EVF #4

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PERFIL Alexandre Urch e seu trabalho premiado

ESPECIAL Fotografias de rua sem pessoas como assunto

REFERÊNCIA Elliott Erwitt: Vida e trabalho dedicados ao sorriso

EVF

E MAIS Colunas Cultura Equipamentos

www.revistaevf.com.br

ANO 1 | EDIÇÃO 4 | MAR/ ABR 2015

EXPEDIÇÃO À

ÁSIA

Aventure-se pelo nepal e pela ÍNDIA, duas das culturas mais ricas do planeta, e conheça lugares fantásticos para fotografia de rua e documental EVF_MAR/ ABR

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www.rua33.com

Rua 33

| Espaço de fotografia Não se trata de um método, menos ainda de uma técnica, mas de um modo de vida. A vida de improviso.” Extraído da Biografia de Henri Cartier-Bresson, por Pierre Assouline.

Agora você pode contar com um espaço de fotografia, em São Paulo, dedicado inteiramente a você, amante da fotografia da rua [street photography]. Vem pra rua 33 você também!

cursos | workshops | viagens internacionais e nacionais | saídas fotográficas Cursos de: Photoshop Lightroom, fotografia de rua, fotografia digital, olhar fotográfico [voltado a fotografia de rua], fotografia e meditação [voltado a fotografia de rua], direito autoral e direito de imagem, fotografia e olhar filosófico. Todos disponíveis nos formatos: coletivo, individual e grupos vip's.

Quer saber mais sobre o que é fotografia de rua, como praticar, onde praticar, o que podemos e o que não podemos? Acesse nosso site e programe-se para estar conosco. Sua presença será muito bem-vinda a nossa rua.

Vamos praticar fotografia de rua na India? Em Novembro, 15 noites. Saiba mais em nosso site.

Rua 33, seu espaço de fotografia dedicado a fotografia de rua [street photography]


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SALVE!

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uando compramos algo, normalmente ficamos felizes se recebemos mais do que esperávamos. Isso serve também para publicações. Quando compramos uma revista, por exemplo, queremos conteúdos de qualidade e que façam o nosso dinheiro valer a pena. E, para compensar o valor pago, quanto mais conteúdo de qualidade, melhor. Já quando algo é de graça, normalmente não esperamos muito. Afinal, não estamos pagando. Mas nós, da EVF, pensamos diferente. Para nós, uma publicação gratuita deve, sim, justificar a que veio. Por isso, nesta edição você confere 100 páginas recheadas com conteúdo de primeira. E de graça. A EVF nos últimos meses tem trilhado um caminho ainda inexplorado no Brasil, ao falar exclusivamente sobre fotografia de rua e documental. Além de apostar suas fichas no meio digital -- o que possibilita que ela seja gratuita. Mas isso só nos motiva a levar até você o melhor conteúdo sobre o tema. E isso implica em arregaçar as mangas e produzir conteúdo próprio. Foi o que o Glauco Tavares, já figura conhecida na redação e na EVF TV, fez ao ir até a Índia e ao Nepal. O cara foi lá e trouxe uma reportagem fotográfica incrível, que você confere a partir da página 30. Outra pessoa que também sua a camisa para fazer um trabalho premiado na fotografia é Alexandre Urch. Não poderíamos ter escolhido perfilado melhor para uma edição como esta. Entre outros assuntos, conversamos sobre como levou tempo até que ele conseguisse o merecido e respeitado espaço que tem hoje no mundo artístico. Ele ainda falou sobre seu estilo na fotografia de rua, contou curiosidades

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sobre a carreira, e até saiu pra fotografar com o Glauco para mais um vídeo da série ‘Bate Papo na Rua’. Sim, está tudo aqui, a partir da página 60. Assim como em muitas áreas, ter referências é essencial para qualquer fotógrafo. E falamos sobre uma das mais inspiradoras, o fotógrafo Elliott Erwitt. Conheça o lado divertido e ao mesmo tempo sério de um dos maiores fotógrafos de todos os tempos. Falando em história, a seção “Cartão de Memória” desta edição está um pouco diferente, e você verá não uma foto que entrou para a história, mas, sim, um ensaio. Curioso? Corre lá pra página 90! Como 100 páginas não é brincadeira, e como estava falando sério sobre todas elas estarem recheadas com conteúdo de primeira, você ainda vai conferir um especial bem-humorado sobre fotografias de rua que não utilizam pessoas como assunto. Mas não se engane, o bom humor não tira nem um pouco a seriedade da matéria. Ah, claro, as colunas Provoke(R) e Fotocultura não poderiam faltar. Rogério Dezem discorre sobre a importância do elemento humano para a fotografia de rua, sempre com referências de peso num texto inspiradíssimo. Yuri Bittar apresenta seu projeto Olhares Urbanos, com fotos fantásticas de anônimos nas ruas, e comenta sobre as famosas e divertidas saídas Fotocultura. E não posso me esquecer da seção de cultura, que traz um review do premiado filme “Mil vezes boa noite”. Ufa. Agora, fala aí, isso tudo justifica ou não o preço da EVF? Espero que goste. Bruno Schuveizer Editor


EVF

Edição 4 | Março/ Abril 2015

Editor & Publisher Bruno Schuveizer Redação Rodrigo Cruz Ana Luiza Aragão Colaboradores especiais Glauco Tavares Yuri Bittar Rogério Dezem Stess Panissi Foto de capa Glauco Tavares Agradecimentos especiais Tatiana Espíndola Projeto gráfico Bruno Schuveizer Fale com a redação/ Pautas redacao@revistaevf.com.br Publicidade Anuncie publicidade@revistaevf.com.br Seja um colaborador redacao@revistaevf.com.br Revista EVF Uma publicação da S Mídia

As opiniões em textos assinados não refletem necessariamente as opiniões da revista, podendo ser até contrárias a esta.

Canais www.revistaevf.com.br

Bruno Schuveizer - Mauá, SP


Conteúdo

Glauco Tavares passou 23 dias na Índia e no Nepal e mostra tudo o que viu lá

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As melhores fotos enviadas pelos leitores

Um dia de aprendizado na Rua 33-Espaço de Fotografia

Uma jornada às belezas de duas culturas milenares

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35mm

Discussões, tendências e notícias no mundo da fotografia de rua e documental

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Curso prático na rua

sob a luz do riso

Conheça o jeito alegre de ser e de fotografar de Elliott Erwitt

capa: Índia e Nepal

Perfil: Alexandre URCH

Um dos nomes de mais destaque na fotografia brasileira atual é o perfilado da edição

Glauco Tavares

SUA FOTO


Foto feita por Alexandre Urch, hoje um dos nomes de mais destaque na fotografia brasileira. Urch é o perfilado da edição

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Especial: Foto de rua!

Confira fotografias de rua que não têm pessoas como assunto principal

80 Alexandre Urch

Coluna Provoke(R)

Rogério Dezem discorre sobre o elemento humano em foto de rua

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Yuri Bittar e seu inspirado projeto Olhares Urbanos

Review do filme “Mil vezes boa noite”

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Coluna Fotocultura

cartão de Memória

Uma análise sobre o ensaio de Muhammad Ali feito por Thomas Hoepker

cultura

mutante

Nesta edição, itens de consolação para o italiano que viu o prêmio do WPP escapar

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SUA FOTO #omundoéláfora

Eustáquio Silva

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doto uma perspectiva da cidade como espaço da multiplicidade e o espaço público como meio de encontro das mesmas que a partir do conflito promovem a construção do comum, contudo, as intervenções urbanas, feitas pelo poder público, favorecem apenas os interesses do capital, seja com a especulação imobiliária, ou a construção de vias de acessos, como ruas, viadutos e passarelas que ligue de forma eficiente o trabalhador ao seu posto de trabalho e o transporte de produtos. Assim, o homem vivência espaços privatizados, no qual, rela-

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ciona-se em grande medida com o idêntico a si mesmo, reforçando uma subjetividade individualizada, onde a tragédia edípica se reproduz e impossibilita as mudanças sociais. Essa foto, produzida na cidade de Belo Horizonte, demonstra justamente isso, um indivíduo que cruza uma dessas obras a caminho, talvez, de seu emprego. Dados técnicos Canon EOS REBEL T5 Distância focal: 50mm f/8 | 1/2500 | ISO 100


Caio Machado

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studo jornalismo e fiz estágio nas férias. Fui fazer minha primeira cobertura fotográfica em um amistoso de times da cidade. Estava testando exposições e me deparei com este senhor vendendo pipoca. A foto foi quase que acidental e eu gostei bastante do resultado. A simetria e as cores deram um contraste interessante.

Dados técnicos Nikon 1 V1 Distância focal: 30mm f 5.6 | 1/200 | ISO 100

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SUA FOTO

Pedro Carvalho

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o chegar no final de um curso de fotografia aqui em Belo Horizonte, cada aluno precisava desenvolver um projeto fotográfico, mostrando os conhecimentos adquiridos durante o curso. Não hesitei em nenhum momento em fazer fotografia de rua. Este click, representa um pouco do que eu vivi nas ruas no período de desenvolvimento: paciência, persistência, preocupação com

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luz e composição. Dados Técnicos: Canon T5i Distância focal: 18mm f/3.5 | 1/400 | ISO 100


SUA FOTO

Julio Guimarães (Guima)

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ssa imagem foi registrada em um trem da linha amarela do Metrô de SP. Em determinado momento notei que todas as pessoas haviam saído da composição exceto esse jovem. E por ser uma composição sem divisão entre os vagões, um túnel se formou com esse indivíduo indo para um lugar além do alcance dos meus olhos.

Dados técnicos: Canon t3i Distância Focal: 50mm f2.5 | 1/50 | ISO 200

Envie sua foto! Para ter sua foto aqui, basta postar nas redes sociais utilizando a hashtag #omundoéláfora. Ou mande um e-mail para: redacao@revistaevf.com.br Não se esqueça de um breve relato de como e onde a foto foi feita e dos dados técnicos.

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35 mm

Discusões/ Tendências/ notícias/ Rumores Nesta edição

EM RESUMO

- 1 expedição - 1 perfil - 1 especial - 2 colunas - 100 páginas

Frase de destaque

Tempo gasto pela redação #tentandoentenderoquerola... #... #assistindoadocumentários #sonhandocomumtelescópio

“Pra quê frase de destaque? Ninguém lê ela mesmo...”

-- Bruno, editor da EVF, ignorante ao grande impacto de pequenas palavras.

2015, O que (ainda) vem por aí?

O ano promete. Confira um guia com os principais anúncios e lançamentos do mercado de equipamento digital

Por Rodrigo Cruz

Destaques já anunciados

Canon

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5DsR E 5Ds Ambas as câmeras virão com sensor fullframe de incríveis 50.6 megapixels. deos em 1080p, ISO de 100 a 6400 e a maior resolução das do segmento. A diferença entre elas fica por conta da 5D R possuir um recurso chamado de “efeito de cancelamento”, que remove possíveis borrões das imagens. Expectativa:

Fotos: Divulgação

O ano para a gigante japonesa começou quente. Depois de anunciar o lançamento da PowerShot SX 60 HS e da PowerShot G16 com Wifi integrado, ainda no final de 2014, a Canon anunciou em janeiro o lançamento da EOS 7D Mark II, câmera que movimentou um grande falatório nos sites especializados durante os anos de 2013/14. Outros 2 lançamentos que vão acontecer ainda em 2015 (com previsão para o mês de junho) são as 2 novas câmeras top de linha, a 5DsR e a 5Ds. Ambas as câmeras virão com sensor fullframe de incríveis 50.6 megapixels. As câmeras têm processador de imagens Dual DIGIC 6, uma tela de 3,2 polegadas LCD, autofoco de 61 pontos, recurso de timelapse, NFC, USB 3.0, suporte a cartões CF e SD, ví-


Panasonic A novidade por parte da Panasonic ficou por conta de 2 novas lentes que já estão em pré-venda nos EUA e que devem chegar aqui em Maio. Estamos falando das lentes Lumix G 42.5mm f/1.7 e a Lumix G Macro 30mm f/2.8, ambas projetadas para combinar com o estilo das últimas câmeras Lumix G. Expectativa:

Nikon

Enquanto a sua principal rival atualiza seus modelos de sucesso, a Nikon lançou sua câmera top de linha que promete fotos perfeitas de astros e estrelas, a D810A, que também poderá ser usada para outras aplicações científicas. A câmera permite aos usuários obter imagens nítidas e vibrantes do Universo em alta resolução devido ao seu sensor CMOS de 36,3 megapixels e a gama de ISO que foi otimizada de 200 a 12.800 (podendo ser expandida até 51.200). Outro detalhe que chama a atenção é a poderosa combinação de recursos e resolução voltados para este ramo. O filtro de corte infravermelho (IR) foi aprimorado para transmitir linhas espectrais de alfa hidrogênio, o que resulta em uma sensibilidade quatro vezes maior que o comprimento de onda 656 nm. A previsão de lançamento no Brasil é para o mês de julho. Expectativa:

Fotos: Divulgação

Samsung

Para quem gosta de uma câmera pequena e potente, a Samsung anunciou sua nova câmera, a NX500, depois do grande sucesso da NX 300M no Brasil. A ideia é poder oferecer uma câmera com bons recursos para o uso cotidiano. Apostando em um visual de classe, esta câmera conta com gravação de vídeo em UHD e 4K, conexão Wi-Fi e o recurso de tela flip, para que você tenha maior liberdade na hora de fazer suas imagens. Além disso, ela conta com sensor de alta resolução APS-C BSI de 28MP e as principais funcionalidades da NX1, câmera top da Samsung com foco nos profissionais da fotografia, porém com um corpo bem mais leve. A previsão de chegada no Brasil é para o mês de março.

Expectativa:

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35 mm > Equipamentos Go Pro

Popular para quem gosta de filmagens e também captar cenas de ação, a GoPro tem se popularizado cada vez mais no Brasil também para outros usos. A boa notícia é que a GoPro já está produzindo suas novas câmeras aqui, o que deve deixar o preço de seus produtos até 30% mais baratos. A expectativa pelo lançamento das câmeras HERO (Hero 4 Silver e Hero 4 Black) é alta e isso deve acontecer ainda em março. Essas novas versões contam com configurações bastante atraentes. Enquanto o modelo HERO 4 Silver possui monitor LCD

touchscreen acoplado, que facilita sua usabilidade e sensor de 12 MP com até 30 frames por segundo, fazendo vídeos de 720p a 120 fps até 2,7 K a 30 fps, a HERO 4 Black, modelo mais poderoso da marca, possibilita gravações de filmes em 4K a 30 fps.

Expectativa:

O principal anúncio da empresa japonesa até agora foi a OM-D E-M5 Mark II. Mirrorless com sensor Micro Four Thirds de 16MP, a câmera vem equipada com um potente sistema de estabilização de imagem em 5 eixos e é capaz de compensar até 5 pontos na velocidade do obturador, um ótimo recurso para gravação de vídeos. O lançamento oferece ainda um modo de multi exposição para fotos de 40MP. Neste modo, a câmera utiliza o sistema de deslocamento de sensor para movê-lo em oito posições diferentes e criar uma imagem composta de alta resolução a partir das oito exposições. O modelo é sucessor da OM-D E-M5, de 2013, que ganhou certa popularidade, principalmente entre os praticantes de fotografia de rua, pela qualidade e também pelo jeitão retrô que remete à analógica OM, lançada originalmente em 1972. Expectativa:

BLOCO DE

NOTAS 14

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Notícias e rumores para serem lidos num piscar de olhos

Agora, sim. Após a polêmica envolvendo a revogação do prêmio World Press Photo, o mais importante concurso de fotojornalismo do mundo, para o italiano Giovanni Troilo, por ele ter mentido, o dinamarquês Mads Nissen acabou conquistando o prêmio oficilamente.

Fotos: Divulgação

Olympus


35 mm > Discussão Discussão

De quanto em quanto tempo você troca de equipamento? Por quê?

Fuji: Mirrorlessrumors/ Reprodução / 4k: Shutterstock / Ilustração: Freepik

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om a velocidade com que a tecnologia avança, fica difícil acompanhar o mercado de equipamentos digitais. Na área da fotografia, a cada ano, surgem novas câmeras, lentes e acessórios. Em meio a tantos lançamentos, fica difícil escolher para onde ir ou se é melhor ficar. Se, por um lado, trocar constantemente de equipamento proporciona sempre usar o que há de melhor no mercado, por outro, ficar com a mesma câmera por um tempo a mais nos deixa mais familiarizado, o que pode ser um bom argumento quando o assunto é fotografia de rua. Claro, também há a questão financeira. Afinal, lançamentos são sempre caros, principalmente em terras tupiniquins. As perguntas não acabam por ai, outras questões fundamentais que quem está nesse dilema deve se fazer é: qual é o meu objetivo Rumor: Fuji X-T10 A “mini X-T1” pode ser lançada ainda em junho. Se for verdade, A X-T10 será uma versão menos completa e mais barata da sua irmã.

com a fotografia? Pretendo me profissionalizar? O que um novo modelo de câmera mudaria no meu trabalho? O meu atual equipamento me atende bem? As respostas variam muito de pessoa para pessoa e não há certo ou errado, mas, sim, o que é melhor para cada um. Muitos, por puro impulso, renovam seus equipamentos sem a menor necessidade. Um erro que pode implicar em deixar de desenvolver determinados projetos -- que poderiam ser feitos com o equipamento antigo -- por destinarem o orçamento de forma equivocada. Numa sociedade onde um dos conceitos mais presentes é o do “descartável”, essa escolha deve ficar à critério do fotógrafo, que deve estar consciente das suas reais necessidades. Para não cometer o erro de se preocupar mais em ter do que ser, esse já velho clichê que todos conhecem, mas que poucos pensam a respeito. EVF 4k nas mirrorless De acordo com o site mirrorlessrumors.com, a sucessora da Panasonic GX7 (GX8?) e a Fuji X-Pro2 contarão com a tecnologia.

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Curso prático na rua

Ganhe um curso

Em toda edição, a EVF e a Rua 3 3 convidam um leit or para um curso gratuito de um d ia em São Paulo . Envie um e-mail para redacao@revista evf.com.br

A descoberta das ruas Fotos: Rodrigo Furlan Escórcio

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odemos dizer que a fotografia de rua é uma descoberta. Dessas que mudam a nossa forma de ver o mundo. Rodrigo Furlan, que fez o curso na Rua 33, é uma prova disso. Por gostar de tecnologia, Rodrigo, também sempre teve um gosto natural por equipamentos, e, por muito tempo,

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se preocupou apenas com questões técnicas de exposição e enquadramento. No entanto, recentemente, começou a perceber que para que sua fotografia alcançasse outro patamar, seria preciso investir também em referências. “Por muito tempo levei em consideração que uma boa fotografia era apenas uma fo-


tografia tecnicamente “correta”: fotometria, abertura, velocidade, ISO e composição como ensinam as teorias. Mas, de 2 anos para cá, insatisfeito com minhas fotografias “corretas” tecnicamente mas com pouco conteúdo, comecei a pesquisar e estudar fotógrafos, reconhecidos ou não, e entender suas linguagens e estilos”, conta Furlan. Dessa forma não demorou até que a fotografia de rua o conquistasse. “Foi quando comecei a construir minhas referências. Entendi a importância da sensibilidade, do momento

O aluno Trabalha com gestão de projetos de TI. Começou a fotografar aos 15 anos, com uma YASCHICA FXRodrigo D, 50mm. Desde Furlan então a fotograEscórcio fia tem sido um de seus maiores hobbys. Começou a pesquisar e estudar fotógrafos, reconhecidos ou não, e entender suas linguagens e estilos, para construir suas próprias referências. A fotografia de rua foi uma descoberta recente, mas já se tornou uma grande paixão do fotógrafo.

O professor Simpatizante da fotografia desde muito jovem, foi apenas em 2009 que a fotografia de rua tornou-se sua paixão e desejou tê-la como Glauco parte de sua hisTavares tória. Motivado pela fundação de sua Organização Humanitária, aprofundou seus estudos e criou projetos em parceria com a SHSF e, em 2014, fundou o espaço de fotografia RUA 33 com foco em fotografia de rua. Fator humano Para Rodrigo, a diferença crucial entre a feira livre e o supermercado está no fato de que, na feira, a evidência do fator humano revela-se nitidamente.

Site:

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Curso prático na rua

O Sr. dos Caixotes: muito trabalho, organização e cuidado para que tudo fique em ordem. decisivo do clique, do olhar descondicionado, de enxergar aquilo que normalmente não se vê, e de registrar em uma sensação, um sentimento, um pedaço da vida”, lembra. “E depois de tanto tempo, é aqui que começa minha fotografia”, completa. E o curso de fotografia de rua na Rua 33 – Espaço de Fotografia, uma escola especializada nessa prática, ajudou bastante no início dessa nova jornada na fotografia. Entre os temas abordados, estão: história da fotografia de rua, onde são apresentadas referências importantes do presente e do passado; onde e o que fotografar; o que pode ou não na fotografia de rua, com base nas leis de direito de imagem e direito autoral; como usar suas fo-

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tos para se autopromover e divulgar; escolha do PB ou colorido; como perder o medo de fotografar pessoas nas ruas. Isso acompanhado de duas saídas fotográficas para pôr em prática o que foi discutido no curso. Durante todo o curso, Rodrigo demonstrou grande interesse e fez questão de não perder nada que o Glauco passou. Nas saídas não foi diferente, e, como já dominava a técnica, conseguiu fotos de rua muito interessantes, como a em que ele flagrou uma situação inusitada: Um ciclista passando tranquilamente por um carro quebrado, com o capô aberto e homens tentando resolver o problema. De agora em diante, ele garante: “Não deixarei mais de fazer fotografia de rua!”


curso prático na rua O aluno comenta o curso Esperava que o curso Fotografia de Rua, na Rua 33, fosse mais um curso comum, como alguns que venho fazendo: cumprir apostila, um bate papo informal e alguma prática. Fui em busca basicamente do que pode, do que pode mas não deve, e do que não pode ser feito nas ruas. Mas minhas expectativas foram superadas logo de cara. Acho que o diferencial do curso -- e o que mais me chamou a atenção -- foi a facilidade com que o Glauco Tavares trouxe e compartilhou sua experiência prática em fotografia de rua. A apostila é ótima, o conteúdo é enxuto e sem excessos, mas, sem dúvida, foram a transparência e a generosidade com as

quais o Glauco compartilhou seu conhecimento e experiência que foram os diferenciais. Já saí de muito curso sabendo que tinha algo a mais pra ser dito, mas que, por vaidades ou inseguranças, não foram passadas pelo instrutor. Descobri que de uma forma ou de outra, inconscientemente, já fazia um pouco de fotografia de rua, e que será esse meu caminho na fotografia daqui pra frente, pois vem de encontro a muitas coisas que me atraem: a liberdade das ruas, gente, diversidades e expressões do cotidiano, os cheiros, as sensações e momentos da vida acontecendo ali na sua cara, ao vivo e a cores.

Na estrada Um “escritório” móvel e funcional. Moderno, conceitualmente falando...

Conheça mais sobre a Rua 33: São diversos cursos, saídas, expedições, tudo voltado para fotografia de rua.

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Sob a luz do riso

Elliott Erwitt e seu jeito alegre de ser e de fotografar Por: Stess Panissi

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Elliott Erwitt

capacidade única de arrancar sorrisos, Elliott Erwitt apresentou ao mundo uma fotografia crua, leve e divertida. E depois de mais de 50 anos de carreira, continua mostrando que o simples pode ser genial.

Elliott ama cachorros e crianças. Essa pequena e simpática descrição encontrada no site oficial do fotógrafo diz muito sobre sua postura diante da vida e sobre a visão que coloca em suas imagens. Seus filmes em preto e branco carregam sempre o espontâneo, os momentos cômicos, as surpresas, as ironias com o proibido e com o conservador, e a condição humana em uma face mais descontraída. Fotos posadas, artificiais e manipuladas nunca fizeram parte de seu repertório. Mesmo que diretamente influenciado por Henri Cartier-Bresson e outros colegas contemporâneos da agência Magnum, Erwitt adotou uma identidade singular, preferindo o cômico ao trágico. Filho de judeus-russos, nasceu na França, cresceu na Itália e se mudou para os Estados Unidos aos 11 anos de idade. Começou a fotografar ainda adolescente, e desde cedo sabia enxergar a graça das pequenas coisas. O artista aprendeu

a técnica lendo as instruções na caixa dos filmes e costuma dizer que você não estuda fotografia, você simplesmente faz. O que sabe vem da observação de filmes, pinturas, desenhos, fotos, esculturas e de tudo que é visual. Apesar de dispensar formalidades, a maneira de construção de suas imagens tem muito do “momento decisivo” de Bresson. O conceito se resume na fração de segundo em que todos os elementos entram em equilíbrio e a cena atinge o seu ápice. Tudo na vida tem um momento decisivo. Quando se está em busca dele, o fotógrafo deve ser como um maestro, cumprindo a tarefa de conduzir o conjunto para que a mágica aconteça. Nesta busca, é essencial experimentar perspectivas e ângulos, e esperar algo que esteja faltando entre e complete o enquadramento. Uma boa foto não nasce sem a gentileza de esperar e experimentar. Quando a imagem enfim se arranja, é preciso apertar o botão do obturador sem atra-

Acima de todas as outras habilidades de Erwitt, está a capacidade de ver embaixo da poeira e fazer imagens históricas com elementos comuns em lugares comuns

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Na dupla anterior: Elliott Erwitt/ Magnum Photos/ Divulgação

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ono de um olhar brincalhão e uma


Elliott Erwitt

Elliott Erwitt/ Magnum Photos/ Divulgação

Nova Iorque, EUA. 2000.

sar ou adiantar um único segundo para não perder este instante orgástico, porque uma vez que você o deixa ir, ele desaparece para sempre. Cartier-Bresson não foi o único fotojornalista histórico que influenciou o destino do jovem fotógrafo. Enquanto cumpria o serviço militar, para o qual foi convocado em 1951, Erwitt realizou várias funções fotográficas nas bases da Alemanha e da França. Depois de acabar as tarefas com o Tio Sam, retornou aos EUA e conheceu Robert Capa e Roy Stryker, que mu-

daram significativamente seus caminhos fotográficos. Stryker o contratou para seu primeiro grande trabalho, na Standard Oil Company, que seria o pontapé inicial para fotografar projetos pelo mundo. E Capa, um dos fundadores da famosa Magnum Photos, o convidou para se juntar ao time em 1953. Se você pensar em uma foto icônica, as chances dela ter sido produzida por esta agência são bem grandes. A prestigiada cooperativa ajuda desde 1947 a humanidade a construir sua história através de imagens, e faz com que as futuras gera- >> EVF_MAR/ ABR

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Elliott Erwitt

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costuma ser exatamente esse. Elliott garante que seu único segredo é sair de casa sem planejamento e apenas registrar o que interessa no momento. Já dizia o velho Jazz de Ella Fitzgerald que não importa o que você faz, mas como você faz (T’ain’t What You Do, It’s the Way That You Do It). Seu interesse atrás das câmeras também se estende para o movimento. O fotógrafo foi diretor de filmes e documentários, incluindo Red, White and Blue Grass (1973), Arthur Penn: the Director (1970) e o premiado Glassmakers of Heart, Afghanistan (1977), assim

Ironia em cores De saco cheio dos exageros das produções fotográficas dos dias de hoje, Elliot lançou um livro em cores para satirizar a situação e defender que a fotografia tem que ser o que é, não o que foi manipulado na tela do computador. Para separar este trabalho do que normalmente faz, publicou a obra sob o alterego de André S. Solidor, definido por ele como “um artista contemporâneo, proveniente de alguma das colônias francesas no Caribe, não lembro qual”. O personagem adora nudez gratuita, animais mortos e sua própria imagem. “The Art Of Andre S. Solidor a.k.a Elliott Erwitt” foi lançado em 2009 e é uma sátira completa sobre os “artistas” extravagantes e pretensiosos da era digital.

Divulgação

ções possam estar diante de acontecimentos, lugares e pessoas determinantes do passado. Mais tarde, no final dos anos 60, Elliott foi presidente da agência por três mandatos, e continua sendo membro até os dias de hoje. Como freelancer, produziu trabalhos para as revistas Collier’s, Look, Life e Holiday. Dizem por aí que para conseguir uma boa foto é preciso estar na hora certa no lugar certo. Não dá para negar que um pouco de sorte sempre ajuda, mas há fatores que devem ser trabalhados antes mesmo de pegar a câmera na mão. A cabeça tem que estar treinada para dar significado àquilo que se quer mostrar, porque a estética conta, mas desacompanhada de conteúdo, ela é apenas um recipiente vazio flutuando sem sentido em um mundo já tão saturado de imagens. Em uma entrevista para a Folha de São Paulo feita em 2009, quando indagado sobre o que é uma boa fotografia, Elliot respondeu que “tem que ser bem composta, ter alguma substância e algum tipo de magia que não se pode explicar. Hoje as pessoas são muito desajeitadas ao fotografar. Certo formalismo ainda é importante, mas conteúdo também. Só as fotos que tem os dois são memoráveis.” Acima de todas as outras habilidades de Erwitt, está a capacidade de ver embaixo da poeira e fazer imagens históricas com elementos comuns em lugares comuns. Ele frequentava os mesmos passeios que os apressados para chegar ao trabalho, que a moças atentas aos vestidos na vitrine, e que todas as outras pessoas donas de olhos ocupados demais para perceberem a beleza da espontaneidade cotidiana. Mesmo assim, soube captar o interessante no ordinário. Os fotógrafos tendem a sair nas ruas obcecados pelo “homem que morde o cachorro”, procurando sempre acontecimentos extraordinários e inéditos para registrar, mas o caminho de uma boa foto não


Elliott Erwitt

Elliott Erwitt/ Magnum Photos/ Divulgação

Carolina do Norte, EUA. 1950.

como algumas comédias dos anos 80. Também trabalhou para o longa Bob Dylan: No Direction Home (2005) e para o Get Ya Ya’s Out Yer (2009). Relacionadas a sua formação em cinema estão suas famosas sequências, também conhecidas como flicks, que são fotografias que se completam, formam uma narração contínua e contam pequenas histórias em dois ou três quadros. Apesar de se manter fiel ao seu estilo, Erwitt também sabe como ser versátil e se dá bem

em todas as áreas que arrisca. Seu portfólio inclui até trabalhos de publicidade e de moda. A foto “Segregated Water Fountains” (Fontes de Água Segregadas), tirada em 1950 na Carolina do Norte, virou um símbolo dos direitos humanos. A imagem mostra um bebedouro de água para os brancos, separado de outro menor, para os negros, e representa a injustiça da segregação racial vivida na América daqueles tempos. Suas lentes também estavam acostumadas a retratos, afinal personalidades como >> EVF_MAR/ ABR

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Elliott Erwitt

Nova Iorque, EUA. 1946.

Elliot Erwitt é difícil de ser encaixado em uma categoria. É feliz demais para a fotografia de rua, divertido demais para o fotojornalismo e subjetivo demais para a fotografia documental 28

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Marilyn Monroe, Jack Kerouac, Che Guevara, Andy Warhol e Arnold Schwarzenegger foram clicadas por Elliott. Até Richard Nixon chegou a usar em cartazes de sua campanha presidencial de 1959 uma imagem icônica feita pelo fotógrafo, em que cutucava Nikita Khrushchev em uma acalorada discussão. Mas mesmo em contato com tanta gente famosa, o fotógrafo deixou claro sua preferência pelos modelos mais simpáticos e peludos deste mundo: os cachorros. Entre os livros que lançou, quatro deles são exclusivamente dedicados à foto-


Elliott Erwitt >>

Elliott também registrou grandes celebridades, como Marilyn Monroe e muitos outros.

Fotos: Elliott Erwitt/ Magnum Photos/ Divulgação - Retrato de Elliott: David Kregenow

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Cenas cômicas sempre fizeram parte do portfólio do fotógrafo.

Elliott Erwitt em 2011

grafia de cães: Dog Dogs, To the Dogs, Son of bitch e Woof. Definidos por ele como criaturas dóceis, descomplicadas e que não pedem cópias depois de serem retratados, os bichinhos estão presentes em inúmeras imagens do artista. Elliot Erwitt é difícil de ser encaixado em uma categoria. É feliz demais para a fotografia de rua, divertido demais para o fotojornalismo e subjetivo demais para a fotografia documental. Com um trabalho autêntico e atemporal, foi confirmando seu status de

lenda da fotografia ao longo do tempo. E suas obras são um escape do nosso mundo mal humorado, em que tudo é levado muito a sério. Em seu extenso currículo, conquistou espaço não somente nas maiores galerias e museus do mundo, mas sem dúvidas também no coração de muitas pessoas. O adorável senhor que hoje tem cabelos brancos, 86 anos e um óculos de armação preta pendurado no nariz, continua influenciando e inspirando fotógrafos em todos os cantos. EVF_MAR/ ABR

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As belezas da

Índia NEPAL

e do

Descubra porque esses dois países são verdadeiros paraísos da fotografia de rua e documental Texto e fotos: Glauco Tavares

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o dia 4 de janeiro deste ano começava minha oitava viagem a esta região. Ao longo dos últimos anos tenho levado grupos para conhecerem um dos berços da humanidade e captarem em imagens e sentimentos a beleza, diversidade e contrastes que as culturas indiana e nepalesa nos oferece. Foram ao todo 23 dias de viagem e com muita fotografia de rua e documental.

São, nada mais nada menos, que 20 horas de viagem. Isso significa dormir, acordar, comer, dormir, acordar, comer, dormir, acordar e descer. Isso falando apenas do primeiro trecho da viagem, o mais longo por sinal, 14h30 de voo. Sempre há uma escala, que este ano foi em Abu Dhabi e, diga-se de passagem, o aeroporto de Abu Dhabi é fantástico, assim como o de Dubai e também o de Nova Déli. Daria para ficar dentro destes aeroportos alguns dias passeando, jantando, descansando e usando a internet. Mas, enfim, o roteiro da viagem não inclui dias de vivência em aeroportos, afinal esse não é o filme “O terminal”. Seguimos mais um trecho, este curto, de apenas três horas e meia de voo para a capital financeira e sede oficial do governo da índia, Déli. Seguida por Mumbai, Déli é uma das duas cidades mais importantes da Índia. Chegamos ao aeroporto internacional Indira Gandhi às duas e pouco da manhã do dia 6 de Janeiro. Por causa do fuso horário, de sete horas e meia, nosso organismo fica meio “perdido”. Mas isso não atrapalha em nada a viagem.

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Tiramos o primeiro dia em Nova Déli para descansar desta maratona aérea. Mas, no final da tarde, levo quem ainda está no pique para conhecer Connaught Place e Janpath Market. Ambos são centros comerciais onde tudo que há para vender na Índia há nestes dois lugares. Tudo preparado para, no dia 07, pela manhã, embarcarmos para Catmandu, no Nepal. Este voo é curto, em apenas uma hora e meia lá chegamos. Quando descemos do avião ficamos na dúvida se ele parou em um aeroporto ou em uma rodoviária. Ficamos dois dias na cidade. O Nepal é um país asiático que fica na região dos Himalaias. Sim, dá para fazer um passeio de avião e chegar bem perto do Everest, é fantástico. O país faz fronteira ao norte com o Tibete, hoje dominado pelos chineses, e a leste, sul e oeste pela Índia. Sua capital atualmente é Catmandu, onde estamos. No dia seguinte partimos para um tour pela cidade e visitamos lugares especiais. Um deles é o Swayambhunath Stupa. Sim, é difícil de repetir o nome, mas garanto que é um


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The Monkey Temple (templo dos macacos), Nepal. Homens pintando a base da estupa que é o marco central deste complexo e um dos grandes ícones do budismo. Estupas marcam locais sagrados para a tradição budista e há estupas de diversas formas.

lugar muito fácil para guardar na memória. Situado no topo de uma colina em um vale em Catmandu, é um complexo religioso, principalmente budista, embora haja espaços para deidades hindus também. Para chegarmos ao topo precisamos escolher a forma como subiremos: uma escadaria com 365 degraus – onde você ganha um kit de sobrevivência –, ou uma com apenas 50. Claro que o Kit de sobrevivência é brincadeira, mas a primeira opção oferece uma subida belíssima e é muito utilizada por peregrinos, principalmente refugiados tibetanos. Bem, no final das contas, dessa vez ficamos com a segunda opção. O lugar é belíssimo e chamado também de The Monkey Temple (templo dos macacos) e não é a toa, pois são muitos macacos espa-

lhados pelo lugar vivendo em plena harmonia com os visitantes. Harmonia, claro, se você não chegar lá com uma sacola de bananas. Lá pude fazer novamente várias fotos, como a que retrata o momento em que homens pintavam a base da estupa que é o marco central deste complexo e um dos grandes ícones do budismo. Estupas marcam locais sagrados para a tradição budista e há estupas de diversas formas. Em torno desta estupa e ao longo do complexo há vários monumentos, lojas, monastérios budistas, rodas de oração, locais para acendermos nossos incensos e velas, além de pequenos templos. Na descida deste templo é comum nos depararmos com pessoas, em sua grande maioria mulheres, carregando, nas costas, areia, >>

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Dois monges (acima), próximos ao The Monkey Temple. Com as mãos cerradas, um deles parece que está pronto para a briga, mas na verdade ele estava apenas fazendo massagem nas costas do outro. Garanto que não apanhei. Na descida deste templo é comum nos depararmos com mulheres (abaixo) subindo as escadarias carregando areia, folhas e, às vezes, pedras para construções que são realizadas no alto do templo.

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Bodhnath é a maior e mais sagrada estupa de todo o Nepal. Criou-se uma grande comunidade em torno dela e hoje é cercada por mais de 50 monastérios e lojas, além de ser um monumento tombado pelo Patrimônio Histórico Mundial da Unesco desde 1979.

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folhas e, às vezes, pedras para construções que são realizadas no alto do templo. Deixando este complexo fomos direto a um outro lugar muito importante em Catmandu e de visita obrigatória por quem passa na cidade, chama-se Bodhnath. Também grafada como Boudhanath Stupa, é a maior estupa e mais sagrada de todo o Nepal. Criou-se uma grande comunidade em torno dela e hoje é cercada por mais de 50 monastérios e lojas, além de ser um monumento tombado pelo Patrimônio Histórico Mundial da Unesco desde 1979. Os olhos que vemos nas estupas, assim como em Swayambhunath Stupa, são chamados de “olhos de Buda”. Um símbolo que está presente nas quatro faces intermediárias

da estupa e tem como significado a sabedoria, compaixão e também a omnisciência de um Buda, uma vez que está olhando para todas as direções. Ali, naquele lugar, nós respiramos a religiosidade! É grande o número de nepaleses budistas e visitantes, além dos refugiados e monges, que dão voltas e voltas em torno da estupa, sempre no sentido horário, entoando suas orações, preces e mantras na companhia de seus malas, uma espécie de terço para a tradição católica. Enfim, nem preciso dizer que é um lugar espetacular para fotografar. Porém eu preciso alertar uma coisa: cautela e principalmente respeito são ótimos companheiros nestes lugares. Há algum tempo fotografando lugares

Momento de reflexão:

você chegou a se perguntar por que estes países? Se a resposta for negativa você pode pular este box e continuar sua leitura. Se a resposta for sim, segue a explicação:

O nosso foco aqui é a fotografia de rua, e o meu lá também foi. Neste quesito, ambos os países são obras primas para esta prática. Um dos motivos, e talvez o principal, seja realmente as pessoas. Sim, gente! Em todas as 8 vezes que estive por lá acredito que dê para contar em uma mão o número de pessoas que não gostaram de ser fotografadas, ou seja, o povo é muito cordial e simpático. Mesmo em algumas fotos nas quais as pessoas estão de cara fechada, após o click normalmente elas dão um sorriso. Isso se dá pois tento fazer a foto antes da reação e isso os pega de surpresa. Sejam eles indianos,

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tibetanos ou nepaleses, todos respondem bem quando apontamos uma câmera para eles. Porém, para nossa prática de fotografia de rua, receber uma autorização antes de fazermos a foto pode ser bom ou não. E citando apenas mais um ponto, que nos faz admirar o que há por lá, é a cultura. Ambos os países têm uma tradição, seguem algo milenar, e nos convidam a participar disso, uma vez que somos flâneurs, ou seja, caminhamos pelas cidades com o objetivo de experimentá-las através de nossos sentidos. E o que mais encontramos por lá são formas de experimentar o cotidiano.


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onde pessoas estão manifestando sua fé, seja ela budista, sikhi, hindu, católica, muçulmana ou qualquer outra fé. Aprendi que estas pessoas merecem muito respeito por parte de quem os fotografa, independente de sua crença. Após mais um passeio pela cidade, onde registrarmos imagens que saltam aos olhos para a fotografia de rua voltamos ao hotel para descansarmos, pois no dia seguinte viajaríamos para Pokhara. Ah, Pokhara!!! Pokhara é uma cidade localizada a 200 quilômetros de Catmandu e vamos para lá de avião. Um voo tranquilo, com uma duração de apenas 35 minutos. Foi bem tranquilo mesmo, pois no avião só havia o nosso grupo. Pokhara é um lugar encantador, considerada como a terceira cidade mais populosa do Nepal está localizada aos pés de Annapurna,

uma montanha da cordilheira do Himalaia, que é a décima mais alta montanha da Terra. Para completar o cenário encantador, há um lago, chamado Phewa Lake, que reflete as geleiras do Himalaia e onde fizemos um passeio de barco para desfrutarmos da beleza e energia deste lugar. Andando pelas ruas de Pokhara, e pela margem de Phewa Lake, é possível presenciar belas cenas urbanas que são um convite à fotografia. Avistamos a construção de barcos – sim, os mesmos barcos que nos levam ao centro do lago, por isso é melhor não tirar a atenção deles –, mulheres lavando suas roupas, crianças pulando e se divertindo com as bolhas de ar que ficam sobre o lago, jovens lavando seus cabelos e deixando a henna para trás e também uma partida de futebol >> EVF_MAR/ ABR

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Em Boudhanath Stupa, no Nepal, nós respiramos a religiosidade! É grande o número de nepaleses budistas e visitantes, além dos refugiados e monges, que dão voltas e voltas em torno da estupa, sempre no sentido horário, entoando suas orações, preces e mantras na companhia de seus malas, uma espécie de terço para a tradição católica.

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Respeito O Nepal é um lugar espetacular para fotografar. Porém cautela e, principalmente, respeito são ótimos companheiros nestes lugares. Lugares onde pessoas estão manifestando sua fé, seja ela budista, sikhi, hindu, católica, muçulmana ou qualquer outra, merecem muito respeito por parte de quem os fotografa.

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O lago Phewa Lake (acima), que reflete as geleiras do Himalaia, é um lugar cheio de beleza e de boa energia. Sarangkot (abaixo) é uma montanha habitável, um grande vilarejo na verdade, que oferece uma deslumbrante paisagem, principalmente ao amanhecer, quando avistamos o sol nascendo e iluminando as geleiras do Himalaia e a montanha Annapurna. A sensação de estar ali é algo indescritível, assim como a sensação de frio também.

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Para os mais aventureiros, Pokhara é o lugar ideal, desde parapente, paraglider, além de treekings mais ou menos radicais. nas margens do lago onde está presente a fé, pois eles rezam para ninguém chutar a bola para o lago. Já nas ruas, somos espectadores de cenas cotidianas e, enquanto fotógrafos de rua, somos atraídos. Crianças brincando e alertando que a bola vai bater em você, nas casas de câmbio espalhadas pela cidade os atendentes aguardam os turistas para trocarem seus dólares, e, diga-se de passagem, que 1 Dólar equivale a 96 Rupias Nepalesas. Para você ter uma ideia do valor disso, uma garrafa de água mineral custa em torno de 20 Rupias, ou seja, com 1 Dólar você compra praticamente cinco garrafas. E, claro, uma infinidade de cenas corriqueiras que são congeladas e eternizadas num clique. Para os mais aventureiros, Pokhara é o lugar ideal, desde parapente, paraglider e to-

dos os tipos de para alguma coisa, além de trekkings mais ou menos radicais. Optamos por uma mistura de remo e trekking. Digo remo pois podemos escolher remar para atravessarmos o Phewa Lake, uma remada de aproximadamente 45 minutos que, para os não acostumados como eu, podem ficar sem forças para apertar o botão da câmera após a travessia por causa da tremedeira e dor nos braços. Enfim, mas saiba que se você decidiu remar, ainda não é o fim e sempre pode piorar, ou seja, descendo do barco optamos por encarar uma trilha de 1 hora e meia de subida, sim, lembre-se disso, su-bi-da. Se você optar por remar e subir, e não estiver preparado para isso, vai chegar lá em cima sem sentir as pernas e os braços e o pior: sem força para fazer as fotos, pois seus dedos não obedecerão e sua mão vai tremer. Mas, se op- >> EVF_MAR/ ABR

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Capa: Expedição à Ásia - Índia e Nepal tar por apenas subir, menos mal, conseguirá ficar sentado e fazer boas fotos. Brincadeiras à parte, esse passeio é incrível, pois nos leva a um famoso templo de Pokhara, chamado de Stupa da Paz. Construída em 1996, o templo fica localizado no topo de uma colina, a 1.113 metros de altitude, onde temos uma vista impressionante. Ao chegar temos a sensação de que todo esforço valeu a pena. Podemos esco-

prepararmos para conhecer um dos campos de refugiados tibetanos. O Tibet foi invadido pelos chineses em 1949 e hoje é controlado pelo governo chinês. Por isso, muitos tibetanos deixaram o país buscando refúgio em países próximos, como o Nepal e a Índia. Assim como fez a Sua Santidade Dalai Lama, que atravessou as montanhas do Himalaia buscando refúgio na Índia e se instalou em Dharamsala – Fomos para lá também, daqui a pouco falo sobre. Neste campo de refugiados, que existe há aproximadamente 40 anos, há uma grande vila com escola, mosteiros e muito artesanato, fabricado pelos próprios moradores e monges. Eles vivem basicamente deste artesanato vendido aos turistas. Agora, falando especificamente sobre cuidados ao fotografar, aí está um lugar onde o respeito, que passa pelo cuidado, é muito importante. Evitei fotografar os refugiados em suas casas ou em suas lojas, ali, naquele campo, pois muitos não querem ser identificados já que saíram fugidos de sua terra natal e temem pela sua vida e de sua família. Aproveitei então para fotografar apenas o campo, mas um campo de futebol mesmo, onde alguns nepaleses e tibetanos iniciavam o aquecimento para uma partida. Aproveitei, entre uma foto e outra que fui autorizado, para bater uma bolinha com eles e desenferrujar. Pronto, tiramos mais um dia de descanso em Pokhara e recarregamos as baterias para voltarmos à Catmandu, mais um voo em aeronave de pequeno porte e com duração de 35 minutos. Em Catmandu fomos novamente para o hotel, para, no dia seguinte bem cedo, seguirmos para a rodoviária, ou melhor, para

Campo de refugiados tibetanos no Nepal: Falando especificamente sobre cuidados ao fotografar, aí está um lugar onde o respeito, que passa pelo cuidado, é muito importante. lher chegar neste local também de carro, mas resolvemos seguir pela trilha por causa da vista que temos ao longo do caminho e pelo prazer de caminhar e contemplar. Mas lembre-se: fique atento às indicações das placas! No dia seguinte, por volta das seis horas da manhã, e antes do sol nascer, saímos do hotel para subirmos de carro até a parte de uma montanha chamada Sarangkot. Uma montanha habitável, um grande vilarejo na verdade, que oferece uma deslumbrante paisagem, principalmente ao amanhecer quando avistamos o sol nascendo e iluminando as geleiras do Himalaia e a montanha Annapurna. A sensação de estar ali é algo indescritível, assim como a sensação de frio também. Após este espetáculo, e depois de retomarmos os movimentos, voltamos ao hotel para tomarmos nosso café da manhã e nos

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Capa: Expedição à Ásia - Índia e Nepal o aeroporto de Catmandu e voltarmos à Índia, mas agora entrando pela cidade de Varanasi, num voo curto de apenas 1 hora e meia. Para tudo! Se você leu até aqui é hora de parar, respirar, tomar uma água pois este é um momento de voltarmos no tempo. Varanasi – ou Benares e Banaras – é uma das cidades mais antigas do mundo e até mesmo alguns afirmam ser a primeira cidade pós-diluviana do mundo. É um lugar mágico, caótico e encantador. A cidade fica às margens do Rio Ganges, onde exatamente tudo acontece, você verá. O aeroporto é belíssimo, mas sair do aeroporto e chegar ao hotel é quase como entrarmos em outro planeta. Para você ter uma ideia, para percorrermos 15 quilômetros entre o aeroporto e o hotel precisamos de 1 hora e 30 minutos. E isso passa até pelo fato de eu descer do ônibus e ajudar os motoristas a saírem de um congestionamento, parando o trânsito, direcionando outros e assim por diante. Ah, quando digo direcionar os outros significa também encaminhar vacas, tuk-tuks – aqueles carrinhos motorizados que mais parecem uma moto com carroceria –, rikishas – bicicletas que levam dois por vez –, motos, bicicletas individuais, carros, ônibus, caminhões e tudo que você imaginar que se mexe. Como o voo de Catmandu para Varanasi atrasou três horas, chegamos no final da tarde e resolvemos ir diretamente para o hotel para descansarmos. O hotel, claro, é ótimo como todos os outros que ficamos em todas as cidades, padrão quatro e cinco estrelas, com ótimas acomodações e uma ótima cozinha. Após uma noite de descanso, nos preparamos para ficar três dias nesta cidade. O primei-

ro compromisso nosso é realizar um passeio de barco pelo Rio Ganges, ou Mother Ganga como é conhecido, para assistirmos ao nascer do Sol do barco e avistarmos os indianos realizando os mais diversos rituais nas margens do rio. Já fui para esta cidade 8 vezes, sendo que em 6 delas eu consegui assistir ao nascer do sol do barco, apenas no ano passado e neste não conseguimos, a neblina era muita e se estendeu por quase o dia todo. Aproveitando para fazer algumas fotos de dentro do barco ficamos por quase 30 minutos próximos a uma das escadarias do Ganges para assistirmos a mais uma manifestação de fé, agora hindu. Nestas escadarias é onde tudo acontece e uma das partes que considero mais interessantes da viagem, principalmente para quem gosta de fotografar. As possibilidades neste lugar são infinitas. São nestas escadarias que tudo acontece e não precisa de muito tempo para perceber isso. Alguns minutos de caminhada e já nos deparamos com situações incomuns aos nossos olhos ocidentais. Pessoas tomando banho no rio Ganges, que é considerado um local não muito limpo, se assim podemos dizer, pois é o mesmo rio onde as pessoas jogam as cinzas dos cremados, os búfalos tomam banho, e onde corpos de crianças e gestantes mortos são jogados inteiros neste rio pois não podem ser cremados, enfim, tantas outras formas de contaminar a água. Mas, mesmo assim, com base na fé e por tratar-se de um rio sagrado aos hindus, eles, além do banho, bebem água, banham-se como uma forma de ritual diário, fazem suas orações, acendem suas velas e dedicam a mother ganga, lavam suas roupas e aproveitam para brincar um pouco também. Ao longo destas escadarias, numa extensão de quase 7 quilômetros, também pode- >> EVF_MAR/ ABR

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Neste campo de refugiados tibetanos no Nepal, que existe hรก aproximadamente 40 anos, hรก uma grande vila com escola, mosteiros e muito artesanato. Aproveitei para fotografar o campo de futebol (acima), onde alguns nepaleses e tibetanos iniciavam o aquecimento para uma partida. Aproveitei para bater uma bolinha com eles e desenferrujar (abaixo).

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Entre o aeroporto da cidade indiana Varanasi e o hotel, levamos uma hora e meia para percorrer 15 quilômetros. Isso porque enfrentamos um congestionamento de vacas, rikishas – bicicletas que levam dois por vez (acima), motos, bicicletas individuais, carros, ônibus, caminhões e tudo que você imaginar que se mexe. Indianos realizam os mais diversos rituais nas margens do rio Ganges, como, por exemplo, este senhor (abaixo), que é devoto do Deus Shiva, o terceiro Deus da tradição hindu conhecido como Deus da transformação.

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Aproveitando para fazer algumas fotos de dentro do barco, ficamos por quase 30 minutos próximos a uma das escadarias do Ganges para assistirmos a mais uma manifestação de fé, agora hindu (acima). Homem toma banho neste no Ganges que é considerado um rio não muito limpo

(abaixo).

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Nestas escadarias (acima) é onde tudo acontece e uma das partes que considero mais interessantes da viagem, principalmente para quem gosta de fotografar. As possibilidades neste lugar são infinitas. Com base na fé e por tratar-se de um rio sagrado aos Hindus, pessoas bebem água, banham-se como uma forma de ritual diário e fazem suas orações (abaixo).

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O imponente Taj Mahal. Este monumento, finalizado em 1654 pelo imperador mogul Shah Jahan, serviu à sua esposa preferida, quando esta não sobreviveu ao parto de seu décimo quarto filho. Desolado com a perda de sua amada, o poderoso rei ordenou a construção de um enorme mausoléu que deveria abrigar o seu corpo e, ao mesmo tempo, simbolizar o amor do rei à sua falecida esposa.

mos ver a prática do esporte mais importante para eles, assim como o futebol no Brasil, o chamado críquete. Claro que dadas as devidas proporções, ele é semelhante ao nosso taco e parecido com o beisebol pelo número de pessoas em campo, mas uma coisa é certa: é uma febre total na Índia há várias décadas. Quando há jogo pelo campeonato internacional o país praticamente para. Eu poderia ficar aqui escrevendo mais umas 180 páginas sobre Varanasi e sobre as fotos que fiz, mas não há como lhe aproximar mais do que acontece lá sem que você tenha passado por esta experiência. De Varanasi vamos até Sarnath, uma cidade próxima, apenas 30 minutos com nosso ônibus, onde está localizada uma das estupas mais importantes para a tradição budista, exatamente no ponto onde Sidharta Gautama, o

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Buda histórico, fez seu primeiro discurso aos seus 5 novos discípulos. Um lugar que recebe inúmeros peregrinos ao longo do ano. Passar dias em Varanasi não é difícil, principalmente para quem é fã de fotografia de rua, como já citei. São 3 dias que ficamos na cidade e podemos aproveitar as belezas, os mistérios, o caos e a religiosidade que ela tem a nos oferecer. E muitos traduzem isso em imagens. Após esta imersão na religiosidade, principalmente hindu, partimos de volta para uma cidade mais globalizada, a capital Délhi. Lá chegando, nos preparamos para seguirmos, logo cedo no dia seguinte, a uma cidade importante na Índia, conhecida por ter em seu território uma das sete maravilhas do mundo, a cidade de Agra, com o imponente Taj Mahal. Este monumento, finalizado em 1654 pelo imperador mogul Shah Jahan, serviu a sua es-


Mulheres em frente a uma das duas mesquitas do Taj Mahal.

posa preferida, quando ela não sobreviveu ao parto de seu décimo quarto filho. Desolado com a perda de sua amada, o poderoso rei ordenou a construção de um enorme mausoléu que deveria abrigar seu corpo e, ao mesmo tempo, simbolizar o amor do rei à sua falecida esposa. É importante citar que o Taj Mahal, na verdade, é um grande complexo, ao lado dele há duas mesquitas, local onde os muçulmanos realizavam suas orações durante a sua construção e fazem isso até hoje, assim como um enorme jardim e vários portões de acesso, que, diz a lenda, é dedicado a cada uma das esposas de Shah Jahan. De lá visitamos o Agra Fort, local onde Shah Jahan foi preso por seu filho mais velho, na ânsia de conter os gastos do pai e assumir o poder. Shah Jahan ficou preso lá até o fim de sua vida e de seu quarto avistava o Taj Mahal. Voltamos para Déli. Após uma passagem rápida por Déli, de

apenas 2 dias, seguimos para o trecho final de nossa viagem, agora não mais de avião, mas sim de trem, o que é uma aventura a parte na Índia. Após 8 horas em um trem confortável e limpo, chegamos a cidade de Amritsar. Esta cidade fica há 40 quilômetros da fronteira com o Paquistão e acolhe o mais importante templo para a tradição Sikhi, o Golden Temple, ou Templo Dourado. Esta cidade é um local de peregrinação, agora não budista nem hindu, mas sikhi. Sikhismo é uma religião, iniciada com Guru Nanak Dev, nascido no norte da Índia, que viveu entre os anos de 1469 e 1538. Ele absorveu ensinamentos dos homens santos do hinduísmo, dedicados ao Bhakti (devoção), e homens santos do islamismo, dedicados ao Sufismo (a mística Islâmica). Assim, bebendo nas duas fontes ele deu origem a esta tradição religiosa, de homens que são reconhecidos, por exemplo – mas não só – por usarem tur- >> EVF_MAR/ ABR

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Oração milenar É importante citar que o Taj Mahal na verdade é um grande complexo, ao lado dele há duas mesquitas, local onde os mulçumanos realizavam suas orações durante a sua construção e fazem isso até hoje, como o homem da foto. Também há um enorme jardim e vários portões de acesso, que, diz a lenda, são dedicados a cada uma das esposas de Shah Jahan.

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Amritsar é uma cidade que fica a 40 quilômetros da fronteira com o Paquistão e acolhe o mais importante templo para a tradição Sikhi, o Golden Temple, ou Templo Dourado (acima). Mulheres preparam alimento para todos seguidores da tradição Sikhi no templo (abaixo).

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Uma das cozinhas dentro do complexo onde reside a Sua Santidade Dalai Lama em Dharamsala, na Índia.

bante, uma pulseira e uma adaga e as mulheres, assim como os homens, não podem cortar o cabelo ou os pelos do seu corpo. Manter o cabelo comprido é entendido pelo sikhs como uma submissão à vontade de Deus. No caso dos homens isto também implica não fazer a barba e para as mulheres não tirar as sobrancelhas. Os homens sikhs seguram o cabelo com um turbante branco ou de alguma outra cor, enquanto que as mulheres usam um lenço comprido. Um fato importante da tradição Sikhi, que faço questão de citar, é que sua religião prega que nenhum Sikhi pode passar fome. Por isso, dentro do templo há uma grande cozinha, que funciona 24 horas por dia, sete dias por semana, que fornece alimentação gratuita a mais de 40.000 pessoas por dia. Eles também hospedam sikhs e peregrinos em seus alojamentos, tudo sem cobrar absolutamente nada.

Nesta cidade ficamos apenas uma noite e, após a visita ao Templo Dourado, já seguimos de ônibus para uma cidade que já citei antes, Dharamsala, cidade que hospeda a Sua Santidade Dalai Lama. São apenas 7 horas de ônibus, digo apenas pois já cheguei a ficar 13 horas dentro de um ônibus em função do trânsito, então 7 horas foi tirar de letra. Dharamsala, ou Dharamshala, é uma pequena cidade no início da cordilheira dos Himalaias, no noroeste da Índia. É a cidade que ofereceu abrigo em 1959, pelas mãos do primeiro ministro indiano na época, Jawaharlal Nehru, à Sua Santidade o 14° Dalai Lama e abriga uma comunidade de refugiados tibetanos. Dharamsala é uma cidade simples mas muito acolhedora. O povo é muito simpático e há monges tibetanos andando por toda a cidade. Não é uma região de muitos locais turísti- >> EVF_MAR/ ABR

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cos, exceto a residência e o complexo de monastérios onde reside a Sua Santidade Dalai Lama, que é visitado anualmente por milhares de pessoas. Mas acredito que Dharamsala é um lugar para descansar, visitar templos, meditar, pensar na vida e, para nós, fotografar! Neste ano conseguimos autorização para

falar sobre os outros lugares. Depois de duas noites e três dias por lá, deixamos com um aperto no coração a cidade mas temos que seguir em frente. Desta vez vamos viajar e passarmos a noite no trem! Trem é um capítulo a parte na viagem e que renderia mais 100 páginas, mas vamos ter foco e nos concentrar na viagem. Saímos de Dharamsala por volta das 15 horas e seguimos de ônibus para a cidade de Pathankot, aproximadamente 4 horas de viagem, jantamos na estrada e esperamos o nosso trem, que saí por volta das 22 horas. Nesta estação, como não pegamos o trem em sua primeira cidade, uma vez que ele atravessa quase toda a Índia, temos que ficar a postos, pois ele para na estação por apenas 5 minutos, ou seja, quem entrar entrou, quem não entrar sai correndo atrás do trem. Mas calma, isso é tempo mais do que suficiente. De repente, todos na estação, o trem vem se aproximando. Todos pegam suas malas, ou melhor, suas não, sua mala, pois mais que uma complica a vida no trem. Pegam a sua única mala e esperam o trem parar. Parando, todos entram, ufa, e então vamos todos para a cama para uma ótima noite de sono. Precisamos chegar dispostos à próxima cidade: Rishikesh. Apenas uma ressalva, ótima noite de sono eu não posso garantir, pois a cada 1 hora entra um garoto gritando: “chai, chai, chai”. Mas dá para descansar, sim. Depois de 9 horas de trem, chegamos a cidade de Haridwar, a cidade mais próxima de Rishikesh e que tem estação de trem. Lá de-

Dharamsala é um lugar para descansar, visitar templos, meditar, pensar na vida e, para nós, fotografar! meditar na sala onde Dalai Lama faz suas meditações com um grupo reservado de discípulos. Infelizmente ele não estava presente, mas sua energia estava lá. Caminhando pelo complexo avistamos uma loja, logo na entrada, que fornece as roupas dos monges, costuradas uma por uma. Monges caminham por todos os lados. Tibetanos fazem suas orações com o corpo, uma espécie de saudação ao Sol da prática do yoga, enquanto outros rezam. Tudo lá é muito bem cuidado, tanto na limpeza das rodas de oração, quanto na confecção das velas que serão utilizadas nos rituais assim como na cozinha, que produz deliciosos pastéis sem recheio. E digo isso pois comi um que foi me oferecido, não tem gosto de nada, mas é muito bom! Eu voltaria a ficar aqui mais 160 páginas falando sobre a cidade de Dharamsala, sua hospitalidade e as fotos que ela nos oferece. Mas como não é possível, preciso continuar e

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Rishikesh fica localizada na cadeia de montanhas do Himalaia, porém nas montanhas que não recebem o gelo. É impossível descrever tamanha a quantidade de personagens que estão à nossa volta, como sanyasis, sadhus, homens santos, gurus e aspirantes a gurus, monges, discípulos e peregrinos. Este lugar, para fotografar personagens é fantástico, até mesmo porque eles não se importam muito em serem fotografados.

sembarcamos, lembrando dos 5 minutos também, e vamos ao ônibus que nos levará até a terra prometida: Rishikesh. Rishikesh é uma cidade que parece praia. Ela é tão agradável e tão acolhedora, que é impossível não querer passar um mês lá – eu já passei. Ela está localizada nas margens do Rio Ganges, aquele de Varanasi, lembra? Mas tenho uma boa notícia para lhe dar, quase no fim da matéria, em Rishikesh o Ganges é completamente limpo! Juro, pode ler de novo, é isso mesmo, limpo. Eu até já entrei no Ganges por lá, e como isso não é uma psicografia, estou vivo! Rishikesh fica localizado na cadeia de montanhas do Himalaia, porém nas monta-

nhas que não recebem o gelo. Mas o Ganges vem exatamente das cidades mais próximas as geleiras, logo, a água que chega até a cidade é limpa e, se você reparou a palavra que usei, é gelada. Geleira = gelada. Lá há duas pontes que ligam um lado a outro da cidade, estas pontes são chamadas de Ram Jhula e Lakshman Jhula. E assim como Varanasi, um lugar sem possibilidade de descrever tamanha a quantidade de personagens que estão à nossa volta, como sanyasis, sadhus, homens santos, gurus e aspirantes a gurus, monges, discípulos e peregrinos. Além da quantidade enorme de turistas, claro. Este lugar para fotografar personagens é fantástico, até mesmo >> EVF_MAR/ ABR

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Um lugar fantástico para fotografar personagens 58

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porque eles não se importam muito em serem fotografados. Ah, já estava esquecendo de um personagem importante na Índia, as vacas. Na Índia a vaca é um animal sagrado, assim como cobra, rato, elefante, dentre outros. Porém a vaca, em especial, é tida como um animal sagrado pois ela oferece ao homem o leite, o esterco para aquecer as casas e, dentre outras coisas, ela é símbolo de docilidade e humildade. Já uma outra corrente afirma que o mito de que a vaca é sagrada surgiu quando proprie-


Capa: Expedição à Ásia - Índia e Nepal Viagem à Índia 2015

Uma jornada às belezas desta cultura milenar, e você está convidado!

Faça parte de uma inesquecível viagem fotográfica a um dos berços da humanidade e registre em imagens e sentimentos a beleza, diversidade e constrastes que a cultura indiana nos oferece. Serão ao todo 17 dias de viagem, confirmada para Novembro de 2015, passando pelas cidades de: MUMBAI, UDAIPUR, JAIPUR, FATEHPUR SIKRI, JODHPUR, AGRA, VARANASI, SARNATH e DÉLI. Ao longo da viagem, aulas teóricas de fotografia digital e fotografia de rua serão ministradas por Glauco Tavares. A apresentação desta viagem é individual e pré-agendada para o dia e horário de sua conveniência. Assim é possível direcionar a atenção, as dúvidas e necessidades individuais e oferecer todos os esclarecimentos.

tários de gado sentiram que seu gado poderia ficar em risco, tamanha a população da Índia. Sendo assim, como criado no Brasil na época dos escravos o mito de não misturar manga com leite que pode levar à morte, eles conseguiram disseminar que a vaca é a grande mãe, que dá aquilo que precisamos para viver. Sendo assim, seu gado volta a estar em segurança. Qual das correntes está certa? Não faço a mínima ideia, mas é algo para se pensar. Voltamos para Déli, onde ficamos apenas uma noite para as últimas compras, lembranças e presentes. No outro dia já fechamos

Saiba mais: Agende já um encontro na Rua 33 - Espaço de Fotografia e saiba mais sobre a viagem e valores pelo e-mail: glauco@rua33.com.

as malas e nos preparamos para voltamos ao Brasil. Mais importante do que voltar ao Brasil é voltar a quem nos espera! Depois das mesmas 20 horas de vôo, uma escala em Abu Dhabi, chegamos ao Brasil. Tenho duas filhas, e quando a pequena tinha apenas 2 anos e meio a mais velha tinha apenas 6 anos elas foram comigo e passaram 23 dias lá, em 2012. Viveram quase tudo que citei acima, não veem a hora de voltar para lá e, agora em 2015, estavam me esperando no aeroporto, com o choro da saudade. EVF_MAR/ ABR

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Liberdade criativa de A

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ALEXANDRE URCH CONQUISTOU O DESEJADO ESPAÇO NO MUNDO DAS ARTES. E ELE DEVE ISSO TAMBÉM ÀS RUAS.

Por Bruno Schuveizer

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Arquivo Pessoal


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O fotógrafo paulista conquistou um respeitado e merecido espaço no ramo artístico. Já ganhou diversos prêmios com suas fotografias, entre eles primeiro e segundo lugares da XVI Bienal Nacional de Arte Fotográfica em Cores, Concurso Canon Jornalistas em Foco e o Prêmio Sesc Marc Ferrez. Urch também já participou de inúmeras exposições, individuais e coletivas, pelo Brasil e no exterior. “Eu costumo dizer que eu nunca quis ser fotógrafo, mas, no fundo, eu sempre fui”, brinca quando pergunto sobre o que o fez trilhar o caminho pelas imagens. Alexandre acredita que tudo é bagagem, e essas bagagens se somam e resultam em algo, no caso, sua profissão. Num café próximo dali, revela que a paixão pela fotografia começou muito cedo, ainda na infância, quando insistia para seus pais deixarem ele tirar as fotos nas reuniões de família. Jornais e revistas também tiveram papel

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fundamental, conta, já que sempre gostou de ler e de ver as fotos. Embora não saiba nadar, uma revista de surf foi sua preferida por muito tempo. “Eu comprava todas! Eu adorava aquelas fotos!”, relembra. Enquanto fala, frequentemente olha para a câmera, deixada bem à sua frente na pequena mesa, ao lado de uma garrafa de água. É quase meio dia, e faz muito calor. Logo a conversa ganha ares de nostalgia e o fotógrafo não economiza nas lembranças de sua trajetória na fotografia. Alexandre fala rápido e intensamente, em correntes que emendam um pensamento no outro e que às vezes só são interrompidas se houver agilidade para intervir no momento certo. Ele recorda, com pouca certeza de data, que em 1998, aos 21 anos, comprou sua primeira câmera digital, “uma Sony Mavica que salvava as fotos em um disquete!”, e que foi nessa época que realmente começou a se interessar

Na dupla anterior: Alexandre Urch

uma Leica M9, pendurada no ombro denuncia: aquele rapaz de aparência jovem e jeito esperto em frente ao Teatro Municipal de São Paulo é Alexandre Urch. Veste uma camiseta preta com tema skatista e olha atento à sua volta. Está em casa: Rua, skate e fotografia.


Foto: Alexandre Urch

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de forma mais séria pela fotografia. Muitos diriam que ele pode ter começado tarde, mas Alexandre é categórico sobre isso: “acredito que tudo tem seu tempo, seu momento”. Fez um curso de fotometria básico com o fotógrafo Armando Vernaglia Jr., hoje um grande amigo, e resolveu se jogar de vez no mundo da fotografia. Conseguiu um emprego num laboratório fotográfico, onde trabalhava meio período. Ao mesmo tempo, também era assistente de outros fotógrafos, como do próprio Armando.

“O Armando me ensinou muito, porque ele não passava a mão na cabeça. Esse mundo dos likes nas redes sociais não ajuda em nada quem está aprendendo”, comenta. Urch relembra um episódio marcante para que desenvolvesse sua autocrítica: “Uma vez saí com um amigo e fizemos umas fotos das quais tinha gostado muito. Liguei pro Armando e disse: Tô com umas 10, 15 fotos aqui que vão te fazer chorar! No outro dia, levei ansioso as fotos pra ele ver. Ele olhou, jogou todas as fotos em cima da mesa e disparou: ‘Cadê as fotos boas >> EVF_MAR/ ABR

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Eu erro mais do que acerto, na verdade, mas so mostro os acertos” 64

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de que você falou?’ De fato, não havia mesmo nenhuma foto realmente boa entre elas... Esse foi um grande aprendizado, embora um pouco traumático também (risos).” O fotógrafo acredita que errar é uma etapa fundamental do aprendizado. “Eu erro mais do que acerto, na verdade, mas só mostro os acertos.” Também gosta de conduzir, principalmente quando tem a oportunidade da falar sobre seu trabalho, com a autoridade de quem forjou uma profissão que reúne seus gostos e experiências pessoais. Forjar mesmo, já que, pra fazer o que gosta, Alexandre é quase um

Foto: Alexandre Urch

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Foto: Alexandre Urch

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exército de um homem só. Conta que tanto o trabalho no laboratório como o de assistente foram grandes escolas para ele. “Eu era pago para aprender!”, brinca. “Mas sabia que precisava de algo mais para ser fotógrafo, sabia que precisava começar a buscar novos caminhos”, completa. Pergunto se escolher ser fotógrafo foi uma decisão difícil. “Há três meses do meu casamento, foi, sim”, ri. Hoje, casado, pai de um filho pequeno, e com o sucesso de seu trabalho, é possível dizer com segurança que não poderia ter tomado decisão mais certa.

Aos 37 anos, Alexandre engana sua idade de duas formas: Fisicamente, parece que tem menos; intelectualmente, parece que tem mais. E o jeito alegre, uma de suas características mais marcantes, ajuda a confundir. De maneira apaixonada, contextualiza um rol de referências como Cristiano Mascaro, Marcio Scavone, Claudio Edinger, Bruce Gilden, Cartier-Bresson, Joel Meyerowitz, Bruce Davidson. O conhecimento de Alexandre chama a atenção. Tem muito a dizer, consome fotografia, literatura e artes em geral com frequência há muito tempo. Arte, aliás, sempre >> EVF_MAR/ ABR

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Para mim, a arte tem uma outra ~ concepcao, tem mais a ver com o documental, e uma historia que se conta atraves da fotograf ia. e preciso inseri-la em um contexto

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foi o seu foco. “Eu ia muito em exposições e pensava: É isso que eu quero para minha fotografia. Queria olhar minha foto, grande, numa parede de uma galeria, em uma exposição, à venda por um preço justo”, diz. “Não apenas apertar um botão, reproduzir uma técnica e ficar produzindo superficialmente”, completa. Hoje ficar preso num estúdio, “seguindo briefings de clientes ‘coxinhas’”, não faz mais parte da rotina do fotógrafo. Como todo artista, Alexandre gosta de liberdade criativa. E por isso escolheu as ruas para desenvolver a maior parte de seu trabalho. Mas até que ele tivesse certeza disso, adquiriu conhecimentos em vários campos da fotografia. “Aprenda tudo o que você puder, e, só então, você faz a sua escolha, e descarta o que não te interessa mais”, sugere. “Na rua, você tem que aprender por experiência também. Eu acordava quatro horas da manhã e ia pro Centro só pra entender o sol, ver ele nascendo, ver onde a luz batia e acompanhava aquilo, aprendia muito dessa forma.” Entrar no ramo da arte não foi fácil, conta, e levou anos. “Não é um mercado que acontece da noite pro dia, como muita gente pensa, porque o que faz uma foto custar X ou Y é justamente a experiência que o fotógrafo tem, é a quantidade de concursos que o cara ganhou, isso mostra que ele é um profissional”. Ele aponta pro celular se referindo à importância de ser visto. Urch faz questão de ressaltar que é fundamental estar sempre mostrando o que produz. “Eu vejo fotos incríveis de algumas pessoas e digo pra elas postarem em algum lugar e elas dizem que não porque ninguém vê. Vê, sim. Se o trabalho é bom, as pessoas olham, sim.” Sua primeira exposição foi na galeria Lume, em São Paulo. O fotógrafo recebeu o

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convite para expor suas fotos lá e entrou de cabeça no mundo da arte. Conta que uma de suas fotos foi vendida para o Ronaldo Nazário, o fenômeno, e considera essa foto como o grande impulso para sua carreira. “A tiragem já está praticamente esgotada!”. “A minha maior recompensa não é dinheiro, embora a gente precise dele para viver, afinal fotógrafo não vive de luz, mas, sim, esse reconhecimento pelo meu trabalho depois de


Foto: Alexandre Urch

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todo o caminho que já trilhei.” Caminhando pelo centro, ele aponta para o outro lado da rua para paredes, janelas e fachadas coloridas. “Olha, eu adoro isso, a cidade vibra!” Hoje Urch desenvolve dois projetos que buscam traduzir o que vê e sente nas ruas, As Cores das Ruas e O Cheiro da Rua. E, ao falar sobre isso, o fotógrafo não consegue esconder a empolgação de quem sabe que está fazendo um trabalho inspirador. “As ruas exa-

lam seus cheiros, o cheiro do esgoto, da urina dos moradores de rua no Centro, do pãozinho que acabou de sair da padaria... e esse projeto é fazer com que as pessoas possam sentir isso, e As cores da rua é uma extensão colorida disso, com o objetivo de aguçar ainda mais os sentidos”. Ele também deixa claro a importância de conhecer o trabalho de outros fotógrafos que são referência e que estão no topo. No caso, >>

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livros, galerias, exposições são o lar de quem está no topo para ele. Fica nítido a importância que Alexandre dá à arte que busca aprofundamento, que não fica só no plano superficial. “Eu vejo fotos lindas hoje em dia e penso: Essa é uma foto ‘bonita pra por na parede’, não é arte. Uma foto bonita pra por na parede qualquer um pode fazer em Cancun, por exemplo, com aquele mar maravilhoso. Mas ainda assim será uma mera fotografia. Arte é diferente”, diz. “Para mim a arte tem uma outra concepção, tem mais a ver com o documen-

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tal, é uma história que se conta através da fotografia, é preciso inseri-la em um contexto”, emenda. Embora Alexandre tenha fotos em preto e branco, ele não nega sua preferência pelo colorido. “A gente mora em São Paulo, Brasil, com um calor do caramba, esse sol, eu vou fazer foto preto e branco? Com tanta cor que tem aqui? Não dá! Se eu morasse em Londres eu faria mais PB”, ri. Ao falar sobre isso, relembra a época em que fotografava em cromo, com os filmes Fuji Velvia, ele diz que ficava encan-

Foto: Alexandre Urch

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Foto: Alexandre Urch

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tado com o azul e o vermelho quando revelava as fotos. “Era muito gostoso aquilo, aquelas cores eram impressionantes!”. Em 2010, Urch começou o projeto 461 fachadas, que consistia em retratar diferentes fachadas de diferentes lugares de São Paulo como uma homenagem ao aniversário da cidade em 2015. Foram quatro anos fotografando, e o projeto impressiona em quantidade, mas também por nos levar a uma verdadeira viagem e nos mostrar de uma forma única um pouco mais sobre a maior cidade do país, sob a visão de quem conhece muito bem cada lugar. “Eu canso de ver foto de fachada, mas isso por si só não diz nada. Nesse projeto procurei justamente o oposto, quis mostrar a história por trás de cada fachada. Por isso fui fazendo gradualmente, eu poderia sair e, em um dia, fotografar 461 fachadas, mas preferi fotografar elas de forma a mostrar um momento pelo qual São Paulo estava passando”, explica. “Uma coisa nesse projeto que me impressionou muito foram as grades, o reforço individual da segurança”. Citando outra de suas referências, Geoff Dyer, autor do livro Instante Contínuo, Urch defende que dizer que algo é inédito pode ser uma grande armadilha, na qual o resultado é, na maioria das vezes, decepcionante, pois as chances de não ser um trabalho novo de fato são grandes. “Esse livro é obrigatório para todos que têm essa mentalidade de ‘olha, eu fiz essa foto inédita’. Ele diz que todo instante é contínuo, tudo se repete em uma época, em uma data.” Estamos agora caminhando pelo centro da cidade de São Paulo, próximos à Rua 25 de Março. Ao mesmo tempo também está sendo gravado o vídeo com ele para o canal da revista no Youtube. Um torcedor com uma cami-

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A rua nao e publica, ela tem donos, e varios, que merecem respeito. ^ E, se voce esta ^ fotografando, voce precisa conhecer _

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MAIS

Assista ao vídeo: Bate-Papo na Rua com Alexandre Urch

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sa de time de futebol cruza nosso caminho e aproveito para saber mais sobre outro projeto de Urch que retrata a verdadeira essência do esporte mais praticado no Brasil, o Várzea F. C. Uma das principais preocupações do fotógrafo é documentar a união e a amizade de quem frequenta os jogos de várzea na capital paulista. Ele acredita que um dia a várzea como conhecemos hoje, em campos de barro e simplicidade contagiante, pode acabar. E, se um dia a prática deixar de ser como é hoje, as lembranças, eternizadas nas fotografias de Urch, garantirão uma proximidade difícil de alcançar. Isso porque Alexandre não vai a esses lugares só para clicar, de longe, sem contato, os jogos. O fotógrafo faz questão de se inserir por completo. Nos campos onde vai, todos os conhecem e lamentam quando ele não está presente. “Esse contato na várzea foi fundamental para eu fazer meu trabalho, eu me sinto em casa lá.” E esse contato, essa proximidade, com os jogadores de fim de semana, também proporciona chances únicas para fotografar determinados momentos. Um desses momentos foi entrar no meio da roda que o time faz antes de começar o jogo, e, em meio aos gritos de motivação, Urch clicava com uma lente 15mm. “Eu entrei, deitei no chão, no barro, e cliquei. De muito perto! Pra eles, aquele é o momento máximo da união, e ninguém registra isso dessa forma”, conta o corintiano Alexandre. Assim como nos campos de várzea essa relação também vale para as ruas, segundo ele. É o que ele chama de “lei das ruas”, que nada mais é do que respeitar o lugar que está sendo retratado e conhecer bem esse lugar para conseguir traduzir melhor determinada realidade. “A rua não é pública, ela tem dono, e vários, que merecem respeito. E, se você está fotografando, você precisa conhecer.”

Fotos: Alexandre Urch

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Foto: Alexandre Urch

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Alexandre sempre soube respeitar as ruas e aproveitar ao máximo o que elas têm a oferecer. Assim foi, por exemplo, com seu projeto Babilônia Zero Onze, com fotografias de rua de São Paulo; e com o Hieróglifos Urbanos, que tem como assunto os grafites e pixações na cidade. A lista de trabalhos desenvolvidos por ele é grande e não para de crescer. E as inspirações, muitas vezes, surgem durante um trabalho e outro. “A maioria dos meus projetos começam sem querer, posso dizer que de cada dez projetos, dois são planejados”, esti-

ma. Alguns, ainda não mostrados ao público, estão em produção e devem se tornar outros grandes sucessos do fotógrafo, imagens que já têm a sua marca. Como disse, uma característica marcante de Alexandre é seu semblante sempre alegre. Difícil não criar vínculos de confiança e amizade com pessoas assim. Neste momento, enquanto você lê essa frase, ele deve estar esbanjando simpatia em algum lugar. E, talvez, com uma camiseta com tema skatista e a câmera pendurada no ombro. EVF_MAR/ ABR

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grande maioria das fotografias de rua feitas ao longo da história tinha, como assunto principal, pessoas. Mas não se engane, foto de rua pode, sim, envolver outros assuntos. E as cidades oferecem uma infinidade deles, basta queremos enxergá-los. Fotógrafos consagrados nas ruas como Cartier-Bresson e Elliot Erwitt, por exemplo, também fizeram fotos sem pessoas como assunto. Elliott chegou a publicar um livro inteiro sobre cachorros, o Dog Dogs, e é um trabalho fantástico. Não se trata de fotografia Pet, como vemos hoje em dia, mas, sim, de um projeto que consistiu em registrar os peludos (ou

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não) nas ruas. O que distingue a fotografia de rua, antes mesmo do tipo de assunto nela representado, são elementos que lembram a presença humana, mesmo na ausência dela, como construções, objetos, figuras, animais domesticados, entre muitos outros. O elemento humano. Cabe ao fotógrafo de rua saber interpretar a realidade a sua volta e identificar cenas que podem render grandes fotos. Com ou sem pessoas. A seguir, separamos algumas fotografias históricas que não incluem pessoas como assuntos principais. E explicamos um pouco (ou coisa parecida) sobre porque cada uma ainda deve ser considerada fotografia de rua.


Henri Cartier-Bresson/ Magnum Photos/ Divulgação - Matt Stuart/ Divulgação

tierr a C i r n e H e o mestr d m e g a mo sem im s e m Esta , ia r ó t is uma h a t n o c n o s tória, s is h -Bre a m U . s pessoa e d a ç n e inha s z e o r s a ap t le ic b ica. Uma n ô ir , s o m ua, mas, a r e dig d o t o f a ria um a iz r e t c a r a nde c o a d não a n io c a t , ela es m e g a im a xer com s e m nes e d m lé algo, a a t n o c s o a, uma n id á v ú est d m e s , Essa é . o ã ç a in g a a im ua. r e d a fi a r g o fot

recoMatt Stuart, grafo nhecido fotó e utide rua, soub em a lizar muito b e as perspectiva onsecores para c agem guir essa im surreal. ção, Aqui na reda chaem dia de fe muis o m e v , o t n me emes s n e g a im tas sa. lhantes a es

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Para onde? Sas cha Markus clico u essa cena e provou q ue atentar a cois as simples pode fazer com que consigamos fotos de rua realmente in teressantes, mes mo sem que pessoas ape reçam.

rua, e d a fi a r g o t s da fo o ir e n io p lveu s o v n e s e Um do d , t e Atge n è g u E s ê ssoc e p ir lu o fran c in o sem lh a b a r t o t s tinham le e um va r o p s a it fotos fe s a danit u u m M s . a s a r a t n ocume d o iv t je b a eso s e c n a r como f l a a capit is a u q s la e ças p poca. é a n o d n a tava pass

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Sascha Markus/ Divulgação - Eugène Atget/ Divulgação

Especial: Cadê todo mundo??


Especial: cadê todo mundo??

David Gibson/ Divulgação - Matt Stuart/ Divulgação

Olhar para o alto também pode render fotos de rua, sim, uma vez que no caso da fotografia o termo não se aplica apenas ao caminho público ladeado por casas ou muros. David Gibson que o diga.

Dissemos: “Nossa, parece a gente tentando fugir da redação sexta-feira à tarde...” Responderam: “O financeiro cancelou o plano de saúde semana passada” Concluímos: “O risco vale a pena” Mais uma foto de rua de Matt Stuart que rendeu comparações à redação.

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Especial: Cadê todo mundo??

plo de m e x e m u i Aqu retar p r e t in e r o com ós veN . e d a d li a a re ço de a d e p m u s mo tams a m , o lã e pap larac s o m e v bém xprese a m u e t n me . Jesse a n a m u h o sã r dessa o t u a , w lo r Ma deve m é b m a t , o fot quano id r r o s r te na. Pelo e c a iu v do menos nós . sorriríamos

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Fotos: Jesse Marlow/ Divulgação

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Especial: Cadê todo mundo??

Narelle Autio/ Divulgação - Elliott Erwitt/ Magunm Photos/ Divulgação

Nesta imagem de Narelle Autio, é possível encontrar um avalanche de assuntos. Conforme vamos olhando, vamos descobrindo acontecimentos diferentes. Embora essa foto mostre pessoas, fica evidente que não são as pessoas os assuntos princiais. O assunto é justamente o grande número de assuntos.

livro com m u u o c li b u p t it rw E Elliott i dizer a V . s g o D g o D o , s fotos de cãe rafia de rua? g to fo é o ã n é o s is que

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pROVOKE®

Por Rogério Akiti Dezem

O elemento

humano

http://akitidezemphotowalker.zenfolio.com/

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a minha primeira coluna, teci comentários sobre o espaço urbano, universo onde nós, fotógrafos de rua, gastamos nossas solas de calçados, perdemos nossa noção de tempo e disparamos – furtivamente, ou não – nossos shutters na busca de capturar aquilo que não nos pertence. Hoje gostaria de falar um pouco do elemento, que na minha opinião, é a raison d’étre da fotografia de rua e candid: o ser humano. No início da década de 1930, o filósofo alemão Walter Benjamin (1892-1940) em um dos seus clássicos ensaios (“A Short History of Photography”), publicado originalmente em alemão (1931), discorria sobre o impacto de um dos principais instrumentos da modernidade, a Fotografia. Benjamin neste ensaio, apresenta a maneira pela qual muitos teóricos e críticos de arte na Alemanha, a época, consideravam o ato de fotografar – menos uma arte do que um ato mecânico – citando um interessante trecho do periódico Leipzig City Advertiser:

Arquivo Pessoal

Olá, meu nome é Rogerio Akiti Dezem, sou natural de Osasco (SP). Sou professor universitário, historiador e fotógrafo de rua diletante. Vivo no Japão desde 2010, onde comecei a fotografar “estranhos” nas ruas por hobby. No início, era muito mais “uma atividade física e uma distração”, mas nos últimos três anos, tornou-se um vício, uma necessidade quase diária de exercitar meu olhar através do viewfinder, registrando e desafiando o mundo ao meu redor. A ideia desta coluna Provoke® é uma homenagem a um pequeno grupo de fotógrafos e intelectuais japoneses que lançaram um curto, mas inovador movimento/manifesto fotográfico denominado Provoke no final dos anos 1960. A partir de um viés provocador, meu objetivo aqui é guiá-los em cada coluna pelos meandros da fotografia de rua feita na Ásia, principalmente no Japão. Apresentando fotógrafos (famosos ou não), imagens de rua e “candid” de minha autoria e de outros e, principalmente, analisar o palco onde a fotografia é produzida por aqui: as ruas japonesas. Meu site é


Macau, China. 2014.

Rogério Akiti Dezem

“(...) Man is created in the image of God and God’s image cannot be captured by any human machine. Only the divine artist, divinely inspired, may be allowed, in a moment of solemnity, at the higher call of this genius, to dare to reproduce the divine human features, but never by means of a mechanical aid!” “(...) O Homem é criado à imagem de Deus, e a imagem de Deus não pode ser capturada por uma máquina humana. Apenas o artista divino, divinamente inspirado, pode estar apto, em um momento de solenidade, no ponto alto de sua genialidade, a reproduzir as características humanas divinas, mas nunca por meio de um aparelho mecânico!”

Enquanto estas linhas ecoavam como um dogma ferido pela nascente arte da Fotografia, um jovem francês, ainda anônimo, cujas iniciais HCB se tornariam icônicas, desafiava (inconscientemente?) o trecho citado acima. Bresson ao se deparar com a imagem monocromática de adolescentes africanos nus, correndo em direção as ondas do lago Tanganica feita pelo experiente fotógrafo húngaro Martin Munkacsi (1896-1963), publicada em 1931 na revista Photographies, teve uma epifania: “De repente entendi que a fotografia podia fixar a eternidade no instante. Essa foi a única foto que me influenciou. Nessa imagem há uma intensidade, uma espontaneidade, uma alegria de viver, uma maravilha tão grande que me deslumbra até hoje. A perfeição da for- >> EVF_MAR/ ABR

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Provoker®

ma, a percepção da vida, uma vibração sem igual...Pensei: bom Deus, podemos fazer isso com uma máquina...Senti como que um pontapé na bunda: vamos, vai!” Um ano depois, em 1932, HCB comprou sua primeira Leica e divinamente inspirado passou a buscar seus instantes decisivos. O resto é história... Ao iniciar a coluna associando dois importantes personagens de relevância ímpar para elevar a Fotografia à condição de ARTE moderna, gostaria de lançar a minha provocação: É possível fazer fotografia de rua sem o elemento humano? Ou seja, sem “a percepção da vida”, parafraseando Bresson? Serei direto na minha opinião: Penso que não. Sem o elemento humano, não há propriamente street photography (em inglês, é mais chique, né?!), mas qualquer outra modalidade fotográfica, como paisagem urbana ou arquitetura/urbanismo ou arte de rua, por exemplo. E já respondendo a pergunta da coluna anterior, sobre se todas as cidades seriam iguais para se praticar fotografia de rua, respondo: Não, não são. As cidades são diferentes, por que os elementos humanos presentes nelas são diferentes. A relação entre o espaço urbano e o elemento humano, produz uma complexa organicidade que alimenta a imaginação e desafia as habilidades dos fotógrafos de rua em todo o mundo. Citando o historiador francês Michel De Certeau: “As cidades são muito mais do que uma coleção de edifícios belamente fotografados. Elas são uma conjunção (network) de relações, sistemas e poder.” Na minha concepção, o ser humano no universo urbano é metaforicamente uma reserva de energia, difusa, caótica, orgânica e que ao ser “captada” em seu ato corriqueiro, banal de forma espontânea pelas lentes do fotógrafo, se transforma, passando a ter outro(s)

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Na minha concepção, o ser humano no universo urbano é metaforicamente uma reserva de energia, difusa, caótica, orgânica e que ao ser “captada” em seu ato corriqueiro, banal de forma espontânea pelas lentes do fotógrafo, se transforma, passando a ter outro(s) significado(s). A sedução do elemento humano visto através do viewfinder, produz uma sensação única, que pode ser triste, alegre, cativante, intrigante, mas nunca neutra ou estéril.

significado(s). A sedução do elemento humano visto através do viewfinder, produz uma sensação única, que pode ser triste, alegre, cativante, intrigante, mas nunca neutra ou estéril. Daí a mágica em se fotografar estranhos pelas ruas. Cabe ao fotógrafo de rua mostrar a relação entre o ser humano e a urbs, não


Provoker®

Rogério Akiti Dezem

Manila, Filipinas. 2013.

importa onde ou quando. Fotografar em cidades asiáticas, algumas extremamente populosas como Tóquio, Seoul, Manila ou Hong Kong, ou “nem tanto”, como Istambul ou Ho Chi Min é uma experiência intensa. É como se um universo de feições, línguas, cheiros (lembrei-me agora do

aforismo do fotógrafo de rua norte-americano norte-americano Bruce Gilden), costumes diferentes emoldurados por um espaço urbano ora decadente, ora vislumbrante se abrisse ao seu redor. Esse conjunto, a meu ver, se torna a essência da fotografia de rua e a Ásia nos brinda com o diferente, com suas sinfonias ur- >> EVF_MAR/ ABR

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Provoker®

banas singulares. Por exemplo, cito a própria sensação de “insegurança” que se dilui ao fotografar por estas bandas, sensação deveras contrastante quando fotografo pelas ruas de Sampa, infelizmente. Resumindo: uma fotografia de rua deve ter uma história, uma narrativa (im)possível, às vezes lúdica, ela deve provocar nosso olhar... E as ruas da Ásia são extremamente provocativas!

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Rogério Akiti Dezem

Acima, Osaka, Japão, 2014. Ao lado, Tóqui, Japão, 2014.


*imagem ilustrativa. O inseto possui de 2 a 3 mm de comprimento.

o A l i v a o A c De s a n e P a em a d a c i p uma

ares h l i m e d o a vida d n a ç a e cruel á am o t ã s ç e u l e o u s q é uma oença d a i s a á m n u a t é u e aniose nos. A o d s u e s ença. A Leishm o e d d a d m é o b ã tam eminaç s s i d a de cães e r e ra cont a p z a c fi e e in

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FOTOCULTURA

Por Yuri Bittar

Olhares urbanos Colecionando sentimentos e almas Esta coluna pretende trazer reflexões sobre a fotografia dentro do nosso cotidiano, como meio de expressão, qualidade de vida e percepção do mundo. Você também pode ver outros artigos no site: www.fotocultura.net. Yuri Bittar é designer, fotógrafo e historiador. Atua como designer gráfico, e desenvolve cursos de fotografia, exposições, as Saídas Fotocultura e o Projeto FotoculturaParaTodos, além de pesquisas sobre humanização no ensino da saúde. Através da história oral, da fotografia, da literatura e outros recursos, tem buscado criar projetos mais próximos ao humano e que contribuam para a melhora da qualidade de vida. Contato e mais informações: www.yuribittar.com

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Fotografia de rua, olhar, poesia e alma “De quem é o olhar Que espreita por meu olhar ? Quando penso que vejo Quem continua vendo Enquanto estou pensando ?” ( Fernando Pessoa )

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maioria das pessoas, quando anda por uma rua, simplesmente está indo a algum lugar, e a rua nada mais é que uma distância a vencer. Mas o fotógrafo de rua vê esse caminho de uma forma muito diferente, ele vê os momentos que lhe permitirão fazer suas fotos, sua arte. É como o poeta, que usa as mesmas palavras que usamos para a simples comunicação, para fazer emergirem sentimentos profundos, dele e nossos, para criar arte. O poeta parece acessar um outro nível da linguagem, que só chegamos com a ajuda dele, e o fotógrafo de rua percebe outros níveis de acontecimentos na cidade, que outros só percebem através de suas fotos. Quando ando pelas ruas de uma cidade, como por exemplo São Paulo, minha cidade, percebo aspectos diferentes dos percebidos pela maioria das pessoas, percebo como as constru-


Yuri Bittar

Nossa aluna M. em ação.

ções, objetos e pessoas se relacionam, como se eu acesse novas camadas de informação, geralmente despercebidas. Mas isso deve ocorrer com qualquer fotógrafo, pelo menos depois de um tempo praticando. Mas eu comecei a prestar mais atenção em um aspecto em particular, o olhar. Comecei a suspeitar que o olhar revela muito, ou melhor, sugere muitas coisas. É o olhar do outro, justamente, o que nos permite acessar, ou pelo menos vislumbrar, uma camada ainda mais profunda do ser humano, a dos sentimentos. Mais ainda, o olhar é o mais próximo que podemos alcançar da alma alheia. Não sei se consigo explicar isso, mas às vezes, a poesia pode explicar algumas coisas muito melhor:

“Como é por dentro outra pessoa Quem é que o saberá sonhar? A alma de outrem é outro universo Com que não há comunicação possível, Com que não há verdadeiro entendimento. Nada sabemos da alma Senão da nossa; As dos outros são olhares, São gestos, são palavras, Com a suposição de qualquer semelhança No fundo.” (Fernando Pessoa) EVF_MAR/ ABR

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O importante é que a imagem traga algo, além da superfície. O olhar pode trazer essa sugestão de sentimentos, mas também pode captar quem o vê e puxar algum sentimento do espectador. Fotos: Yuri Bittar

Comecei a buscar, na cidade, esse olhar, o olhar que pareça estar dando acesso a algo mais, ou até escondendo algo, o olhar com gestos, expressões, que se não mostra, sugere. É como se eu buscasse, ao fotografar, colecionar sentimentos em forma de olhares, e até, por que não, almas. A fotografia de rua é uma forma de olhar a cidade, tentar entendê-la, mostrá-la, fazer arte a partir dela. Há várias formas de ver, entender e captar a vida na cidade. Eu escolhi o olhar, pois é o que me parece levar um pouco mais fundo no ser Humano. Assim como a fotografia tenta organizar o mundo-caos, formado por infinitas imagens (Sontag, 1981), ao criar imagens únicas, pegadas e sinais de algo, mas não a coisa em si, busco, ao captar o olhar, encontrar uma (falsa) organização para o caos de olhares, sentimentos e almas que me rodeiam. Ao mostrar algum sentimento, como por exemplo a indiferença, a fotografia na verdade cria um novo sentimento, diferente para cada


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Fotos: Yuri Bittar

espectador, mas que traz uma ordem, mesmo que falsa ou superficial, a um mundo repleto de infinitos sentimentos. Essa busca pelo olhar também envolve uma aceitação do comum, do cotidiano. Não é uma busca pelo raro, pelo inusitado, por uma beleza simples e conhecida, mas sim pela beleza no dia a dia das pessoas comuns. Ao sair para as mesmas ruas, ou para ruas desconhecidas, pretendo curtir a cidade como esta é, ver sua beleza, sem entender ou justificar, e captar algo que as pessoas me oferecem, seu olhar. Apenas depois de conhecer a Fotografia Contemplativa (tema sobre o qual falarei em breve) pude entender o poema de Fernando Pessoa que abre esta coluna. Confundimos olhar e pensar, mas são atos diferentes. Quando realmente olho, não penso, e se pensar, deixo de olhar realmente. Daí a perplexidade do poeta em perguntar, nesse caso, quem está olhando enquanto penso? Então, para mim, o olhar se tornou um

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novo caminho para explorar a minha cidade, ou outras cidades que visito, me levando pelas ruas, mas além delas, por um caminho mais profundo, dos sentimentos, da alma. Porém, ao ver minhas fotos, você provavelmente verá coisas diferentes do que eu vi nelas, ou até não verá nada. O caminho que você percorrerá será outro, mas também é caminho, e se você se perder… “Se perder também é caminho”! (Clarice Lispector). O importante é que a imagem traga algo, além da superfície. O olhar pode trazer essa

Uma saída fotografia é um evento que reúne fotógrafos para andar por algum local e fotografar juntos. O termo “saída fotográfica” vem do ramo profissional da fotografia e trata-se de um serviço externo de um fotógrafo. Dentro dos cursos de fotografia sempre houve um momento de ir para a rua e colocar em prática o que se tinha aprendido. Este momento passou a ser chamado também de “saída fotográfica”. Algumas escolas também organizavam eventos independentes de cursos. Claro que tudo isso tinha um custo, afinal as escolas são empresas. Hoje, com a ajuda da internet, saídas livres e gratuitas são organizadas por qualquer pessoa disposta. É tão simples a ideia! E por que fazer isso? Não seria melhor cada um sair e fotografar onde quiser e o que quiser? Às vezes sim. Mas sair em grupo tem diversas vantagens: segurança,

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aprendizado coletivo, amizades, diversão... a atividade em grupo traz o provisório, o múltiplo, vai na direção do coletivo, e não do individual, nos permite a troca e ampliação de experiências. Assim potencializamos o processo de aprender a pensar, sentir e agir. Este local de encontro que é a saída fotográfica é onde o aprendizado da fotografia tem o maior potencial, pois é uma verdadeira experiência e permite uma ampliação profissional e pessoal. Quando comecei a organizar saídas já tinha 11 anos de experiência na fotografia, mas depois disso, a cada ano, tenho me desenvolvido muito como fotógrafo, como pessoa e como cidadão. Nunca conheci tanta gente legal, nunca tive tantas idéias e, principalmente, nunca tive tantas fotos. Meus melhores trabalhos são, na maioria, feitos durante as saídas.

Yuri Bittar

As saídas fotográficas


fotocultura sugestão de sentimentos, mas também pode captar quem o vê e puxar algum sentimento do espectador. O olhar pode dar, então, uma nova dimensão a uma foto, algo que saia do papel ou da tela e se conecte com o olhar de quem olha a foto, que por sua vez recria, ou cria novas, histórias, sugeridas pela realidade fragmentada da foto. O que se vê na foto então é real, mas é inventado, é do fotógrafo, do fotografado, mas principalmente de quem vê. “As imagens revelam seu significado quando ultrapassamos sua barreira iconográfica;

Yuri Bittar

As Saídas Fotocultura As Saídas FOTOCULTURA, que acontecem desde 2008, e tem por objetivo trazer todos os interessados em fotografia para a prática, para as ruas da cidade, explorando o espaço urbano, sempre com uma proposta cultural. Assim procuramos unir fotografia, cultura e cidadania. Já são 42 saídas fotográficas em pouco mais de 6 anos, por 3 estados, 6 diferentes cidades e milhares de amigos que já participaram! Estas saídas, no começo, eram apenas para os alunos do curso Fotografia e Cultura Visual (Fotocultura), ministrado por mim, na UNIFESP. Posteriormente, à pedidos, as saídas foram liberadas para participação dos ex-alunos, e depois de qualquer pessoa, o que se mostrou extremamente interessante, pois percebemos que quanto mais gente, maior é o aprendizado. As Saídas Fotocultura são totalmente livres e gratuitas, qualquer pessoa pode participar, com qualquer tipo de câmera. Basta comparecer e fotografar. Veja aqui qual é a próxima Saída Fotocultura: http://www.fotocultura.net

quando recuperamos as histórias que trazem implícitas em sua forma fragmentária. (Kossoy, 2005) Esses são os meus Olhares Urbanos, e os seus? Até a próxima Coluna Fotocultura! Referências: KARR, Andy e WOOD, Michael. The Practice of Contemplative Photography: Seeing the World with Fresh Eyes. Shambhala Publications, Boston, 2011. KOSSOY, Boris. O relógio de Hiroshima: reflexões sobre os diálogos e silêncios das imagens Revista Brasileira de História, vol. 25, núm. 49, janeirojunho, 2005, pp. 35-42, Associação Nacional de História – Brasil SONTAG, Susan. O Mundo-imagem. in Ensaios sobre a fotografia, tradução de Joaquim Paiva. Editora Arbor, Rio de Janeiro, 1981.

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Cartão de Memória imagens que entraram para a história

Thomas Hoepker

Ensaio com Muhammad Ali

“N

ão sou um artista, sou um criador de imagens”. Essa frase, do fotógrafo alemão Thomas Hoepker, resume bem o seu trabalho, em uma carreira de muito sucesso de mais de 50 anos. Nascido em Munique, no ano de 1936, Thomas estudou História da Arte e Arqueologia e entre os anos de 1960 e 1963 trabalhou como fotógrafo nas publicações Münchner Illustrierte e Kristall, cobrindo eventos nos cinco con-

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tinentes. No ano seguinte, passou a trabalhar na Stern Magazine como repórter fotográfico, vindo a se tornar membro da agência Magnum no final da década de 1980. Seu extenso trabalho de reportagens ganhou ainda mais destaque por ele ter feito os retratos mais famosos do boxeador Muhammad Ali, a qual destacamos dois para uma breve análise. Escolhemos essas fotos para ilustrar uma ideia bastante interessante de Hoepker que foi

Dennis Stock/ Divulgação

Por Rodrigo Cruz


tirar o pugilista do seu lugar comum, os ringues, e transportá-lo para as ruas para fazer um ensaio completamente diferente do habitual. Thomas sempre se definiu como um fotógrafo de rua, que vê o que acontece ao redor de si e fotografa: “Não existe o conceito de premeditado, de pré-arranjado. Na minha visão, esse é o interessante da fotografia: recortar uma parte da realidade e capturar momentos adequados para serem documentados de forma memorável”.

Essas imagens ilustram bem esse pensamento e nos faz pensar o quanto a rua, que já proporciona momentos memoráveis para a fotografia, por si só, pode servir também como palco para realização de grandes ensaios.

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Cultura

Amplie suas referências Filme

MIL VEZES BOA NOITE (Tusen ganger god natt) Direção: Erik Poppe Elenco: Juliette Binoche, Maria Doyle Kennedy, Nikolaj Coster-Waldau Nome Original: Tusen ganger god natt Ano: 2013 Duração: 117 min País: Noruega/Irlanda/Suécia Classificação: 14 anos Gênero: Drama

Impasses do Conflito

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uerra, de acordo com definição no Dicionário é: ‘’Luta armada entre nações, por motivos territoriais, econômicos ou ideológicos. Arte militar(...)’’. É nesse cenário que o filme ‘Mil Vezes Boa Noite’ (Tusen ganger god natt, 2014) está ambientado. A veterana atriz francesa Juliette Binoche interpreta a fotógrafa de guerra Rebecca, que em prol do ofício, viaja frequentemente para zonas de conflitos e campos de refugiados. Logo no início do filme, é mostrado um ritual em que as mulheres adultas revestem de bombas o corpo de uma adolescente, e há um grande clima de tensão sobre a cena.

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A fotógrafa Rebecca acompanha passo a passo do ritual.Esse é o início de uma história que mostra a hesitação de uma mulher que tem prazer em registrar os momentos, mas que enfrentará um dilema ao ter que escolher entre a família (receosa por perdê-la devido a periculosidade da profissão) ou ao seu idealismo. Dirigido pelo norueguês Erik Poppe (que inclusive é um ex-fotógrafo de guerra), ‘Mil Vezes Boa Noite’, retrata através de belos cenários e fotografias (praias, desertos) e a boa interpretação de Binoche, o que é ser um fotojornalista, seja de conflitos urbanos, seja de grandes guerras ou guerrilhas. A percepção

Divulgação

Por Ana Luiza Aragão


Divulgação

que podemos ter é a de que cada fotografia clicada resume-se em uma missão, e carrega consigo uma utilidade para a sociedade: através de uma única imagem, podemos relatar alguma situação de um ponto de vista distinto. Tanto no filme como fora das telas, é notória esta identificação do profissional com os dramas alheios. O trabalho, quase em sua totalidade das vezes em que se é executado, carrega riscos e consequências negativas: indivíduos e alguns órgãos possuem receios de serem retratados ou expostos. Em 2011, o fotógrafo francês Luca Mebrouk Dolega de 32 anos, perdeu a vida enquanto realizava a cobertura da crise política na Tunísia; em 2014, o americano James Foley, foi decapitado por um grupo terrorista e no Brasil, o cinegrafista

Destemida No filme, a fotógrafa Rebecca não recua na hora de fazer seu trablaho

da Rede Bandeirantes, Santiago Ilídio Andrade, foi vítima de um rojão durante uma manifestação no Rio de Janeiro. Estes são somente alguns casos que temos conhecimento, lamentavelmente muitos >> EVF_MAR/ ABR

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cultura

outros casos desta natureza ocorrem; são perigos da profissão, como outras também possuem, em maior ou menor grau. ‘’Mil Vezes Boa Noite’’ é somente um retrato singular, uma essência desses casos, e que procura mostrar a afeição pela profissão, até onde podemos ir em busca de uma informação, até onde isso pode nos afetar. Quanto ao dilema vivido pela personagem, o que ocorre é uma situação típica para profissionais do ramo, que possuem a inclinação para o desconhecido e que imbuídos pelo êxtase do ‘click’, se expõem, ainda que inconscientemente ao perigo. As imagens feitas por fotógrafos de zonas de conflito

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geram questionamentos, que expõem profundamente as mazelas sociais, naturais e de outras vertentes. Não há como contestar uma ou mais imagens que foram encarregadas de revelar algum acontecimento: conceito clichê de que ‘’uma imagem vale mais que mil palavras’’’ não foi proferida à toa e mantida por tantas décadas. Funciona desta forma. O conjunto de elementos neste processo e suas formas de abordagens agregam valores, conhecimentos e cultura para a posteridade. Fotojornalistas são peças essenciais para o desdobramento de acontecimentos e fatos que são de interesse coletivo. O filme retrata esse ponto.

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Assita acima ao trailer do filme.


cultura Catálogo

Modernidades Fotográficas

O Autores: Thomaz Farkas, Marcel Gautherot, José Medeiros, Hans Gunther Flieg Instituto Moreira Sales Formato: 22 x 19 cm Páginas: 281 R$ 124,90 Livro

catálogo reúne a obra de quatro grandes fotógrafos brasileiros num período crucial para a formação da fotografia moderna brasileira – e para os destinos do país. O catálogo estuda a obra fotográfica de José Medeiros (19211990), Thomaz Farkas (1924-2011), Marcel Gautherot (1910-1996) e Hans Gunther Flieg (1923-), todos com acervos pertencentes ao IMS. Nos textos reunidos no catálogo, quatro ensaístas examinam as diferentes noções de modernidade que se manifestam no trabalho dos fotógrafos, do fotojornalismo de Medeiros ao modernismo de Gautherot, da abstração de Farkas à fotografia industrial de Flieg – tudo isso contra o pano de fundo de um país em rápida e contraditória transformação.

José Medeiros Chroniques brésiliennes

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O Autor: José Medeiros Instituto Moreira Sales Formato: 27 x 22,5 cm

livro, publicado na França em 2011, por ocasião de duas grandes exposições dedicadas ao trabalho do fotógrafo brasileiro José Medeiros, traz um conjunto de fotografias feitas por ele para a revista O Cruzeiro, nas décadas de 1940 a 1960. A edição, assinada pelo Instituto Moreira Salles, pela Maison de l’Amérique Latine, pela Maison Européenne de la Photographie e pela Éditions Hazan, além das fotos, tem ainda textos de Elise Jasmin, Sérgio Burgi, Sérgio Augusto e Samuel Titan Jr.

Páginas: 240 R$ 99,90 EVF_MAR/ ABR

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MUTANTE

algo diferente A cada edição A polêmica envolvendo o prêmio revogado do World Press Photo, o maior e mais importante concurso de fotojornalismo do mundo, foi grande. O italiano Giovanni Troilo, ganhador da categoria de Histórias Vidas Quotidianas, deve estar se culpando até agora por ter bancado o espertinho e ter visto o prêmio voar das suas mãos para as do dinamarquês Mads Nissen. E, diante desse episódio histórico, resolvemos listar prêmios que alguns personagens do cinema e da TV poderiam dar ao italiano gente boa para reanimá-lo nesse momento difícil.

Calma, Troilo, com esses prêmios você volta a sorrir.

A capa da invisibilidade, de Harry Potter. Agora, sim, você vai poder dar um sumiço nos seus problemas, hein! Ou quase isso...

A Palheta do Destino, do filme Tenacius D - Uma dupla infernal. Caso resolva mudar de profissão...

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O livro das cantadas, de Barney Stinson, da série How I Met Your Mother. Com esse belíssimo exemplar com tudo que um homem precisa para conquistar uma mulher, não temos dúvida que você esquecerá rapidinho esse triste episódio. Desconsiderar se for compromissado. O controle do filme Click. Com esse presentinho, você vai poder avançar até o próximo WPP e tentar ganhar sem trapaças.

Fotos: Reprodução

A famosa torta da série não tão famosa Pushing Daisies. Com uma delícia doce dessa você nem vai lembrar o que é uma câmera, muito menos do WPP.


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