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ENTREVISTA CAPA

na liderança de projetos de pesquisa. A questão racial é mais difícil, pois não temos uma longa série histórica de dados. No entanto, estamos estudando uma maneira de fazer isso de maneira mais assertiva e que atenda a questões de qualidades na pesquisa. E tem também a questão de distribuição territorial – que possamos dar prioridade para regiões em que há menos presença, como a própria Amazônia, ou o Centro - Oeste.

Revista FADESP: O senhor poderia detalhar os investimentos para o Norte e a Amazônia?

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Ricardo Galvão: Nós não temos os números ainda, mas houve inúmeras demandas. O professor Ennio Candotti [ex-presidente da SBPC] está há muitos anos em Manaus, acompanhando inúmeros projetos na região amazônica e a Fundação de Amparo local não consegue dar conta de todas as demandas – por isso, precisamos dar um pouquinho mais de prioridade para lá. Há também demandas no Centro-Oeste. Ainda estamos realizando estudos, para que possamos levantar tudo com cuidado. Finalmente, queremos implementar muito fortemente as cooperações internacionais e com as Fundações de Amparo à Pesquisa dos estados. Sabes que há um projeto, Amazônia +10, que é coordenado pela FAPESP, de São Paulo, mas há quase vinte Fundações de Amparo, de todos os estados brasileiros, colocando recursos para projetos na região. O CNPq ainda não participa disso e quero muito que entremos! Uma coisa importantíssima para sua região, que foi debatida na transição, e aceita pelo governo é que criássemos, dentro do Ministério de Ciência Tecnologia & Inovação, uma Subsecretaria para a Amazônia. Queremos implementar chamadas especiais para desenvolvimento sustentável e combater a fome na região amazônica. São intenções e tudo depende dos acordos com parceiros, recursos, assim por diante.

Revista FADESP: Quando se fala em desmatamento da Amazônia, talvez o grande público não se aperceba que estamos falando também de manter a floresta em pé, mas falamos da sobrevivência do amazônida, dos povos tradicionais, quilombolas, caboclos. A tragédia dos Yanomami trouxe novamente luz a um tema sensível, que é a proteção e preservação dessa ancestralidade. Como o senhor reagiu a essa notícia? É possível mensurar o prejuízo causado à região e ao bioma? Como enxerga o futuro da Amazônia, professor?

Ricardo Galvão: A mensuração exata é muito difícil. A visita do presidente na região, juntamente com a ministra Marina Silva, teve um imenso significado simbólico! Estive esta semana conversando com a presidente do CNR [Consiglio Nazionale delle Ricerche], que é o equivalente ao CNPq italiano. Ela veio falar comigo e estava entusiasmadíssima com a possibilidade de trabalhar conosco em projetos na Amazônia. Há um ditado muito bom, em italiano, que diz tra il dire e il fare c'è di mezzo il mare e que significa “entre o falar e o fazer, há um mar no meio”. Temos de passar do discurso para as ações específicas. Tenho esperanças, mas há que se ter objetividade também. Espero que a vigilância na Amazônia seja intensificada. Na região, há 29 grupos criminosos atuando fortemente, inclusive através das fronteiras. Há que se ter vontade de trabalhar e competência. Repito que tenho muita esperança de que conseguiremos coibir e ter, como bem disseste, políticas assertivas para o desenvolvimento sustentável e que atenda aos povos amazônicos. Há projetos do professor Carlos Nobre [Amazônia 4.0] , do INPA, de Manaus, do Museu Paraense Emílio Goeldi, de Belém, e de outras instituições. A professora Ima Vieira tem projetos importantíssimos. Precisamos fazer uma articulação – há muitas boas iniciativas, que carecem de ser melhor articuladas. Muita gente acaba se repetindo, sem articular ações que permitam maior fôlego. Sem isso, é difícil progredir e atender os amazônidas. O principal pra mim é a civilidade republicana em benefício da Amazônia.

Revista FADESP: A pandemia fez com que o tema Ciência fosse discutido nas camadas que, em tese, estão mais distantes dela e percebo que houve um enorme esforço da comunidade científica em simplificar, traduzir questões que eram imprescindíveis. Tomando esse viés como um norteador, qual sua avaliação sobre esse tema e como diminuir, cada vez mais, a distância que separa a população do fazer científico?

Ricardo Galvão: Essa é uma pergunta importantíssima! Temos um problema seríssimo que, embora seja um chavão, há que se reconhecer: o nível educacional da população brasileira é baixo, principalmente, em Ciências da Natureza – o que dificulta um pouco a comunicação. Nós fizemos um documento, assinando-o, com compromisso de melhorar a alfabetização científica da população brasileira. O cidadão comum precisa ter uma educação científica básica mínima para que possa discernir a respeito das políticas públicas que lhe são apresentadas. Esse nível é baixo – e não é só no Brasil. Esse índice tem caído nos Estados Unidos e mesmo em regiões da Europa. Parte disso deve-se às redes sociais, que têm méritos, mas despertaram na sociedade uma ansiedade muito grande por ter respostas rápidas e não-complexas. Na Ciência, precisamos ser mais profundos. A comunidade científica – e essa é uma preocupação nossa – precisa atuar melhor nas redes sociais, cuidando para que esse negacionismo científico intencional não vença, já que ele vai ao encontro do que as pessoas querem acreditar. Se uma pessoa acha que a queimada na Amazônia em nada interfere na vida dele e ele recebe uma notícia nesse sentido, ele vai acreditar. Há que se trabalhar melhor na comunicação científica e nas redes sociais.

Revista FADESP: Falando em redes sociais, o senhor se define, em sua minibiografia do twitter , como cientista, apicultor, avô. Eu desconhecia esse seu lado de amante das abelhas. Como ele nasceu em sua vida?

Ricardo Galvão: É uma história interessante e devo-a ao meu pai, que ao se aposentar, passou a trabalhar em uma empresa como eletricista. Quando a empresa faliu, ele ficou bem desesperado. Morando em Niterói, ele e minha mãe fizeram curso para apicultor... e deixaram de ser depois da primeira picada de abelha! [ele ri] Desde criança, sempre gostei muito do campo e eu visitava muito o sítio do meu avô, em Botucatu. Meu fascínio pelas abelhas devese, não somente às propriedades farmacológicas, incríveis, mas à sua complexa organização social. Aquilo me encantava muito! Quando fui morar em São José dos Campos, em 1982, quis comprar uma pequena propriedade na Serra do Mar e quis preservar ao máximo e como faria isso? Por meios das abelhas. Por incrível que pareça, as primeiras picadas me fizeram apaixonar por elas!

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