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Reconstrução e ampliação do saber científico
from Revista FADESP #9
Quando foi eleito uma das dez maiores personalidades da Ciência brasileira, pela Revista Nature, em 2019, o físico Ricardo Galvão ainda experienciava o dissabor de ter sido desmentido e desligado da presidência do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), ao refutar, publicamente, a informação de que a Amazônia não estava sendo desmatada: os dados afirmavam que a degradação da região (e do bioma) eram 88% maiores do que no mesmo período do ano anterior. Ao defender, com veemência, que os dados científicos eram confiáveis, a capa da 9ª edição da Revista FADESP, chamou atenção de todo o planeta para um drama que, ao fim da gestão anterior, revelou-se ainda mais grave do que o imaginado e que o colocou, lado a lado, com Greta Thunberg, Victoria Kaspi e Sandra Diáz – figuras de extremo renome na pesquisa e preservação do meio ambiente. Já em novembro de 2022, ao ser convidado para compor a equipe de transição de governo, Galvão seria alçado ao maior cargo do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – CNPq, ao qual seu presidente se refere como “a casa do cientista brasileiro”. Em entrevista presencial, ocorrida na sede da Instituição, em Brasília, em que esteve muito à vontade, Ricardo Galvão esmiuçou os desejos e pilares de sua gestão, falou sobre a educação científica para o cidadão comum e sobre sua paixão por abelhas.
REVISTA FADESP: Presidente, antes de iniciarmos essa entrevista, quero parabenizar-lhe. É muito revigorante que o senhor esteja à frente do CNPq. Sei que o senhor também esteve na equipe de transição, mas queria começar por aí: como veio o convite? Qual foi seu sentimento diante dele?
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Ricardo Galvão: Como bem disseste, estive na equipe de transição, quando foi possível fazer um diagnóstico bem detalhado – não com todas as informações que queríamos, mas suficientemente detalhado da situação da Ciência & Tecnologia brasileiras no governo anterior. Tínhamos diferentes subgrupos de trabalho [ele refere-se ao período de transição, especificamente da área de C&T] e, por acaso, eu não fiquei no subgrupo do CNPq, que foi liderado por um ex-presidente [da Instituição], mas deu para ter uma noção muito boa de todo o desmonte promovido no sistema nacional de Ciência e Tecnologia pelo antigo governo. Eu não esperava por isso, não esperava ser convidado para a presidência do CNPq. Sendo bem honesto, devido aos grupos que participei, esperava que fosse [convidado] para a Agência Espacial Brasileira ou para a Comissão Nacional de Energia Nuclear. Foi uma surpresa quando o atual Secretário Executivo [Luis Fernandes] me ligou perguntando: “professor, para onde o senhor quer ir? E antes que responda, o senhor aceita ir para o CNPq? ”. [Ele ri e continua] Foi uma surpresa e tive que esperar um pouco, afinal, tratase de uma instituição muito grande, é a casa do cientista brasileiro. Muito do avanço do Brasil, dos estados do Norte, depende, fundamentalmente do CNPq. Pensei um pouco, fiz uma análise e jamais fugiria desse convite, e eles me deram razão, é claro. Sem falsa modéstia, sabia ter certa visibilidade e foi o farto argumento deles, porque teria um grande significado simbólico, comparando o anterior com o governo atual. Resolvi aceitar, com o compromisso de que eu teria certa liberdade – e foi toda a que eu queria – e na indicação de meus diretores...
Revista FADESP: ...além de ter de vir pra Brasília.
Ricardo Galvão: Além de ter de vir pra Brasília! Não que eu não goste daqui, mas já nos dois últimos dois anos, próximo da aposentadoria, e durante a pandemia, eu já estava trabalhando em casa, no meu pequeno sítio. Tinha feito planos com minha esposa de trabalhar em uma cidade pequena e foi uma mudança bem grande. Mas aceitei, estou aqui e para felicidade minha, quando entrei no CNPq, o desmonte aqui não foi como no restante da Ciência & Tecnologia. Tenho que prestar um tributo ao presidente anterior, o professor Evaldo [Ferreira Vilela] , que soube manter a Instituição, os servidores, que são muito qualificados, embora tenha havido uma redução drástica no quadro de pessoal – em dez anos, passou de 700 para 340 [servidores], ou seja, menos da metade. Mas o essencial do CNPq foi mantido e fiquei muito entusiasmado quando entrei e me emocionei muito em meu primeiro dia, ao conversar com alguns – muitos dos quais, eu já conhecia, em razão das relações que sempre tive. Estou muito esperançoso que possamos fazer muitas coisas!
Revista FADESP: Quais são seus pilares nessa reconstrução, professor?
Ricardo Galvão: É claro que com o que ocorreu no governo passado, criou-se uma expectativa muito grande na comunidade científica de nós mudarmos de rumo. Durante o período de transição, nós recebemos muitas propostas da comunidade científica, da Academia Brasileira de Ciências, da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, dentre tantos outros. Então, quando assumi, compilei várias: da comunidade, minhas e das que vieram da transição. Minha primeira preocupação era ter uma diretoria sólida e competente – estou muito satisfeito: são quatro diretores, advindos dos melhores quadros. Claro que junto com a diretoria, faremos mais propostas para implementação do CNPq – que precisam ainda ser aprovadas pelo Conselho Deliberativo. A primeira é que nós consigamos aumentar fortemente os investimentos e fomento à pesquisa e manutenção. No CNPq, nos últimos dez anos, houve um aumento na separação entre os recursos destinados a bolsas e os para projetos de pesquisa. Foi uma contingência orçamentária proposital, mas hoje, por exemplo, nós gastamos 90% de nosso recurso com bolsas e só 10% em investimento, inclusive em manutenção. De que adiantará, por exemplo, ter recursos para bolsas e não ter para laboratórios, projetos? Na Amazônia, especialmente. Este ano, já teremos de elaborar o Plano Plurianual e a PLOA, projeto de lei orçamentária anual, então já queremos fazer esse esforço para aumentar os recursos em investimentos – com valores mais altos. Isso estamos articulando com a FINEP, que é quem gere o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Essa é uma das prioridades. A outra é que consigamos diminuir as questões de disparidade de gênero, raça e distribuição territorial. No que diz respeito a gênero, não estamos mal. As mulheres estão mais presentes nas bolsas de iniciação científica que os homens, mas nas bolsas de produtividade e pesquisa, que são mais avançadas, ainda são só 35%. Claro que isso representa e reverte uma questão histórica, mas, ao longo do tempo, esperamos que as mulheres aumentem substancialmente sua participação, tanto em número, como >>>