das interações estabelecido no conviver em espaços digitais virtuais, analisado qualitativamente e quantitativamente, nos permitiu compreender, em três dimensões, o principal aspecto da formação humana: o acoplamento estrutural. As três dimensões são: acoplamento estrutural, acoplamento estrutural tecnológico e acoplamento estrutural de natureza digital virtual. © ETD – Educ. temat. digit.
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O acoplamento estrutural, definido por Maturana e Varela (2002), consiste no processo de interação entre os seres humanos que representam as suas percepções; por meio da representação há a perturbação e a compensação da perturbação pelo processo de transformação em congruência com o meio. Assim, os seres humanos e o meio se transformam mutuamente. Maturana e Varela (2002) construíram seu arcabouço teórico em relação ao viver e conviver no meio de natureza física. Ao considerar a congruência com a TD, alteramos a natureza do meio e, assim, alteramos também a forma de compreender o acoplamento. O acoplamento estrutural tecnológico consiste no processo de interação entre os seres humanos que representam a suas percepções em relação à TD e em congruência com o meio de natureza digital virtual. Por meio da representação há a perturbação em relação ao outro ser humano e a TD, bem como a compensação da perturbação pelo processo de transformação. Assim, os seres humanos e o meio, de natureza digital virtual, se transformam. Essa transformação pode resultar na criação de novas TD. Segundo Maraschin e Axt (2005, p. 46), as TD não são indiferentes aos efeitos obtidos, por seu papel constitutivo, e de responsabilidade dos seres humanos às escolhas feitas: O surgimento de uma nova tecnologia não garante, necessariamente, uma transformação no sentido da aprendizagem, já que tanto instituições e subjetividades necessitam apropriar-se construtivamente dessa tecnologia. Ou em outros termos, existe a necessidade da produção de acoplamentos tecnológicos.
Nessa relação de responsabilidade avançamos no domínio do acoplamento estrutural de natureza digital virtual, que consiste no processo de interação entre os seres humanos que representam as suas percepções em relação à convivência de natureza digital virtual e em congruência com esse meio. Na representação há a perturbação em relação ao outro ser humano e às formas de convivência, bem como a compensação da perturbação pelo processo de transformação. Os seres humanos e o meio, de natureza digital virtual, se transformam configurando os espaços, definindo as relações, as regras e as condutas, compreendendo os processos de aprendizagem nesses espaços e construindo propostas pedagógicas inovadoras.
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REFERÊNCIAS BACKES, L. A formação do educador em mundos virtuais: uma investigação sobre os processos de autonomia e de autoria. 2007. 186 f. Dissertação (Mestrado) - Programa de PósGraduação em Educação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, São Leopoldo, 2007. BACKES, L. A configuração do espaço de convivência digital virtual: a cultura emergente no processo de formação do educador. 2011. 362 f. Tese (Doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS, São Leopoldo – co-tutela em Science de l’Education, Université Lumière Lyon 2, 2011. BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011. CAPRA, F. A teia da vida. São Paulo: Editora Cultrix, 2004. GADOTTI, M. Cruzando fronteiras. Teorias, métodos e experiências freirianas. In: TEODORO, A. (Org.). Educar, promover, emancipar. Lisboa: Edições Universitárias Lusófonas, 2001. LEVY, P. A inteligência coletiva: para uma antropologia do ciberespaço. Rio de Janeiro: Editora 34, 2010. MARASCHIN, C.; AXT, M. Acoplamento tecnológico e cognição. In: VIGNERON, J.; OLIVEIRA, V. B. (Org.) Sala de aula e tecnologias. São Bernardo do Campo: Universidade Metodista de São Paulo, 2005. p.39-51. MATURANA, H. R. Uma nova concepção de aprendizagem. Dois Pontos, Belo Horizonte, v. 2, n.15, p.28-35, jan./jul. 1993. MATURANA, H. R. Transformación em la convivência. Santiago de Chile: Dólmen Ediciones, 1999. MATURANA, H. R. Ontologia da realidade. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2002. MATURANA, H. R. Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte: Ed. UFMG, 2005. MATURANA, H. R.; VARELA, F. J. De máquina e seres vivos: autopoiese: a organização do vivo. 3. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997. MATURANA, H. R.; VARELA, F. J. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athena, 2002. RABARDEL, P. Les hommes e les technologies: approche cognitive des instruments contemporains. Paris: Armand Colin Editeur, 1995.
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Agradecimentos A tese de doutorado, que originou este artigo, foi realizada com bolsa do Programa Colégio Doutoral Franco-Brasileiro – CAPES.
BACKES, Luciana. Espaço de Convivência Digital virtual (ECODI): o acoplamento estrutural no processo de interação. ETD - Educação Temática Digital, Campinas, SP, v. 15, n. 2, p.337-355, maio/ago. 2013. ISSN 1676-2592. Disponível em: <http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/ etd/article/view/3966>. Acesso em: 28 ago. 2013.
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RELATO DE EXPERIÊNCIA CDD: 370.71
ANÁLISE DE PROJETO PEDAGÓGICO EM NARRATIVAS DE AUTOAVALIAÇÃO1 ANALYSIS OF PEDAGOGICAL PROJECT IN NARRATIVES OF SELF-ASSESSMENT ANÁLISIS DEL PROYECTO EDUCATIVO DE NARRATIVAS DE AUTOEVALUACIÓN Marie Jane Soares Carvalho2, Eliana Rela3 RESUMO: A análise se endereça aos alcances e às limitações do projeto pedagógico de um curso de
Pedagogia na modalidade a distância. A análise considera a qualidade e a eficácia das narrativas sobre as aprendizagens para responder a questão sobre as relevâncias atribuídas na autoavaliação. Trabalhamos com uma amostragem de portfólios do último ano do curso. Quanto aos alcances temos: núcleo docente estável; equipe docente responsiva; metarreflexão evidente nas narrativas; equilíbrio entre teorias e práticas; responsividade dos alunos em relação às intervenções da equipe docente espraiada em suas atividades; interdisciplinaridade. As limitações apontam para: a contra-argumentação direta dos alunos para as intervenções da equipe docente é inexpressiva; a experiência pedagógica predominantemente dirigida às salas de aula e aos aspectos de ordem cognitiva; a inexpressiva abordagem sociopolítica no currículo; o investimento tímido no trabalho colaborativo. Há avanços importantes como a interdisciplinaridade e o desenvolvimento metarreflexivo. Há limitações como a inexpressiva colaboração interpares e a circunscrição do projeto pedagógico às ações em sala de aula. PALAVRAS-CHAVE: Autoavaliação. Projeto pedagógico. Narrativas. E-portfólio. Aprendizagem. Educação a distância ABSTRACT: This analysis addresses the scope and limitations of the pedagogical project of a pedagogy course in distance education. The course is aimed at under-certified practicing teachers. The analysis takes into consideration the quality and effectiveness of narratives about learning to answer the question concerning the relevance attributed to self-assessment. A sample of final year learning portfolios was used. Regarding the achievements, results point to the evidence of steadiness in the core faculty; responsive teaching team; evidence of meta-reflection in the narratives; balance between theory and practice; responsiveness of students to the interventions of the teaching staff in their activities; interdisciplinary; limitations indicate that direct counter-argument of students to intervention of the teaching team is meaningless; teaching experience is predominantly focused on classroom practice and cognitive aspects; there is insignificant socio-political approach in the syllabus as well as minimum investment in collaborative work. There have been important advances such as interdisciplinary and meta-reflective development. Yet, there are limitations such as inexpressive peer collaboration and circumscription of the pedagogical project regarding classroom actions. KEYWORDS: Self-assessment. Pedagogical project. Narratives. E-portfolio assessment. Learning. Distance education
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Pesquisa realizada com apoio da CAPES/Pós-Doutorado/Estágio Sênior no Exterior. Professora Associada do Departamento de Ensino e Currículo/UFRGS. Docente nos Programas de Pós-Graduação em Educação e Informática na Educação. Coordenadora do Centro de Formação Continuada de Professores da Educação Básica. Caxias do Sul (RS) – Brasil – E-mail: marie.jane@ufrgs.br 3 Professora Titular da Universidade de Caxias do Sul. Coordenadora do projeto de pesquisa na área de formação de professores. Coordenadora do Programa de Formação de Professores. Caxias do Sul (RS) – Brasil – E-mail: erela@ucs.br 2
Recebido em: 07/09/2012 – Aprovado em: 05/06/2013 © ETD – Educ. temat. digit.
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RESUMEN: El análisis aborda los alcances y limitaciones del proyecto pedagógico de un curso de
pedagogía en la distancia. El análisis tiene en cuenta la calidad y la eficacia de las narrativas sobre el aprendizaje para responder a la pregunta sobre la relevancia atribuida en la autoevaluación. Trabajamos con una muestra de las carteras de año final. En cuanto al ámbito de aplicación son los siguientes: profesores estables del núcleo, el personal docente sensible; metarreflexão evidente en los relatos; equilibrio entre la teoría y la práctica, la capacidad de respuesta de los estudiantes en relación con las intervenciones de los profesores en sus actividades en expansión, la interdisciplinariedad. Limitaciones señalan: a las intervenciones directas contraargumento para estudiantes del profesorado es inexpresiva, la experiencia pedagógica predominantemente dirigida a las aulas y los aspectos cognitivos de orden, el enfoque sin expresión sociopolítica en el plan de estudios, la inversión tímido en el trabajo colaborativo . Hay avances importantes como la interdisciplinariedad y metarreflexivo desarrollo. Existen limitaciones como la colaboración entre pares inexpresiva y división de acciones pedagógicas en el aula. PALAVRAS CLAVE: Autoevaluación. Proyecto pedagógico. Narrativas. E-cartera. Aprendizaje. Educación a distancia.
1 INTRODUÇÃO A avaliação do projeto pedagógico de um curso é vital para sua qualificação. O que apresentamos é a análise do projeto pedagógico de um curso de graduação em Pedagogia realizado na modalidade a distância entre os anos de 2006 e 20104. O curso, ofertado como programa especial, atendeu professores em exercício em salas de aula no Ensino Fundamental, na Educação de Jovens e Adultos e na Educação Infantil. A análise qualitativa do projeto pedagógico deste curso especial é possível porque a avaliação previu a autoavaliação das aprendizagens dos alunos em forma de narrativas registradas em um blogue pessoal, denominado Portfólio de Aprendizagens. Cada aluno produziu um blogueportfólio que reúne os registros ao longo de 7 semestres. Os Portfólios de Aprendizagem se desenvolveram como o lugar que registra as autoavaliações das aprendizagens interpretadas, conceitualmente, como narrativas pedagógicas (GOODSON, 2011; GOODSON et al., 2010). A aprendizagem narrativa tem o potencial de demonstrar as trajetórias de cada aluno-professor no esforço de realização e compreensão identitária. As narrativas se destacam por dar relevância ao entendimento sobre o que as pessoas aprendem e sobre as formas como aprendem no decurso de uma trajetória que amalgama o que é da ordem pessoal, profissional e institucional. Para realizá-las é necessário desenvolver aproximações metarreflexivas numa relação que desdobra interfaces entre ser aluno num curso de formação de professores e ao mesmo tempo ser professor em sala de aula. O curso propõe
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Este curso atendeu ao edital do Ministério da Educação Edital 001/2004-SEED-MEC que aprovou projetos para a formação de professores na modalidade a distância, desenvolvido na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. © ETD – Educ. temat. digit.
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possibilidades de releitura das práticas pedagógicas e oferece sustentação para a experimentação de novas práticas. Ao aluno-professor cabe registrar suas práticas pedagógicas juntamente com a demonstração e reflexão sobre outros experimentos que realiza no cotidiano da sua sala de aula. Isso exige tempo e investimento continuado da parte de todos. Os registros das autoavaliações e a análise das narrativas permitem a realização da avaliação do projeto pedagógico do curso. A análise distingue a qualidade e a eficácia de cada narrativa numa amostra de blogues-portfólios para buscar os alcances e as limitações do projeto pedagógico da perspectiva de alunos-professores. A análise é sobre uma amostragem de blogues e destaca as narrativas para o último ano do curso (2010). Neste ano encontramos maior densidade narrativa. Há um capital narrativo, desenvolvido ao longo do curso, capaz de sintetizar a autoavaliação para cada semestre anterior, incluindo-se o estágio curricular, a realização do trabalho final do curso e, por fim, o aproveitamento no curso.
2 APRENDIZAGEM NARRATIVA A avaliação só tem sentido se ela refletir o que se aprende e a qualidade desta experiência e, portanto, a qualidade do processo de ensino. A análise das narrativas oferece uma valiosa oportunidade de esclarecimento sobre o ensino e a aprendizagem para os alunos e os docentes do curso. Antes de continuar necessitamos compreender o enfoque da aprendizagem narrativa privilegiado neste texto. O principal enfoque da aprendizagem narrativa é seu caráter de elaboração e manutenção continuada de uma narrativa de vida ou de identidade. Trata-se de esclarecimento e autoesclarecimento do que o sujeito pensa e faz. Concretiza-se numa narrativa, trabalhada ao contar a história da sua trajetória nos seus termos, elegendo e priorizando o que lhe é pessoalmente relevante (GOODSON, 2007; GOODSON; GIL, 2011). Entre os motivos que emergem na aprendizagem narrativa estão o trajeto, a busca e o sonho – estes são centrais para a contínua elaboração de uma missão de vida. Este tipo de aprendizagem é importante para o entendimento da forma como as pessoas aprendem ao longo da vida. Requer-se uma maneira diferente de pesquisa e elaboração para compreender este tipo de aprendizagem como oposto às formas mais tradicionais da aprendizagem formal (GOODSON, 1997). A história narrada na primeira pessoa é a história do próprio desenvolvimento pessoal, profissional e social que mantém relação com as aprendizagens formais, mas não se limitam a elas. Todas as formas de participação social solicitam capital narrativo que se expande como capital cultural no ponto em que a pessoa ganha capacidade de compreender a si no mundo e de © ETD – Educ. temat. digit.
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comunicar esta compreensão. A compreensão de si no decurso temporal e a compreensão que emerge na relação com os outros estruturam o que se denomina conhecimento situado. Este exige modos de intervenção pessoal e profissional na forma de engajamento que se expande da aprendizagem para a ação social que, por seu turno, gera compreensão ampliada e mais engajamento pessoal. É neste círculo virtuoso que cada sujeito conquista capital social. O engajamento faz sentido quando é relacionado com a própria história e o contexto das pessoas. Quando vemos a aprendizagem como resposta aos eventos concretos, às necessidades e interesses de quem aprende, então a questão do engajamento pode ser tomada por certo (GOODSON, 1997). A aprendizagem, nesta concepção, emerge como resposta estratégica para os acontecimentos da vida. Muito diferente desta abordagem é a perspectiva que apresenta o planejamento do currículo em suas definições e ações prescritivas de conteúdos sem vínculo com o conhecimento situado. A Figura 1 mostra uma interpretação da proposta de Ivor Goodson para a compreensão de sua abordagem no contexto de análise de uma proposta pedagógica de curso.
Figura 1 – De aprendizagem narrativa para conhecimento situado
A aprendizagem narrativa é desenvolvida porque se constrói na relação com os outros; seu caráter exige compartilhamento, o que pressupõe interação entre os protagonistas no curso e entre estes e o contexto de cada sujeito, como se vê na Figura 1. Os polos de realização do curso ao se situarem em microregiões do Estado, com história, tradições e contextos socioeonômicos distintos, manifestam-se nas pessoas em modos igualmente diferentes de compreender a si no mundo5. Cada microrregião impõe restrições ou permite ampliações das capacidades individuais muito mais profundas do que podemos supor à primeira vista (BAUMAN, 2008; SMITH, 2005; SEN, 2008). A par de disposições conjunturais, aprender a narrar requer desenvolver habilidades específicas. No mínimo exige esclarecer algo do mundo e de si para poder comunicar. E isso se aprende e desenvolve-se, principalmente na presença de outros interlocutores interessados. É este desenvolvimento que cria capital narrativo, que só é possível diante de um capital cultural que se estrutura como conhecimento situado. 5
Não dispomos de espaço para desenvolver a compreensão de cada cidade, o que foi realizado parcialmente em diferentes pesquisas por Machado (2009), Albuquerque (2011). © ETD – Educ. temat. digit.
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Em nosso caso tratamos da perspectiva de identidade profissonal e sua reconstrução in situ, nas práticas pedagógicas cotidianas. A experiência no curso é estruturante da identidade à medida que ela é esclarecedora e aberta ao potencial de criação pelos alunos-professores. Tal experiência permite, incentiva e acolhe o esclarecimento de si como profissional da educação. Trabalhar a aprendizagem “como algo ligado à história de vida é entender que ela está situada em um contexto, e que também tem história – tanto em termos de histórias de vida dos indivíduos e histórias e trajetórias das instituições que oferecem oportunidades formais de aprendizagem” (GOODSON, 2007, p. 249-250). A aprendizagem narrativa é situada dentro do contexto de vida, como resposta a situações reais no qual o mundo cotidiano constitui a matéria-prima para o exercício da autocrítica, da ação e da crítica. O capital narrativo se constrói, então, entre a história profissional e a história de vida nos contextos de sua existência que englobam as experiências, as transições eventuais - crises da vida e crises do cotidiano – e as transições estruturantes, como é o caso de gênero, credenciamentos e aposentadorias (GOODSON, 2007). A aprendizagem é incorporada como as respostas dos sujeitos aos eventos de suas vidas para ganhar controle sobre estes. Tais respostas podem ser mais adptativas, mais ativas ou mais generativas (GOODSON et. al. 2010). Entender a aprendizagem nesta perspectiva significa compreendê-la como situada, pois os sujeitos interagem e participam do seu milieu sociocultural e, portanto, sua vida contem história pessoal conjugada à história social. A aprendizagem tem lugar nas histórias de vida construídas na inter-relação com as práticas institucionais e suas visões de mundo. O tempo e o contexto são fundamentais para a compreensão do conceito porque transcendem a noção de aprendizagem como processo exclusivamente cognitivo. A aprendizagem é um fenômeno relacionado com o ser e com o fazer. Esta visão é importante para esta análise ao trabalhar com as narrativas de aprendizagens de alunos que são professores. Tais narrativas foram registradas durante o desenvolvimento do curso como parte do processo de autoavalição das aprendizagens para os alunos e de acompanhamento, interação e avaliação para a equipe docente. É neste tempo que observamos o trabalho intelectual sobre as experiências anteriores e atuais de alunos-professores. O material de estudo do curso para os alunos são as suas próprias experiências como professor na educação básica e na escola pública. Esta aprendizagem envolve a análise do que faz, do que aprende e do que pode ser o futuro de suas práticas pedagógicas. Aqui, observa-se a importância da dimensão temporal da aprendizagem. Isso implica a leitura e releitura das experiências passadas e presentes com vistas a projetar o futuro. Para este estudo, a perspectiva © ETD – Educ. temat. digit.
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temporal é fundamental em razão da inter-relação entre aprendizagem e biografia pessoal e profissional. O contexto é fundamental porque é através do qual os sujeitos aprendem sobre si próprios. O sujeito dialoga com o contexto ao se deparar com restrições e perturbações que reclamam atenção particularizada, respostas provisórias e projeções futuras, o que cria aprendizagem.
3 PROJETO PEDAGÓGICO E FORMAÇÃO DE PROFESSORES O curso de Graduação em Pedagogia, licencitura na modalidade a distância, atendeu 400 alunos-professores em exercício no Ensino Fundamental e na Educação Infantil sem formação universitária6. O corpo discente é composto por uma maioria de professoras, entre as quais predominam aquelas na faixa etária entre 35 e 45 anos e com tempo de serviço no magistério distribuído entre 5 e 20 anos. Uma parte considerável delas estava afastada há mais de dez anos dos bancos escolares. A maior parte do corpo discente não tinha experiência no uso das tecnologias de informação e comunicação para si tampouco junto aos seus alunos. O curso se desenvolveu na modalidade a distância com o uso intensivo dos recursos da web 2.0 e com um número de aulas presenciais definido por cada equipe de docentes das àreas disciplinares. A maior parte da interação foi realizada com o suporte de ferramentas digitais. Os principais recursos digitais foram: Blogue; Wiki; Ambiente Virtual de Aprendizagem; Repositório de materiais digitais; Videoconferência; Correspondência eletrônica (e-mail); Comunicação online (MSN e Skype). O corpo docente que atendeu este programa especial foi composto por 71 professores titulares com vínculo com a universidade, 80 professores assistentes sem vínculo e 97 tutores, vinculados à universidade pelos cursos de pós-graduação. Da perspectiva pedagógica, o principal investimento foi na interação entre todos os envolvidos na efetivação da aprendizagem de alunos-professores. A interação é concebida como o diálogo informado por abordagens teóricas e metodológicas, portanto, é um diálogo esclarecido e esclarecedor que se constrói e reconstrói entre o corpo docente e o corpo discente. Como o corpo discente foi formado por professores com experiência entre 5 e 20 anos de magistério e em exercício nas escolas públicas, predominantemente em salas de aula com crianças de 6 a 12 anos,
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O curso foi criado para atender especificamente esses professores em exercício distribuídos em cinco microrregiões do estado do Rio Grande do Sul concentrando a atividade em uma cidade, denominada polo de apoio presencial. Cada polo respondeu pelo atendimento a 80 alunos da cidade-polo e das cidades circunvizinhas. Para compreender o projeto pedagógico deste curso consulte os guias do curso disponíveis na Biblioteca da FACED/UFRGS. A descrição sobre o projeto pedagógico consta em Bordas et. al. (2005) e Carvalho, Nevado e Menezes (2007). © ETD – Educ. temat. digit.
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o foco do trabalho didático-pedagógico foi a releitura e o experimento de novas proposições para a prática pedagógica. No desenvolvimento do curso, a avaliação da aprendizagem dos alunos é um dos focos mais importantes, pois incide sobre o conjunto dos encaminhamentos e práticas pedagógicas levadas a termo pelo coletivo docente. Preservada a autonomia didático-pedagógica dos docentes, tanto quanto a autonomia das equipes disciplinares, a condução do processo exige pontos de apoio para o coletivo. O que se distingue como ponto de apoio é aquilo que o corpo docente coletivamente acorda como pressupostos e ações comuns, baseado no que é consenso mínimo e articulado como projeto pedagógico do curso. Isso implica fazer emergir ideias de diferentes matrizes teóricas que conversam entre si ao realizar ações quase indistinguíveis do ponto de vista prático. Todavia, tais ações são informadas de modo muito distinto na sua constituição. Exemplo disso é o fato de muitos docentes trabalharem a experiência como conceito ou como prática na formação de professores, mas as matrizes teóricas que o informam deslocam sua análise, interpretação e realização. Cada matriz teórica atribui relevância a determinados aspectos afins à sua área. A área disciplinar, então, põe em movimento uma força do conceito que dirige seu peso para diferentes abordagens e centralidade no corpus teórico da área. A relevância pode estar no sujeito, no contexto social, histórico, político, etc. Poderíamos seguir aqui e detalhar as relevâncias que o conceito de experiência ganha em cada área disciplinar, mas não é nosso propósito realizar isso. Apenas chamamos a atenção sobre como é possível entender a convergência pedagógica no contexto universitário que é cioso de um bem importante: a autonomia didático-pedagógica de docentes, equipes disciplinares e equipes de pesquisa. Da parte dos docentes, a avaliação requer disposição em acompanhar os alunos e valer-se da experiência acadêmica para orientá-los. Por ser um programa a distância, cada área disciplinar contava com as intervenções de tutores. Todos os tutores receberam qualificação adicional em curso específico de pós-graduação, bem como a maioria tinha experiência como professor no Ensino Básico. Cada docente contou com, no mínimo, um tutor que atendia a disciplina; este tutor respondia por esclarecimentos, intervenções nas produções e ajuda aos alunos-professores de modo síncrono e assíncrono. O docente contou, ainda, com mais um tutor no polo presencial, encarregado de ajudar presencialmente ao aluno-professor, esclarecendo-o ou ajudando-o a encontrar os esclarecimentos necessários. E mais: a equipe da área disciplinar podia solicitar ajuda aos docentes do Seminário Integrador7. Os alunos recebiam ajuda de cinco fontes: o tutor da área 7
O Seminário Integrador é uma interdisciplina composta por uma equipe de 10 professores e mais 20 tutores. Cada subequipe atuava num polo e tinha a responsabilidade sobre 80 alunos. Esta equipe compunha o núcleo docente do © ETD – Educ. temat. digit.
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disciplinar; o tutor do polo presencial, o docente da área disciplinar, os docentes do Seminário Integrador e mais os tutores desta área. No mínimo, três pessoas se envolviam diretamente com a orientação de um estudante. Os tutores, por sua vez, recebiam orientação diretamente do corpo docente acadêmico e ambos atuavam junto na área disciplinar. Isto tem implicações importantes no curso, porque a proposta pedagógica cuidou para que o curso a distância fosse exercido pelos docentes universitários que contavam com o apoio de tutores. A responsabilidade acadêmica é inteiramente do docente acadêmico que deve conduzir e exercer suas funções durante o desenvolvimento de todo o processo. Enfatizamos isso em razão de que muitos cursos de graduação a distância contam com professores especialistas que organizam os conteúdos disciplinares, mas pouco se envolvem com a orientação direta de estudantes ou mesmo de tutores. A tarefa do docente consiste em orientar o tutor, verificar se as intervenções dele seguem as orientações da área disciplinar, orientar diretamente os alunos-professores compartilhando esta atividade com os tutores da área. A tarefa do docente é exigente neste modelo e por isso confere qualidade ao processo de ensino-aprendizagem, amplamente reconhecida pelos alunos na avaliação externa, como se vê no Quadro 1. A avaliação externa acolheu as respostas de 347 alunos a um instrumento de avaliação com questões abertas e fechadas. O Quadro 1 representa os resultados desta avaliação para cada âmbito. QUADRO 1 – Avaliação externa por âmbito do curso* DOCENTES P**
TUTORES PRESENCIAIS
TUTORES DISTÂNCIA
COORDENAÇÃ O POLOS
SISTEMA DE ENSINO
PARTICIPAÇÃO
ORGANIZAÇAO
ACADÊMICA
DO CURSO
EMPREGABI LIDADE
CONDIÇOES POLO
SUPORTE ACADÊMICO
TECNOLO GIAS
P1 P2 P3 P4 P5
Nota. *Representação baseada na Tabela 7 de Rodrigues et al. (2011); **P=polo; Excelente Muito Bom Legenda e cores: Bom Regular
Fonte: Autoras
A atribuição de valor numa escala de 1 a 5 para diferentes conjuntos de questões mostra que a avaliação externa do curso se localiza entre Excelente (5.0-4.50) e Muito bom (4.49-4.00) para a maior parte dos quesitos. Ao longo do curso houve avaliações parciais a cada semestre sobre a recepção do curso. Da perspectiva dos alunos-professores, os registros para a avaliação do curso são altamente positivos e é necessário realizar um processo de depuração nas narrativas para encontrar o que pode nos ajudar a analisar o projeto pedagógico. curso e acompanhou o mesmo grupo de alunos-professores do início ao fim do curso. Ela foi responsável por conhecer cada polo e acompanhar o Blogue-Portfólio de Aprendizagens de cada aluno. Igualmente importante é o fato de que se constituía em apoio a todas as interdisciplinas, desenvolvendo atividades que davam sustentação aos trabalhos das áreas disciplinares. © ETD – Educ. temat. digit.
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4 AVALIAÇÃO NO PROJETO PEDAGÓGICO A avaliação é desenvolvida em quatro etapas distintas: 1) Registro e acompanhamento do processo no blogue-Portfólio de Aprendizagens. Esta avaliação é longa, densa e exigente para o corpo docente e discente; 2) Avaliação dos trabalhos solicitados por cada interdisciplina8, realizada pela equipe docente da área; 3) Construção da avaliação final; 4) Apresentação e defesa da síntese das aprendizagens pelo discente para uma banca de docentes ao final de cada semestre. A primeira etapa é a análise e acompanhamento do processo de aprendizagem individual dos alunos-professores ao longo de cada semestre, acompanhada amiúde pelos docentes do Seminário Integrador e, pontualmente, pelos tutores das equipes interdisciplinares. Esta etapa exige do aluno-professor o desenvolvimento de um Portfólio de Aprendizagens pessoal. A adaptação mais importante foi dirigir o Portfólio Educacional (CARVALHO; PORTO, 2005) para atender a especificidade de formação de professores em exercício e, portanto, com uma história de investimento profissional, por vezes, longa. Cada aluno construiu o seu blogue, no qual registrou semanalmente a síntese de suas aprendizagens. Cabe destacar que esta síntese comporta dois elementos entrelaçados: desenvolvimento de argumentos e demonstração de sua realização com evidências. A intenção é que os alunos desenvolvam argumentos com base nas ideias trabalhadas em cada área disciplinar. Ao mesmo tempo, por serem professores em exercício, foram demandados a apresentar evidências para seus argumentos buscadas, sobretudo, no trabalho pedagógico. O acompanhamento de cada Portfólio de Aprendizagens foi realizado pela equipe docente do Seminário Integrador, assumindo a responsabilidade de responder as autoavaliações do corpo discente e dialogar com cada um com vistas ao aprofundamento de suas ideias. Os tutores receberam orientação, sobre os modos de realizar intervenções geradoras de novas aprendizagens, durante todo o curso de pós-graduação e junto aos docentes das áreas disciplinares. Este blogue-portfólio registra as principais aprendizagens ao longo do percurso, por semestre, e contempla as aprendizagens narradas da perspectiva do aluno-professor durante cada semana. Tais registros podem se referir a qualquer uma das interdisciplinas ou a todas ao mesmo tempo. A equipe do Seminário Integrador poderia mobilizar os colegas das áreas específicas para analisar a autoavaliação. O parecer poderia discutir a ideia do aluno, propor ampliação do argumento, buscar mais esclarecimentos, discordar do entendimento, solicitar evidências 8
A interdisciplina é o conjunto de disciplinas afins que sustentam uma área disciplinar. Em vez de incluir-se no currículo a disciplina de Sociologia da Educação, como é usual nos cursos de Pedagogia, há uma área denominada Escola, Cultura e Sociedade que comporta abordagens da Sociologia, Antropologia Cultural, Política e Currículo. © ETD – Educ. temat. digit.
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adequadas ao argumento, etc. Uma parte considerável deste trabalho estava sob a responsabilidade dos tutores, que respondiam aos alunos-professores orientados pelos docentes da área. O acompanhamento pelo docente é importante em razão de analisar o andamento da abordagem e a compreensão que perpassa as manifestações de tutores e alunos-professores. Um blogue-portfólio realizado com a regularidade prevista no curso produz um montante em torno de 100 páginas (A4) de registros autoavaliativos. Considere-se, ainda, que cada postagem no blogue contempla, no mínimo, um parágrafo contendo entre 250 e 500 palavras. O Portfólio de Aprendizagens documenta historicamente as realizações e os diálogos entre todos; é possível acompanhar o processo de reconstrução da experiência pela atribuição de significados que cada aluno-professor confere ao realizá-lo e que cada docente ou tutor confere ao avaliá-lo. A segunda etapa, concomitante à primeira, é a avaliação de trabalhos específicos solicitados por cada interdisciplina. O trabalho é acordado na equipe disciplinar e aplicado para todos os alunos em todos os polos. O acompanhamento deste trabalho é realizado pelo docente e tutor da área disciplinar para cada polo. Contam com a ajuda dos tutores nos polos para esclarecimentos presenciais aos alunos-professores que a demandam. A orientação pelos tutores das áreas disciplinares, na sede, é com atendimento online (webconferência, MSN ou Skype). A terceira etapa tem início um mês antes da avaliação final e mobiliza todas as equipes docentes em cada semestre. Desenvolve-se em dois momentos que compreendem: (1) a construção de uma síntese das aprendizagens nas interdisciplinas do semestre em pauta. Esta síntese contempla questões dissertativas elaboradas pela equipe do Seminário Integrador que se encarrega de fazer uma proposta de avaliação ao agregar os conteúdos mais significativos de cada área disciplinar do semestre; (2) os alunos-professores recebem a estrutura do que deve constar na síntese. A partir deste momento, os alunos tem um tempo para desenvolver os argumentos sob a supervisão de tutores e docentes. Na avaliação prévia, os alunos têm a oportunidade de enviar a sua produção e receber orientação das equipes docentes. Não é obrigatório, mas é recomendado que o façam. Os trabalhos são orientados pela equipe que fará parte da banca de avaliação presencial. O essencial desta etapa é qualificar os trabalhos; é aprimorar as ideias e sua comunicação; é ajudar aos alunos-professores a desenvolver um trabalho acadêmico denso em conteúdo e cuidadoso na sua apresentação. A quarta etapa é a avaliação presencial. É desenvolvida na forma de apresentação de trabalhos para uma banca que avalia os trabalhos na hora. A banca, composta por uma equipe docente que, ao ouvir a apresentação, propõe a oportunidade para cada aluno-professor construir uma arguição. Ao mesmo tempo, os pares realizam registros de avaliação com critérios © ETD – Educ. temat. digit.
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predefinidos que são, imediatamente, repassados ao colega. O mesmo procedimento é realizado pela banca oralmente, porque os documentos de avaliação são guardados pelo curso. É com este conjunto de informações, sobre como se realizou a avaliação neste curso, que trabalhamos as autoavaliações das aprendizagens realizadas nos registros do Portfólio de Aprendizagens.
5 SÍNTESE METODOLÓGICA O curso totalizou 9 semestres e se desenvolveu no período de 2006/2 a 2010/2 mais um semestre em 2011/1 para recuperação de alunos-professores. O registro das aprendizagens em blogue iniciara em 2007/2 e se estendera até o final do curso (2010/2). Este registro foi cumulativo abrangendo todas as interdisciplinas desenvolvidas nesses três anos e meio. Como esta atividade foi obrigatória, a quantidade de material é expressiva em registros para cada aluno. Iniciamos o trabalho com uma amostragem de 50 blogues que contemplam os registros do último ano do curso (2010). As autoavaliações são provenientes do trabalho de alunas-professoras de dois polos: o primeiro atribuiu a avaliação mais alta ao curso como um todo e o segundo a avaliação mais modesta. Mesmo as avaliações mais modestas, ainda assim, são consideravelmente boas, como se viu no Quadro 1. A seleção dos Portfólios de Aprendizagem passou por etapas distintas: a primeira seleção distinguia os blogues-portfólios de dois grupos de alunos-professores: aqueles alunos com baixo aproveitamento e aqueles com alto aproveitamento no curso, atribuídos por membros da equipe docente; a segunda seleção distinguiu somente os blogues-portfólios potencialmente importantes para a análise do projeto pedagógico do curso. Ao ler-se em conjunto os 50 Portfólios de 2010 deparamo-nos com um problema: as alunas-professoras com baixo aproveitamento no curso apresentam autoavaliações em menor número e com uma visão crítica comprometida. Em geral, registram suas aprendizagens como muito boas num tom que busca conseguir a anuência da equipe docente. Estas são as alunasprofessoras que se mostram mais irregulares nos registros e na realização das atividades. Ao realizarem as autoavaliações destaca-se um tom autocondescendente que atribuímos às ausências, à falta de interação com os colegas, à falta de respostas e de contra-argumentos às avaliações das equipes docentes. Essas alunas-professoras aplicam muitas atividades que o curso oferece, mas elas são realizadas como novidades e não como elementos que ajudam a pensar o que ela faz
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cotidianamente. Geralmente dizem que os seus alunos gostaram muito das atividades, porque eram diferentes, interessantes. Do outro lado, estão os blogues-portfólios de alunas-professoras altamente responsivas no curso ao mostrarem regularidade de estudo, interação e contra-argumentação. Nos registros de autoavaliação, elas mostram movimentos do pensamento sobre si e seu entorno, sobre suas práticas pedagógicas e sobre o que é solicitado pelo curso. São alunas exigentes e não se atribuem facilmente elogios. Seus registros mostram força argumentativa, expressam o que desejam e fazem no dia a dia, bem como analisam as injunções sob as quais estão submetidas. São estes bloguesportfólios que nos oferecem mais pistas e mais avaliações sobre o projeto pedagógico do curso e, por isso, a partir desta avaliação decidimos trabalhar tão somente com estes que apresentam conteúdos adensados. Mantivemos o critério dos dois polos e trabalhamos com uma amostragem de 25 blogues, o que implicou a análise de um montante de 1744 páginas (A4). Tão importante quanto a seleção dos blogues-portfólios com maior potencial de responder a questão das relevâncias atribuídas nas autoavaliações para avaliar os alcances e limitações do projeto pedagógico deste curso, é o fato de esta análise trabalhar sobre a qualidade e a eficácia das narrativas.
6 NARRATIVAS PEDAGÓGICAS A qualidade narrativa é um atributo composto por quatro dimensões, conforme as definições de Goodson et al. (2010). São elas: (1) intensidade narrativa que se caracteriza pela profundidade do que é narrado e demonstrado pelo detalhamento que é oferecido; (2) tipo de narrativa que envolve o predomínio de descrição ou de análise e avaliação. Uma descrição pode ser a narração de um fato ou pode ser seguida de algo que mostra como a pessoa interpreta este fato e como lida com ele. Por vezes, a própria narrativa é adensada com interpretação que se produz ao longo de inúmeros registros; (3) princípios organizadores da história que mostram evidências de que o narrador chegou a uma compreensão - insights de compreensão; (4) densidade narrativa – a compreensão do cotidiano nos seus próprios termos ou a compreensão mais conceitual em que o narrador recria a compreensão teórica. Os autores ainda apresentam outra dimensão, a da ordem narrativa que pode ser cronológica, episódica ou temática. Tal ordenação é afim com os propósitos de análise de histórias de vida, mas não se aplica para os casos de análise de blogues. A própria estrutura desta ferramenta digital estabelece parâmetros para os registros que são da ordem episódica e temática e © ETD – Educ. temat. digit.
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geralmente apresentam-se em mensagens curtas. Pode-se fazer registros cronológicos, mas o blogue não é adequado para realizar registros organicamente cronológicos, como se faria numa narrativa livre ou numa entrevista em profundidade. Concorre o fato de que o projeto pedagógico previu registros vinculados às demandas das interdisciplinas, então, aqueles respondem às atividades solicitadas. Os registros estão organizados conforme a estrutura proposta para o Portfólio de Aprendizagens, sobretudo, atendem a solicitação de registro de autoavaliação da aprendizagem para a semana, que poderia ser por Interdisciplina ou englobar todos os trabalhos da semana. A eficácia narrativa atende a duas outras dimensões: (a) potencial de aprendizagem, isto é, o quanto a narrativa funciona como um lugar para aprender que se desdobra em analisar o presente e projetar o futuro. Esta dimensão exige análise, isto é, a capacidade de refletir sintetizada em fazer-se questões e argumentar sobre ações, consequências, razões, motivações; (b) potencial para a ação. Esta dimensão é demonstrada quando se pode ver o engajamento da pessoa com a mudança em sua vida pessoal e profissional. A narrativa tem consequências para a vida profissional e produz agenciamentos que podem ser mais adaptativos, construtivos ou de resistências ao contexto que tenta se impor. Estes âmbitos devem ser tratados juntos, porque a noção de engajamento reclama saber e agir.
7 A TRANSFORMAÇÃO DAS NARRATIVAS Para analisar os alcances e as limitações do projeto pedagógico do curso nos debruçamos sobre a compreensão das narrativas trabalhando-as da perspectiva fenomenológica (BICUDO, 2000). O destaque aqui é para o sentido visível mobilizado no registro das narrativas. O procedimento de análise se impôs ao trabalho justamente porque as narrativas são densas em significados diferenciados atribuídos para vivências semelhantes nas escolas e salas de aula das professoras em foco. Na primeira análise distinguimos as falas significativas, o fenômeno tal como ele se mostra ao sujeito que o expressa. Este exercício requer do pesquisador movimentos de suspensão de sua visão a priori sobre determinado registro e a suspeição do que pensa compreender (OMERY, 1983). Cria-se tensão constante entre suspensão e suspeição com vistas a se aproximar cada vez mais daquilo que o outro expressa em suas palavras. Trata-se de compreender a síntese invariante do que é verbalizado, mas nem sempre esclarecido ao próprio sujeito, ainda que constitua o sentido e o fundamento do que ele pensa e faz. © ETD – Educ. temat. digit.
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A análise gerou matrizes que destacam as narrativas significativas em categorias geradas a partir de leituras exaustivas dos 25 blogues selecionados. A primeira categoria trata da 1) Percepção do curso EAD, desdobrada em seis subcategorias: 1.1) Aprendizagem pessoal e profissional; 1.2) Críticas ao curso; 1.3) Interação – equipe docente; 1.4) Interação – redes colegas; 1.5) Interdisciplinaridade; 1.6) Práticas pedagógicas no curso. A segunda categoria é 2) Escola – aprendizagem dos alunos, desdobrada nas subcategorias: 2.1) Planejamento e 2.2) Práticas pedagógicas na escola. Este procedimento criou 25 matrizes, uma para cada blogue, com as narrativas distribuídas nesta categorização. Este processo respondeu pelo primeiro procedimento de análise. O segundo procedimento reorganizou as matrizes por temática e não mais por sujeito, embora guardasse relação com o sujeito, ordenadas conforme (a) o tipo de narrativa, (b) a intensidade narrativa, (c) os princípios organizadores da história e (d) a densidade narrativa. É a partir desta ordenação de segunda ordem que realizamos a síntese invariante tendo duas dimensões em vista: o potencial de aprendizagem e o potencial para ação. Ao criar estas condições de análise realizamos a segunda redução que resultou nas relevâncias atribuídas, discutidas na sessão seguinte. O âmbito da qualidade narrativa é importante para a seleção e análise do conteúdo narrativo dos Portfólios de Aprendizagem e este foi o principal critério para a seleção do conjunto dos blogues com os quais trabalhamos. O âmbito da eficácia narrativa é a parte que mais nos interessa na análise das narrativas de autoavaliação, pois as relevâncias atribuídas nos ajudam a colocar uma lupa sobre o projeto pedagógico.
8 RELEVÂNCIAS ATRIBUÍDAS As relevâncias atribuídas nas narrativas esclarecem os alcances e as limitações do projeto pedagógico do curso e conferir consistência ao que foi, de fato, este projeto nos seus desdobramentos cotidianos. As relevâncias são condensações possíveis a partir de todas as narrativas que permitem a visibilidade de alcances e limitações. É a coerência interna e orgânica do conteúdo de um grupo de dados que conferem sua relevância. Não é a fala específica de a ou b que nos interessa. O que mostramos é a síntese abstraída do conjunto de dados do blogue-portfólio de aprendizagens. Os aspectos mais fundamentais que se destacam como práticas realizadas no curso, e que não estão esclarecidas conceitualmente no projeto pedagógico, são: (a) a proposta de arquiteturas
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pedagógicas analisadas por Grassi (2010); (b) a virtualização das aprendizagens, analisadas por Silveira (2011); (c) a inclusão digital (TEIXEIRA, 2010). A distinção desta análise está no fato de buscar as relevâncias atribuídas nas narrativas de autoavaliação das aprendizagens para analisar as limitações e os alcances do projeto pedagógico. De um lado, o projeto pedagógico não teve força para gestionar melhor a construção de colaboração interpares, o que aconteceu pontualmente, embora fosse uma perspectiva inconteste entre os docentes do Seminário Integrador. De outro, propiciou a construção de visibilidade dos projetos profissionais de muitos alunos-professores que aplicaram junto aos seus alunos o mesmo procedimento de uso de blogue-portfólio para registro das aprendizagens. Isso estava previsto no projeto pedagógico sob a forma de transferência entre o que propunha o curso para os alunosprofessores e o que eles realizavam em suas salas de aula9. Outra força do projeto pedagógico, manifesta em todos os blogues, é o desenvolvimento do currículo de modo interdisciplinar e este é um dos aspectos mais evidentes do projeto pedagógico para as alunas. Na seção sobre o Projeto pedagógico para a formação de professores explicamos o funcionamento da Interdisciplinaridade no projeto e sua abordagem prática no curso, embora este seja um aspecto controverso do ponto de vista conceitual e prático. O que foi esclarecido no projeto pedagógico e realizado no cotidiano do curso encontram-se continuamente sob suspeição de não fazer jus ao que se define como interdisciplinaridade. Ao observar isso, note-se que não é objeto desta análise contemplar esta discussão. Outro âmbito que se destaca em todas as narrativas é o equilíbrio entre teoria e prática pedagógica, algo valorizado pelas alunas-professoras no curso. Na formação de professores em serviço se destaca como força a necessidade de diálogo entre as teorias ali discutidas e a compreensão destas na leitura e recriação de práticas pedagógicas. Isso não ocorre naturalmente, os alunos-professores precisam ser ajudados a realizá-las. O equilíbrio entre a discussão teórica e a oferta de alternativas e desafios para as práticas pedagógicas foram fundamentais para o sucesso que o curso alcançou junto às alunas-professoras. Esta é uma necessidade apontada por Gatti e Barreto (2009, p. 121) que ao analisarem os cursos de Pedagogia no Brasil concluem que no desenvolvimneto de “conhecimentos relativos à formação profissional específica também predominam enfoques que buscam fundamentar os conhecimentos de diversas áreas, mas pouco exploram seus desdobramentos em termos das práticas educacionais”. 9
A mesma sistemática de avaliação e registro em blogue-portfólio foi sugerida aos alunos-professores para aplicar junto aos seus próprios alunos. É em razão disso que há conjuntos de portfólios produzidos pelos próprios alunos destes professores que documentam o seu processo de aprendizagem, bem como há inúmeros registros do trabalho de alunos-professores que documentam o seu trabalho pedagógico cotidiano em outros blogues criados, por eles, para esta finalidade. © ETD – Educ. temat. digit.
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A despeito da efetividade global do trabalho de avaliação, através do registro e acompanhamento nos Portfólios de Aprendizagem, ele encontra limitações. A análise destes amplia a possibilidade de enfrentamento para quem usar esta abordagem pedagógica. O principal desafio diz respeito a abordagem qualitativa na interação da equipe docente com os alunosprofessores nos Portfólios de Aprendizagem. A formação dos tutores para realizar intervenções qualificadas e a análise e acompanhamento disso pelos docentes é um ponto sensível. Mesmo considerando a qualificação dos tutores, que antecedia a prática da tutoria e se estendeu por todo o período do curso, nem todos respondem adequadamente. Alguns não respondem nos tempos previstos; outros têm dificuldades em estabelecer diálogos aprofundados que desacomodassem as certezas dos alunos-professores e ampliassem suas perspectivas analíticas. Embora existam inúmeras atividades sem a avaliação registrada pela equipe docente é importante considerar que os alunos-professores não mencionam isso nos blogues-portfólios, à exceção de um caso. Chama-se a atenção para a inexistência de registro de avaliação nos bloguesportfólios pela equipe docente, o que não significa ausência de avaliação, porque uma parte considerável foi realizada de modo on-line pelos tutores. O ponto-chave para o sucesso da tutoria é a sua formação continuada no decorrer do curso, atualizando constantemente as atividades e os modos de realização do acompanhamento dos alunos-professores. Trata-se de atualização permanente, conceitual e metodológica, que exigiu envolvimento de todos os docentes formadores e disposição para aprender de todos os tutores. No polo em que se atribuiu a avaliação mais modesta ao curso, as avaliações de tutores e docentes são contadas em números expressivos nos blogues-portfólios. No entanto, o que se destaca é o inexpressivo diálogo das alunas para com essas mesmas avaliações. As alunas referem a leitura das avaliações, o pensamento sobre elas e o impacto sobre suas práticas e abordagens, mas não temos isso documentado. Não temos razões para duvidar que sejam reais, pois se observam os efeitos de tais intervenções críticas nos trabalhos, nas aplicações pedagógicas e em registros posteriores. Mas o que se projetou para ser um diálogo assíncrono documentado ocorreu parcialmente. A garantia da intervenção aconteceu por conta da ação da equipe docente, que se ressentiu com a falta de contra-argumentação das alunas-professoras. Do conjunto dos registros depreende-se um certo confinamento às experiências das alunasprofessoras com seus alunos em suas salas de aula. Há inexpressiva referência ao trabalho coletivo entre as professoras ou ao trabalho na escola e na comunidade. Há pouco investimento nas questões de engajamento social, para o qual o investimento no curso é pontual, contando somente com as Interdisciplinas que realizam isso como conteúdo próprio. O projeto pedagógico não foi © ETD – Educ. temat. digit.
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inteiramente capaz de incorporar esta dimensão. Uma das razões é seu direcionamento amiúde para os modos de intervenção que reclamam atividade cognitiva para a experiência pessoal e profissional, como aparecem nos guias do curso sem, contudo, demandar inserção política no contexto social. O engajamento é da ordem da atividade com os alunos nas salas de aula, da atividade didática, e pouco da ordem política e social. Isso fez com que as alunas-professoras desenvolvessem sensibilidade modesta para os problemas que afetam a escola e sua comunidade. Tais problemas sociopolíticos impactam sobre os direcionamentos didáticos, mesmo quando isto não está esclarecido para a comunidade escolar. Os problemas na escola e nas salas de aula são vividos como se fossem da ordem de decisão pessoal em tentativas de mudança nas práticas pedagógicas. Certamente, esta decisão é importante, mas é insuficiente para compreender as injunções dos contextos que afetam a comunidade escolar, em geral, e as salas de aula, em particular. As narrativas desenvolvidas no Portfólio de Aprendizagens, construídas ao longo do curso para avaliação e autoavaliação dos alunos-professores foram fundamentais ao desenvolvimento das
alunas-professoras.
Elas
próprias
analisam
suas
conquistas
e
suas
limitações
retrospectivamente. Algumas com maior propriedade e crítica do que outras. De qualquer modo, esta meta-avaliação é uma das realizações mais significativas deste curso para a formação de professores. Aqui encontramos a relevância no uso de narrativas: as alunas-professoras demonstram o movimento do seu pensamento sobre o que pensam, realizam e projetam no contexto de ações possíveis para as práticas pedagógicas numa dada escola ou sala de aula. Este movimento é observado porque elas refletem sobre as suas próprias realizações no interior de uma linha histórica, o que permite avaliar as ações e decisões de modo retrospectivo e prospectivo. Isso cumpre um dos objetivos mais importantes no projeto pedagógico, o da metarreflexão que se traduz em pensar sobre o próprio pensamento – uma qualidade cognitiva altamente exigente10. A análise dos blogues-Portfólios de Aprendizagem permite conhecer as forças e debilidades que estão no projeto pedagógico do curso. No entanto, a análise das produções dos alunos só é possível se o projeto do curso prever avaliações autênticas (PALM, 2008) ao longo do curso e dispor do conjunto destas avaliações para a análise qualitativa e projeção de projetos pedagógicos.
10
Todavia, é necessário precaução aqui, pois os blogues-portfólios com os quais trabalhamos são todos de alunas excelentes, o que levanta a hipótese de que tal qualidade cognitiva já estivesse presente anteriormente ao curso. © ETD – Educ. temat. digit.
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9 CONCLUSÃO A análise contempla o confronto da proposta pedagógica de um curso de Pedagogia, na modalidade a distância, com a avaliação externa e a autoavaliação das aprendizagens. A avaliação externa, de caráter performático, é positiva e mostra o quanto os alunos prezam o curso. No entanto, para os propósitos de analisar o projeto pedagógico necessitamos uma abordagem com enfoque qualitativo. No projeto pedagógico do curso, a avaliação é desenvolvida em quatro etapas distintas que se estendem desde o registro e acompanhamento do processo no blogue-Portfólio de Aprendizagens até sua conclusão com a apresentação e defesa da síntese das aprendizagens pelo discente para uma banca de docentes ao final de cada semestre. O uso de portfólio de aprendizagens, construído de modo cumulativo, foi a principal estratégia de avaliação que se estendeu por sete semestres. É sobre estes que construímos a análise do projeto pedagógico do curso. A autoavaliação compreende os registros semanais das aprendizagens da perspectiva dos alunos-professores. A análise considera a qualidade e a eficácia das narrativas sobre as aprendizagens para responder a estas questões: Quais são as relevâncias atribuídas na autoavaliação? O que elas dizem sobre os alcances e as limitações do projeto pedagógico? Trabalhamos com uma amostragem de portfólios do último ano do curso e de alunas-professoras altamente responsivas em razão da qualidade e quantidade de seus argumentos. As relevâncias atribuídas apontam para os alcances e as limitações da proposta pedagógica do curso da perspectiva dos alunos. Quanto aos alcances temos: núcleo docente estável; equipe docente responsiva; metarreflexão evidente nas narrativas de alunas responsivas; equilíbrio entre teorias e práticas; registro reflexivo dos alunos em relação às intervenções da equipe docente; percepção de interdisciplinaridade. As limitações apontam para: a inexpressiva contra-argumentação direta dos alunos para as intervenções da equipe docente; a experiência pedagógica predominantemente dirigida às salas de aula e aos aspectos de ordem cognitiva; a inexpressividade da abordagem político-social no currículo; o investimento tímido no trabalho colaborativo. Há avanços importantes como a interdisciplinaridade e o desenvolvimento metarreflexivo. Há limitações como a inexpressiva colaboração interpares e a circunscrição do projeto pedagógico às ações em sala de aula. A análise das relevâncias atribuídas nas autoavaliações das aprendizagens permite destacar esses fatores. © ETD – Educ. temat. digit.
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Como citar este texto: CARVALHO, Marie Jane Soares; RELA, Eliana. Análise de projeto pedagógico em narrativas de autoavaliação. ETD - Educação Temática Digital, Campinas, SP, v. 15, n. 2, p.356-375, maio/ago. 2013. ISSN 1676-2592. Disponível em: <http://www.fae.unicamp.br/revista/index.php/etd/article/view/3702>. Acesso em: 28 ago. 2013.
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