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ANO 1 | EDIÇÃO 3 | JAN/ FEV 2015
ATÉ A PRÓXIMA PARADA PROVOKE® FOTOCULTURA
ENTREVISTA
DAVID GIBSON
Para o fotógrafo inglês, o mais importante numa foto de rua é a alma
CAOS
DESCRITO
Projeto que une fotografia de rua e literatura caminha entre os limites da imaginação e da realidade EVF_JAN/ FEV
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SALVE!
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ssim como na teoria evolucionista, em que as espécies sofrem pequenas mutações aleatórias devido a erros na reprodução genética e que, dessa forma, elas mantém o que funciona e descartam o que atrapalha, nós, da EVF, evoluímos. E estamos em constante evolução, nos aprimorando, mantendo o que funciona e descartando o que atrapalha. Porque ficar estagnado não faz parte do nosso pensamento. Nosso objetivo é crescer sempre e fazer uma revista cada vez melhor para você, apaixonado(a) por fotografia de rua e documental. Inciciamos o ano em grande estilo. Nesta edição, superamos barreiras, atravessamos continentes e você confere fotografia de rua feita no Brasil, na Inglaterra e no Japão. No Brasil: Unir fotografia de rua e literatura. Essa é a proposta do coletivo Caos Descrito. Três fotógrafos de rua de Curitiba se uniram a escritores de várias partes do Brasil para dar vida a uma ideia que vem dando muito certo, com trabalhos incríveis, que mistura realidade e imaginação de um jeito único. Falamos com uma das fotógrafas e pudemos entender melhor sobre essa iniciativa. Ainda mostramos três fotos com seus respectivos textos na íntegra para você sentir ainda mais vontade de conhecer mais sobre o projeto no site do coletivo (depois que terminar de ler a EVF, claro). Um casal se conhece, se apaixona e fica junto. Essa é uma história que se repete todos os dias. Mas uma fotógrafa de São Paulo se apaixonou por um publicitário do Rio de Janeiro e uma vez por mês viaja 536 Km para vê-lo. Desenvolveu um projeto de fotografia de rua documentando essas viagens. Retratou pessoas esperando, reencontrando, partindo, retornando. Essa história e as fotos do projeto você confere a partir da página 22. Na Inglaterra: Uma grande honra desta edição foi entrevistar um dos maiores nomes da fotografia de rua contemporânea. O inglês David Gibson, que recentemente lançou o livro “Street Photographer’s Manual”, contou sobre sua forma de registrar, falou sobre projetos, sobre carreira e como ele vê o atual mercado da fotografia de rua pelo mundo. No Japão: Esta edição marca a estreia da coluna Provoke®, escrita por Rogério Dezem do outro lado do mundo sobre o cenário da fotografia de rua na Ásia e, principalmente, no Japão. Nesta edição entenda um pouco melhor sobre o conceito de espaço urbano, a partir de grandes referências da fotografia e também da literatura. E, claro, tem ainda a coluna Fotocultura, que nesta edição fala sobre o projeto Fotoculturaparatodos, que tem levado cultura, fotografia e esperança para quem precisa. E também a seção Curso prático na rua, que nesta edição esclarece alguns pontos sobre questões legais da prática fotográfica nas ruas. Boa leitura! Bruno Schuveizer Editor
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EVF
Edição 3 | Janeiro/ Fevereiro 2015
Editor & Publisher Bruno Schuveizer Redação Rodrigo Cruz Ana Luiza Aragão Colaboradores especiais Yuri Bittar Rogério Dezem Foto de capa Bruno Duarte Sampaio/ Caos Descrito/ Div. Agradecimentos especiais Tatiana Espíndola Glauco Tavares Projeto gráfico Bruno Schuveizer Publicidade Anuncie publicidade@revistaevf.com.br Fale com a redação/ Pautas redacao@revistaevf.com.br Seja um colaborador redacao@revistaevf.com.br Esta publicação é totalmente independente e não tem afiliação a nenhuma das empresas ou organizações mencionadas. As opiniões em textos assinados não refletem necessariamente as opiniões da revista, podendo ser até contrárias a esta.
Canais www.revistaevf.com.br
Bruno Schuveizer - Mauá, SP
Conteúdo
Caos Descrito: Fotografia e literatura juntas
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As fotos enviadas pelos leitores
Um dia de aprendizado na Rua 33-Espaço de Fotografia
Fotografia de rua e literatura: projeto é um convite à reflexão
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35mm
Discussões, tendências e notícias no mundo da fotografia de rua e documental
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Curso prático na rua
Até a próxima parada
Fotógrafa registra suas viagens de SP ao RJ para ver o namorado
capa: Caos descrito
Entrevista: David Gibson
O fotógrafo inglês concede entrevista exclusiva à EVF
Bruno Duarte Sampaio/ Caos Descrito
SUA FOTO
Foto feita por David Gibson, um dos principais fotógrafos de rua da atualidade, que fala com exclusividade à EVF
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COluna Provoke®
Rogério Dezem traz o melhor da fotografia de rua na Ásia
60 David Gibson
Coluna Fotocultura
Fotoculturaparatodos leva fotografia e cultura a crianças com câncer em São Paulo
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Cartão de Memória
Confira análise de uma das fotos mais emblemáticas de Dennis Stock
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mutante
Nesta edição, propaganda de 1954 da lendária Leica M-3
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cultura
Documentário retrata trabalho de fotógrafos cegos
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SUA FOTO #omundoéláfora
Carminha Bacariza De Portugal
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foto foi tirada durante umas férias na vila portuguesa de Ponte de Lima. Eu estava a tirar fotos pela zona enquanto dois senhores que estavam felizmente na conversa estavam a me olhar (facto no que reparei só quando me decidi a dirigir a objetiva da minha câmera na sua direcção).
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Dados técnicos Canon T5 Distância focal: 55mm f/5.6 | 1/100 | ISO 100
Danilo Vieira
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ssa foto foi feita durante a 2 saída Fotográfica da Rua 33, estava observando o painel do Impostômetro quando notei a aproximação do carroçeiro.
Dados técnicos Canon T3 Distância focal: 208mm f/5.6 | 1/100 | ISO 100
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SUA FOTO
Isac Kosminsky
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ou de Salvador, Bahia, e atualmente moro em Belo Horizonte. Então de vez em quando saio pelas ruas da cidade em busca de boas fotos. Passeando pela Praça da Estação, duas coisas me chamaram a atenção: a organizada fila de pessoas aguardando o ônibus e o prédio ao fundo com pichações em seu topo. Fiz alguns cliques e esse foi o que mais gos-
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tei, pois pude enquadrar o prédio e a fila de pessoas. O interessante em ser novo na cidade é justamente ter outro olhar sobre ela. Dados técnicos Nikon D50 Distância focal: 70mm f/22 | 1/30 | ISO 400
SUA FOTO
Paula Mariane
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erto dia, quando eu estava esperando meus alunos para a aula prática em um parque de Sorocaba/SP, encontrei três meninos. Eles ficaram super curiosos em relação ao curso de fotografia que eu estava ministrando -- me perguntaram uma série de coisas relacionadas à fotografia. No fim, os meninos me acompanharam duran-
te a aula toda. Fiz várias fotos deles. Essa foi a que me chamou mais atenção. Eu não deixaria de registrar esse olhar. Dados técnicos Nikon D5100 Distância Focal: 55mm f 5.6 | 1/200s | ISO: 160
Envie sua foto! Para ter sua foto aqui, basta postar nas redes sociais utilizando a hashtag #omundoéláfora. Ou mande um e-mail para: redacao@revistaevf.com.br Não se esqueça de um breve relato de como e onde a foto foi feita e dos dados técnicos.
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35 mm
Discusões/ Tendências/ notícias/ Rumores Nesta edição - Foto de rua no Brasil - Foto de rua na Inglaterra - Foto de rua no Japão
Tempo gasto pela redação #Questionando #Reclamando #brigandoporfériasbônus #Curtindoasfériasbônus
Frase de destaque
“A partir de hoje está declarada férias bônus na redação” -- Muito sangue foi derramado, mas essa mensagem colocada no mural em dezembro compensou todos os esforços.
Discussão
Não deve ser só uma Questão de espaço Fotografia de rua não tem a ver com tirar 324 fotos em duas horas
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oje é muito comum sairmos para fotografar e voltarmos com o cartão de memória cheio. São inúmeras fotos. Muitas delas, praticamente idênticas, só ‘pra garantir’. Mas será que esse é o melhor caminho quando estamos falando de fotografia de rua? A resposta, como na maioria das vezes, é subjetiva, afinal cada um tem seu jeito de fotografar. Mas existem algumas coisas que podem ser levadas em consideração nesse assunto. Quando estamos começando a praticar street, parece que tudo é interessante. Olhamos o ponto de ônibus e lá está uma cena bacana, olhamos para o ônibus e vemos uma foto daquele passageiro olhando pela janela! Olhamos para a faixa de pedestre e outro click. E para cada cena, de 5 a 10 fotos.
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Em duas horas, fotografamos de tudo, e o cartão está cheio. Então, voltamos para casa para ver o resultado no computador e salvar as melhores fotos nos HD’s. Só que, no final das contas, percebemos que não temos nenhuma foto realmente interessante (isso só acontece quando já praticamos há algum tempo e desenvolvemos nossa autocrítica, essencial para qualquer fotógrafo). Então o que fazer? Se mesmo com câmeras digitais que nos permitem fotografar milhares de fotos sem maiores custos, não conseguimos resultados realmente descentes... Bem, a reposta talvez seja: Fotografe menos vezes por saída. Antigamente, quando o filme era a maneira mais popular (e barata) de fotografar, as folhas de contatos eram muito valorizadas justamen-
Bruce Gilden/ Magnum Photos/ Reprodução
te por serem bem limitadas. Assim era possível ver como o fotógrafo clicava e o quanto ele “desperdiçava” algumas fotos para conseguir uma boa. Quando começamos a nos policiar para fotografar apenas assuntos que sejam, de fato, de nosso interesse o número de fotos é drasticamente reduzido. Ficamos mais atentos. Treinamos nosso olhar para cenas que são realmente interessantes, e não simples reproduções do que já estamos cansados de ver. Com o tempo, isso faz com que possamos identificar com mais facilidade o que pode render uma boa foto de rua e o que já não é novidade para ninguém. Fotografar muito com pouca frequência é diferente de fotografar pouco com muita frequência. Um bom exercício é limitar o número de fotos. Por exemplo, imagine que você só tem um filme de 36 exposições. Nenhuma a mais. Então saia às ruas e gaste esse “filme”, faça
Objetivo Folha de contatos de Bruce Gilden. É possível ver claramente o que ele busca nas ruas as 36 fotos. Você pensará duas ou mais vezes se determinada cena realmente merece ser clicada ou não. Para alguns, 36 fotos pode ser até um número relativamente alto para uma saída. Para outros, pode ser muito pouco. Depende de cada estilo. Lembre-se, isso é apenas um exercício. Cada um tem sua própria maneira de praticar fotografia de rua, mas menos fotos por saída para quem está começando pode significar um passo essencial para a evolução do olhar e de seu estilo. EVF Concorda? Discorda? Opine! Deixe seu comentário nesta página por meio da ferramentea ‘Clip’, localizada no canto superior direito. Selecione o trecho e comente!
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35 mm > Tendência
A fotografia de rua em
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os últimos anos, temos visto a fotografia de rua crescer de forma bastante animadora. São inúmeros fotógrafos ao redor do mundo experimentando e pegando gosto por essa prática. O mundo se mostra cheio de novidades, e uma quantidade infinita de possibilidades surge diante das lentes desses fotógrafos cada vez mais andarilhos. A internet é o espaço perfeito para mostrar seus trabalhos, ver o trabalho de outros fotógrafos, trocar ideias, aprender. A internet é democrática, e a fotografia de rua permite que qualquer um a pratique. Não precisa de grandes investimentos, basta uma câmera (qualquer uma) e vontade. Neste ano de 2015, muitos novos fotógrafos descobrirão os prazeres de praticar street. E muitos outros começarão na fotografia justamente por meio desse caminho. No mercado fotográfico, assim como em todos os outros, um novo ano chega repleto de desejos e também de dúvidas. No campo dos desejos, mais individual, espera-se evoluir, talvez realizar um projeto, expor em alguma galeria, estudar, entre tantos outros. Já o campo das dúvidas se reserva mais ao mercado em si. Quanto a isso, sobram sorrisos se pensarmos na comunidade de fotógrafos de rua. É possível dizer que essa é uma das áreas mais
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aquecidas no mercado fotográfico atualmente. São novos equipamentos pensados exclusivamente para quem fotografa nas ruas que se somam a um arsenal já considerável. Praticamente todas as fabricantes de câmeras já têm produtos para esse público. Câmeras, lentes e acessórios feitos especialmente para fotógrafos de rua. Nesse cenário, a dificuldade fica em escolher o que mais agrada. Com tantos praticantes surgindo e se juntando aos já iniciados, a troca de experiências fica mais plural. E isso revela um fenômeno curioso e muito bem-vindo: A preocupação por fazer um trabalho cada vez melhor para conseguir espaço nesse mundo. Fotógrafos de rua realmente preocupados em buscar referências e evoluir. Com isso a qualidade imagética em grupos voltados exclusivamente para street photography só tende a crescer. O ano já começa esperançoso para esse mercado, que é dinâmico e moldado por quem de fato faz parte dele, os fotógrafos de rua. São esses os principais responsáveis pelo crescimento e disseminação da fotografia de rua em todas as partes do mundo. Os próprios fotógrafos de rua são o principal incentivo da indústria para fortalecer essa prática. Então, que tal deixarmos de lado a tradicional pergunta “o que esperar deste ano” para, no lugar, questionarmos “O que fazer neste ano?”? EVF
Freepic.com
Expectativas para o ano
35 mm > Randômicas
O excesso de selfies na internet pode estar ligado a…
BLOCO DE
NOTAS
Notícias e rumores para serem lidos num piscar de olhos
Ilustração: Freepic.com/ Masanori Yashida: Nozomi man Mr Tanaka/ Reprodução / Sensor: Reprodução/ Fake Sony A9: SonyAlphaForum/ Reprodução
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ocê já deve ter cansado de ouvir o termo “selfie”, não é mesmo? O auto-retrato nunca esteve tão em moda, a ponto de ter se tornado o tipo de fotografia mais praticado durante todo o ano pelos inúmeros perfis das mais diversas redes sociais. Mas o excesso dessas imagens pode estar ligado a algo bastante curioso. Recentemente, um estudo denominado “Het fotograferen van ontbering en eenzaamheid”, (Fotografando a carência e a solidão, em tradução livre), da doutora em Psicologia Christyntje Van Galagher da Universidade de Wageningen, na Holanda, relacionou a elevada exposição pessoal dos usuários do Instagram ao nível de carência sexual. Essa pesquisa interpreta as fotos selfies como sendo uma fuga digital da realidade concreta marcada pela insegurança e o medo do abandono. Durante a pesquisa foram entrevistadas 800 pessoas viciadas em selfies onde 83% delas diziam não possuir vida sexualmente realizada. O mais assustador nesse cenário é o contraste entre a publicação de imagens e a prática sexual, que é de 45 fotografias postadas mensalmente e apenas 2 relações no mesmo período. Ainda para a doutora, “os viciados em selfies avaliam seu nível de bem-estar baseados nos likes que a imagem que construíram de si mesmo recebem. Usam filtros e tecnologias de manipulação de imagem para venderem uma imagem aos fãs. No entanto, a vida real é sem photoshop”. Rodrigo Cruz
Direto e reto Em recente entrevista, Masanori Yashida, diretor geral da sede de produtos de vídeo óptico e eletrônico da Fujifilm, confirma que médio formato e full frame não estão nos planos da empresa. O foco continuará no desenvolvimento de sensores X- Trans APS-C. Rivalidade Diretores da Canon e da Nikon confirmam que 2015 tem grandes chances de ser um ano de uma nova corrida de Megapixels. Também deixam claro que pretendem investir mais seriamente no mercado das mirrorless. Chegando Rumores indicam que as Sony A7000 e A9, essa última com sensor full frame de 46 Megapixels, devem ser lançadas ainda na primeira metade do ano.
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Curso prático na rua
Ganhe um curso
Em toda edição, a EVF e a Rua 3 3 convidam um leit or para um curso gratuito de um d ia em São Paulo . Envie um e-mail para redacao@revista evf.com.br
Questões legais Fotos: Weslei Barba
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lgumas das dúvidas mais frequêntes na cabeça de muitos fotógrafos de rua têm a ver com conceitos relacionados à parte legal. Para um fotógrafo é importante conhecer pelo menos o básico desse mundo. W e s l e i Barba, fotógrafo freelancer e apaixonado por
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fotografia de rua também possuía dúvidas sobre isso. E o curso na Rua 33 - Espaço de fotografia o ajudou bastante nesse aspecto. Todo fotógrafo de rua que deseja se aprofundar mais, precisa conhecer as questões legais que essa prática envolve. Desconhecer a lei não é desculpa e sabemos muito
bem disso. No curso, Weslei pôde conhecer um pouco mais sobre direito autoral e direito de imagem, além de se aprofundar em tópicos importantes para evitar futuras dores de cabeça. Conceitos como logradouros públicos e bens públicos, que muitas vezes confundem algumas pessoas, foram esclarecidos. Por exemplo, um logradouro público pode ser uma praça, ponte, ruas etc, nesses lugares é permitido fotografar livremente. Já em um bem público, como um parque, existem algumas restrições como poder fotografar sem fins comerciais ou ter que possuir autorização para realizar o trabalho. No caso de fotografar pessoas nas ruas, também existem algumas restrições que mui-
O aluno Fotógrafo freelancer especializado em fotografia documental. Estudou publicidade e propaganda e também atua Weslei como produtor de Barba filmes. Se interessa por fotografia de rua há alguns anos, e quis participar do curso principalmente para acabar com suas dúvidas sobre as questões legais da prática. Site:
O professor
Simpatizante da fotografia desde muito jovem, foi apenas em 2009 que a fotografia de rua tornou-se sua paixão e desejou tê-la como Glauco parte de sua hisTavares tória. Motivado pela fundação de sua Organização Humanitária, aprofundou seus estudos e criou projetos em parceria com a SHSF e, em 2014, fundou o espaço de fotografia RUA 33 com foco em fotografia de rua. Site:
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Curso prático na rua
Barba clicou na hora certa e o resultado ficou pra lá de bacana tas vezes nem nos damos conta. Como regra geral é permitido fotografar qualquer pessoa na rua, desde que não constranja o retratado ou que não utilizemos a foto para fins comerciais. É possível utilizar fotos de pessoas para portfólios, mas, caso o objetivo seja vender a imagem em uma galeria ou utilizá-la em alguma campanha publicitária, é necessário que a pessoa fotografada autorize. O ideal é uma autorização por escrito, mas também pode ser feita por vídeo, por exemplo. O que também chamou a atenção de Weslei foi sobre fotografar pessoas públicas e famosas. É importante lembrar que são duas coisas diferentes, e cada uma tem suas regrinhas. Pessoas públicas nada mais são do que
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funcionários ou servidores públicos, como politicos, policiais, juízes etc, e, enquanto estiverem em exercício da função, podem ser fotografadas sem problemas. Já pessoas famosas tem os mesmos direitos de pessoas comuns ao serem fotografadas. Outro tema abordado no curso sobre questões legais foi sobre a diferença entre individualizar alguém numa foto ou enquadrar essa pessoa dentro de um contexto coletivo, com outras pessoas. Nesse aspecto, valem basicamente os mesmos pontos com relação a se alguém se sentir constrangido. Além das questões legais, o curso também mostrou um pouco da história da fotografia de rua, grandes nomes e referências, téc-
curso prático na rua O aluno comenta o curso “Aproveitei muito o conteúdo que aborda a questão de autoria fotográfica, ou seja, conheci conceitos importantes sobre direito de imagem e procedimentos necessários aos fotógrafos de rua. Tais procedimentos podem garantir futuras publicações em obras como livros, revistas, ou até em projetos com ou sem fins comercias. Outro ponto importante abordado no curso é relacionado a teoria da história da fotografia de rua, onde o método apresentado foi extremamente eficaz, possibilitando uma excelente base de referência teórica. Eu acredito que ao levar esse repertório para a rua, o ato fotográfico fica menos
previsível, é uma base fundamental para o processo criativo na fotografia. Pude aproveitar também inúmeras dicas de obras de grandes autores, que tratam, antes de tudo, da fotografia como um todo. O curso foi bastante consistente e ampliou meus conhecimentos em fotografia de rua, área que me interesso há um bom tempo. A maneira como foi ministrado, em diálogo aberto, super dinâmico, de forma horizontal, quase como um bate papo, com conversas, criando discussões que puderam auxiliar na saída fotográfica, facilitou muito para absorver os conteúdos.. “
Às escondidas O que esta parede estaria escondendo? nicas que podem ser úteis para fotógrafos de rua, entre outros assuntos. E também contou com a parte prática, na qual Weslei e Glauco saíram às ruas para fotografar.
Mais: Conheça mais sobre a Rua 33 e veja as diversas opções de cursos oferecidos:
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Despedida
Pai fotografa famĂlia pouco antes da partida
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Até a próxima parada
A fotógrafa Sarah Ferreira documentou suas viagens de São Paulo ao Rio de Janeiro e mostra como é a vida na estrada
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ma vez por mês Sarah Ferreira sai do Terminal Rodoviário do Tiete, em São Paulo, e viaja 536 quilômetros até a Rodoviária de São Pedro da Aldeia, no Rio de Janeiro, para encontrar seu amor. Uma viajem que começa assim que ela sai da faculdade na sexta à noite e só termina quando já é possível ver os primeiros raios de sol na manhã de sábado. “Nos meus caminhos, vi e vivi diversas situações e histórias. Fiquei familiar dos motoristas e de alguns passageiros, que sempre
Texto: Bruno Schuveizer Fotos: Sarah Ferreira vão e voltam nas mesmas datas e horários que eu. Vi famílias viajando juntas, famílias separadas pelas distâncias da estrada, pais, filhos, namorados se despedindo nas plataformas de embarque. Sorrisos e lágrimas no desembarque. A espera, o cansaço, os momentos de descontração”, lembra-se Sarah. E assim teve início o Até a Próxima Parada, projeto de fotografia documental, feito inteiramente com um celular, sobre as paradas, rodoviárias, estradas e, principalmente, pessoas. Ao todo foram 29 fotos feitas entre abril e setembro de 2014, e cada uma conta sua história. EVF_JAN/ FEV
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Até a próxima parada
Família se despedindo de rapaz. “Não sei ao certo qual a relação da garota com o rapaz. Mas ela estava chorando muito, olhava para o ônibus e ficava desesperada”.
E Sarah lembra-se de todas. Ela relembra algumas dessas histórias que ficaram mais marcadas em sua memória. Ao falar sobre a foto do pai fotografando o filho bebê, que estava junto da mãe no ônibus, ela se emociona e sorri. “Foi uma mistura de um momento muito bonito, com muito triste, pois foi emocionante ver a família se separando daquele jeito. De dentro do ônibus a mulher dizia “dá tchau pro papai” enquanto ele tirava fotos do bebê na janela.”
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Outro episódio que ela se lembra bem em uma de suas viagens -- e que ela não deixou de registrar -- foi o de uma família se despedindo de um rapaz. “Não sabia ao certo qual era a relação da garota com o rapaz, se era namorada, irmã. Mas ela estava chorando muito, olhava para o ônibus e se desesperava...” A vida na estrada é cheia de imprevistos. E muitas vezes atrasos são inevitáveis, ainda mais em viagens longas como essa. Sexta-feira e Sarah sai da faculdade e
até a próxima parada
Todas as fotos foram feitas com um Iphone 4s e editadas no prórpio aparelho.
vai para a rodoviária. A segunda vez que ela ia para o Rio. E a saudade de seu amor era grande. A vontade de chegar logo, de ser abraçada, só aumentava ainda mais a sua ansiedade. Mas era feriado prolongado de Páscoa. “A rodoviária estava extremamente lotada, e os ônibus estavam com, no mínimo, quatro horas de atraso, devido à fila de ônibus na entrada da rodoviária. Meu ônibus deveria sair por volta das 21hrs, e saiu pouco depois das 2hrs
da madrugada. Como era minha segunda vez indo ao Rio, e ainda não conhecia o ônibus que vai direto para a Região dos Lagos, ainda ia para a capital para depois pegar outro ônibus. Devido ao atraso, perdi o outro ônibus, e cheguei quase meio-dia, quando devia ter chegado às 8hrs”, lamenta. As fotos deste projeto foram feitas entre abril e setembro de 2014, mas Sarah conta que continua fotografando suas viagens ao Rio. Afinal, o celular está sempre em mãos. EVF_JAN/ FEV
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Feriado prolongado de Pรกscoa Em sua segunda viagem ao Rio, Sarah enfrenta rodoviรกria lotada e atraso de quatro horas
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A história por trás do projeto
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aneiro. Primeiro mês do nosso calendário. Mês que representa o início, coisas novas, desejadas, planejadas ou não. Em dezembro dizemos: Que o próximo ano traga uma infinidade de conquistas e vitórias. E amores. Em janeiro, os dados são lançados. E a torcida é grande para que a combinação de números seja grande. Em Janeiro de 2014, exatamente um ano atrás, Sarah Ferreira e Felipe Grille lançavam seus dados na esperança de ter um grande ano. Ela em São Paulo. Ele no Rio de Janeiro. Ela de Gêmeos. Ele de Leão. Mas quando dados são jogados ao mesmo tempo no tabuleiro, eles podem se esbarrar. Um amigo carioca que Sarah conhecia apenas pelo Facebook ia vir a São Paulo para os dois irem ao show da banda Title Fight. Pouco antes, ela bisbilhotou o perfil do rapaz para memorizar seu rosto e não ter dificuldades para reconhecê-lo pessoalmente. Em algumas fotos, esse amigo estava acompanhado de Felipe. “Nossa”, pensou Sarah ao ver
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aquele cara ao lado. E, bem, todos que usam ou já usaram Facebook podem imaginar o que ela fez em seguida. Enquanto olhava o perfil do rapaz, pensou “NOSSA” e logo escreveu para o amigo: “Ow, esse seu amigo é uma belezinha, hein!”. A resposta veio em seguida: “Ah, é? Quer que eu faça a ponte?”. E foi assim que os dados de Sarah e Felipe se esbarraram. Para somarem-se. E desde o primeiro dia em que aquela janelinha do chat pipocou na tela de Sarah, não pararam mais de se falar. “Eu tinha ganhado uma viagem para o Rio de Janeiro, e ia para Búzios em abril. Ou seja, dali a cerca de três meses. E onde ele morava? Perto de búzios. Perfeito, dali a três meses iríamos nos conhecer. E, durante esse tempo, nos falamos todos os dias. Todos os dias. Sábado, domingo, feriado, carnaval, mesmo que fosse só um “Fala tu!” no final do dia, só pra saber como foi, o que fez, e dar umas risadas juntos.” Na segunda-feira da semana da viagem (ela sairia de SP na sexta de manhã) bateu uma ‘bad’, como ela diz. “Coisas que li na internet, papos com ele e com meus amigos, tudo levava a crer que eu estava me iludindo, que seria só um lance de um fim de semana e pronto. E não teria problema se fosse, mas eu me deixei levar. Fiquei mal, comecei a ser fria com ele, estava me sentindo horrível.” O amigo que uniu o casal aconselhou Sarah, sem medo de magoá-la: “Olha, ele é um cara complicado. Já passou por muita coisa, e se fechou. Mas eu te digo uma coisa: Vai. E vai de coração aberto. Não espera nada, mas vai de coração aberto pra viver o que tiver que viver nesses três dias lá.” Sarah foi. “Quando percebi que estava
até a próxima parada
“
Mas como tudo desde o primeiro “Fala tu!” no chat do Facebook, foi natural. Desci do ônibus direto pros braços daquele moço que vi três meses atrás na foto do meu amigo”
chegando mandei: “To chegando!!”. “Quando o ônibus estava estacionando na rodoviária e a gente se viu pela primeira vez por uma fração de segundo, ele lá fora me esperando e eu levantando pra ir pra porta. E dá pra imaginar o medo e aquele clima de ‘Como será que vai ser? Será que dou beijo no rosto ou chego beijando na boca? O que eu falo?’. Mas como tudo desde o primeiro “Fala tu!” no chat do Facebook, foi natural. Desci do ônibus direto pros
braços daquele moço que vi três meses atrás na foto do meu amigo, e que parecia inatingível. Desci e ele me puxou com um sorriso no rosto, me deu um beijo na boca, um abraço, me pegou pela mão e disse “Vamo?”. Eu fui. E pra quem possa estar se perguntando, sim, foi mais do que um fim de semana. Continua sendo. E ele continua me inspirando a viajar, a criar, a fotografar, e principalmente, a amar. “
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At茅 a pr贸xima parada
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LIVRO Até a próxima parada As fotos feitas durante as viagens foram reunidas em um livro que deve ser lançado neste ano.
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Caos Descrito Fotografia de rua, literatura e uma dose extra de imaginação. E de realidade Por Bruno Schuveizer
m grupo de fotógrafos de rua de Curitiba, Paraná, resolveu criar um projeto diferente. Em vez de formarem um coletivo que produzisse apenas fotos, resolveram convidar também escritores. A ideia surgiu quando a fotógrafa Suhellen Dolenga trabalhava em um ambiente repleto de literatura. “Trabalhei durante dois anos em
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uma biblioteca, isso acabou também sendo uma inspiração na hora que criar o Caos, além do gosto comum e preferência por fotografia de rua, como também desde criança se interessar por histórias, teatro, filmes. E normalmente uma foto tem uma história, mas vai de cada um interpretar. Nós passamos nosso olhar aos escritores e eles a voz que nos faltam.” Além dela, os fotógrafos Bruno Duarte Sampaio e Matheus Cappellato, produzem imagens com essa temática urbana e os escritores convidados escrevem um texto em cima do que foi apresentado a eles. Os três fundaram o projeto, que já conta com mais de 30 escritores de Curitiba, São Paulo e Minas Gerais.
Caos Descrito
O fotógrafo envia sua foto ao escritor, que discorre sobre a imagem a partir de sua leitura. Projeto tem atraído escritores de diversas partes do Brasil. E, claro, muitos leitores O Caos descrito, de acordo com Suhellen, surgiu da ideia de reunir imagens dos três fotógrafos que mantém o projeto e de escritores para expor seus trabalhos seguindo sempre a linha do urbano, da rua, do caos que o mundo se encontra. O grupo mantém um site onde os trabalhos são reunidos. E são pontuais: As postagens ocorrem três vezes por semana, segunda, quarta e sexta. Sempre na parte da manhã. Cada imagem é acompanhada de um texto, ambos sempre muito inspirados. Tanto as fotos quantos as palavras, não raramente, atingem o leitor com um verdadeiro choque de realidade. Um convite à reflexão sobre diversos temas cotidianos, muitos deles ainda vis-
tos como tabus por nossa sociedade. Para os fundadores, a ideia do Caos também é atrair novas pessoas para fazer parte do projeto. Se você se interessou, também pode participar. Pode ser uma frase ou apenas uma palavra, e não esquecer de colocar “Caos Descrito” no final. “Queremos as ruas, os grafites, lugares abandonados… Onde você quiser mostrar a sua opinião, ideia, confissão … como quiser chamar, não há necessidade de mostrar o rosto, queremos algo criativo!”, pedem os organizadores no site do projeto. Agora, como os próprios integrantes do Caos Descrito dizem, pegue uma xícara de café, se acomode confortavelmente, vire a página e conheça um pouco dessa arte! EVF_JAN/ FEV
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Capa: Caos Descrito
DANcA COMIGO S
Foto: Suhellen Dolenga Texto: Alex Andrade u adoraria encontrá-la todas as tardes para conversar. Como ficaria feliz se ela soubesse que os meus dias ficam assim tão iluminados ao seu lado. Iria olhar ao redor, as pessoas, as paisagens, tudo teria um olhar resplandecente. Ela saberia com um simples sorriso o quanto eu sou
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um homem feliz, só porque estamos juntos, eu e ela. Faria de nossas tardes encontros reconfortantes e incríveis. As pessoas passariam por nós e ficariam encantadas com a grandeza desse encontro. Não diria quase nada, ficaria sentado ao seu lado esperando que ela falasse tudo que
Capa: caos Descrito tinha para dizer, eu seria o seu ouvinte, espectador de suas angústias e consolador de suas mazelas. Estaria ali ao seu lado com o coração pulsando de alegria, eu a faria feliz e enfim me tornaria um homem completamente realizado. Tocaria na sua mão com a delicadeza dos gestos, sentiria a penugem suave da sua pele, depois sorriria um sorriso de quem nada quer, sim, eu sei minha lindeza, você fica tímida toda vez que alguém toca a sua mão.
to estava fascinado por compartilhar com ela aquele momento mágico. Faço de você a minha vida, eu lhe diria também. Ficaríamos sentados à tarde inteira a olhar o vaivém das pessoas, algumas apressadas, outras fugindo das futilidades da vida, e nós, ah, nós dois sorrindo enquanto o mundo girava, girava. Depois de apontar umas pessoinhas estranhas passando a nossa vista, eu lhe cobriria de afagos, nos divertiríamos com a piegui-
“Eu me tornaria o amante mais ousado que ja se
ouviu falar, diria ao pe do seu ouvido umas frases picantes no meio daquele lugar, meus labios soprando, no lobulo de sua orelha, palavras desconcertantes, a saliva faltando na boca, um desejo enorme de colar os meus labios nos dela.”
E quem sabe me aproximaria um pouco mais, para sentir o cheiro bom do seu perfume. Ela talvez recuasse, talvez ficasse tímida, mas aos poucos lhe contaria histórias e declamaria uns poemas que aprendi na internet, só para lhe impressionar. Eu me tornaria o amante mais ousado que já se ouviu falar, diria ao pé do seu ouvido umas frases picantes no meio daquele lugar, meus lábios soprando, no lóbulo de sua orelha, palavras desconcertantes, a saliva faltando na boca, um desejo enorme de colar os meus lábios nos dela. evagar estaríamos os dois coladinhos. Ela me abraçaria e me contaria os seus desejos mais íntimos. Eu lhe diria o quan-
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ce alheia, como somos parecidos e divertidos, ela constataria. Se passasse um pipoqueiro eu lhe compraria pipocas para que a nossa tarde fosse romântica como nos filmes americanos. Só faltaria tocar uma canção do tipo My funny valentine. E eu sem a menor vergonha lhe convidaria para dançar no meio de toda gente. Dança comigo? Ela se levantaria toda aprumada e esquecendo-se de sua timidez colaria o seu corpo ao meu e, juntos dançaríamos sem se importar com ninguém. Eu enfim realizaria o maior dos meus sonhos: ser feliz. E ela, se soubesse ao menos metade do que planejei, talvez também fosse feliz.
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Capa: Caos Descrito
QUEIMAM-SE OS CAMINHOS POR ONDE SE PASSA Foto: Matheus Cappellato Texto: Natália Zuccala igo me sou caminho disse, quando deitei o meu primeiro pé na rota. Uma ruela. Sigo me sou destino. Disse-me aquilo. Aquele bicho que eu encontrei a porta daquele caminho e se foi. Eu encontrei um bicho na porta de um caminho que eu empeçava a começar e ele
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me disse, como se bichos dissessem, o que eu devia fazer. E eu posso dizer por poder jurar que era um bicho. Um bicho do tipo que fala. Há bichos e bichos. Há bichos que são grandes, pois este é o que não era. Este era bicho baixo. Quando um pai tem um filho, e o filho é grande, ele
Capa: caos Descrito costuma dizer: meu filho é comprido. Acontece que ser humano não é comprido, ser humano é alto, mas, por criança ser muito mais bicho do que ser humano, criança não é alta, criança é comprida, porque vive de horizontal. Então aquele bicho não era comprido, ele era pequeno e não vivia na horizontal. Se fosse um cachorro eu diria: era um cachorro que falava, acontece que não era. Tava mais pra um leão meio pássaro com cara de mulher, só que do tamanho de um cachorro pigmeu. Como se não bastasse não ser um cachorro, meio leão meio pássaro com cara de mulher. Quando eu deitei o primeiro pé naquela ruela onde eu quis por muito tempo pôr a boca, quis pisar descalça, o bicho já estava lá e me disse, aquilo. Eu estava indo aonde não se vai, que é exatamente aonde se vai sozinha, em direção ao que se quer de verdade, não ao que se acha que se quer. Te digo. Eu estava indo aonde eles dizem que não se deve ir porque quer-se muito, não estava indo aonde se quer ir muito porque eles dizem que não se deve ir. Não se deve porque eles dizem que não se deve. Mas eu e minha boca queriamos muito e não se deve ir onde se quer muito. Há de haver um problema em se querer muito. Pequena era eu, eu não era comprida. Baixa diziam que eu era. Eu. Tá aí, meus pais não deviam dizer de mim: ela é comprida, mesmo na horizontal, diziam que eu era baixa e me diziam: não vá lá, não se deve ir lá. Os meus pais. Nunca fiquei alta, mesmo um pouco menos pequena depois, depois de ter ficado um pouco mais grande como eu sou agora, quase grande, eu ainda não devia ir lá. Ainda não, baixinha. É verdade que eu havia me doído muito antes de decidir por definitivo botar a minha boca por aquele caminho, a rua onde não se devia ir justamente por se querer muito. Eu sa-
bia também que o querer muito muito entrar por aquele caminho não ia passar em mim, nem jamais, ia ser uma vontade pra sempre de deitar o pé naquele caminho, sedenta. E foi por isso mesmo que eu decidi ir, entrar de boca naquele lugar e fazer com os dedos o que eu queria muito muito fazer. Quando ele me disse aquilo de que eu tinha de fazer o que eu tinha de fazer e que mais ninguém podia fazer aquilo que eu queria – porque é isso, mesmo sem ele ter dito: o que a gente quer muito muito fazer é aquilo que só a gente quer e, no final, é o que compõe o ser a gente mesmo e a gente tem que fazer; porque a gente não empresta a nossa boca pros outros sentirem pra gente – então eu decidi que ia seguir mesmo a ruela daquele caminho, que eu entrara querendo. oda vontade enorme de entrar lá e fazer o que eu queria fazer me esquentava os aparelhos que eu tinha por dentro, remexia ademasiado a minha barriga, que dava umas voltas. E quando eu pensava na minha própria vontade o meu rosto esquentava, eu sentia que os meus olhos não davam de ficar mais ali, onde estavam acostumados a ir, que eles tremelicavam. Ficava de um lado eu, do outro lado o de dentro, apartado: a minha vontade. Eu fui, foi nisso que deu minha vontade, eu corri, descabida por aquela rua. Decidida do que queria provar com a minha própria boca e mastigar e experimentar e lamber. Eu corri aquele caminho inteiro, cheguei toda esfolada na porta de entrada. Eu entrei ali sim, cega da minha vontade, e já via tudo provando com a boca, ansiosa, até a maçaneta da porta eu provara. Já dentro, toda cheia, deitei a minha boca no corpo e fiz o que eu tinha que fazer. Pequena eu, baixa, tinha uma boca grande que provava e que dizia: Sigo me sou destino, quando perco me perco.
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capa: Caos Descrito
GANGES Foto: Bruno Duarte Sampaio Texto: Dione Carlos ultos na água. O sol parece um capacete no verão. Não está mais distante. Vultos em boias coloridas. Não existem mais raios solares. O corpo é uma sauna, um lugar de suor comunitário. Os coqueiros oferecem sombra e traumatismo craniano. No Rio há uma praia
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cujo despojo de esgoto é pontual. 16h00: Fezes, tripas e penas de galinha. Às 17h00: camisinhas usadas, óculos, dentaduras. 17h30: roupas, calçados e acessórios. Hora de ir embora para não ser testemunha de nada. A menina afasta a merda do corpo enquanto busca com os olhos o tal do horizonte. Onde vivem
Capa: Caos Descrito as criaturas? Um casal abraçado no mar. A família enterrada na areia. Eles se atracam um por dentro do outro enquanto dão adeus aos familiares. Um saxofonista toca Bolero de Ravel no pôr do sol. Vontade de tirar a roupa. Não sei o que é mais profano: Ser salvo de rede no helicóptero ou ser carregado por um grupo de banhistas sem preparo físico. Melhor
tempo de criança selvagem. Depois, de volta ao mar. A praia dos maconheiros. Sauna com inalação. Cabelo platinado, parafina na boca: Axxxx pessoaxxxx são muito preconceituÓssssaxxx. É, meirmão. Não tenho saudade. Isso é invenção de gente morta. Só defunto tem esse direito. Peixe não dá ré. Um dia a gente não vai poder estar assim. Seremos apenas osso
“Ele ficou intrigado. Achei que tinha estragado
tudo. Comportamento de praxe. Passou a mao no meu cabelo, ajeitou a alca do maio que estava do avesso e disse: “O bom É que nao sentiremos mais esse calor”. Ele tinha razao. Depois de um tempo suor e avalanche se confundem.” S
simular desmaio e cavar inconsciência. “Beautiful body. FÓtoW?” Foto? “Ok”. Ok. Treze anos, posa de puta com turista inglês. A mãe acha maravilhoso. Devia cobrar. Posando de puta, sendo virgem e sem um puto. Não tem mesmo graça ser inocente. Ajeitou o biquíni de cordinha, desamarrado ao som de “Oh, Jardineira porque estás tão triste?” na bandinha de Carnaval. Ajoelhou com insolação, a barriga fermentada e se deu conta: “Bloco errado”. Tatuís imersos num balde laranja. Passa-
Confira o site do CAOS dESCRITO:
e pó. Ele ficou intrigado. Achei que tinha estragado tudo. Comportamento de praxe. Passou a mão no meu cabelo, ajeitou a alça do maiô que estava do avesso e disse: “O bom é que não sentiremos mais esse calor”. Ele tinha razão. Depois de um tempo suor e avalanche se confundem. Então voltamos à água. Levados pelo Ganges. Digeridos por um bagre. Peixes, enfim. Prontos para sermos devorados mais uma vez. Observados por barcos vazios.
Saiba como participar:
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A alma de uma foto O inglês David Gibson, um dos nomes mais comentados da fotografia de rua atualmente, é categórico: ‘Rótulos não importam’
Por Bruno Schuveizer
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Arquivo Pessoal
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stou aqui”, diz David Gibson, num tom amistoso. O fotógrafo inglês, que recentemente lançou o livro “Street Photographer’s Manual”, tem sido um dos nomes mais comentados da fotografia de rua nos últimos anos em seu país e no mundo. Mas é possível perceber que a fama não subiu à sua cabeça. Conforme vamos conversando, percebo que ele na maioria das vezes procura ser o mais prático possível, e evita qualquer tipo de dúvida. Sem rodeios, logo pede para que eu faça perguntas. “Quero saber em que você está interessado”, explica. “Boas perguntas, por favor”, brinca.
David pratica fotografia de rua há mais de 20 anos, e, durante esse tempo, construiu uma sólida carreira como fotógrafo. Hoje é conhecido em muitos países, ministra workshops de fotografia de rua e integra o coletivo iN-PUBLiC, um dos mais reconhecidos do mundo. No entanto, ele faz questão de ressaltar que não se prende a rótulos, e diz que se interessa por fotografia de uma forma geral, e também por arte. “Fazer fotografias de rua é um impulso instintivo. É simplesmente o que eu faço. Algumas pessoas caminham em volta de um campo de golfe, algumas pessoas levam um cão para um passeio. Eu ando com minha câmera porque eu sou curioso sobre as coisas e as pessoas ao meu redor e eu quero gravar um pouco disso. É meu diário visual.” A maior parte do trabalho de David é feito em Londres, onde vive. Uma cidade grande e repleta de gente. Mas, para ele, isso acaba sendo um ponto negativo. “Conheço Londres muito bem, e, embora seja uma cidade grande e superpopulosa, consigo isolar cenas com bastante facilidade. Eu não gosto de confusão em minhas imagens.” David começou a se dedicar integralmente à fotografia em 1994, mas antes disso trabalhou por vários anos como assistente social. Em 2002 concluiu seu mestrado em Foto-
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grafia: História e Cultura, na London College of Printing. Em seu site, o fotógrafo organiza seus projetos como Street colorida, Street P&B, Recentes, e um em particular, com nome e proposta curiosa e interessante: Subtitles for life (Legendas para a vida, em tradução livre), no qual ele incluí palavras e letras na composição. Já viajou para vários países. E ele confessa que conhecer um novo país ou cidade é uma de suas maiores emoções enquanto fotógrafo. Ministra workshops em todos os países por onde passa, leva seus conhecimentos sobre fotografia de rua para além de inúmeras fronteiras. Recentemente, ao ir para a Índia para ministrar workshops por lá, fez algumas fotos que mereceram espaço em site, “foi uma experiência muito boa”, conta David. Algumas de suas fotografias estão no livro “Street Photography Now”, uma antologia dos principais fotógrafos de rua do mundo atualmente. Seu recente livro “Street Photographer’s Manual” em pouco mais de seis meses se tornou um grande sucesso entre os praticantes de fotografia de rua ao redor do mundo. De acordo com David, os conteúdos do livro são basicamente seu conhecimento e experiências adiquridos ao longo de todos esses anos foto-
Primeira foto do projeto “Subtitles for life”, de David, feita em 1989.
David Gibson
“A questão é saber o que move você, ou o que te inspira. Os rótulos não importam, é o que você sente que importa” grafando nas ruas e ministrando workshops. Entre uma resposta e outra, ele deixa claro alguns pontos de vista que despertam ainda mais a minha atenção. Não deixo de perguntar sobre o Brasil, e ele demonstra muito entusiasmo para conhecer nosso país e revela que tem planos de vir já neste ano para um workshop. “Tudo seria estimulante”, comenta ao ser perguntado sobre o que ele espera encontrar por aqui. Ele
também fala sobre dois fotógrafos brasileiros, Sebastião Salgado e Claudio Edinger, como grandes inspirações. David fala sobre inúmeros assuntos, comenta sobre sua carreira, seu modo de fotografar, suas inspirações, seus projetos, sobre seu livro, sobre o iN-PUBLiC, dá uma dica valiossíma para quem está se aventurando em street e muito mais. A entrevista na íntegra você confere a seguir. EVF_JAN/ FEV
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Como você começou... Como você decidiu que seria um fotógrafo de rua? E quando foi isso? Comecei muito, muito lentamente a partir de um leve interesse para algo muito, muito maior. Eu fiz um curso de fotografia de dois anos, de 1988 a 1990, e foi aí que eu comecei um aprendizado muito intenso e a me aproximar mais da fotografia. E, especialmente, com o trabalho de fotógrafos da Magnum, que foi realmente o ponto de partida para mim. Mas eu não conhecia o termo ‘Fotografia de rua’ quando comecei. O termo que me lembro era ‘Fotografia humanista’. O termo ‘fotografia de rua’ tem chegado até mim por diversas maneiras, e esse rótulo fica ligado a mim o tempo todo. É uma descrição muito razoável do que eu faço, mas, na realidade, eu apenas tiro fotos e estou interessado em todos os tipos de fotografia. Sim,
Manual O livro, lançado no ano passado pela editora Thames & Hudson, já é um enorme sucesso entre a comunidade de fotógrafos de rua. O fotógrafo se baseou basicamente em seus conhecimentos e experiências ao longo de seus anos como fotógrafo, e trás um conteúdo valioso para todos que pretendem se aventurar na área.
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muitas de minhas fotos são feitas na rua, mas eu tenho gradualmente começado a resistir ao rótulo ‘fotografia de rua’, porque é um pouco preguiçoso e limitante. Isso pode parecer ingrato, pois qualquer rótulo geralmente significa reconhecimento. Eu acho que o termo ‘fotografia de rua’ é aplicado com muita facilidade para alguns fotógrafos. Para alguns – Garry Winogrand, por exemplo – é uma boa opção, mas, para outros, é um pouco estranho. Você chamaria Henri Cartier-Bresson de fotógrafo de rua? Que rótulo você daria para Sebastião Salgado? Eles são apenas fotógrafos importantes e inspiradores. O que você sempre procura nas ruas? Eu não estou totalmente certo. É sempre: ‘Eu vou saber quando ver’. Há certas coisas que me interessam... temas, emoções, formas, luz etc, mas é realmente sobre a sorte. Eu saio à procura da sorte. E espero um pouco de alma. Costumo dizer que saio à procura de ‘minhas’ fotografias. Muitas vezes, fotografia de rua é como um diário visual, que é o que você quer registrar, o que lhe agrada. O que você considera essencial em uma boa fotografia de rua? Alma. Autenticidade, originalidade, algo que prende o seu olhar. Mas principalmente alma. Para você, fotografia de rua é arte, documento, os dois ou nenhum? Eu não sei. Você pode chamá-la do que quiser. A questão é saber o que move você, ou o que te inspira. Os rótulos não importam, é o que você sente que importa. Como você vê o cenário da fotografia de rua hoje comparado com 20 anos atrás, quando você começou?
Thames & Hudson/ Divulgação
David Gibson
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‘O cenário da fotografia de rua’, como você descreve, existe e prospera por causa da internet. Quando a internet realmente começou a impactar a quase todos? Talvez por volta da virada do século, mas eu não tenho como ter certeza. O mundo online com sites de compartilhamentos de fotos, grupos e blogs têm dado à fotografia de rua um novo sopro de vida. Pode-se dizer que ela praticamente renasceu. Eu tento lidar com tudo isso, para entender os momentos-chave de como ela mudou, mas, essencialmente, a fotografia de rua foi reembalada e re-
pouco mais de seis meses já se tornou um enorme sucesso para os praticantes de fotografia de rua. Quais foram suas principais motivações para escrevê-lo? Me pediram para escrever o livro. A motivação ou o processo foi simplesmente o que estava em minha cabeça. Houve muito pouca pesquisa – foram 25 anos fotografando, olhando para fotografias, pensando em fotografias – e, mais recentemente, tentando passar isso em workshops de fotografia de rua. Tudo isso foi para o livro. O livro não é perfeito, mas é
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“A maravilha de viajar é que isso estimula os sentidos. O Brasil, por exemplo, certamente me enche de entusiasmo” vigorada por causa da internet. Assim como muitas outras coisas criativas. A principal mudança é a partilha de fotografias online e, agora, poucas pessoas ainda fazem a fotografia de forma isolada. Essa é a principal mudança. Todo mundo está conectado. Sobre o seu livro, ‘The Street Photographer’s Manual’, que em
uma tentativa sincera de conectar pessoas interessadas em fotografia de rua. E de todos os tipos de fotografia e de arte. Eu sinto que a maioria das pessoas se conecta com o livro, o que é bom. Seus workshops são bem conhe cidos. Você sente um crescente interesse em fotografia de rua nos
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últimos anos? Se sim, por que você acredita que as pessoas têm se interessado mais por essa prática? A resposta curta é tecnologia e, principalmente, internet. As comunidades e grupos online de fotografia de rua prosperam lá. A internet é democrática... ela permite que todos ao redor do mundo possam fazer fotografia de rua e, crucialmente, compartilhá-la. E a fotografia de rua é perfeita para isso. Ela não é elitista ou reservada a poucos, os então chamados profissionais. Hoje, todo mundo é fotógrafo e agora todo mundo está na rua tirando fotos. O interesse crescente é por conta do compartilhamento online... e do feedback que vem
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com ele. Há alguma dica que você sempre dá aos seus alunos que você queira compartilhar? Ironicamente, ficar mais offline e ver livros de fotografia. Você precisa estar inspirado, saber que é possível encontrar um sentido para a sua fotografia. Tenho uma forte crença de que ver fotografias em uma página de um livro é a melhor maneira de apreciar fotografia. Você se concentra melhor, não há distrações. Quando você começa, você nunca deve estar obcecado com a sua própria fotografia, você deve passar mais tempo absorvendo o trabalho dos melhores fotógrafos. Isso leva tempo, mas sempre haverá alguns fotógrafos que te
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inspiram mais do que outros. É aí que tudo começa. Em quais países você já fotogra fou? Há algum em particular que você mais gostou de fazer fotogra fia de rua? Se sim, qual e por quê? Tenho fotografado em vários países, com resultados mistos, simplesmente por causa do tempo limitado. Poucos dias livres em uma cidade não é o suficiente, mas sempre me esforço bastante quando visito algum lugar. Passei seis semanas na Índia, que foi razoavelmente produtivo. Foi o suficiente para uma galeria no meu site, mas, ainda assim, um trabalho instantâneo de determinado lugar. Os workshops têm me levado a muitos lu-
gares – Cingapura, Bangkok, Atenas, Varsóvia, Estocolmo – mas os resultados são apenas um punhado de imagens decentes. Eu estou sendo duro comigo mesmo, mas acho que você precisa passar certo tempo em algum lugar para realmente conseguir algo de valor. Ou voltar ao local, isso acaba sendo bom para construir uma visão anterior. O problema é que eu sempre tenho que tentar não ser um turista e não tomar as viagens como assunto para fotografias. A maravilha de viajar, no entanto, é que ela estimula os sentidos. O Brasil, por exemplo, certamente me enche de entusiasmo – e de um sentido de responsabilidade de que tenho que absorver alguma coisa de lá. Gostaria EVF_JAN/ FEV
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muito de fotografar em muitos outros lugares, como Cuba, Japão ou Hong Kong. Estou sempre interessado em ir a novos lugares. Conte um pouco sobre o iN-PUBLiC, o coletivo de fotógra fos de rua do qual você faz parte. Nós somos apenas um grupo de fotógrafos de rua com a mesma opinião. Hoje, nós somos 24 membros ao redor do mundo. Quais são os planos para o iN-PUBLiC para os próximos anos? Nós fazemos workshops anualmente – Ge-
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ralmente quatro de nós, em Londres, Paris e Nova York – e isso continuará e talvez se expandirá para outras cidades também. Não temos planos claros, mas há, sem dúvida, planos para eventos e exposições no futuro. Estamos muito abertos a convites, mas a logística desse tipo de coisa nem sempre é tão fácil. É preciso muita organização. Eu sempre senti em relação ao iN-PUBLiC que devemos ser mais ativos... novos membros, novos trabalhos e outras coisas mais no geral para com a comunidade da fotografia de rua. Nós visitamos uma exposição do iN-PUBLiC, de Derby, no Reino Unido, passando por Bangkok e Estocolmo, bem recente que incluiu oficinas e, este ano, também estivemos na Paris Photo. Agora seria a hora em que te per guntaria se há alguma foto sua que você mais gosta. Mas vou fa zer um pouco diferente: Como fotógrafo de rua, você, com certe za, já viveu inúmeras situações incomuns e também emocionan tes. Qual a situação mais incomum que você já fotografou nas ruas? E a mais emocionante? Uma nova cidade é sempre algo emocionante para mim, porque eu alcanço um nível superior com minha fotografia. Novos ambientes estimulam meus sentidos, me obrigam a tentar mais com minha fotografia. A mais emocionante – ou gratificante – é quando você consegue uma grande fotografia, o que não acontece com muita frequência. A emoção vem da perspectiva de estar nas ruas com minha câmera em algum lugar novo. Eu estive em Manchester recentemente – a primeira vez que fui para lá – e eu percebi que lá é um ótimo lugar para a fotografia de rua. Eu tenho algumas fotos que eu gosto mais do que outras, mas que curiosamente não são
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David Gibson tão queridas pelos outros. Portanto, há algumas em que posso colocar mais de mim, do que eu gosto... elas representam mais para mim. Eu tenho uma fotografia em preto e branco, que chamo de ‘Heaven’ (paraíso, em português), que foi feita em 1994. Eu sempre volto à ela, mas há razões para isso, o idoso como assunto e quando foi tirada. Eu olho para aquela foto com carinho. Você pergunta sobre ‘situações incomuns’... ou difíceis. Eu tive algumas dessas, mas eu realmente não saio na rua à procura de problemas. Eu tento ser o mais invisível possível. Sobre o Brasil, há planos de vir? O que você espera encontrar em nossas ruas? Sim, o Brasil certamente e, talvez, já neste
cura de minhas fotos na rua. E o processo de fotografar é sempre incerto, sempre entro em livrarias e galerias ao longo do caminho, especialmente em livrarias. Eu saio para fotografar, mas invariavelmente acabo vendo fotografias ou livros de arte. Eu não estou sozinho nisso, isso é tudo parte do processo. O Brasil tem grandes fotógrafos de rua, há algum em particular que você segue? Eu lembro de ter visto a exposição de Sebastião Salgado em Londres em 1994, junto com seu livro. Eu achei inspirador. Não é fotografia de rua, claro, mas eu nunca faço distinções. Na verdade, eu ministrei um pequeno curso de fotografia de rua no ano passado em Londres e levei todos os alunos para ver a exposição Exodus, e alguns deles perceberam
“Talvez esse seja o objetivo da fotografia de rua, romper com certos hábitos. Sempre há uma contradição acontecendo” ano para um workshop. Eu não sei o que eu encontraria nas ruas aí, tudo seria estimulante. Eu imagino cor, mas, voltando ao que disse antes, eu procuraria por ‘minhas’ fotos. Quais são os fotógrafos de rua, do passado ou presente, que você admira? Há tantos. Na verdade, muitos para listar. Mas recentemente Sergio Larrain e Saul Leiter. Eu provavelmente não citarei uma lista esperada de fotógrafos. Sim, sempre há Cartier-Bresson, Elliott Erwitt e Robert Frank, mas meu interesse em fotografia – e cada vez mais em arte – é bem amplo. De certa forma, eu saio à procura de novos fotógrafos assim como saio à pro-
que aquelas não eram fotografias de rua. Mas tudo sobre Salgado é inspirador ou um exemplo de como nós deveríamos ver e apreciar o mundo à nossa volta, especialmente o mundo natural. Ele é muito mais do que apenas um fotógrafo. Eu queria conhecer mais sobre o trabalho de mais fotógrafos brasileiros. Existem vãos em meu conhecimento, e quando escrevi o livro, quis incluir um fotógrafo brasileiro, mas não consegui decidir qual seria o melhor. Fotógrafos brasileiros não são bem conhecidos no Reino Unido. Eu poderia estar errado sobre isso, mas suspeito que a língua e a distância são fatores.
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Eu vi o livro “Rio”, do Claudio Edinger, e realmente gostei do humor e do estilo de suas fotos. Eu também comprei o livro ‘Latin America Photobook’ recentemente, que é uma boa pesquisa. Quando eu viajo, amo ir em livrarias e galerias, especialmente para conhecer mais sobre fotógrafos e artistas locais. Essa é a mais direta e genuína maneira para se conectar a um país ou região. Então, se eu for ao Brasil, estou certo que faria grandes descobertas fotográficas. Eu pude ver que você gosta de fotografar tanto em P&B quanto em cores. O que você leva em con-
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sideração na hora de escolher? Você prefere alguma? Eu acredito que meu site e minha página no Facebook passem a impressão de que eu fotografo em preto e branco e colorido, mas isso é um engano, pois, na verdade, não fotografo mais em P&B há cerca de 10 anos. Tenho deixado de lado o preto e branco, pois senti que eu estava ficando repetitivo e, então, veio o digital e fez da fotografia em cores uma progressão natural. Eu precisava de um novo desafio. Eu gosto tanto de P&B quanto de colorido, mas minha primeira paixão foi a fotografia em preto e branco, exclusivamente. Eu gradualmente mudei de opinião ao longo do tempo.
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Colorido versus preto e branco é uma questão muito complexa e existem alguns poucos fotógrafos que são bons em ambas. Saul Leiter é uma expiração nesse sentido, ele se sentia confortável com os dois estilos, mas é lembrado por seu trabalho colorido. No caso de outros fotógrafos, o que acontece é o contrário. Recentemente, eu fotografei com alguns rolos de filme P&B, mas o resultado foi decepcionante. É bem possível que eu tenha perdido alguma coisa – ou alterado – ao usar uma câmera digital. Ironicamente, a capa do meu livro, ‘The Street Photographer’s Manual’, é uma fotografia colorida convertida pelo editor para preto e branco. Isso é algo que eu jamais
faria, mas ficou bom como capa. Eu associo fortemente P&B com filme, e admito ter um bloqueio mental com isso. Pode ser uma disciplina, ou mesmo ser limitante. Eu não sei. Talvez esse seja o objetivo da fotografia/ fotografia de rua, romper com certos hábitos. Sempre existe uma contradição acontecendo. Disciplina e bons hábitos são importantes, mas você tem que estar aberto e livre ao mesmo tempo. Eu li recentemente sobre um fotógrafo bastante popular no Instagram que apagou todas as suas fotos para que ele pudesse recomeçar tudo de novo. Isso pode ser uma ação para chamar a atenção, mas também pode ser
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“O único plano ou esperança de projeto futuro seria um novo livro. Gostaria de fazer outro, mas ainda é muito cedo para saber”
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igualmente sincero. Você pode se tornar um escravo das fotografias que você já fez, então a ideia de começar de novo, de alguma forma, é atraente. O seu projeto “Subtitles for life” tem uma proposta muito interes sante. Pode nos falar um pou co mais sobre ele? De onde surgiu a ideia? Ele começou muito lentamente a partir de uma das minhas primeiras fotografias, quando ainda estava na faculdade, em 1989. ‘All Stock Greatly Reduced’, essa foto me deu a ideia de fazer mais fotografias com palavras e, gradualmente, comecei a procurar mais por imagens assim. Mas ela também deu uma ideia de um título, e “Subtitles for life” realmente me agra-
dou. O porquê da fotografia ser o verdadeiro centro da ideia, pois dá o tom, que é um pouco peculiar e filosófica. Eu desenvolvi esse projeto por vários anos, enquanto fotografava com filme preto e branco. Você está desenvolvendo algum outro projeto no momento? Ou já tem algum novo em mente? Pode ser um projeto fotográfico, um novo livro, uma exposição etc... Eu tenho alguns projetos, se é que podem ser chamados assim, que de vez em quando volto a eles, mas nenhum com a energia e dedicação que dei a ‘Subtitles for life’. O único plano ou esperança de projeto futuro seria um novo livro. Gostaria de fazer outro, mas ainda é muito cedo para saber. EVF_JAN/ FEV
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Por Rogério Akiti Dezem
O espaço
urbano
http://akitidezemphotowalker.zenfolio.com/
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e forma mais popular ou romantizada, a prática da fotografia de rua pode ser considerada como uma “dança”, cujo dançarino (i.e. fotógrafo) baila de forma imaginária – incessantemente ou metodicamente – com estranhos pela cidade. Ou como uma “caçada”, cujo alvo dos disparos – alucinados ou calculados – do caçador-fotógrafo, se dirigem aos elementos presentes na urbs. Cada vez que me deparava com metáforas como estas, relacionadas ao ato de fotografar estranhos na rua, tentava me encaixar em um dos dois “modelos”. Com o passar do tempo, percebi pela práxis que o ato de fotografar não só estranhos, mas elementos pertencentes a cidade, este enorme salão de dança ou floresta, vai além das definições citadas acima. Gosto muito da definição do fotógrafo de rua como um flâneur, expressão oriunda do universo literário francês em meados do século XIX, representativa do indivíduo que transita sozinho pela cidade, imerso na multidão, verdadeira “reserva de energia elétrica” segundo Charles Baudelaire. O flâneur é antes de tudo
Arquivo Pessoal
Olá, meu nome é Rogerio Akiti Dezem, sou natural de Osasco (SP). Sou professor universitário, historiador e fotógrafo de rua diletante. Vivo no Japão desde 2010, onde comecei a fotografar “estranhos” nas ruas por hobby. No início, era muito mais “uma atividade física e uma distração”, mas nos últimos três anos, tornou-se um vício, uma necessidade quase diária de exercitar meu olhar através do viewfinder, registrando e desafiando o mundo ao meu redor. A ideia desta coluna Provoke® é uma homenagem a um pequeno grupo de fotógrafos e intelectuais japoneses que lançaram um curto, mas inovador movimento/manifesto fotográfico denominado Provoke no final dos anos 1960. A partir de um viés provocador, meu objetivo aqui é guiá-los em cada coluna pelos meandros da fotografia de rua feita na Ásia, principalmente no Japão. Apresentando fotógrafos (famosos ou não), imagens de rua e “candid” de minha autoria e de outros e, principalmente, analisar o palco onde a fotografia é produzida por aqui: as ruas japonesas. Meu site é
Rogério Akiti Dezem
Acima foto feita em Quioto, em 2014. Ao lado, cena registrada em São Paulo, também em 2014. um observador, um apaixonado expectador do drama humano, daquilo que é transitório, efêmero. No universo literário, o produto dessas flaneries pelo espaço urbano, podem ser lidos nas obras de Gustave Flaubert e Honoré Balzac entre outros escritores. Na fotografia da primeira metade do século XX, outros franceses se destacaram como grandes flâneurs, o pioneiro Eugene Atget, o poético Robert Doisneau e o mestre Henri Cartier-Bresson. Além da inspiradora e sedutora cidade luz, Paris, o que aproximava esses escritores e fotógrafos? A maneira de olhar o espaço urbano (i.e. cidade) e traduzí-lo em palavras ou imagens. Essa arte do olhar, muito mais intuitiva do que técnica/mecânica e a capacidade de traduzir
o espaço urbano em palavras e imagens que serão eternizadas, infelizmente é para pouquíssimos... A fotografia de rua é muito mais uma provocação do que apenas uma simples representação de fatos, situações ou banalidades cotidianas captadas pelas lentes de uma câmera (não importa qual). Provocar o olhar do outro através do seu olhar, registrado em um EVF_JAN/ FEV
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Provoker®
Osaka, 2014 frame é uma verdadeira arte. E na minha opinião, após um longo caminho percorrido historicamente, este é um dos principais objetivos da fotografia de rua e “candid”. Após essa breve introdução, vamos ao tema desta nossa primeira coluna: o espaço urbano. Palco dos acontencimentos registrados pelo flâneur com sua máquina (i.e. fotógrafo de rua), a cidade é par excellence o espaço de criação, percepção e tensão entre o fotógrafo e os elementos que o cercam. Esquadrinhar esta “paisagem com extremos voluptosos” como definiu a escritora Susan Sontag, é um
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exercício que deve ser feito, primeiro apenas com o olhar e depois com a câmera. Desse modo conhecer a cidade onde fotografamos é um elemento importante para que se possa cada vez mais aprimorar o olhar de fotógrafo de rua, seja ele despretensioso ou na busca de algum tema ou elemento. É claro que pode-se conseguir imagens de rua interessantes e até mesmo “instantes decisivos” em qualquer lugar, como em um simples passeio pela feira-livre ao lado de sua casa ou passando algumas horas flanando em um lugar que você nunca esteve. No entanto, pela minha experiência, conhecer bem o espaço onde você prática sua fotografia de rua torna o ato de fotografar pelas ruas um ato menos complexo, mais poético e objetivo. Dentre as várias questões que surgem ao praticarmos a fotografia de rua, algumas delas seriam: Como a fotografia representa a experiência de viver na cidade? Todas as cidades são iguais para se praticar fotografia de rua? Fotografar pelas ruas de megalópoles como
Rogério Akiti Dezem
A cidade surgiu como uma das metáforas da modernidade em fins do século XIX, e hoje representa toda a banalidade pós- moderna do início do século XXI. Como retratá-la? Da mesma forma que Bresson, Brassai, Doisneau entre outras referências clássicas das décadas de 1930-1950? Ou as metrópoles pós-modernas nos possibilitam outros olhares, sensações, dimensões?
Rogério Akiti Dezem
Fotos feitas em Tóquio (acima) e Osaka (ao lado) em 2014. São Paulo seria o mesmo que fotografar em Nova Iorque, Tóquio ou em Osasco? A cidade surgiu como uma das metáforas da modernidade em fins do século XIX, e hoje representa toda a banalidade pós- moderna do início do século XXI. Como retratá-la? Da mesma forma que Bresson, Brassai, Doisneau entre outras referências clássicas das décadas de 1930-1950? Ou as metrópoles pós-modernas nos possibilitam outros olhares, sensações, dimensões? Muitas perguntas. Respostas? Deixo para você, caro leitor, refletir. O historiador Michel De Certeau trabalha com o conceito de “cidade metafórica”, definindo o espaço urbano muito mais do que uma coleção de edifícios belamente fotografados, indo além, para ele a cidade se configura como uma rede de relações, sistemas e poder. É a partir desta perspectiva que gostaria de guiá-los (provocá-los) pelas linhas e imagens desta minha coluna, cuja a alcunha é Provoke®. Meu foco nas próximas colunas será falar um pouco da fotografia de rua praticada na Ásia,
mais especificamente no Japão. Uma das “Mecas” da Fotografia, com sua tecnologia de ponta em câmeras – o país vai muito além de “Canons” e “Nikons” - sua tradição na publicação de livros fotográficos belíssimos e last but not least, seus grandes fotógrafos do passado como Eiko Hosoe, Shomei Tomatsu, Ken Domon, Yoshiuke Iwase, Takuma Nakahira, o mestre Daido Moriyama e também contemporâneos como Junku Nishimura, Shin Noguchi, Tatsuo Suzuki, Hirokazu Toda, Kaori Nohara entre outros nomes. EVF_JAN/ FEV
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FOTOCULTURA
Por Yuri Bittar
Fotografia e cultura como
terapia
O projeto
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fotoculturaparatodos Acreditamos que a fotografia (gravar, desenhar com a luz) é capaz de iluminar e alegrar o cotidiano, mostrar a beleza da vida é sempre uma forma de encontrar e entender a luz. Queremos levar essa luz para quem precisa!
Fotos: Evelyn Carignano
Esta coluna pretende trazer reflexões sobre a fotografia dentro do nosso cotidiano, como meio de expressão, qualidade de vida e percepção do mundo. Você também pode ver outros artigos no site: www.fotocultura.net. Yuri Bittar é designer, fotógrafo e historiador. Atua como designer gráfico, e desenvolve cursos de fotografia, exposições, as Saídas Fotocultura e o Projeto FotoculturaParaTodos, além de pesquisas sobre humanização no ensino da saúde. Através da história oral, da fotografia, da literatura e outros recursos, tem buscado criar projetos mais próximos ao humano e que contribuam para a melhora da qualidade de vida. Contato e mais informações: www.yuribittar.com
O mundo é todo novidades aos olhos dos jovens fotógrafos. Na sala de quimioterapia, criança se encanta com as possibilidades de uma câmera.
Yuri Bittar
J
á faz um tempo que tenho pensado na fotografia como terapia, já escrevi sobre isso, e mais recentemente tenho experimentado uma ação prática nesse sentido. Então aproveito esta coluna para falar sobre um projeto que estamos desenvolvendo na Fotocultura, e tem sido muito gratificante. O Projeto Fotoculturaparatodos (ou apenas #FCPT) é um trabalho voluntário, cujo único objetivo é melhorar um pouquinho a vida de alguns jovens, sem fins lucrativos, mas que, como disse uma participante, tem dado muito retorno! Acreditamos que a fotografia pode ser mais que arte ou técnica, pode ser um estilo de vida, capaz de iluminar e alegrar o cotidiano, mostrar a beleza do mundo, permitir extravasar sentimentos, se tornar profissão, ou apenas ser algo legal para o dia a dia. Então nossa proposta com o #FCPT é simplesmente dar aulas de fotografia para crianças e jovens que estão dentro de um hospital e que, de alguma forma, precisam muito de alguma luz (photo) em suas vidas. As aulas são sob medida, ou seja, individuais ou em pequenos grupos, e o conteúdo dependerá da demanda de cada aluno, podendo ser uma aula única ou durar meses. Assim esperamos que a fotografia possa se tornar parte da rotina destes jovens, seja como simples hobby, ou até mesmo como profissão, mas, sobretudo como algo potencializador da sua criatividade, iluminador do seu
Nossa aluna M. em ação.
caminho e apoio para as dificuldades.
Como está sendo desenvolvido esse projeto? O projeto se iniciou em julho de 2014. Para começar escolhemos o GRAACC, na Vila Clementino, em São Paulo, um hospital dedicado ao combate ao câncer infantil. Na prática vamos à Brinquedoteca ou à Quimioteca (mistura de sala de quimioterapia e brinquedoteca), conversamos com os pacientes, falamos da proposta, e, se eles se interessam, começamos as aulas. Emprestamos câmeras, damos dicas e vamos direto para a prática, especialmente com os pequenos. Essa prática é fotografar o local, as pessoas, nós mesmos servimos de modelos, ou os pais deles e quem estiver por perto. Para os maioEVF_JAN/ FEV
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Fotocultura < Voluntária (Evelyn) em atividade lúdica com criança
res conversamos sobre profissão, ensinamos des que eles estejam praticando. Isso para conceitos básicos da fotografia, e praticamos eles ajuda a passar o dia de forma mais leve. também. Temos lidado com crianças desde 6, Ao perceber numa dessas crianças um talento para lidar com imagem também incentivamos 7 anos, até jovens de 30. Com estes poucos meque continuem praticando. ses de atividade já podemos A fotografia tem mostraA fotografia tem mostrado perceber algumas coisas potencial para abrir uma do potencial para abrir uma importantes, sobretudo que nova janela para o mundo nova janela para o mundo para estas crianças, mosa ideia é boa e bem-vinda. para estas crianças, mostrar trar a elas que a realidade Percebemos que com a elas que a realidade pode pode ser captada em imaos menores, as crianças, o ser captada em imagens, que tem sido legal é proporgens, e assim elas podem cionar a eles um momento criar algo novo. e assim elas podem Já com os adolescentes lúdico, usando a fotografia criar algo novo como diversão, sem a preo foco é outro. Também é ocupação de aprender, às importante ser lúdico, mas vezes até nos envolvendo em outras ativida- incentivar, perceber o talento e falar de pro-
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Fotos: Yuri Bittar
> Às vezes, para uma criança, a câmera é uma nova janela para o mundo
fotocultura Nosso 02 não pede pra sair!
Fotos: Yuri Bittar
“Conheci o Yuri Bittar através das oficinas e saídas fotográficas promovidas por ele e, a partir do convívio profissional, tomei conhecimento de sua vontade de desenvolver um projeto que pudesse levar a prática da fotografia para pessoas em situação de carência. Como ponto inicial, Yuri sugeriu que as atividades fossem desenvolvidas no GRAACC e, após minucioso processo seletivo, fui recrutada como a primeira voluntária. Desde então, iniciamos a grata jornada rumo ao ensino da fotografia para crianças, adolescentes e adultos que tenham interesse em aprender enquanto recebem seu tratamento contra o câncer. Desde então, participar do projeto Fotoculturaparatodos tem sido uma experiência única e marcante em minha vida por permitir unir, em uma só iniciativa, meu ideal profissional (ajudar pes-
soas) e a fotografia, meu hobby. Cada aluno é único, possui uma história, características próprias e desenvolve uma relação particular com a fotografia. Ao ensinar, aprendo ainda mais, pois cada dia no GRAACC nos reserva uma grata surpresa. Os sorrisos, a disposição, a energia e a simpatia com as quais sou recebida faz com que eu tenha cada vez mais vontade e disposição em participar do projeto. Ao término das aulas, posso ver a gratidão, o contentamento e a esperança nos olhos do aprendiz que, após receber orientações sobre fotografia, consegue visualizar em seu horizonte novas possibilidades. Em resumo, só tenho a agradecer pela oportunidade de participar de um trabalho tão sério, importante e belo que possibilita, não só aos alunos, mas também a mim, dias melhores.” - Evelyn Carignano
fissões é muito importante, e assim tentamos mostrar a eles diversas possibilidades para o futuro. E tem alguns adultos também, e com estes há um encontro intenso com nossos voluntários, pois há muita identificação. Em ambos os casos acreditamos que estamos ajudando essas pessoas, dando uma luz para elas, uma pequena contribuição para uma jornada que costuma O GRAACC é uma instituição que combate o câncer ser muito difícil. infantil em São Paulo. Eles fazem um trabalho E temos percebido também um incrível e muito respeitado, visite o site: forte aprendizado por nossa parte, https://www.graacc.org.br/ tem sido uma experiência incrível. EVF_JAN/ FEV
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Fotocultura
COMO PARTICIPAR OU AJUDAR? Nosso projeto ainda é muito pequeno, e não estamos buscando uma “expansão comercial”, pois é mais importante atuar com cuidado e dedicação com poucas crianças, do que crescer de forma a “esfriar” o projeto. Por enquanto só há duas formas de participar, doando câmeras e equipamentos, ou participando como professor de fotografia voluntário. Buscaremos resolver cada dificuldade que aparecer, com a ajuda dos amigos é claro! Doação de câmeras Para jovens carentes, interessados em praticar fotografia fora de nossos encontros, buscamos doar uma câmera, assim como acessórios necessários. Esse equipamento vem de doações dos amigos, normalmente câmeras usadas que estão encostadas, sem uso. Professor voluntário Quem gosta muito de fotografia, conhece as técnicas básicas, tem didática para ensinar crianças e jovens, e tem tempo livre, pode participar do projeto. Para isso fale com a gente e faremos entrevista e depois, se for o caso, um treinamento. Contato: contato@ fotocultura.net
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A Fotografia como Terapia
Evelyn Carignano
R. se definiu como “simplesmente fotógrafo”
Estou envolvido com a fotografia desde 1997, e percebo que a fotografia muitas vezes tem um forte efeito terapêutico. Essa pode ser uma das explicações para o enorme e crescente número de fotógrafos amadores que tem surgido, tornando a fotografia uma prática mais popular do que nunca. Esse efeito terapêutico da fotografia parece surgir porque essa prática, que mistura arte e técnica, pode propiciar momentos de lazer, oportunidades de relacionamento humano, exploração do nosso ambiente e até oportunidades de autoconhecimento. Claro que não estamos falando de terapia no sentido de tratamento de saúde, mas sim do efeito terapêutico de uma prática que nos leva a uma melhor compreensão do mundo, e ao mesmo tempo uma melhor capacidade de expressão de nossos sentimentos e de nossa visão. Parar e perceber que se gosta de fotografia já é um primeiro e grande passo, é perceber um gosto, algo que lhe dá prazer. Mas não basta isso. É preciso realizar a experiência, seja pelo prazer de realizar uma atividade querida, seja pela realização de uma experiência verdadeira. Como defende Larrosa (1), a verdadeira experiência é se deixar ser campo para um acontecimento, se deixar ser tocado e até levado e assim ser verdadeiramente alterado. Tornar o mundo mais agradável, explorar o espaço ou nosso próprio interior, ter uma verdadeira experiência e nos tornarmos um pouco melhores, é o que pode ocorrer quando realizamos uma prática que realmente gostamos, com o coração. Essa técnica que nos leva a olhar o mundo através do equipamento fotográfico, nos ensina a nos ver e a ver melhor as pessoas, até mesmo sem as lentes da câmera. Referências: 1. Larrosa, Bondia, Jorge. Notas sobre a experiência e o saber da experiência. Revista. Brasileira de Educação. Campinas: Autores Associados, nº 19. p. 20-28. Jan./Abr. 2002 2. Tamaro, Susanna. Vá Aonde Seu Coração Mandar. Rocco, 1995 3. Gallian, Dante Marcello Claramonte. Dá, pois, a teu servo um coração que escuta... http://labhum.blogspot.com/2009/12/da-pois-teu-servo-um-coracao-que-escuta.html
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Cartão de Memória A cada edição uma foto que ficou para a história
Dennis Stock
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foto acima é um retrato bastante significativo de um momento tenso e importante da política dos Estados Unidos na década de 50. Acusados de espionagem à favor da União Soviética, o casal Julius e Ethel Rosenberg são presos em 1950. A seguir, o julgamento do casal seria considerado um dos momentos mais marcantes da “caça às bruxas” promovida pelo então senador Joseph McCarthy. McCarthy fica conhecido por promover grande perseguição aos comunistas considerados indesejáveis em solo norte-americano. Nesse cenário e durante a condenação à morte dos Rosenberg, que seriam executados em junho de 1953, uma grande parcela da população deu início a inúmeras manifestações, como esta retratada na fotografia. Podemos notar a grande quantidade de
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pessoas que foram às ruas, mesmo com a curta profundidade de campo da foto. Um elemento que chama bastante a atenção na imagem são os cartazes levados pelos populares. Podemos observar 3 deles, todos com a mesma mensagem “Nós somos inocentes”. Outro ponto de destaque fica por conta da expressão de cada uma das pessoas que foram enquadradas pela câmera de Stock, que basicamente formam uma linha da esquerda para a direita. No primeiro plano podemos observar um homem fumando, seguido de um jovem, uma mulher de braços cruzados que parece encarar a lente e uma quarta pessoa, que deve ter sido flagrada em um momento que entoa algum grito em meio à manifestação. Dennis Stock foi um grande fotógrafo, que largou a escola aos 17 anos para “cair no mundo”, e que obteve bastante fama ao fotografar as estrelas de Hollywood. Porém, selecionamos essa imagem pois ela retrata um pouco do engajamento do fotógrafo em outra vertente, mostrando que sair na rua pode render grandes resultados. É uma imagem que que históricamente tem bastante força uma vez que retrata um momento político tão turbulento. Rodrigo Cruz
Dennis Stock/ Divulgação
Manifestação em defesa dos Rosenberg, EUA, 1951.
*imagem ilustrativa. O inseto possui de 2 a 3 mm de comprimento.
o A l i v a o A c De s a n e P a em a d a c i p uma
ares h l i m e d o a vida d n a ç a e cruel á am o t ã s ç e u l e o u s q é uma oença d a i s a á m n u a t é u e aniose nos. A o d s u e s ença. A Leishm o e d d a d m é o b ã tam eminaç s s i d a de cães e r e ra cont a p z a c fi e e in
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Cultura
Amplie suas referências Documentário Luz Escura: a Arte dos Fotógrafos Cegos (Dark Light: The Art Of Blind Photographers) HBO/Documentário/ Cor/ 35’ Estados Unidos - 2009 Direção: Neil Leifer
O visível e o invisível: Percepções subjetivas
A arte de fotografar, captar luzes, dominar o equipamento, ter a percepção de um bom enquadramento: todos esses detalhes, quando agrupados e alinhados conscientemente, transformam um simples entusiasta em um grande fotógrafo, este que capta a sensibilidade humana, da natureza, ou de qualquer ser, através de um olhar. Ou de um gesto. Aquele que fotografa também é aquele que sente. O documentário Luz Escura: a Arte dos Fotógrafos Cegos (Dark Light: The Art Of Blind Photographers,2009), produzido pelo canal americano HBO, vem justamente para romper paradigmas: o documentário mostra o dia a dia e a rotina do que é ser um fotografo cego na vida de três homens: Peter Eckert, Henry Butler e Bruce Hall, que perderam suas visões
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por forma congênita ou por terem sofrido algum tipo de fatalidade. Em um primeiro instante, imbuídos pela “racionalidade” pré julgadora, fazemos o seguinte questionamento: Como esses homens irão captar enquadramentos certeiros, se infelizmente não conseguem visualizar cenários, luzes, cores e formas? E é neste ponto central que está a grande sacada do documentário: foram convidados para darem suas respectivas opiniões sobre o tema fotógrafos renomados como Mary Ellen Mark, David Burnett, John Loengrad, entre outros. Inicialmente, uma espécie de ‘consenso’ é partilhado: os pensamentos de todos os fotógrafos convidados a darem sua opinião são análogos ao questionamento citado acima.
Divulgação
Por Ana Luiza Aragão
Divulgação
Inspirador Documentário aborda o trabalho de fotógrafos cegos.
Ao longo do documentário é que compreendemos as alegrias, dificuldades e histórias de vida de cada um deles E mais do que isso: percebemos que os fotógrafos cegos são cegos somente para quem os vê. A princípio, soa como paradoxal. Entretanto, suas fotografias são relatos de particularidades, de suas cons-
ciências e de suas sensações (afetos, cheiros, movimentos): o que os diferem do ‘nosso’ mundo habitual. Cada um dos três fotógrafos retratados possuem características intrínsecas: um imagina as silhuetas para obter a melhor posição, um prefere retratar em macro e o outro se utiliza de descrições alheias para imaginar EVF_JAN/ FEV
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cultura Para pensar Documentário surpreende e causa reflexão sobre como podemos nos superar, independente de nossas dificuldades
cores e cenários.Tudo muito característico. Produzido em 2009 por Neil Leifer, ‘ Dark Light: The Art Of Blind Photographers’ é atemporal, pois quando nos referimos a outros seres humanos e adentramos em suas histórias, verificamos suas percepções de mundo, sua sensibilidade, gostos e modos de vida. O tempo nada mais é que um medidor, um registro. A citação de Peter Eckert que chama a atenção durante a exibição é : ‘’A arte não é um hobby. A arte é uma obsessão. É algo que tenho que fazer.’ Esta citação consolida o fato de que a arte transcende qualquer tipo de limitação que a sociedade queira impor.Seja na
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fotografia, na pintura, na música ou no cinema. Quando abstraímos nosso olhar, rompemos padrões que uma vez foram impostos e estabelecidos. Não há uma regra pré-estabelecida permanente, que impeça um indivíduo de exprimir sua composição pessoal, que é concebida de relevância tanto para quem faz como para quem a recebe. Mary Ellen Mark e outros fotógrafos convidados se surpreenderam com o resultado dos trabalhos. Amplie sua percepção. Deixe-se supreender também...
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Assita acima ao trailer do documentário (em inglês).
cultura LIVRO
Horacio Coppola: visões de Buenos Aires
O Autor: Horacio Coppola Instituto Moreira Sales Formato: 21 x 28 cm Páginas: 116 R$ 40,00 LIVRO
catálogo traz a visão do fotógrafo sobre a capital argentina na década de 1930, um momento de expansão da cidade. Segundo o crítico Jorge Schwartz, que assina o prefácio desta edição, “a vocação para a síntese, para a geometria e para todas as características que definem a chamada ‘modernidade’ germina em Horacio Coppola em seu período de formação em Buenos Aires, em finais dos anos 1920”. Horacio Coppola (Buenos Aires, 1906Idem, 2012) começou na fotografia em 1927. Autodidata, tendo como referência nomes como Félix Nadar e Edward Weston, aprendeu a fotografar nas ruas da capital argentina, registrando intensamente as mudanças urbanísticas, sociais e culturais da cidade.
Alécio de Andrade
Divulgação
C Autor: Alécio de Andrade Instituto Moreira Sales Formato: 25 x 27 cm Páginas: 207 R$ 65,00
atálogo da exposição Alécio de Andrade, um dos maiores nomes da fotografia brasileira, que itinerou pelos centros culturais do Instituto Moreira Salles, a publicação reúne trabalhos do fotógrafo, que ficou bastante conhecido por seus retratos de personalidades e imagens do universo infantil e de Paris, cidade onde viveu de 1964 até sua morte, em 2003. São fotos realizadas como trabalho particular ou sob encomenda para veículos como Manchete, Elle, Newsweek e a agência Magnum, da qual Alécio de Andrade foi membro associado entre 1970 e 1976.
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MUTANTE
A cada edição algo diferente
Reprodução
Voltamos ao mês de dezembro de 1954 para conferir a propaganda de uma das câmeras mais icônicas da história, a Leica M-3. Hey, mas espera aí, o rapaz está prestes a tirar uma selfie?! Enfim, a publicidade fica tão mais interessante quando a história também ajuda o produto...
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