Revista Interritórios - Relações Étnico - Raciais

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Reitor Anísio Brasileiro de Freitas Dourado Vice-reitora Florisbela de Arruda Câmara e Siqueira Campos Pró-reitor para Assuntos Acadêmicos Paulo Savio Angeiras de Goes Pró-reitora de Extensão e Cultura Maria Christina de Medeiros Nunes Pró-reitor para Assuntos de Pesquisa e Pós-Graduação Ernani Rodrigues de Carvalho Neto Pró-reitora para Assuntos Estudantis Ana Maria Santos Cabral Diretor do Centro Acadêmico do Agreste Manoel Guedes Alcoforado Neto Vice-diretora do Centro Acadêmico do Agreste Ana Paula Freitas da Silva Coordenador do Núcleo de Formação Docente Ernesto Arcenio Valdés Rodriguez Tutora do Programa de Educação Tutorial - PET Infoinclusão Anna Rita Sartore

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Editores Responsáveis pelo Primeiro Número Anna Rita Sartore (UFPE - Brasil) Everaldo Fernandes da Silva (UFPE - Brasil) Janssen Felipe da Silva (UFPE - Brasil) Saulo Ferreira Feitosa (UFPE - Brasil) Willy Soto Acosta (UNA - Costa Rica) Comissão Editorial Aline Renata dos Santos Alyson W. de Souza Campos Amanda Fabrícia Sobral Santos Daiane Keila Silva Danilo Melo de Lima Eunice Pereira da Silva Graciene Morgana Portela S. de Oliveira Maria Karoline G. Alves Marta Cordeiro da Silva Renata Ribeiro da Silva Rodrigo de Moura Pereira Safira M de L. R. V. da Silva Conselho Editorial Adrián Scribano (CIECS - Argentina) Alexandre Viana Araújo (UFPE - Brasil) Alexsandro da Silva (UFPE - Brasil) Ana Maria Pereira Aires (UFRN - Brasil) Ângela Maria M da Motta (UFPE - Brasil) Anna Rita Sartore (UFPE - Brasil) Carla Patrícia A. Lins Guaraná (UFPE - Brasil) Cinthya Lúcia M. T S de Melo (UFPE - Brasil) Claudemir Belintane (USP - Brasil) Conceição Gislane N. L. de Salles (UFPE - Brasil) Débora Maria do Nascimento (UERN - Brasil) Edilson Fernandes de Souza (UFPE - Brasil) Edlamar Oliveira dos Santos (IFPE - Brasil) Edmerson dos Santos Reis (UNEB - Brasil Edna Cristina do Prado (UFAL- Brasil) Ernesto Arcenio Valdés Rodriguez (UFPE - Brasil) Everaldo Fernandes da Silva (UFPE-Brasil) Faustino Teatino Cavalcante Neto (UFCG - Brasil) Iranete Maria da Silva Lima (UFPE - Brasil) Jaqueline Barbosa da Silva (UFPE - Brasil) Janssen Felipe da Silva (UFPE - Brasil)

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José Batista Neto (UFPE - Brasil) Lucinalva Andrade Ataide de Almeida (UFPE Brasil) Marcelo Henrique G. de Miranda (UFPE - Brasil) ) Marcia Angela da Silva Aguiar (UFPE - Brasil) Márcia Gurgel Ribeiro (UFRN - Brasil) Márcia Maria de Oliveira Melo (UFPE - Brasil) Maria de Fátima Garcia (UFRN - Brasil) Maria do Socorro Silva (UFCG - Brasil) Maria Eliete Santiago (UFPE - Brasil) Maria Margarete S. de C. Braga (UECE - Brasil) Maria Joselma do Nascimento Franco (UFPE Brasil) Maria Veronica Filardo Garcia (UDeLAR - Uruguai) Milton Vidal Rojas (UACh - Chile) Nadège Mézié (Université Paris Descartes França) Paulo Henrique N Martins de Albuquerque (UFPE - Brasil) Paulo Henrique Ribeiro Peixoto (UFPE - Brasil) Rita De Cassia Cavalcanti Porto (UFPB - Brasil) Roberto Araújo Sá (UFPE - Brasil) Sandro Guimarães de Salles (UFPE - Brasil) Saulo Ferreira Feitosa (UFPE - Brasil) Tatiane Rodrigues Cosentino (UFSCar - Brasil) Wallace Ferreira de Souza (UFCG - Brasil) Willy Soto Acosta (UNA- Costa Rica) Agradecimento aos Colaboradores desta Edição Ednaldo Batista de Barros Júnior Márcio Cleyton Vasconcelos Barbosa Pedro Henrique Gomes Santos


Projeto Gráfico Amanda Fabrícia Sobral Santos Marcos Vinicius Santos Vieira Ensaio Fotográfico Amanda Fabrícia Sobral Santos Daniel Lisboa Soares Tratamento de Imagens Graciene Morgana Portela Sousa de Oliveira Maria Karoline Gomes Alves Revisão Eunice Pereira dos Santos Daiane Keila Silva Danilo Melo de Lima Renata Ribeiro da Silva Vanessa da Silva Diagramação Alyson Wegilles de Souza Campos Amanda Fabrícia Sobral Santos Danilo Melo de Lima Graciene Morgana Portela Sousa de Oliveira

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Sumário Apresentação

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Bem Viver: Projeto U-tópico e De-colonial

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La población indígena y el cambio climático en Centroamérica: Aproximaciones a su impacto

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ABYA YALA COMO TERRITÓRIO EPISTÊMICO: Pensamento Decolonial Como Perspectiva Teórica ALMEIDA, Eliene Amorim de

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Influencia Interligüística : Rasgos del Español en el Criollo Limonense

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Tecendo Fios entre o Feminismo Latino-Americano Descolonial e os Estudos Pós-Coloniais Latino-Americanos

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Protagonismo Juvenil, Pedagogia Social e o Pensamento Pedagógico Freireano: alguns desafios e perspectivas para a formação de educadores e educadoras sociais em projetos socioeducativos

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Educação contextualizada e relações étnico-raciais a partir da lei 10.639/03: desafios aos professores e ao sistema de ensino de Juazeiro/BA.

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Experência e Processos Formativos na Rede Indígena de Pernambuco: o Pibid Diversidade e as leituras decoloniais

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LACERDA, Rosane Freire FEITOSA, Saulo Ferreira

CAMACHO, María Fernanda Morales SOTO- ACOSTA, Willy

SILVA, Janssen Felipe da

RENÉ, Zúñiga Argüello MARGIE, Cubillo Araya

SARTORE, Anna Rita SANTOS, Aline Renata dos SILVA, Camila

SILVA, Alexandre Magno Tavares da

REIS, Edmerson dos Santos SANTOS JÚNIOR, Antônio Carvalho dos ALVES, Rafael Santana

SILVA, Everaldo Fernandes da SILVA, Jaqueline Barbosa da

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Apresentação A Revista Interritórios constitui um periódico de produções científicas, acadêmicas e culturais. Organizada por edições temáticas, a revista recebe produções originais de autores nacionais e estrangeiros, no formato de artigo; estudo teórico/ensaio; relato de pesquisa; relato de experiência profissional e resenha, que não esteja em processo de análise por outros periódicos. No número atual, a revista é composta por artigos da Costa Rica e do Brasil, tendo como tema Relações Étnico-Raciais: um diálogo entre Brasil e América Latina. O primeiro artigo intitulado Bem Viver: Projeto U-Tópico e de-Colonial de autoria de Lacerda, Rosane Freire Lacerda e Saulo Ferreira Feitosa trata da “concepção andina do “Bem Viver”, tradução das expressões Kechwa “Sumak Kawsay” e Aymara “Suma Qamaña”. O segundo artigo, com o tema La Población Indígena y el Cambio Climático en Centroamérica: Aproximaciones a su Impacto dos autores María Fernanda Morales Camacho e Willy Soto-Acosta versa sobre os “eventos climáticos, tais como: furacões, tormentas e secas que contribuem para a exclusão da população indígena centro-americana”. O terceiro artigo, Abya Yala como Território Epistêmico: Pensamento Decolonial como Perspectiva Teórica de autoria de Eliene Amorim de Almeida e Janssen Felipe da Silva “trata sobre a Perspectiva Teórica do Pensamento Decolonial enquanto chave de leitura da realidade complexa da América Latina, tomando-a como território de enunciação epistêmica como de análise”. O quarto artigo intitulado Influencia Interlingüística: Rasgos del Español en el Criollo Limonense Dos autores René Zúñiga Argüello e Margie Cubillo Araya, discute a influência interlinguística entre o espanhol e Criollo Limonense. O quinto artigo denominado de Tecendo Fios entre o Feminismo Latino-Americano Descolonial e os Estudos Pós-Coloniais Latino-Americanos, das autoras Anna Rita Sartore, Aline Renata dos Santos e Camila Ferreira da Silva realiza aproximações epistemológicas entre o Feminismo Latino Americano Descolonial e os Estudos Pós-Coloniais Latino-Americanos. O sexto artigo intitulado Protagonismo Juvenil, Pedagogia Social e o Pensamento Pedagógico Freireano: alguns desafios e perspectivas para a formação de educadores e educadoras sociais em projetos socioeducativos de Alexandre Magno Tavares da Silva “discute algumas experiências e reflexões a partir do trabalho dos educadores e educadoras sociais que estão ativos em projetos sócio-educativos para cuidar de crianças, adolescentes e jovens em condições de pobreza no Nordeste brasileiro”. O sétimo artigo Educação Contextualizada e Relações Étnico-Raciais Partir da Lei 10.639/03: Desafios aos Professores e ao Sistema de Ensino de Juazeiro/BA de autoria de Edmerson Santos Reis, Antônia Carvalho Jr Santos e Rafael Santana Alves, problematiza a necessidade de se fazer conhecer a Lei 10.639/2003entre os professores da rede municipal de ensino de Juazeiro na Bahia. O oitavo artigo de título Experiência e Processos Formativos na Rede Indígena de Pernambuco: O Pibid Diversidade e as Leituras Decoloniais de Everaldo Fernandes da Silva e Jaqueline Barbosa da Silva ”compartilha com o leitor os projetos pedagógicos e de políticas afirmativas que estão sendo vivenciados com os Povos Indígenas de Pernambuco”. Editores Responsáveis

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Daniel Lisboa Soares Daniel Lisboa Soares


BEM VIVER: PROJETO U-TÓPICO E DE-COLONIAL LACERDA, Rosane Freire FEITOSA, Saulo Ferreira

Resumo O presente artigo trata da concepção andina do “Bem Viver”, tradução das expressões Kechwa “Sumak Kawsay” e Aymara “Suma Qamaña”. Partindo dos sinais da atual crise civilizatória e ambiental provocada pelo capitalismo e seu suporte ideológico calcado no individualismo e no racionalismo, questiona-se a pretensa relação do “Bem Viver” com conceitos moderno-ocidentais como “desenvolvimento humano” e “qualidade de vida”, e defende-se o termo como expressão de uma utopia andina baseada numa cosmologia e filosofia próprias, e nos processos de resistência indígena à colonialidade do poder. Palavras-chave: Bem Viver. Colonialidade. Decolonialidade. Utopia indígena. Abstracto El artículo aborda la concepción andina del “vivir bien”, traducción de las expresiones Kechwa “Sumak Kawsay” y Aymara “Suma Qamaña”. Dejando señales de actual crisis ambiental y de civilización causada por el capitalismo y su apoyo ideológico basado en el individualismo y racionalismo, cuestiona la supuesta relación del “buen vivir” con conceptos moderno-occidentales como “desarrollo humano” y “calidad de vida”, y trata sobre el “buen vivir” como expresión de una utopía basada en la filosofía y Cosmología Andina y en los procesos de resistencia indígena a la colonialidade del poder. Palabras-clave: “Bien Vivir”. Colonialidad. Decolonialidad. Utopía indígena. 9


INTRODUÇÃO

Bien Vivir es, probablemente, la formulación más antigua en la resistencia indígena contra la Colonialidad del Poder. Aníbal Quijano

Os países do Sul global abrigam uma grande diversidade étnico-racial, em temos de pluralidade de valores, saberes, modos de pensar, estilos de vida e projetos de futuro, tão diversos entre si quanto estranhos e antagônicos àqueles próprios da modernidade ocidental capitalista. Estes valores e saberes indígenas têm sido historicamente identificados, pela mentalidade hegemônica do Norte, como incivilidade, primitivismo e atraso, uma atitude denunciada por autores latino-americanos contemporâneos, ligados à teoria crítica, como colonialidade do poder (QUIJANO, 1992; GROSFOGUEL, 2007; MIGNOLO, 2003), uma mentalidade e postura política típica da expansão colonial moderna e eurocêntrica, mantida viva e profundamente ativa após o fim do colonialismo. Nas últimas décadas, com o avanço entre os povos indígenas na América Latina da consciência de sua sujeição a esta colonialidade no plano dos estados nacionais, várias expressões de opção descolonial foram ganhando visibilidade e força (QUIJANO, 2011; CASTRO-GÓMEZ; GROSFOGUEL, 2007; MIGNOLO, 2008). Uma delas é dada pelos povos indígenas da região andina que afirmam, no conceito de Bem Viver, a possibilidade da vida fora dos parâmetros do bem-estar proclamados pela modernidade ocidental eurocêntrica e capitalista, ou seja,

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fora da lógica da colonialidade. O presente artigo traz a questão do chamado Buen Vivir, tradução do conceito andino de Suma Qamaña ou Sumak Kawsay (nas línguas Aymara e kechwa, respectivamente), enquanto importante exemplo dos saberes dos povos indígenas, que se expressa tanto enquanto afirmação política da possibilidade de outros modos de vida, quanto como forma de resistência e enfrentamento à colonialidade moderna eurocêntrica que historicamente tem lhes imposto modos de vida estranhos e desconectados com sua realidade, valores e identidades.

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO PARA QUÊ, PARA QUEM E A QUE CUSTO? Uma das principais questões associadas à emergência, na América Latina, da ideia de Bem Viver, vem a partir dos debates em torno do chamado desenvolvimento econômico. O discurso do desenvolvimento econômico trazido como um fetiche pelo modelo neoliberal tem sido justificado pelo sistema como condição necessária para a promoção do conceito (ocidental) de bem-estar, cada vez mais baseado no consumo ilimitado de recursos naturais. Ao analisar tal discurso, Pablo Dávalos (2008) identifica cinco importantes fissuras ou rupturas (cesuras) que afetam principalmente os povos do Sul global: a fragmentação e separação do ser humano em relação à natureza, herança do advento do modelo racional cartesiano; a ruptura com a ética, na medida da incompatibilidade natural desta


com a ideia de desenvolvimento e crescimento econômico; a ruptura com a história e cultura própria dos povos, dada a preferência do capitalismo pela homogeneidade; a ruptura causada pela própria economia na medida em que o seu crescimento importa em mais exclusão e desigualdade, e, por último, a ruptura causada pela colonização epistêmica, que impede os povos de enxergarem alternativas ao sistema. Alimentando-se da ideia da separação entre homem e natureza, o discurso do desenvolvimento se choca com a cosmologia indígena. Para esta, ser humano e natureza são indissociavelmente ligados, e a visão antropocêntrica responsável pela sua ruptura é incompreensível e problemática. Medindo-se pelo racionalismo individualista e impulsionados pelo consumismo, os conceitos de desenvolvimento e crescimento econômico chocam-se também com as perspectivas éticas que mantém a coesão interna daqueles povos. Daí sua negativa a incorporar os valores e estilos de vida ocidentais, e sua resistência aos projetos governamentais desenvolvimentistas. Também a história e as identidades culturais dos povos sofrem rupturas em razão do discurso do desenvolvimento e do crescimento, com os quais são igualmente incompatíveis: “El mundo liso y llano de Burguer King, de Nike, de Mc Donalds, de Coca Cola, de Wal-Mart, etc., es la apuesta por colonizar esa diversidad cultural e integrarlas al capitalismo” (DÁVALOS, 2008.).

Para o sistema as histórias e culturas

destes povos só interessam na medida em que, pelo seu apelo exótico, podem ser convertidas em mercadorias de consumo, numa folclorização que as esvazia de sentido e as transforma em meras peças decorativas, despidas de identidades e propósitos próprios. O mito neoliberal da erradicação da pobreza pelo crescimento econômico leva também a rupturas negativas para a vida dos povos do Sul global. Na medida em que se tem por foco o desenvolvimento e crescimento econômico, o âmbito político no qual repousam as causas da exploração e das relações verticalizadas de poder continua mantido, perpetuando a situação de subalternidade. Para os povos indígenas esta tem sido representada no aumento expressivo das pressões pela desterritorialização (ALMEIDA, 2009, p.103) e liberação de recursos naturais ao mercado internacional de commodities. Por fim, a colonização epistêmica do desenvolvimento retira dos povos do Sul global a capacidade de enxergar saídas viáveis ao sistema. Ao apontar esta fissura, Dávalos repercute o conceito de colonialidade do poder desenvolvido por Quijano, que põe em destaque o fato de que, apesar do fim do colonialismo, “la relación entre la cultura europea (...), y las otras, sigue siendo una relación de dominación colonial (...), una colonización de las otras culturas (...), del imaginario de los dominados” (QUIJANO, 1992, p.61). Diante dessa “colonização do imaginário”, a capacidade do dominado de avaliar o mundo ao redor e imaginar algo diferente, é embotada pelos limites impostos pelos padrões de pensamento que orientam

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o capitalismo. O imaginário e a capacidade de pensar alternativas ficam prejudicados. O sistema passa a ser visto como a única inexorável realidade e, as mazelas que traz consigo, um fardo inevitável (DAVALOS, 2008.). Com isso as consequências da retórica do desenvolvimento, “su legado de destrucción ambiental, degradación humana, violencia social, colonización de las conciencias” (DAVALOS, 2008), são vistas como naturais e inevitáveis.

SUPEREXPLORAÇÃO DE RECURSOS NATURAIS, CRISE CLIMÁTICA... A cada ano as Nações Unidas alertam para a relação entre superexploração dos recursos naturais, emissão de dióxido de carbono e mudanças climáticas no planeta. Em seu último relatório, o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC)¹ alertou que “a continuação das emissões de gases de efeito estufa” aumentará “a probabilidade de impactos severos, penetrantes e irreversíveis para as pessoas e os ecossistemas” (IPCC, 2014a). No Brasil, o primeiro relatório do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas (PBMC) divulgado em janeiro de 2015 confirma denúncias de ambientalistas, povos indígenas e comunidades tradicionais, quanto aos impactos ambientais da pecuária extensiva e das monoculturas praticadas pelo agronegócio. Segundo ele, tais impactos, como o aumento da temperatura, já podem ser observados, como na região amazônica 12 Revista Interritórios, edição 1/2015

onde “a substituição de áreas naturais por pastagens contribui para um aquecimento de 1,5ºC” (PBMC, 2015, p.328.). No processo “biopolítico” de privatização da vida, expande-se sobre as terras do Sul global o uso das sementes geneticamente modificadas. Entre seus efeitos nefastos, chama a atenção uma onda de suicídios de pequenos agricultores, na Índia, vítimas da Monsanto (TEIXEIRA, 2015.). Enquanto isso a água potável, inacessível a mais de 700 milhões de pessoas no planeta (OMS; UNICEF, 2014), é transformada em mercadoria através da privatização das companhias públicas de abastecimento, negócio lucrativo com retorno “estimado entre US$5 e US$28 por cada Dólar investido” (WWAP, 2015a.). A célebre “guerra del água” em Cochabamba, Bolívia no ano 2000, é até agora a expressão mais representativa da resistência dos povos do Sul global a este modelo. Enquanto o IPCC calcula os limites da irreversibilidade do desequilíbrio ecológico e climático planetário (IPCC, 2014b), no Vaticano a gravidade da situação levou o Papa Francisco a dedicar ao tema a sua carta encíclica Laudato Sí’ (Louvado Sejas), “Sobre o cuidado da casa comum”, onde apela por medidas capazes de salvar o futuro do planeta (LS, 14.). Ao mesmo tempo, fugindo de extremos climáticos, de guerras, ou de péssimas condições de vida, milhares de pessoas deixam a cada ano o Sul global, num imenso fluxo misto que envolve refugiados, migrantes e “refugiados ambientais”. Trata-se aqui de uma verdadeira crise civilizatória, onde a velha utopia liberal se mostra completamente obsoleta para as demandas de


garantia da vida no planeta.

BEM-ESTAR, IDH, QUALIDADE DE VIDA OU “MAL-VIVER”?

baseado na satisfação de necessidades humanas básicas, melhoraria de qualidade de vida e pleno potencial de indivíduos e comunidades (DELOITTE, s/d.).

À medida que aumenta o mal-estar com as consequências individuais e coletivas dos problemas relacionados ao estilo de vida, desigualdade socioeconômica e desequilíbrio ambiental, entram em voga conceitos de “viver melhor”, “bem-estar”, “qualidade de vida”, e “desenvolvimento humano”, os três primeiros facilmente associados a dicas de saúde física e mental proporcionadas em conselhos médicos, orientações psicológicas, receitas culinárias, etc.

Os modelos de bem-estar e boa vida propagados pelo liberalismo burguês acabam tendo como referencial o inatingível estilo de vida e de consumo norte-americanos, que cobra seu preço em saúde mental. Pressões por se atingir os mesmos índices de produção e consumo registrados naquele país, frustração por não se conseguir atingi-lo, ou simplesmente o vazio de um estilo de vida consumista e individualista, aumentam ano a ano graves prejuízos para a saúde.

O termo bem-estar é fruto de uma construção da modernidade e como tal portador de uma perspectiva essencialmente individualista. Um viés que pode ser observado em quatro tendências analíticas (NOGUEIRA, 2002): a utilitarista, que reduz o conceito à ideia de utilidade; a que o reduz ao acesso a bens; a que o vê como satisfação das necessidades básicas humanas, e a que o vê como dependente das capacidades humanas para atingi-lo. Esta última tendência influenciou, a partir de proposta de Sen (1993), o conceito de desenvolvimento humano (PNUD, S/d.), fazendo surgir o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que leva em conta níveis de renda, educação e saúde, substituindo o uso do Produto Interno Bruto (PIB) per capita, “que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento” (PNUD, s/d.).

Grande parte da população nos grandes centros urbanos tem problemas com o sono, em virtude de preocupações com dinheiro, segurança financeira e stress no trabalho (SÃO PAULO TIMES, 2015). Entre os graves problemas decorrentes aponta-se a depressão que atingiria “quase 7% da população mundial” (LUCENA; VERSOLATO, 2014.). Enquanto isso, a Organização Mundial de Saúde (OMS), informa que no mundo mais de 800 mil pessoas suicidam-se anualmente (OMS, 2014, p.11.). Apontando para o crescimento desta taxa no Brasil, um pesquisador da Escola Nacional de Saúde Pública vê “um processo muito grande de individualismo, de disputa, de competitividade e tudo tem a ver, estruturalmente, com as ideias de suicídio” (AFN, 2014.).

Recentemente a iniciativa privada² lançou o “Índice de Progresso Social” (IPS), um conjunto mais amplo de indicadores

O estilo de vida moderno tem mais a ver com o que poderíamos chamar de mal-viver, para utilizarmos um termo trazido por Tortosa (2011). Um mal-viver marca-

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do por pobreza e exploração, e pelo stress da competição e do consumo, que leva ao adoecimento físico e mental, depreda os recursos naturais do planeta e põe em risco a própria viabilidade da espécie humana.

UM “BECO SEM SAÍDA”? Todo este quadro, longe de ser passageiro, agrava-se dia a dia e revela a incapacidade do atual modelo de sociedade para dar conta das demandas cada vez mais complexas e de efeitos colaterais cada vez mais perturbadores. Como afirma Edgard Lander, “Se trata nada menos que de una crisis civilizatoria, de la imposible continuidad del modelo industrialista y depredador basado em la lucha de los humanos contra la naturaleza” (LANDER, 2009, p.3.). Enquanto uma reação da sociedade parece distante, na indústria da música, o modelo consumista irreal e inatingível da “ostentação” é vendido com sucesso aos jovens, em sua maioria, negros de periferia. No crescente mercado da fé, fieis buscam bênçãos divinas traduzidas em prosperidade econômica, ou seja, mais bens de consumo. Reproduzindo a retórica hobbesiana, consumismo, individualismo e desigualdade parecem fazer parte da natureza das coisas, desmobilizando a sociedade no sentido de críticas e formulação de alternativas. Para Lander o problema está “en nuestras propias cabezas, en el pensamiento atado a la reproducción de lo existente, en la débil capacidad de imaginar otras formas de entender las cosas” (LANDER, 2009, p.33). Com isso, chama a atenção para a necessi14 Revista Interritórios, edição 1/2015

dade de se questionar a própria concepção do que seja riqueza, definida por instrumentais epistêmicos que atribuem esta qualidade apenas àquilo que pode ser transformado em mercadoria. Daí afirmar que “ya no nos sirven (...), naturalizan y convierten en inevitable lo existente. Son instrumentos de matriz colonial eurocéntrica” (LANDER, 2009, p.36-37.). Também Pablo Dávalos (2011) insiste que o liberalismo e seu correspondente econômico, como ideologia hegemônica alicerçada no conceito politicamente ontológico de indivíduo, egoísta por natureza, vende bem através das teorias econômicas neoliberais, a falsa ideia de que a modernidade capitalista, com seus elementos intrínsecos de exploração e desigualdade, seria uma consequência natural e inexorável da natureza humana. Assim o liberalismo econômico se vê não como uma concepção teórica historicamente datada, mas como uma realidade ahistórica, atemporal e desvinculada de qualquer contexto sociocultural, passando a falsa ideia de que “assim sempre foi e assim será”. Mas a simples existência dos povos indígenas, vivendo há séculos não apenas fora da lógica do sistema, mas a ele resistindo, já demonstraria a falsidade de tais pressupostos: “Su sola presencia da cuenta de que el discurso del crecimiento económico, del progreso humano, y de la ideología de los mercados que se equilibran, es ideológica” (DÁVALOS, 2011,p.27). Dávalos aponta o Bem Viver como “a única possibilidade teórica” de uma crítica


radical ao liberalismo. E o faz porque, enquanto o marxismo estaria enredado em fundamentos e critérios epistemológicos próprios da modernidade – ente os quais a visão dos povos indígenas como sociedades primitivas e sem história –, comungando assim dos mesmos pressupostos ideológicos e epistêmicos do liberalismo, o Sumak Kawsay incorporaria não somente “en una sola dinámica la crítica a la modernidad y al capitalismo”, mas o faria “desde una visión diferente: aquella de la alteridad radical” (DÁVALOS, 2011, p.23.). Isso significa que a ruptura com o sistema do Mal viver que ruma para o colapso da vida no planeta, dependeria da superação não apenas do liberalismo econômico, mas também da própria modernidade ocidental, que tem como base a monoculturalidade eurocêntrica do mundo (DÁVALOS, 2011, p.27.). Mas o que seria, enfim, o chamado Bem Viver ou o Sumak Kawsay?

“BEM VIVER”: UM CONCEITO POLISSÊMICO? Nos últimos anos o termo Bem Viver passou a ser mencionado em diversas publicações e veículos de comunicação como sinônimo de vida saudável. Ao mesmo tempo, é associado a projetos de desenvolvimento econômico pelos governos equatoriano e boliviano, como garantia de qualidade de vida para os mais pobres. Seriam estes os marcadores do Bem Viver proposto pelos povos andinos? Haveria uma equivalência entre tal conceito e viver melhor, bem-estar,

qualidade de vida e desenvolvimento humano? Observando os usos do termo após a sua introdução nas Constituições do Equador (2007) e Bolívia (2009), alguns estudiosos apontam no Bem Viver uma natureza polissêmica, ou seja, passível de diferentes concepções. Hidalgo-Capitán e Cubillo-Guevara (2014), por exemplo, identificam esta polissemia em seis “debates abiertos” que dividem marxistas, indígenas e pós-modernos³. A pergunta a ser colocada é se se trataria realmente de uma polissemia ou de usos instrumentais do termo. Entendemos que a melhor forma de análise esteja na tentativa de compreensão de suas raízes ancestrais, rejeitando quaisquer formas de uso instrumental, contaminadas por bases epistêmicas coloniais. Isso significa considerar não apenas as suas origens, mas também os sentidos atribuídos pelos próprios indígenas na sua construção contemporânea. Partilhamos do entendimento daqueles que consideram como primeiro registro sobre o Bem Viver a “Primer Nueva Crónica y Buen Gobierno”, escrita pelo indígena Aymara Felipe Guamán Poma de Ayala (1611). Ele registrou a complexidade da antiga ordem social incaica, num exercício de “reconstrucción de la história desde los grupos sociales subalternizados” (FERNÁNDEZ, 2009, p.268.). Como “ladino”, ou seja, servidor subalterno da administração colonial espanhola no território da antiga civilização incaica, denunciou as injustiças e atrocidades do governo dos conquistadores. Ao mesmo tempo, reivindicou à Coroa es-

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panhola, como medida de Bom Governo e de Bem Viver, a administração daqueles territórios pelos próprios indígenas, com base em seus valores e costumes, embora já sob a perspectiva cristã. Como ladino Guamán Poma pôde viajar e ter contato direto com pessoas do povo e com antigos depositários dos saberes incaicos. Para Fernández (2009, p.270) foi esse contato com a realidade dos conquistados e a sua abertura ao ouvir não só as suas queixas, mas também as suas avaliações críticas desta realidade, que valeram ao autor de Nuevas Crónicas as condições para anunciar, pela primeira vez, a proposta do Bem Viver. E foi esta capacidade de ver e escutar os conquistados sob a perspectiva de um também conquistado, costurando seus saberes ancestrais à sua capacidade de resistência à ordem colonial, injusta e genocida, que deu a Guamán Poma a possibilidade de desenvolver aquilo que Mignolo (2007) denomina desobediência epistêmica: resgatou historicamente e valorizou os saberes e práticas da ordem social conquistada e, ao mesmo tempo, os projetou como horizonte de sentido na busca pela substituição da nova ordem injusta imposta pelo sistema colonial. Ao longo dos séculos esta capacidade de desobediência epistêmica dos povos indígenas da região andina foi marcada por diversas formas de resistência contra as ordens colonial e republicana (LACERDA, 2014). Mas é a partir da década de 1970 e 1990, com o avanço do projeto neoliberal e suas novas formas de expropriação, esmagamento cultural e identitário e impactos sobre o meio ambiente, que essa forma de desobediência

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irá ganhar uma nova dimensão. Identificando tal projeto com um projeto de morte, e atuando organicamente no apoio aos movimentos indígenas na sua luta anti-neoliberal e decolonial, intelectuais indígenas, mantidos em situação de invisibilidade pelo sistema, conseguiram fazer retornar a concepção do Bem Viver, não como contraponto semântico àquele projeto de morte que aqui denominamos mal-viver, mas como um projeto de futuro fortemente ancorado em valores ancestrais e em sua experiência de resistência acumulada ao longo de cinco séculos de opressão. Foi então em meio ao colapso do regime soviético e à decretação do “fim da história” pelos arautos do neoliberalismo (FUKUYAMA, 1992), que vozes indígenas historicamente ocultadas e silenciadas fizeram (re)surgir o Bem Viver como projeto de futuro alternativo ao sistema moderno-colonial-capitalista.

O BEM VIVER COMO PROJETO U-TÓPICO E DE-COLONIAL Na base das crises políticas e ambientais que têm levado caos e morte aos povos do Sul global, é clara a relação direta com a hegemonia dos paradigmas da modernidade capitalista e eurocentrada, que se impõem globalmente através da colonialidade do poder (QUIJANO, 1992). A ideia do indivíduo universal dotado de razão e liberdade como núcleo do sistema, trazida pela utopia liberal-burguesa, entra em choque e se sobrepõe colonialmente às visões antissistêmicas dos vários povos indígenas e


tradicionais ao redor do planeta, ancorados na perspectiva comunitária e plural de vida. Ao defender a existência de uma “utopia andina”, Ramiro Santamaría enfatiza o caráter transformador daquilo que denomina de “função utópica”: nela “hay crítica, enfrentamiento con la realidad, desenmascaramiento de las ficciones que la sostienen, hace que la realidad sea insostenible” (SANTAMARÍA, 2015, p.149). E destaca que no Ocidente as utopias tiveram importante papel na transformação da realidade. Todas elas nasceram sob o signo da insatisfação com a ordem vigente (Topos ou status quo) e cumpriram importante papel no sentido de impulsionar os sujeitos sociais a novos horizontes de possibilidades, operando transformações naquela realidade. Tendo a função de antecipar o futuro, o discurso utópico aposta no caráter realizável da utopia, o que o coloca sempre em rota de colisão com a defesa do Topos. Para os defensores da ordem estabelecida, “siempre la utopia será considerada irrealizable”. Uma vez realizada, se transforma em Topos, e assim “habrá un grupo de personas que mantendrán su ‘sueño’ y otras que, cuando haya opresión, continuarán con la función utópica de buscar una sociedad mejor”. Assim, “la utopia siempre emerge” (SANTAMARÍA, 2015, p.151.). Conforme observa este mesmo autor – com base nos estudos de Josef Esterman (1998) –, os povos andinos desenvolveram não só uma filosofia própria como o seu próprio norte utópico. A utopia andina estaria fundada em dois elementos básicos: a noção de Pachamama – a chamada “mãe

terra” –, e o conceito de Sumak Kawsay ou Suma Qamaña que designam o Bem Viver andino. Para a compreensão de tal conceito Santamaría utiliza quatro princípios da filosofia andina: relacionalidade, correspondência, complementaridade e reciprocidade. O princípio da relacionalidade afirma que todos os seres estão ligados ontologicamente entre si e com as forças do universo, o que contraria a filosofia moderna ocidental que separa homem e natureza e divide os seres em categorias distintas. A relacionalidade rejeita a pretensão antropocêntrica do domínio do homem sobre a natureza, e a própria ideia ocidental do indivíduo como um ente ontologicamente completo, quase isolado. O indivíduo é compreendido como um ser relacional, fazendo parte de um todo que compreende a própria ordem cósmica, da qual tem a responsabilidade de cuidar. Já o princípio da correspondência revela a concepção de uma “correlación mútua y bidirecional”, presente “en todo nivel y en todos los aspectos de la vida” (SANTAMARÍA, 2015, p.160). Trata-se de uma relação dual, ou seja, na qual cada elemento corresponde a outro que a ele se contrapõe, e que com ele interage numa interferência recíproca. Assim, cura e enfermidade, orgânico e inorgânico, vida e morte, (ESTERMAN, 1989) seriam correspondentes. O dualismo presente no princípio da correspondência leva ao princípio da complementaridade, pelo qual nenhum ente prescinde da conexão com outro. Um dos exemplos de como opera o princípio da complementaridade é o do “chacha-warmi”,

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observado por Rita Segato em seus estudos sobre as relações de gênero, que analisa na perspectiva decolonial: “No mundo da modernidade não há dualidade, há binarismo. Enquanto na dualidade a relação é de complementaridade, a relação binária é suplementar, um termo suplementa o outro, e não o complementa” (SEGATO, 2012, p.122.). Por último, o princípio da reciprocidade. Segundo Santamaría (2015), ele representa para o pensamento andino uma espécie de “normatividade cósmica”, que envolve a aplicação dos outros princípios (relacionalidade, correspondência, complementaridade) nas relações entre todos os entes e elementos. Assim, “El principio de reciprocidad (...) también tiene que ver con las relaciones religiosas, atmosféricas, rituales, económicas y hasta con los difuntos; es vigente inclusive más allá de la vida” (ESTERMAN, 1978.). Trata-se de uma complexa teia relacionada com o processo de manutenção da harmonia entre todos os seres, que tem na “Chacana” (a “cruz Inca”) o seu elemento mais simbólico. Assim, o norte utópico do Bem Viver andino está ancorado filosófica e eticamente em princípios radicalmente distintos daqueles que predominam na filosofia moderna ocidental, fundada numa perspectiva lógico-racional, individualista, especista e antropocêntrica. O Bem Viver parte de uma visão cósmica ou holística de mundo (ESTERMAN,1989), na qual todos os seres, animados ou inanimados, viventes e não viventes, estão ligados entre si numa relação de interação e de

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completude mútua, cujo equilíbrio necessita ser mantido. Na tradição andina do Bem viver os seres e elementos não humanos não foram criados para a satisfação das necessidades humanas. Não constituem “recursos naturais” cuja função é a de servirem à exploração econômica. Na lógica do Bem Viver, assim como não há estratificação entre os seres do cosmos, também não se concebe estratificação entre os próprios humanos. O Bem Viver não consiste, portanto, em acumular bens de consumo, mas em colaborar com a manutenção do equilíbrio cósmico. Esta concepção aponta para uma forma de organização social comunitária e intercultural, avessa à assimetria de poder, de gênero e de “raça” hegemonicamente presente no mundo moderno ocidental. Uma forma de organização social voltada não para a satisfação de desejos e necessidades individuais através do acúmulo de riquezas materiais e de poder, mas para a satisfação das necessidades coletivas a partir de relações harmônicas e respeitosas não apenas com os outros seres humanos, mas com todos os demais habitantes do planeta (animais, plantas, etc.). Nessa perspectiva, o Bem Viver trabalha com a ideia de respeito à diversidade, o que leva ao conceito de interculturalidade. Aceitar e respeitar a diferença significa também aceitar a semelhança. A relação intercultural é a ferramenta que garante a equidade cultural, possibilitando os processos dialógicos para a construção de consensos. Para solucionar os conflitos se procura chegar a consensos. Procura-se aprofundar a democracia para que não haja submissão. Submeter a minoria à maioria não é viver bem


(SUESS, 2010). A proposta implica assim em rupturas epistêmico-conceituais traduzidas em orientações éticas e princípios expressos em várias dimensões de justiça: social e econômica, democrático-participativa, inter-generacional e interpessoal, inter-racial e Interétnica, ambiental, transnacional, e justiça como imparcialidade. Ideias de viver melhor, bem-estar (individual ou social), qualidade de vida, desenvolvimento e progresso humano são dependentes do modelo capitalista de acumulação e consumo, levando facilmente ao apelo do estilo de vida norte-americano, que leva ao consumismo, superexploração de recursos naturais, desequilíbrio ecológico e conformismo com as desigualdades. Por tais razões a concepção andina de Bem Viver em nada se relaciona àquelas noções ocidentais e modernas, não corresponde, por exemplo, à lógica do viver melhor pois, como afirmam Albó e Galindo, ao contrário, “se lo contrapone a ‘vivir mejor’, entendido en el sentido social de que unos cuantos viven mejor a costa de otros que siguen viviendo peor” (ALBÓ e GALINDO, 2011, p. 10.). Também não se reduz a simples modelo alternativo de desenvolvimento econômico: “traduz sumak kawsay, suma qamaña ou ñandereko, expressões que estão vinculadas a uma determinada concepção da natureza tão inclusiva que a humanidade guardaria com ela uma relação de dependência por filiação” (CLAVERO, 2012, p.124-5.). Também não se pode considerar válida a sua instrumentalização pelo sistema econômico liberal, que o transforma em mercadoria de consumo, ou pelo aparato

estatal socialista, quando busca legitimar em seu nome políticas desenvolvimentistas com base no extrativismo, gerador de imensos impactos na vida daqueles povos e do meio ambiente. Entendemos que, de modo contrário, o Bem Viver é um norte u-tópico que aponta para a possibilidade de um modo de vida e de relacionamento com os outros seres, meio-ambiente e o próprio universo de modo radicalmente distinto daquele vendido pelo capitalismo. Em sua rejeição aos elementos centrais da utopia liberal-burguesa e do próprio sistema capitalista (individualismo, racionalismo, liberalismo, antropocentrismo, especismo, consumismo, etc.) a concepção andina do Bem Viver possui aquela “função utópica” (SANTAMARÍA, 2015) de crítica e enfrentamento desta realidade. Além disso, ao expressar valores, práticas e saberes que resistem a cinco séculos de dominação colonial, “no alienta solamente la herencia del pasado, sino todo el aprendizaje de la resistencia histórica de tan largo plazo” (QUIJANO, 2011, p.859), o que demonstra a sua capacidade de transformação possível, realizável. A utopia liberal-burguesa, nascida como mecanismo de defesa dos interesses da burguesia em ascensão frente ao sistema estratificado do Ancient Règime, há tempos não demonstra mais capacidade para dar conta da complexidade das mazelas que gerou através de seu modelo econômico – o capitalismo. Por outro lado, conforme lembra Dávalos (2011, p.28), “fue como una estrategia de defensa al avance del capitalismo que las organizaciones indígenas de América Latina propusieron la noción del

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Sumak Kawsay”. Este emerge então como uma nova utopia que tem como propósito guiar as ações humanas de modo a erradicar as injustiças sociais e econômicas e ao mesmo tempo garantir a continuação da vida no planeta. Trata-se também de uma concepção profundamente de-colonial. O Bem Viver (re)emerge do e no imaginário dos conquistados, dos excluídos, como uma proposta epistemicamente desobediente (MIGNOLO, 2007) à colonialidade do saber (LANDER, 2005). Funda-se em saberes e práticas não só contra hegemônicas, mas também antissistêmicas. Revela não a conformidade com a simples abertura de espaços para modos de vida distintos daqueles estimulados pelo sistema moderno-colonial capitalista, mas, de modo contrário, a perspectiva de que tais modos de vida só terão chance com o próprio fim deste sistema, a própria consolidação da decolonialidade do poder 4.

Trata-se de alternativa concreta ao modelo neoliberal que submete a natureza aos interesses do capital, legitima a dominação dos países “centrais”, do “Norte” global, sobre os ditos “periféricos”, do “Sul” global, concentra riqueza nas mãos de poucos e amplia o fosso social que separa os ricos dos pobres. O Bem Viver propõe uma mudança de paradigma a partir de uma ruptura epistemológica com o pensamento ocidental hegemônico. Diferentemente do capitalismo que impõe o capital como centro referencial e do socialismo que coloca o ser humano no centro, ele tem como referência central a vida de todos os seres do Planeta, onde a espécie humana é compreendida como parte da natureza, assim como as demais espécies.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Com base na perspectiva decolonial, assumimos aqui a concepção do Bem Viver não como bem-estar material, mas como utopia que emerge dos saberes ancestrais indígenas, especialmente através de determinados princípios da cosmovisão andina. Não se trata da reprodução ou cópia do modelo andino, mas de “ideia força” nele inspirada, e de projeto em construção. Um conceito aberto que poderá ser sempre ressignificado, acrescido e atualizado, mas nunca instrumentalizado por concepções vinculadas à modernidade-colonialidade.

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LACERDA, Rosane Freire Doutora em Direito, Estado e Constituição pela UnB, professora adjunta do curso de Direito da Regional Jataí da UFG, Goiás, Brasil. Especialista em Direitos Indígenas e dos Refugiados, atua em Teoria do Estado; Pensamento Decolonial e Bioética e Direito. FEITOSA, Saulo Ferreira Doutor em Bioética pela Universidade de Brasília (UnB), professor do curso de Medicina da UFPE/ CAA, Pernambuco, Brasil, professor da Cátedra Unesco de Bioética da UnB, assessor do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), membro-titular da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI) do Ministério da Justiça


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¹Organismo criado em 1988 pela Assembleia Geral das Nações Unidas. ²Elaborado pelo instituto norte-americano Social Progress Imperative, pela Harvard Business School, Delloitte Touche Tohmatsu e Skoll Foundation. ³Alguns “neomarxistas” identificam o “Bem viver” como proposta socialista e estatista, portanto, de cunho moderno, sinônimo de bem-estar material e modelo de desenvolvimento alternativo ao capitalismo. Outros, porém, o veriam como proposta retrógrada e contra-revolucionária. Para os indígenas o “Bem Viver” vem dos saberes originários, da cosmovisão andina, portanto nem moderna nem pós-moderna, estaria carregado de espiritualidade e 24


seria avesso à ideia de desenvolvimento. Já os “pós-modernos” e os ambientalistas o veriam como um projeto em construção, pós-moderno, aberto a contribuições de lógicas e valores de culturas diversas e expressão da possibilidade de formas alternativas de desenvolvimento. Para tanto, Quijano defende a realização de práticas sociais baseadas em valores antissistêmicos, como “la igualdad social de individuos heterogeneos y diversos”; a eliminação das desigualdades fundadas em diferenças e identidades; a vinculação dos indivíduos a grupos e identidades como expressão não de imposições mas das “decisiones libres y autónomas de indivíduos libres y autónomos”; a reciprocidade na organização do trabalho e na distribuição dos produtos; “la redistribución igualitária de los recursos y productos, tangíbles e intangibles, del mundo, entre la población mundial”; a associação “comunal de la población mundial, a escala local, regional o globalmente”, e a “co-responsabilidad en las relaciones con los demás seres vivos y otras entidades del planeta o del universo entero” (QUIJANO, 2011, p.857.). 4

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Amanda Sobral


LA POBLACIÓN INDÍGENA Y EL CAMBIO CLIMÁTICO EN CENTROAMÉRICA: APROXIMACIONES A SU IMPACTO CAMACHO, María Fernanda Morales SOTO- ACOSTA, Willy

Abstract En los últimos años se ha popularizado el términos de migrantes ambientales, a pesar de que el concepto aún no se ha introducido en la doctrina del derecho internacional; menos aún, el reconocimiento de categorías como refugiado ambiental. No obstante estos vacíos, el cambio climático tiene un impacto sobre las decisiones de las poblaciones más vulnerables para desplazarse a nivel interno y externo. Concretamente, la población indígena en Centroamérica representa un grupo de gran vulnerabilidad debido a sus condiciones socioeconómicas y la ubicación de sus asentamientos en áreas de gran riesgo ante los fenómenos naturales. De esta forma, eventos climatológicos como los huracanes, tormentas y sequías contribuyen con la perpetuación y exclusión de estas minorías en la región. Indígenas, Centroamérica, Cambio climático, migración, desplazamientos, migrantes ambientales Resumo Nos últimos anos, popularizou-se a expressão migrantes ambientais, apesar de o conceito não ter sido, ainda, introduzido, na doutrina do direito internacional e, tampouco, ter havido o reconhecimento da categoria refugiado ambiental. Apesar destas lacunas, as alterações climáticas têm tido um impacto sobre as decisões, de povos mais vulneráveis, tanto para empreender uma migração interna quanto externa. Concretamente, a população indígena centro-americana representa um grupo de grande vulnerabilidade, dadas as condições sócio-econômicas e pelo fato de estarem, as comunidades, assentadas em áreas de grande risco no que diz respeitos a desastres naturais. Desta forma, eventos climáticos, tais como: furações, tormentas e secas contribuem para a exclusão destas minorias na região. Indígenas, América Central, Mudanças climáticas, migração, deslocamentos, migrantes ambientales 27


INTRODUCCIÓN

Junto con las migraciones tradicionales originadas por las condiciones socioeconómicas y de seguridad en Centroamérica, constituyéndola como una región de tránsito y expulsora de migrantes, se une el elemento ambiental como un factor expulsor. Esto porque conduce a que las poblaciones más vulnerables a condiciones de inseguridad en materia de acceso a los bienes públicos como el agua, experimenten dificultades para asegurar necesidades tan básicas como la alimentación y posibilidades de crecimiento por productividad que van más allá de la subsistencia. Las poblaciones indígenas centroamericanas han vivido históricas condiciones de marginalidad, las cuales se acentúan por el impacto de fenómenos naturales que contribuyen con la profundización de la pobreza y la exclusión. El presente artículo se propone analizar el impacto del cambio climático en esos grupos de la región centroamericana. Para ello se realizará una aproximación al estado actual de esa población en Centroamérica; posteriormente, un acercamiento a las migraciones tradicionales y ambientales y, finalmente, un análisis sobre la relación del cambio climático, las migraciones y las poblaciones indígenas.

EL PANORAMA DE LAS POBLACIONES INDÍGENAS EN CENTROAMÉRICA 28 Revista Interritórios, edição 1/2015

En el marco de este breve acercamiento a las condiciones socio-demográficas de los pueblos indígenas centroamericanos, resulta necesario estar consciente de la existencia histórica de considerables divergencias a la hora de comparar cálculos y estimaciones de población indígena en la región, e inclusive, de la ausencia frecuente de información sobre la materia. Es hasta la década de 2000 que la realización de censos permite una mejor comparación de los datos estadísticos, aunque aún con diferencias considerables entre las cifras oficiales y las provenientes de organizaciones indígenas u organismos internacionales. Así el panorama, el número total de indígenas en la región responde más bien a una estimación que, para 2008 y según cifras del Instituto Interamericano de Derechos Humanos, era de unos 7,7 millones de personas, representando un 18% de la población total (IIDH en Estado de la Región 2011; 362). Con el fin de partir de una estandarización de fuentes que brinde una referencia comparable, la tabla a continuación muestra las cifras oficiales de población indígena en América Central según los censos nacionales más recientes. (Ver Tabla 1) A pesar de utilizar fuentes homologables, debido a las diferencias en las fechas de los censos, realizar comparaciones acarrea limitantes, aunque permite tener una perspectiva general del panorama desde


TABLA 1 - Población indígena en américa central según censos nacionales PAIS

GRUPOS ETNICOS

RESULTADOS CENSALES

FUENTE - ANO

Población indígena

Población total

Población indígena

Belice

Garífuna, Maya q’eqchí, Maya nopán, Maya yucateco.

30 107

312.698

9,6%

Statistical Institute of Belize.2010

Costa Rica

Bribí, Brunca o Boruca, Cabécar, Chorotega, Huetar, Maleku o Guatuso, Nögbe o Guaymí, Terire o Térraba.

104 143

4.301.712

2,4%

Instituto Nacional de Estadística y Censos.2011

El Salvador

Lenca, Kakawira (Cacaopera), Nahua‐ Pipil.

291.461

5.744.113

5,1%

Dirección General de Estadística y Censos.2007

Guatemala

Maya (incluyendo los 21 grupos mayas existentes), Xinca, Garífuna, Ladino.

4 610 440

11.237.196

41%

Instituto Nacional de Estadística. 2002

Honduras

Miskitu, Lenca, Tolupan, Tawahka, Maya Chortis, Nahoa, Pech, Garifuna.

496 000

7 621 000

6,5%

Instituto Nacional de Estadística, a través de KIVLAK/ GIZ.2001

Nicaragua

Miskitu, Mestizos de la Costa Caribe, Chorotega Nahua-Mange, Creole (kriol) Xiu-Sutiava, Cacaopera-Matagalpa, Nahoa-Nicarao, Mayangna- Sumu.

443 847

5 142 098

8.6%

Instituto Nacional de Información para el Desarrollo.2005

Panamá

Kuna, Ngäbe, Buglé, Emberá, Wounaan, Teribe/ Naso, Bokota y Bri Bri.

417 559

3,405,813

12,3%

Instituto Nacional de Estadística y Censo 2010

Fuente: Elaboración propia a partir de censos nacionales. la información oficial. Vale resaltar que, en casos como el de Guatemala, el peso demográfico de los pueblos indígenas es tal, que “técnicamente hablando, dejan de ser minorías étnicas y pasan a ser mayorías discriminadas” (BARIÉ 2003 p. 37). Diferente

es en países como Costa Rica, en donde las cifras arrojan un porcentaje de población indígena que no alcanza, para este cálculo censal, el 3% de la población total.

Ahora bien,tanto en los casos en los que

LA POBLACIÓN INDÍGENA Y EL CAMBIO CLIMÁTICO EN CENTROAMÉRICA: APROXIMACIONES A SU IMPACTO

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el peso demográfico es significativo, como en los que el porcentaje es proporcionalmente mucho menor, los pueblos indígenas comparten condiciones de vulnerabilidad que son producto de las dinámicas históricas de exclusión, y que evidencian una profunda desigualdad. Basta con acercarse a algunas de las alarmantes cifras del Foro Permanente sobre Asuntos Indígenas de la Organización de las Naciones Unidas -publicadas en 2010, para visualizar que en Panamá los índices de pobreza son 5.9 mayores para población indígena que para población no indígena; que en Guatemala, más del 50% de los jóvenes indígenas entre los 15 y los 19 años no completaron la educación primaria, en comparación con aproximadamente un tercio de los jóvenes no indígenas; que en Honduras, aproximadamente un 95% de los niños indígenas menores de 14 años sufren desnutrición (ONU 2010; 14).

EN PALABRAS DEL ESTADO DE LA REGIÓN:

“estos grupos enfrentan barreras que limitan sus oportunidades y el desarrollo de sus capacidades. Su rezago en el acceso a servicios como salud y educación, agua potable y saneamiento, mercado laboral e infraestructura productiva, queda manifiesto en las brechas en su perfil demográfico con respecto al resto de la población. Más allá de los rezagos en materia demográfica, las poblaciones rurales e indígenas de Centroamérica continúan enfrentando desventajas socioeconómicas que les

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impiden mejorar sus niveles de desarrollo y calidad de vida. La pobreza, flagelo no superado en la región, las afecta con mayor crudeza”. (2011, p.386). Estas circunstancias, lo que el Estado de la Región llama “el rezago de la transición demográfica”, Estado de la Región (2011, p.362), se ven aunadas al hecho de que tradicionalmente los grupos indígenas habitan sitios “físicamente aislados, frágiles y difíciles, que los hacen especialmente vulnerables” (UICN 2008; 4), y a los retos en materia de reconocimiento de sus derechos indígenas. Sobre este último aspecto, cabe resaltar que a la fecha, solo Costa Rica, Guatemala, Honduras y Nicaragua han ratificado el Convenio 169 sobre Pueblos Indígenas y Tribales en Países Independientes de la Organización Internacional del Trabajo, referente en la protección de los derechos colectivos de los pueblos originarios. Los derechos indígenas territoriales –por citar un caso particularmente pertinente-, no solo no figuran del todo en algunas Constituciones centroamericanas, sino que además, en muchos de los casos en los que sí existe una mención de los temas de tierras y recursos naturales, esta es general y no se refiere en específico a los pueblos indígenas como colectividades.

E LOS DESPLAZAMIENTOS EN CENTROAMÉRICA: MIGRACIONES TRADICIONALES Y


MIGRACIONES AMBIENTALES EN LA REGIÓN Migraciones tradicionales Según Casasfranco (2002; 78), la dinámica migratoria en la región centroamericana fue más notoria a partir de la década de los ochenta producto de la crisis política en la que estaba sumergida la región. Antes de esa fecha, los desplazamientos obedecían a procesos de colonización agrícola y se caracterizaban por su dispersión en diferentes regiones a lo interno del país. Incluso, en el contexto de la II Guerra Mundial, Centroamérica fue una región receptora de inmigrantes provenientes de Europa y Asia. Para el caso de México y de Centroamérica, los desplazamientos hacia la frontera norte no fueron regulares, pues están y estuvieron más vinculados por efectos coyunturales (crisis), demanda temporal en el sector agrícola, y no correspondían a todos los países del continente. Además, los desplazamientos se incrementaron a partir de los periodos de guerra o entreguerras, pero con mayor énfasis en los años ochenta del siglo pasado, Netzahualcoyotzi y Furlong, (2002, p. 74). De esta forma, en la década de los ochenta las guerras civiles incidieron en un desplazamiento cercano a los dos millones de personas que provenían de El Salvador, Guatemala y Nicaragua y se dirigían a otras zonas de su propio país no afectadas por los enfrentamientos, a países vecinos o a

destinos extra-regionales. Ejemplo de ello fue la oleada migratoria de ciudadanos salvadoreños hacia los Estados Unidos. En el país norteamericano residían cerca de un millón de salvadoreños, muchos de ellos expulsados por la violencia en su tierra natal (ver tabla 1): (Ver Tabla 2) De acuerdo con la tabla 2, se da un descenso en la población salvadoreña residente ilegal en los Estados Unidos en la década de los noventas respecto al año 2000, producto de las prerrogativas brindadas por el Gobierno estadounidense como el estatus de protección temporal, a principios de los noventas. Ya más tarde, eso se debe a leyes como NACARA ¹. No obstante, se evidencia una tendencia al alza en la llegada de hondureños y guatemaltecos a los Estados Unidos en condiciones irregulares, con crecimientos relativos de 96% y 26%, respectivamente (HOMELAND SECURITY, 2000, p. 9). Con el proceso de pacificación en Centroamérica inicia el retorno de migrantes a sus tierras de origen, especialmente de salvadoreños y guatemaltecos. No obstante, la persistencia de condiciones económicas adversas y la creciente vulnerabilidad ante fenómenos ambientales (huracanes² , terremotos, etc.) provoca una nueva oleada de migrantes, los llamados “migrantes ambientales”, esta vez huyendo del impacto socioeconómico producido por los fenómenos climáticos.

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TABLA 2 - Estimado de población (en miles) residente no autorizada en los Estados Unidos, Top 15 países: 1990-2000 Country of origem

Estimated population

Growth

Percent of total pop.

2000

1990

1990 2000

2000

1990

(1)

(2)

(3)-(1)-(2)

(4)

(5)

All countries

7.000

3.500

3.500

100,0%

100,0%

Mexico

4.808

2040

2768

68,7%

58,35%

El Salvador

189

298

-101

2,7%

8,5%

Guatemala

144

118

26

2,1%

3,4%

Colombia

141

51

91

2,0%

1,4%

Honduras

138

42

96

2,0%

1,2%

China

115

70

45

1,6%

2,0%

Equador

108

37

71

1,5%

1,0%

Dominican Republic

91

46

45

1,3%

1,3%

Philippines

85

70

14

1,2%

2,0%

Brazil

77

20

58

1,1%

0,6%

Haiti

76

67

8

1,1%

1,9%

India

70

28

41

1,0%

0,8%

Peru

61

27

34

0,9%

0,8%

Korea

55

24

31

0,8%

0,7%

Canada

47

25

22

0,7%

0,7%

All other Countries

795

537

259

11,4%

15,3%

Fuente: Homeland Security. (2000). Estimates of the Unathorized. Immigrant Population Residing in the United States: 1990 to 2000. Surgen entonces dos lógicas de desplazamiento en la región: una al sur, especialmente de nicaragüenses hacia Costa Rica y otra al norte, específicamente ciudadanos de Guatemala, Honduras y el Salvador hacia México, pero teniendo como principal destino los Estados Unidos, en búsqueda del “sueño americano”. Actualmente, y de acuerdo con Where, We’re From, para el año 2010 se contabilizaban un total 2664852 migrantes

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provenientes de Centroamérica en los Estados Unidos. Dentro de esta cifra sobresale El Salvador con 1 116 420 migrantes residiendo en este país, seguido por Guatemala con 753 720 y Honduras 469 202. Estos tres países representan más del 50% de los y las centroamericanos en esa nación (ver gráfico 1): (Ver Gráfico 1)


Cantidad de migrantes Centroamericanos (por país de origen) en Estados Unidos (2010)

Fuente: Elaboración propia a partir de Organización Internacional para las Migraciones (2014).

MIGRACIONES AMBIENTALES EN CENTROAMÉRICA François Gemenne, investigador del Instituto de Desarrollo Sostenible y Relaciones Internacionales, con sede en París, manifestó lo siguiente en la Cumbre del Clima de Poznan, Polonia, realizada en diciembre del 2008: Claro que ya hay refugiados por motivos ambientales. Hay habitantes de islas muy bajas que se están moviendo por la subida del nivel del mar y la erosión costera, migraciones dentro de China por la desertificación y gente que intenta salir de Bangladesh porque sufren inundaciones

cada vez con más frecuencia. Los factores ambientales influyen... Hemos identificado 22 puntos calientes. Muchos africanos, huyendo de la desertificación, cruzan a Yemen intentando llegar a Arabia Saudí. Por eso Arabia ha levantado un muro con Yemen. O la frontera entre Bangladesh y la India. Bangladesh acusa a India de inundarle con una presa y de sufrir la subida del nivel del mar. India planea levantar una frontera (citado por Méndez, 2018). Se ha cuñado el concepto de refugiado ambiental para referirse a: … las personas, pueblos y, en las situaciones más graves, ciudades que se han visto obligados a trasladarse desde su tierra natal, debido a problemas derivados con el ambiente, como desastres naturales: huracanes o tsunamis, y también

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por otras razones de devastación como son la deforestación, desertificación, inundaciones, o sequías, con la consecuente falta de agua, alimentos y energía, y riesgo de enfermedades, lo que hace que para estas personas, existan pocas o ninguna esperanza de retorno. Estas personas son los llamados “desplazados ambientales”, término que incluye no sólo a aquellos que tienen que trasladarse a otras zonas dentro de un mismo país, sino también a los que suelen cruzar fronteras internacionales. Al intentar cruzar las fronteras hacia otros territorios más seguros, miles de estos desplazados mueren cada año en las rutas migratorias, por las políticas restrictivas de los países a los que se dirigen y la militarización de las fronteras (BORRÁS, 2008 p.1). Se pueden distinguir tres tipos de desplazados. Primero, los que tiene que movilizarse temporalmente a raíz eventos extremos tales como terremotos, tsunamis, huracanes, inundaciones; pero tiempo

después de los acontecimientos pueden regresar a sus lugares de origen. También está un segundo tipo: el que conforman las personas que no pueden regresar a su hábitat debido al grado de destrucción o debido a la explotación de los recursos naturales. Un tercer tipo lo constituyen las personas cuyas sus tierras fueron tomadas (mediante compra y/o expropiación) para darle otro destino económico (por ejemplo, construcción de mega-proyectos turísticos en lo que antes eran poblados de pescadores artesanales) (BORRÁS, 2008, pp.3-4). En algunos casos la diferencia entre estas situaciones es muy tenue así como difícil establecer si el acto de abandonar el hábitat es voluntario u obligado. La siguiente tabla identifica algunos factores que generan este tipo de desplazamientos: (Ver Tabla 3)

TABLA - 3 Causas que propician refugiados ambientales NATURALES Catástrofes ambientales o desastres

ANTROPÓGENICAS Procesos a largo plazo

Inundaciones;·Tifones Sequías Desertificación, degradación Plagas; terremotos; maremode tos. Olas de calor; Incremento tierras agrícolas; uso excesivo e en el nivel del mar; Erupciones inadecuado de los recursos volcánicas; hídricos; erosión de los suelos, Tormentas; Tornados. deforestación. Vertidos de petróleo o sustancias químicas a ríos o costas. Accidentes químicos o nucleares.

Conflictos políticos y Militares

Factores Socioeconómicos

Destrucción de Cosechas. Utilización de armas químicas. Bombardeos

Distribución de los recursos. Proyectos de Desarrollo. Escasez de Recursos

Fuente: Tomado de Perales, 2010; 5 (Elaborado por Lastiri, Angélica).

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La magnitud del problema es alarmante. En efecto, “… para la ONU, el 60% de los movimientos migratorios son causados por el cambio climático y por los desastres como las sequías o inundaciones. El organismo estima que en 15 años habrá, por lo menos, 50 millones de refugiados por el deterioro del medio ambiente en el mundo, los cuales afectaran, principalmente a los países más pobres” (Cáceres, 2010; 11). El concepto de migración ambiental, entonces, resulta complejo y polémico en la medida que los desplazamientos de las personas obedecen a múltiples causas. Tal y como lo señala Ferris (2015): “Las personas deciden desplazarse por múltiples razones. Los factores ambientales pueden ser un motivo de peso para decidir migrar, pero usualmente se entremezcla con factores económicos, familiares; Incluso, de tolerancia personal al riesgo.” Además, los patrones de migración por casusa ambientales se ven afectado según la severidad del evento y su duración, lo que determinará si se trata de desplazamientos temporales, permanentes, internos o internacionales (FRITZ 2010). De acuerdo con Fritz (2010), las migraciones ambientales se deben analizar de acuerdo a tres características: la vulnerabilidad ante los fenómenos, la resiliencia para recuperarse de los mismos, y la adaptabilidad para convivir con las condiciones cambiantes producto de las variaciones climáticas. En este contexto, la Organización Mundial para las Migraciones (OIM) estima que en los próximos 40 años un rango comprendido entre los 25 millones y los 1000 millones de personas podrían desplazarse por los efectos del cambio climático, International Organization for Migration (2012).

En el caso centroamericano se debe señalar la vulnerabilidad de la región por su posicionamiento geográfico, lo que la hace propensa a sufrir los embates de fenómenos como las tormentas, sequías o los huracanes. Tal y como lo señalan Arbo y Ordaz (2011, p. 6): La región conformada por México y Centroamérica es altamente vulnerable a los fenómenos climáticos. Sobre ella se han suscitado diferentes desastres naturales que han traído costos importantes; en 1998 el huracán Micth azotó Centroamérica, en 2005 el huracán Stan afectó México y Guatemala; la tormenta tropical Noel causó severas inundaciones en Tabasco, en México. Esto ha situado a los países de esta región dentro de las primeras posiciones de(sic) Índice Global de Riesgo Climático (IGRC). Harmelin señala a Honduras como el país en la tercera posición de IGRC construido para el periodo 1990-2008, Nicaragua en la sexta posición y México en la posición 30. De igual manera, la CEPAL señala esta condición de riesgo de la región al mencionar que en el periodo 1930-2011 se registraron 291 eventos extremos asociados con fenómenos climáticos, con un crecimiento anual de los desastres en las últimas tres décadas respecto al decenio de 1970 (CEPAL 2012; 11). Así en la región centroamericana (también aplica para el caso mexicano y de África Oriental) se podrían describir movimientos circulares influenciados por el ambiente, en la medida que se realizan a nivel interno, es decir, del campo a la ciudad, donde los y las agricultores migran para compensar la baja productividad agrícola

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en estas áreas (Fritz 2010). Tal y como lo señalara el estudio que realizó Mexican Migration Project, sobre los patrones de migración de este país vecino, en el que, de una muestra de 19906 hogares mexicanos, 10 086 contaban con terrenos secos no aptos para la agricultura. De esta forma “es posible inferir que el ambiente sí está jugando un papel importante en incentivar la migración de los mexicanos a los Estados unidos”, (ARBO Y ORDAZ, 2011, p. 7). Un claro ejemplo del impacto de un fenómeno natural en la estabilidad socioeconómica de la región fue el Huracán Mitch que afectó el istmo en 1998 (RODRÍGUEZ 2013, p.13). En el año 1998, el Huracán Mitch en Centroamérica y sus efectos, acentuaron las desigualdades socio-económicas en los países región, lo cual agravó los riesgos de las poblaciones más vulnerables y la consecuente incapacidad de los ecosistemas y medios de producción en las zonas afectadas, generando la expulsión de población y grandes dificultades para la generación de empleo local. Este evento en la región Centroamericana afectó el desafío de lograr la reinserción productiva y el acceso a la tierra de las personas que regresaron a sus países de origen luego de los acuerdos de paz (ACUERDOS DE PAZ, ESQUIPULAS 1987). Asimismo, en un estudio realizado por Lozano et. al (2015; 40) se señalan varios casos concretos sobre el impacto de los fenómenos naturales en la vida de las poblaciones centroamericanas más pobres. El primero de ellos Guatemala en los últimos 10 años y el impacto del Huracán Mitch, las 36 Revista Interritórios, edição 1/2015

tormentas tropicales Stan, Agatha y E12, impactando en la seguridad alimentaria y con ello provocando problemas de desnutrición crónica en niños (as) menores de cinco años; aunado a las pérdidas de semillas, cosechas y reservas de alimentos, obligando así a migraciones forzosas a la población. Por otra parte, se menciona la respuesta de las comunidades de Waslala y El Cuá en Nicaragua, casos en que “la mayoría de los agricultores que cultivan para el autoconsumo con poca producción para la venta, al perder sus cultivos por un evento climático extremo, básicamente pierden su subsistencia; las personas afectadas en la mayoría de los casos migran a verse en esta situación (CEPEDA Y VIGNOLA 2011 citado por LOZANO et. al 2015; 40). A nivel de la integración regional centroamericana, la nueva Estrategia Regional Ambiental Marco 2015-2020 (2015) reconoce y señala la importancia de las acciones de mitigación y prevención en la medida que la vulnerabilidad climática incide sobre la estabilidad socioeconómica regional: La recurrencia de sequías, inundaciones y huracanes pone en riesgo las economías de la región basadas en recursos naturales que dependen fuertemente del clima (agricultura, turismo, etc.). En este contexto los países de la región han demostrado el interés de encaminar acciones frente a la amenaza del cambio climático, redoblando esfuerzos en este sentido, ya que por un lado tienen que atacar las causas estructurales de la vulnerabilidad socioeconómica y ambiental para mejorar la capacidad de adaptación de als poblaciones


y por otro reducir sus emisiones de CO2, Estrategia Regional Ambiental Marco 20152020 (2015, p.9).

pobres y vulnerables del mundo, incluyendo los pueblos indígenas y tradicionales” (Ibíd.; 2).

Esta es la razón por la que esta nueva estrategia se ha propuesto “transversalizar el enfoque de mitigación y adaptación al cambio climático y la gestión integral del riesgo en todas las políticas y planes nacionales para asegurar la protección de la vida de la población de la región y de sus bienes privados y públicos” (Estrategia Regional Ambiental Marco 2015-2020 (2015 p.13).

Debido a la convergencia de vulnerabilidades biofísicas -como la ubicación habitual de sus residencias y la disponibilidad de recursos naturales-, y sociales -como la pobreza, las condiciones de salud y nutrición, y las redes sociales y de movilidad- (Ibíd.; 4), los pueblos indígenas en diversas partes del mundo ya han comenzado a percibir los efectos del cambio climático como una realidad y un problema más allá de lo ambiental, con severas implicaciones socioeconómicas (ONU 2010; 114).

CONSECUENCIAS DEL CAMBIO CLIMÁTICO EN LAS POBLACIONES INDÍGENAS Tal y como la Unión Internacional para la Conservación de la Naturaleza (UICN) declaraba en su informe sobre pueblos indígenas y tradicionales y cambio climático, en abril de 2008, es de amplia aceptación el hecho de que “las comunidades pobres que dependen de los recursos naturales en el mundo en desarrollo son particularmente vulnerables al cambio climático” (UICN 2008; 1). Este informe coincidía con otros documentos relacionados, como el Informe Stern de 2006 y el Cuarto Informe de Evaluación del Grupo Intergubernamental de Expertos sobre el Cambio Climático (PICC) de 2007, en los que se afirmaba que “quienes mayormente sufrirán las consecuencias del cambio climático serán las comunidades más

Los cambios en las dinámicas medioambientales provocarían profundas modificaciones en las prácticas ancestrales y en los modos de producción, en aspectos que han sido identificados por el Foro Permanente para las Cuestiones Indígenas de Naciones Unidas, tal y como se detalla a continuación: (Ver Tabla 4) Los aspectos ubicados en la columna de la derecha, revelan no solamente la potencial modificación de prácticas sociales ancestrales, sino además la potencial incidencia de los efectos del cambio climático en condiciones socioeconómicas y sociodemográficas. En el caso centroamericano la realidad no es distinta. Representantes de organizaciones indígenas como Sotz’il -en el

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TABLA 4- Aspectos afectados y potencialmente afectados por los efectos del cambio climático Aspectos ya afectados por efectos del cambio climático

Aspectos potencialmente afectados por efectos del cambio climático:

Patrones migratorios de peces ,aves y mamíferos

La caza, la pesca y las prácticas de pastoreo de los pueblos indígenas

El calendario y los ciclos de floración, la migración y aparición de insectos.

La caza, la pesca y las prácticas de pastoreo de los pueblos indígenas.

El calendario y los ciclos de floración, la migración y aparición de insectos.

El sustento de los pastores. Las actividade agrícolas tradicionales de los pueblos indígenas habitantes de regiones monatañosas.

El tamaño de las poblaciones de ciertas plantas y animales

Las prácticas culturales y rituales (no sólo los relacionados con determinadas especies o ciclos anuales, sino también con lugares específicos y sitios espirituales).

La disponibilidad de recursos hídricos.

La salud de las comunidades indígenas

La disponibilidade de áreas de pastoreo y el tamaño de los cultivos

Los ingresos producto del turismo.

Fuente: Elaboración propia con base en ONU. marco del Foro Regional Estrategia de Agro/ ambiente y Salud del Sistema de Integración Centroamericana (SICA)-, han externado su preocupación por los efectos ya percibidos en la región: la manifestación de estos efectos, que ya son catastróficos, se perciben fácilmente cuando enfrentamos en nuestros territorios, desórdenes climáticos: sequías extensas, pérdidas en la agricultura y seguridad alimentaria, lluvias intensas (inundaciones, deslaves), pérdida de ecosistemas, efectos en las actividades productivas y la seguridad alimentaria de los pueblos indígenas, efectos en la salud de los pueblos indígenas y pérdida de identidad y cultura (BATZIN, 2011). Vale resaltar que uno de los efectos que más preocupan es la inminente afectación de la producción agrícola de cultivos como 38 Revista Interritórios, edição 1/2015

el maíz, el frijol, la yuca y el plátano, base de la tradicional alimentación de los pueblos indígenas mesoamericanos. Uno de los riesgos latentes es precisamente que esta afectación tenga incidencia directa sobre las problemáticas de hambre, desnutrición y malnutrición en la región (Ibídem.). La amenaza del cambio climático en la población indígena centroamericana: reflexiones finales Resulta crucial, en el marco de la identificación de las vulnerabilidades de los pueblos indígenas centroamericanos, una aproximación a la realidad sociodemográfica de estos grupos a partir de información actualizada y fidedigna,que resulte adecuada para el mapeo de las vulnerabilidades de poblaciones que trascienden los límites del Estado-nación. En el caso concreto del impacto del cambio climático se constituye


ya como una realidad que afecta de manera particular a los pueblos indígenas como poblaciones en riesgo. Los efectos resultan alarmantes no solo en términos de las modificaciones medioambientales sino además en términos de sus consecuencias socioeconómicas y sociodemográficas. En términos de políticas, el cambio climático se ha reconocido en las estrategias

ambientales implementadas en el marco del sistema de integración regional como un factor que incide en los desplazamientos internos y externos, junto con elementos económicos, familiares y de seguridad. Así, surge la necesidad de adecuar las políticas de mitigación y prevención a las necesidades y realidades de los grupos indígenas centroamericanos y a su vez, ajustar los marcos jurídicos en términos humanitarios

TABLA 5- Los derechos indígenas territoriales en América Central según constitución política vigente País

Año de la constitución

Derechos indígenas territoriales

Belice

1981

No figuran.

Costa Rica

1949

No figuran.

El Salvador

1983

Arts. 103, 105 y 114.

Guatemala

1986

Arts. 62, 67, 68, 121 y 142.

Honduras

1982

Arts. 173, 300, 346 y 354.

Nicaragua

1987

Arts. 5, 89, 107, 180 y 181.

Panamá

1972

Arts. 77, 122, 123 y 254.

Fuente: Elaboración propia a partir de C.Barié 2003.

para hacerle frente a las posibles aleadas migratorias que podrían generarse en el istmo producto de un fenómeno natural extremo. (Ver Tabla 5)

CAMACHO, María Fernanda Morales Licenciada en Relaciones Internacionales con énfasis en comercio internacional de la Universidad Nacional (UNA). Investigadora en la Secretaría General de FLACSO. Correo: mfmcamacho@gmail.com SOTO- ACOSTA, Willy Sociólogo y Politólogo. Profesor de la Escuela de Relaciones Internacionales de la Universidad Nacional (UNA). Correo: altivohaciaadelante@gmail.com

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¹Hace referencia al Nicaraguan Adjustment and Central American Relief Act. ²El impacto del Huracán Mitch en la región produjo un desplazamiento del 22 465 hondureños y una oleada migratoria de nicaragüenses hacia Costa Rica. Mientras que el terremoto en El Salvador (2001) incidió también en el desplazamiento de personas (Casasfranco, 2002; 119).

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Daniel Lisboa Soares


ABYA YALA COMO TERRITÓRIO EPISTÊMICO: PENSAMENTO DECOLONIAL COMO PERSPECTIVA TEÓRICA ALMEIDA, Eliene, Amorim de SILVA, Janssen Felipe da

Resumo Este artigo objetiva tratar sobre a Perspectiva Teórica do Pensamento Decolonial enquanto chave de leitura da realidade complexa da América Latina, tomando-a como território de enunciação epistêmica como de análise. Partimos do pressuposto de que Pensamento Decolonial constrói uma inteligibilidade outra da história e da ciência moderna no contexto da invasão da América a partir de 1492, o que nos possibilita analisarmos a história do contato entre os povos originários da América Latina e os europeus, mostrando como os povos originários entram para o sistema mundo/moderno/colonial racializados na condição de índios e a partir do conceito de Diferença Colonial e Desobediência Epistêmica mostramos suas resistências ao Colonialismo e à Colonialidade. Pensamento Decolonial, Colonialidade, Diferença Colonial, Desobediência Epistêmica Este artículo tiene como objetivo abordar la Perspectiva Teórica del Pensamiento Descolonial, como clave para la lectura de la compleja realidad de Latinoamérica, tomándola como territorio de enunciación epistémico de análisis. Partimos del presupuesto que el Pensamiento Decolonial construye una otra inteligibilidad de la historia y de la ciencia moderna en el contexto de la invasión de América, desde el 1492, lo que nos permite analizar la historia del contacto entre los pueblos originarios de América Latina y los europeos, mostrando cómo los pueblos originarios se adentran en el sistema mundo/ moderno/ colonial racializados bajo la condición de indios y desde el concepto de Diferencia Colonial y Desobediencia Epistémica demostramos sus resistencias al Colonialismo y a la Colonialidad. Pensamiento Decolonial, Colonialidad, Diferencia Colonial, Desobediencia epistémica 45


INTRODUÇÃO Este artigo tem por objetivo discorrer sobre a Perspectiva Teórica do Pensamento Decolonial enquanto chave de leitura da realidade complexa da América Latina, isto é, tomando a Abya Yala¹ tanto como território de enunciação epistêmica como de análise. Partimos do pressuposto de que Pensamento Decolonial constrói uma inteligibilidade outra da história e da ciência moderna no contexto da invasão da América a partir de 1492, o que nos possibilita analisarmos a história do contato entre os povos originários da América Latina e os europeus, mostrando como os povos originários entram para o sistema mundo/moderno/colonial racializados na condição de índios e a partir do conceito de Diferença Colonial e Desobediência Epistêmica mostramos suas resistências ao Colonialismo e à Colonialidade.

O PENSAMENTO DECOLONIAL – UMA INTELIGIBILIDADE OUTRA DA HISTÓRIA E DA CIÊNCIA O que estamos tratando como Pensamento Decolonial é um movimento de resistência- teórico, epistêmico, cultural, prático e político -, à lógica da Modernidade/ Colonialidade. É teórico e epistemológico porque ao estudar as heranças/feridas 46 Revista Interritórios, edição 1/2015

coloniais da América Latina em diálogo com a teoria do sistema-mundo-moderno de Wallerstein (CASTRO-GÓMEZ; GROSFOGUEL, 2007, p. 10) denuncia e questiona a geopolítica do conhecimento e a Colonialidade do Poder oferecendo às ciências humanas e sociais uma inteligibilidade outra ao Projeto Moderno, desvelando sua outra face que é a Colonialidade (QUIJANO, 2005, 2010). É prático e político porque a Rede Modernidade/Colonialidade “no se especializa sólo en publicar libros dirigidos a expertos, sino que participa también en vários proyectos académico-políticos. Algunos de sus miembros se encuentran vinculados con el movimiento indígena en Bolivia y Ecuador, y otros organizan actividades en el marco del Foro Social Mundial” (CASTRO-GÓMEZ; GROSFOGUEL, 2007, p. 12). A Rede Modernidade/Colonialidade (M/C) se articula desde a década de 1990, a partir de vários encontros e reuniões entre intelectuais de diferentes países da América Latina e de diversas áreas do conhecimento, sendo considerado, portanto, um pensamento transnacional e transdisciplinar, sem se pretender universal. Seus principais expoentes são: Aníbal Quijano; Arturo Escobar; Catherine Walsh; Edgardo Lander; Enrique Dussel; Maldonado Torres; Ramón Grosfoguel; Santiago Castro Gomes; Walter Mignolo. São todos intelectuais cujo Lócus da Enunciação é a América Latina, não apenas como espaço geográfico, mas como um território sóciopolítico, cultural e epistêmico forjado pelo Colonialismo, no contexto da Diferença Colonial (MIGNOLO, 2003), que vive em tensão da Colonialidade, mas também carrega o potencial da Decolonialidade.


O Pensamento Decolonial é uma vertente da crítica pós-colonial, especialmente das teorias surgidas na Ásia e África, no contexto das lutas de vários países colonizados pela libertação, produzindo reflexões acerca do que representou o Colonialismo para os países colonizados pela Europa. Primeiramente, o foco da crítica dos Estudos Pós-Coloniais recai sobre a influência eurocêntrica nas artes e na literatura, depois se expande para o campo da Economia Política e das Ciências Sociais questionando os cânones ocidentais da ciência moderna. Segundo Neves, as primeiras utilizações do termo

pós-colonial, nos anos 70, pertencem ao domínio da crítica literária e daqui provêm os seus pais fundadores: Edward Said, Homi Bhabha e Gayatri Spivak. Igualmente da crítica literária tem origem um texto considerado fundamental para a disciplina, «The Empire writes back» de Bill Ashcroft, Helen Tiffin e Gareth Griffiths (2009, p. 236).

Para Ballestrin (2013, p. 92) existe um entendimento compartilhado sobre a importância, a atualidade e o ineditismo dos Estudos Pós-Coloniais, como porta-vozes que intercederam pelo colonizado quando estes não tinham vozes, com os pioneiros trabalhos de Franz Fanon (1925-61) - psicanalista, negro, nascido na Martinica e que participou do processo de libertação nacional, autor de “Os condenados da terra” (1961), Aimé Césaire (1913-2008) - poeta, negro, também nascido na Martinica com seu livro “Discurso sobre o colonialismo” (1950) e Albert Memmi (1920) - escritor e professor, nascido

na Tunísia, de origem judaica “Retrato do colonizado precedido de retrato do colonizador” (1947). A estes três clássicos, soma-se a obra “Orientalismo” (1978) de Edward Said (1935-2003), crítico literário de origem palestina militante da causa.

No campo das ciências sociais, o PósColonialismo questiona a perspectiva teórica que divide o globo terrestre em primeiro, segundo e terceiro mundos, denunciando seu caráter desenvolvimentista e eurocêntrico; as hierarquias sexuais, raciais e étnicas, os processos culturais e ideológicos trazendo para suas análises teóricas a cultura como elemento determinante das relações econômicas e políticas do capitalismo, caracterizando-o como um sistema cultural, relativizando o determinismo econômico (GROSFOGUEL, 2010). Para Carvalho, a teoria “pós-colonial questiona as relações de poder e as formas de conhecimento que colocaram o sujeito imperial europeu e norte-americano na sua actual situação de privilégio; os efeitos de dominação da razão instituída pelo Ocidente” (2004, p. 44). Na década de 1980, o Grupo sul asiático de Estudos Subalternos, sob a liderança de Ranajit Guha, torna-se conhecido fora da Índia, especialmente através dos autores Partha Chatterjee, Dipesh Chakrabarty e Gayatri Chakrabarty Spivak, esta última, em 1985, publicou o artigo “Pode o subalterno falar?”, que é considerado cânone do pensamento Pós-Colonial (BALLESTRIN, 2013) e irá contribuir para que o pós-colonialismo se afirme como um movimento de caráter político, intelectual. Nessa mesma década, em um contexto de globalização, a crítica

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pós-colonial vai convergir com os Estudos Culturais na Inglaterra e nos Estados Unidos, com suas “categorias de cultura, identidade (classe/etnia/gênero), migração e diáspora” (BALLESTRIN, 2013, p. 93) fortalecendo a crítica às lógicas coloniais modernas. Os autores, expoentes desse pensamento mais conhecidos no Brasil, segundo Balestrin (2013), são: o indiano Homi Bhabha com a obra “O local da cultura”; o jamaicano Stuart Hall com o livro “Da Diáspora” e, o inglês Paul Gilroy, que escreveu o “Atlântico Negro”, obras que foram traduzidas para o português e tiveram repercussão nas ciências sociais brasileiras. O Pensamento Decolonial tem suas origens na década 1990, nos Estados Unidos com a “reimpressão do texto hoje clássico de Anibal Quijano ‘Colonialidad y modernidadracionalidad’” (BALLESTRIN, 2013, p. 94) quando um grupo de intelectuais latinoamericanos e americanistas que viviam nos EUA, inspirado, principalmente no Grupo SulAsiático dos Estudos Subalternos, fundou o Grupo Latino-Americano dos Estudos Subalternos, conforme pode ser observado no trecho do “Manifiesto inaugural del Grupo Latinoamericano de Estudios Subalternos”, El trabajo del Grupo de Estudios Subalternos, una organización interdisciplinaria de intelectuales sudasiáticos dirigida por Ranajit Guha, nos ha inspirado a fundar un proyecto similar dedicado al estudio del subalterno en América Latina. El actual desmantelamiento de los regímenes autoritarios en Latinoamérica, el final del comunismo y el consecuente desplazamiento de los proyectos revolucionarios, los procesos de

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redemocratización, las nuevas dinámicas creadas por el efecto de los mass media y el nuevo orden económico transnacional: todos estos son procesos que invitan a buscar nuevas formas de pensar y de actuar políticamente. A su vez, la redefinición de las esferas política y cultural en América Latina durante los años recientes ha llevado a varios intelectuales de la región a revisar algunas epistemologías previamente establecidas en las ciencias sociales y las humanidades. La tendencia general hacia la democratización otorga prioridad a una reconceptualización del pluralismo y de las condiciones de subalternidad al interior de sociedades plurales. (GRUPO LATINOAMERICANO DE ESTUDOS SUBALTERNOS, 1998, s/p).

É nesse contexto que a América Latina entra para o debate dos Estudos Póscoloniais, entretanto como afirmam CastroGomez e Mendieta (1998, p. 17) “a voz mais crítica e radical do grupo, Walter Mignolo”, demonstra seu descontentamento com os Estudos Subalternos, pois entendia que o lócus da enunciação das teses dos teóricos indianos são as heranças coloniais do império britânico e não deveriam simplesmente ser assumidas e traduzidas para uma análise das heranças coloniais latino-americanas, “alertando para a necessidade de buscar uma categorização crítica que tenha seu Lócus de Enunciação a América Latina” (CASTROGOMEZ; MENDIETA, 1998, p. 17). Segundo os autores, Mignolo analisava que a história de dominação e de resistência da América Latina estava oculta no debate pós-colonial, já que para


ele o continente foi fundamental para o desenvolvimento do capitalismo mundial, sendo o primeiro espaço geográfico cultural a sofrer as consequências do sistema colonial/imperial moderno, além disso, “os teóricos dos estudos regionais estadounidenses e dos estudos subalternos indianos demonstravam incapacidade em romper com a episteme – a seu ver, ainda centrada no Norte” (1998, p. 17). Assim, o Grupo Latino-Americano de Estudos Subalternos foi desagregado devido às divergências teóricas, a principal delas a oposição entre aqueles que consideravam a subalternidade uma crítica pós-moderna, o que para o Pensamento Decolonial representa uma crítica eurocêntrica ao eurocentrismo (GROSFOGUEL, 2010) e os que compreendiam como uma crítica ao eurocentrismo por parte dos saberes silenciados e subalternizados, ou seja, uma crítica decolonial. Após a desagregação do grupo em 1998, começa a ocorrer os primeiros encontros entre os membros que posteriormente formariam a Rede Modernidade/Colonialidade.

del supuesto de que la división internacional del trabajo entre centros y periferias, así como la jerarquización étnico-racial de las poblaciones, formada durante varios siglos de expansión colonial europea, no se transformó significativamente con el fin del colonialismo y la formación de los Estados-nación en la periferia. Asistimos, más bien, a una transición del colonialismo moderno a la colonialidad global, proceso que ciertamente ha transformado las formas de dominación desplegadas por la modernidad, pero no la estructura de las relaciones centroperiferia a escala mundial (CASTROGOMES; GROSFOGUEL, 2007, p. 13).

A Rede Modernidade/Colonialidade se distingue dos demais Estudos PósColoniais ao adotar o termo Decolonialidade para desenvolver sua crítica à modernidade, ao invés de pós-colonialismo, já que tem como objetivo

Na fala dos autores é possível observar a distinção entre Colonialismo e Colonialidade. Para essa perspectiva teórica, o Colonialismo teve um fim com as independências dos países colonizados, enquanto que a Colonialidade seria a lógica e o legado colonial, herdados do colonialismo, que penetrou nas estruturas e instituições e também nas mentalidades, imaginários, subjetividades e epistemologias, e até hoje dão forma e conteúdo às sociedades atuais. É importante destacar que a Modernidade e a Colonialidade são faces de uma mesma moeda, ou seja, a Colonialidade é constitutiva da Modernidade, e não derivada. A Colonialidade é a face obscura da Modernidade.

trascender la suposición de ciertos discursos académicos y políticos, según la cual, con el fin de las administraciones coloniales y la formación de los Estados-nación en la periferia, vivimos ahora en un mundo descolonizado y poscolonial. Nosotros partimos, en cambio,

Diferente do Colonialismo que teve datas marcadas para seu fim nos países que foram invadidos pela Europa, a Colonialidade não está circunscrita ao tempo e ao espaço do período das grandes navegações ou das independências, mas acompanha todo processo subsequente caracterizado pelas

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mudanças do capitalismo, acompanhada pela racialização da humanidade; pela instalação dos Estados-nação; pela ascensão da razão única e universal; e, para completar o ciclo da Colonialidade, pela constituição de subjetividades hierarquizadas. Para Grosfoguel (2010), o conceito de Colonialidade permite-nos compreender a continuidade das formas coloniais de dominação após o fim das administrações coloniais, produzidas pelas culturas coloniais e pelas estruturas do sistema-mundo/ capitalista/ moderno/colonial. A Colonialidade encontra-se em cada âmbito da existência humana: no trabalho; no sexo; na subjetividade; na autoridade; no conhecimento eurocêntrico; na escola e no seu currículo, e se articula a vários tipos de hierarquias: étnicas, raciais, sexuais, gênero, conhecimento, de linguagem, religiosa, portanto, a Colonialidade envolve um complexo sistema de hierarquias, por isso, a rede Modernidade/Colonialidade compreende que além da Colonialidade do poder, há também as dimensões do saber, do ser e da natureza, es entonces una estructura compleja de niveles entrelazados: control de la economía; control de la autoridad; colonialidad del poder; control de la naturaleza y de los recursos naturales; control del género y la sexualidad; control de la subjetividad y del conocimiento (MIGNOLO, 2010, p. 12).

O conceito de Colonialidade do poder mostra a continuidade das formas coloniais de dominação após o fim das administrações coloniais, produzidas pelos invasores coloniais e pelas estruturas do sistema-mundo capitalista moderno/ 50 Revista Interritórios, edição 1/2015

colonial e também possui uma capacidade explicativa que atualiza e contemporiza processos que supostamente teriam sido apagados, assimilados ou superados pela modernidade. Segundo Quijano, a Colonialidade do Poder consiste, en primer término, en

una colonización del imaginario de los dominados. Es decir, actúa en la interioridad de ese imaginario... La represión recayó, ante todo, sobre los modos de conocer, de producir conocimiento, de producir perspectivas, imágenes y sistemas de imágenes, símbolos, modos de significación; sobre los recursos, patrones e instrumentos de expresión formalizada y objetivada, intelectual o visual... Los colonizadores impusieron también una imagen mistificada de sus propios patrones de producción de conocimientos y significaciones» (QUIJANO, 1992, p. 438).

Como pode ser observado, a Colonialidade do poder é uma inteligibilidade outra para entender o Projeto moderno na América Latina, compreendendo-o como um Enredo² (GROSFOGUEL, 2010) bem mais amplo e articulado do que a simples relação entre superestrutura e infraestrutura apresentada pelo materialismo histórico, que para Quijano (2010) é a mais eurocêntrica das heranças marxistas. Dussel descreve assim o Projeto Moderno: 1. A civilização moderna autodescrevese como mais desenvolvida e superior (o que significa sustentar inconscientemente uma posição eurocêntrica). 2. A superioridade obriga a desenvolver os mais primitivos, bárbaros, rudes, como exigência moral. 3. O caminho de tal processo


educativo de desenvolvimento deve ser aquele seguido pela Europa (e, de fato, um desenvolvimento unilinear e a Europa o que determina, novamente de modo inconsciente, a “falácia desenvolvimentista”). 4. Como o bárbaro se opõe ao processo civilizador, à práxis moderna deve exercer em último caso a violência, se necessário for, para destruir os obstáculos dessa modernização (a guerra justa colonial). 5. Esta dominação produz vítimas (de muitas e variadas maneiras), violência que é interpretada como um ato inevitável, e com o sentido quaseritual de sacrifício; o herói civilizador reveste a suas próprias vítimas da condição de serem holocaustos de um sacrifício salvador (o índio colonizado, o escravo africano, a mulher, a destruição ecológica, etecetera). 6. Para o moderno, o bárbaro tem uma “culpa” (por opor-se ao processo civilizador) que permite a “Modernidade” apresentar-se não apenas como inocente, mas como “emancipadora” dessa “culpa” de suas próprias vítimas. 7. Por último, e pelo caráter “civilizatório” da “Modernidade”, interpretam-se como inevitáveis os sofrimentos ou sacrifícios (os custos) da “modernização” dos outros povos “atrasados” (imaturos), das outras raças escravizáveis, do outro sexo por ser frágil, etecetera (2005, p. 32).

Os povos que viviam/vivem em Abya Yala foram as primeiras vítimas e os sujeitos desse processo de inferiorização, classificados como povos bárbaros; foram objeto de processos de vários processos seja a dizimação física dos indivíduos até a homogeneização cultural, ora através da violência física, ou da catequese, ora através da escola.

Nas

análises

do

pensamento

eurocêntrico, assim como na “actual producción intelectual que se denomina a sí misma como estudios, teoría o crítica póscolonial comienza su análisis” (MIGNOLO, 2003, p. 9) sobre a modernidade utilizando como marcos fundantes a Reforma, o Iluminismo, a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, fenômenos situados nos séculos XVII e XVIII e em países da Europa do Norte, sobretudo, Inglaterra, Alemanha e França, ou seja, acontecimentos eminentemente intraeuropeus, “dejando a un lado el período crucial y constitutivo de la modernindade/colonialidad que representa el siglo XVI”, (MIGNOLO, 2003, p. 9); como pode ser observado, aqui de novo, o Pensamento Decolonial também se distancia dos Estudos Pós-Coloniais. Na perspectiva Decolonial tais eventos históricos são precedidos por uma primeira modernidade, situada nos séculos XV e XVI, com a conquista e colonização da América e a consequente formação do Sistema-MundoModerno, processos inaugurados por Espanha e Portugal (DUSSEL, 1994, 2005), portanto a Modernidade se inicia “quando se deram as condições históricas de sua origem efetiva: 1492 – sua empírica mundialização, a organização de um mundo colonial e o usufruto da vida de suas vítimas, num nível pragmático e económico” (DUSSEL, 2005, p. 33). A América é compreendida, assim, como parte constitutiva da modernidade, uma exterioridade que lhe é interior. Segundo Dussel, o conquisto, logo existo antecipou-se ao ‘penso, logo, existo’ cartesiano em 150 (cento e cinquenta) anos com a expansão colonial portuguesa e espanhola. Sobre isso afirma o autor:

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para Habermas, como para Hegel, el descubrimiento de América no es un determinante constitutivo de la Modernidad. Deseamos demostrar lo contrario. La experiencia no sólo del “Descubrimiento”, sino especialmente de la “Conquista” será esencial en la constitución del “ego” moderno, pero no sólo como subjetividad, sino como subjetividad “centro” y “fin” de la historia (DUSSEL, 1994, p. 21).

É nesse contexto histórico onde são constituídas novas identidades sociais, geoculturais, raciais, tais como: ocidenteoriente; primitivo-civilizado; tradicionalmoderno; mágico/mítico-racional (QUIJANO, 2005). Para o Pensamento Decolonial, a Modernidade é um fenômeno eminentemente europeu e não planetário, mas que se tornou hegemônico pela Colonialidade do Poder, compondose a partir desse contexto como um novo paradigma de vida cotidiana, de compreensão da história, da ciência e da religião (MIGNOLO, 2005). Nesse novo paradigma, a Europa se apresenta como a civilização moderna e se autodescreve como superior e desenvolvida, como o novo e o mais avançado da espécie humana, enquanto que os demais povos são atrasados, primitivos, bárbaros. A Europa para se constituir como humanidade moderna precisava criar uma sub-humanidade, assim colocou-se a questão se os indígenas tinham alma, como nos informa Santos: os índios têm alma? Quando o Papa Paulo II respondeu afirmativamente na bula Sublimis Deus, de 1537, fê-lo concebendo a alma dos povos selvagens como receptáculo vazio, uma anima

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nullius, muito semelhante à terra nullius, o conceito de vazio jurídico que justificou a invasão e ocupação dos territórios indígenas (2010, p. 37).

Assim, como as terras em que viviam os povos indígenas estavam vazias, os portugueses e espanhóis, entendiam que suas “almas” também eram vazias e precisavam ser “salvas” dessa condição, mesmo que para isso fosse necessário ser empregado o genocídio, ou o etnocídio, já que “a negação de uma parte da humanidade é sacrificial, na medida em que constitui a condição para a outra parte da humanidade se afirmar enquanto universal” (SANTOS, 2010, p. 37). O Pensamento Decolonial também se distingue dos Estudos Pós-Coloniais, porque compreende que não é suficiente criticar a modernidade e analisar suas heranças coloniais, utilizando os seus próprios cânones. Grosfoguel, criticando o Grupo dos Estudos Subalternos Latino-americano, afirma que apesar de terem tentado produzir um conhecimento alternativo e radical, eles reproduziram o esquema epistémico dos Estudos regionais nos Estados Unidos. Salvo raras exceções, optaram por fazer estudos sobre a perspectiva subalterna, em vez de os produzir com essa perspectiva e a partir dela. A semelhança da imperial epistemologia dos Estudos regionais, a teoria permaneceu sediada no Norte, enquanto os sujeitos a estudar se encontram no Sul (GROSFOGUEL, 2010, p. 456).

Como pode ser observado, outro elemento importante dessa perspectiva


teórica é questionar o lugar/corpo epistêmico, e evidenciar a ego-geo-política e a corpo-política do conhecimento, descortinando o território, a cor, raça, etnia, identidade sexual e de gênero, do sujeito cognoscente. E mais do que isso, considerar as epistemologias outras, ou seja, as “perspectivas epistêmicas subalternas” como uma das formas de conhecimento que, “vindo de baixo, origina uma perspectiva crítica do conhecimento hegemónico nas relações de poder envolvidas” (GROSFOGUEL, 2010, p. 459). As perspectivas teóricas que veem os subalternizados apenas como objeto de estudo e não como territórios e sujeitos epistêmicos limitam e constrangem a radicalidade da crítica, ou seja, como já dissemos anteriormente, faz-se uma crítica eurocêntrica ao eurocentrismo. Para o Pensamento Decolonial, a suposta superioridade do conhecimento europeu foi fundamental para garantir a Colonialidade do poder. A epistemologia moderna produziu não só uma forma de construir conhecimentos, mas promoveu modos de vidas, estabeleceu o que é certo ou errado, definiu formas, conteúdos e valores para a vida cotidiana dos povos colonizados. Os conhecimentos dos povos originários que tiveram seus territórios invadidos a partir de 1492 foram impostos como subalternos, excluídos, omitidos, silenciados e ignorados. No Iluminismo, essa condição de povos primitivos foi legitimada pela ideia de que eles estavam na préhistória da humanidade, portanto, seus conhecimentos representavam uma etapa mítica, inferior, pré-moderna e pré-científica do conhecimento humano.

Para a ciência moderna somente o conhecimento gerado nos moldes da ciência e filosofia europeia é considerado como verdadeiro, já que é capaz de fazer abstração de seus condicionamentos espaço-temporais para se localizar em uma plataforma neutra de observação, formando, assim, o que Castro-Gómez chama “la hybris del punto cero”, o ideal último do conhecimento científico que significa ter o poder de nomear pela primeira vez o mundo; de traçar fronteiras para estabelecer quais conhecimentos são legítimos e quais são ilegítimos, definindo quais comportamentos são normais e quais são patológicos. Por isso, o ponto zero é o do começo epistemológico absoluto, mas também o do controle econômico e social sobre o mundo. Localizar-se no ponto zero equivale a ter o poder de instituir, de representar, de construir uma visão sobre o mundo social e natural reconhecida como legítima e autorizada pelo Estado. Trata-se de uma representação na qual os “varões ilustrados” se definem a si mesmos como observadores neutros e imparciais da realidade (CASTROGOMEZ, 2005a, p. 25).

A epistemologia do ponto zero pretendeu eliminar outras alternativas, produzir, sistematizar e publicizar conhecimentos e construir uma visão hegemônica, universalista, pretensamente neutra e objetiva. Para se estabelecer no ponto zero, em primeiro lugar, as ciências sociais/humanas se apropriaram do modelo da física com a finalidade de criar seu objeto a partir de um tipo de observação imparcial, deslocalizada e asséptica. Na concepção cartesiana, ou seja, o ego cogito: penso,

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logo existo (DUSSEL, 1994), vê-se expressa a ideia de que a sociedade pode ser observada de um lugar neutro de observação, não contaminado pelas contingências históricas, espaciais e temporais. Dessa forma, a ciência é uma plataforma na qual um observador imparcial se encontre na capacidade de estabelecer as leis que governam tanto ao cosmos como a polis (CASTRO-GOMEZ, 2005b). A teopolítica que fundamentava o conhecimento europeu na Idade Média é substituída pelo homem ocidental e moderno. Esse fundamento das ciências modernas ocidentais torna-se verdade universal. A verdade científica está para além do tempo, do espaço e dos sujeitos que a produz; o acesso privilegiado às leis do universo e a capacidade de produzir conhecimento e teorias científicas estão agora situados na mente do homem ocidental. Em seguida, rumo ao ponto zero é necessário excluir, subalternizar qualquer outro conhecimento que não corresponda às exigências do método analíticoexperimental. Uma vez instaladas no ponto zero, as ciências do homem e da sociedade passam a construir um discurso sobre a história e a natureza humana; nesse discurso os povos colonizados pela Europa aparecem no nível mais baixo da escala de desenvolvimento. A epistemologia do ponto zero desconsiderou a produção intelectual e prática dos povos de Abya Yala, mesmo que vários povos tenham demonstrado as riquezas de sua produção cultural e intelectual como é o caso dos Maias que ergueram pirâmides, templos e palácios,

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demonstrando um conhecimento arquitetônico bastante elaborado. O artesanato também se destacou: fiação de tecidos uso de tintas em tecidos e roupas. Ou ainda, os Incas que desenvolveram várias construções com enormes blocos de pedras encaixadas, como templos, casas e palácios, por exemplo, a cidade de Machu Picchu que foi descoberta em 1911 e revelou a estrutura urbana desta sociedade. A agricultura era extremamente desenvolvida, pois plantavam nos chamados terraços (degraus formados nas costas das montanhas). Plantavam e colhiam feijão, milho (alimento sagrado) e batata. Construíram canais de irrigação, desviando o curso dos rios para as aldeias (MENSAGEIRO, 1988). Ao esconder o Lócus de Enunciação, o paradigma ocidental, ou ego-geopolítica, do conhecimento conseguiu criar um mito sobre um suposto conhecimento universal, único e verdadeiro, encobrindo as estruturas de poder/conhecimento colonial a qual o sujeito que o produz está imbricado. Por isso Mignolo (2008) insiste que a genealogia do Pensamento Decolonial es realmente diferente a la genealogía de la teoría post-colonial-, que se encuentra en Mahatma Gandhi, W.E.B Dubois, Juan Carlos Mariátegui, Amilcar Cabral, Aimé Cessaire, Frantz Fanon, Fausto Reinaga, Vine Deloria, Jr., Rigoberta Menchú, Gloria Anzaldúa, el Movimiento de los Sin Tierra en Brasil, los zapatistas en Chiapas, los movimientos indígenas y afros en Bolivia, Ecuador o Colombia, el Foro Social Mundial y el Foro Social de las Américas. La genealogía del pensamiento de-colonial es planetaria y no se limita a individuos, sino que se


incorpora en movimientos sociales (lo cual nos remite a movimientos sociales indígenas y afros (MIGNOLO, 2008, p. 258).

Mas, Grosfoguel (2010) chama atenção para o fato de não se tratar de uma crítica anti-europeia fundamentalista, nem de um populismo epistêmico em que o conhecimento produzido pelos sujeitos subalternizados sejam automaticamente um conhecimento epistêmico, mas de desvelar o caráter eurocêntrico e hegemônico das ciências ocidentais, evidenciando os epistemicídeos (SANTOS, 2010), e trazer para a superfície os conhecimentos outros que são construídos no contexto da diferença colonial. Outro diferencial do Pensamento Decolonial é a América Latina como lócus da enunciação. Para essa perspectiva teórica, a América Latina foi primeiro espaço geográfico-cultural onde foi originado um novo padrão/matriz mundial de poder, que Quijano (2005, 2010) chama de sistema mundo/moderno-colonial. Dessa forma, a AL é uma origem, como foi a Grécia para a civilização ocidental (MIGNOLO, 2003). Para Quental, A corrente teórica do pensamento decolonial aproxima-se da perspectiva do pós-colonialismo, mas diferenciase deste campo, entre outros aspectos, justamente por se configurar como teoria elaborada a partir de outro lócus de enunciação: a América Latina, um espaço-tempo constituído a partir de experiências históricas forjadas no colonialismo dos séculos XVI ao XIX e capitaneados por Espanha e Portugal (2012, p. 47).

A Europa se inventa e cria a América entre os séculos XVI e XVIII, através de relações sociais e de poder baseadas no genocídio, etnocídeo, epistemicídeo, na escravidão, servidão, esbulho de terras, exploração das riquezas naturais, e que são as bases do sistema-mundo moderno que começa a existir. Segundo Porto-Gonçalves, a Europa só se afirma como centro geopolítico e cultural do mundo moderno a partir da constituição da América enquanto periferia colonial (1492) com seu ouro e sua prata; com sua tropicalidade, condição natural favorável, mas não suficiente, sabemos, para o plantio da cana, do cacau, do algodão, do café, da banana, ou para a coleta da canela, da borracha, do caucho; com o braço escravo modernamente implantado ou com a servidão indígena modernamente direcionada para atender aos ditames do conquistador. É preciso considerar os dois lados dessa geografia que constitui o “sistema-mundo moderno-colonial” e, definitivamente, abandonarmos a idéia de uma Modernidade que se constituiu isoladamente na Europa sem que se considere o papel que a América, enquanto colônia, teve na constituição do que se viria ser chamado e, paradoxalmente idolatrado, Modernidade (2003, p. 45).

Portanto, é a partir da criação da América que a Europa funda-se como centro geopolítico do mundo, e entre os séculos XIX e XX com as elites crioulas³ e o Estado nacional instalados, será consolidada como Latina caracterizada como: politicamente instável; estrutura produtiva atrasada; dependente do capitalismo internacional; com crescimento demográfico acentuado; estrutura fundiária reorganizada pelo

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capitalismo monopolizado, e com uma população culturalmente atrasada cuja forma de produzir, sistematizar e publicizar conhecimento é dependente da Europa e da América do Norte. A latinidade foi um projeto da França que no século XIX quis recuperar a sua liderança em relação a Itália, Portugal e Espanha, com o objetivo de enfrentar a união anglo-saxônica (protestante) e latina (católica), ou seja, a escolha de um nome não é puramente semântica, e nominativa, pelo contrário, envolve realidades históricas concretas e específicas, nesse sentido, Quental acrescenta que o conceito de América e, posteriormente, América Latina, é uma construção semântica com implicações políticas, econômicas, epistêmicas e éticas que surgiu e se impôs, em detrimento de conceitualizações e denominações originárias deste mesmo continente” (2012, p. 55). Dessa forma, a América Latina é um espaço/tempo criado na relação Modernidade-Colonialidade. Segundo Mignolo, a Colonialidade do Poder é acima de tudo um lugar de enunciação epistêmica onde se descreve e se legitima o poder, para isso classifica “grupos de gentes o poblaciones e identificarlos em sus faltas o excesos, lo cual marca la diferencia y la inferioridade com respecto a quien classifica” (MIGNOLO, 2003, p. 39). Nesse processo de classificação, a colonialidade produz e reproduz Diferença Colonial. A Diferença Colonial é o espaço e tempo em que se articula a Colonialidade do Poder e “es también el espacio em el 56 Revista Interritórios, edição 1/2015

que se está verificando la restituión del conocimiento subalterno y está emergiendo el pensamento fronteirizo” (MIGNOLO, 2003, p. 08). A Diferença Colonial opera em duas direções rearticulando e legitimando os saberes coloniais, mas, ao mesmo tempo, possibilita que os saberes Outros, se articulem e reivindiquem seu lugar e tempo na história configurando a Diferença Colonial de novos significados. A Diferença Colonial é, portanto, um espaço de disputa, e dessa forma podem ser criadas as condições para o desenvolvimento de diálogos em que “una enunciación fracturada es representada desde la perspectiva subalterna como repuesta al discurso y a la perspectiva hegemónica”, ou seja, uma epistemologia “de la diferencia colonial que discurre paralelamente a la epistemología de la mismidad” (MIGNOLO, 2003, p. 112). Portanto, a América Latina como resultante da Colonialidade do Poder, como espaço onde a diferença colonial se produz e reproduz-se, é também local de disputa e resistência, palco de processos de lutas contra-hegemônicas, com uma pluralidade étnico-cultural rica e diversa, onde as populações ancestrais com seus sistemas econômicos, políticos e cosmologias ressignificadas, “enunciación fracturada” “de perspectiva subalterna” no contexto da diferença colonial (MIGNOLO, 2003, p. 112), tem desempenhado papéis importantes, de onde desponta uma rica produção intelectual de confronto com as amarras do modelo eurocêntrico de produção do conhecimento, modos de vida e subjetividades.

O Pensamento Decolonial também


é tributário da concepção de world-system desenvolvida por Immanuel Wallerstein, durante a década de 1970. Para Wallerstein, as sociedades não estavam divididas em mundos: primeiro, segundo e terceiro, como predominava o pensamento desenvolvimentista da época, tomando como base os níveis de atividade capitalista, industrialização e urbanização. Baseado nisso acreditava-se que a solução para o subdesenvolvimento do suposto Terceiro Mundo era mais capitalismo, indústrias e urbanização. Entretanto Wallerstein, conforme afirma Giddens, rejeitou essa forma dominante de categorizar as sociedades, argumentando que existe apenas um mundo e que todas as sociedades estão conectadas por meio de relações econômicas capitalistas. Ele descreveu essa complexa interligação de economias como sistema mundial moderno (2012, p. 103).

Para Wallerstein, a origem do sistema mundial moderno é encontrada no século XVI quando alguns países da Europa em busca de rotas mais curtas para o Oriente, foram vítimas de um erro náutico levandoos a invasão e colonização da América, originando a exploração dos países invadidos, enquanto enriquecia os colonizadores. Para o autor, isso produziu um sistema mundial articulado e interdependente composto de um centro, uma periferia e uma semiperiferia, segundo Quijano e Wallerstein, the modern world-system was born in the long sixteenth century. The Americas as a geosocial construt were born in the long sisteenh century. The creation of this geosocial entity, the Americas, was the constitutive act of the

modern world-sistem. The Americas were not incorporated into an already existing capitalist world-economy. There could not have been a capitalist world-economic without the Americas (1992, p. 549).

Como pode ser observado, a invasão da América é o marco fundacional da economiamundo, que funciona como um sistema pelo fato de ser mais amplo do que qualquer unidade política e econômica, mesmo que dentro de seus limites contenham múltiplos sistemas políticos, Estados, ou seja, o modelo econômico capitalista, está centrado no fato de que os fatores econômicos operam no seio de uma arena maior do que qualquer entidade política possa controlar (ARRUDA, 1983). O que vincula suas partes são laços eminentemente econômicos. Esse sistema econômico está baseado no modo de produção capitalista que Wallerstein entende como dominante e único, tendo em vista que os demais modos de produção pré-capitalistas só puderam continuar sobrevivendo em função da sua adaptação à nova situação criada por essa etapa inicial do capitalismo. Segundo Quijano e Wallerstein (1992), na história da humanidade foram construídas experiências diferentes de Sistemas-Mundo havendo pelo menos duas variantes de modelo: os impérios mundiais e as economias mundiais. No império mundial (Império Mundo) há um único centro político, com uma pesada estrutura burocrática e a divisão de trabalho centralizada, atuando sobre culturas variadas, como o grande Império Romano. Na economia mundial (Economia Mundo), há vários centros políticos, com divisão de trabalho centralizada, operando em diferentes culturas.

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Adotando a concepção marxista da história, Wallerstein compreende que no sistema mundo capitalista há uma intensa divisão do trabalho, que é ocupacional e também geográfica e funciona em “função dos fatores econômicos e evoluí no contexto dos conflitos de classe, assim, a periferia do mundo seria a classe operária e o núcleo a classe exploradora” (GIDDENS, 2012, p. 103). Quijano (2005, 2010) faz uma crítica à concepção de world-system elaborado pelo sociólogo Immanuel Wallerstein. A crítica básica é que ao analisar a expansão colonial europeia no século XV, a partir dos cânones da ciência moderna, o world-system privilegia o aspecto econômico e coloca os demais elementos que constituíram a invasão europeia na América como consequência da implantação do capitalismo. Nessa perspectiva, o sistema econômico que se instalou na América a partir de 1492 determina o comportamento dos sujeitos sociais, através da lógica econômica da acumulação do capital em vista da obtenção de lucro, “manifestando-se na extração de excedentes e na incessante acumulação de capital mundial, originando-se a partir deste contexto, uma estrutura social de classe, dessa forma as relações econômicas são privilegiadas e realçadas em detrimento das relações sociais” (GROSFOGUEL, 2010, p. 462). Quijano (2005, 2010) reconfigura a ideia original de sistema-mundo-moderno de Wallerstein, pensando agora como “sistema-mundo moderno/colonial”. O diferencial do pensamento de Quijano é identificar como no processo de invasão de Abya Yala e a constituição da América

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Latina, os povos que tiveram seus territórios invadidos e suas riquezas usurpadas também foram considerados, pelo conquistador, como seres humanos inferiores. Para isso, criou-se a “categoria mental” raça que serviu, a partir desse momento, “para codificar e hierarquizar a humanidade em superiores e inferiores” (QUIJANO, 2005, p. 119). A ideia de raça articulou-se a mais dois elementos que caracterizam o novo padrão mundial de poder: a) as várias formas de controle da produção, sua apropriação e distribuição, tais como: a pequena produção mercantil e a reciprocidade foram transformadas em produtos, visando o mercado mundial; e, b) as formas de exploração do trabalho, tais como: escravidão, servidão, assalariamento, foram organizadas e articuladas para produzir mercadoria e transformadas em relação capital-salário. Por fim, as atribuições/lugar/ papel dos sujeitos envolvidos no processo de produção de mercadorias foram distribuídas a partir da sua “raça”. Quijano exemplifica, assim, essa nova divisão social/racial do trabalho: na área hispânica, a Coroa de Castela logo decidiu pelo fim da escravidão dos índios, para impedir seu total extermínio. Assim, foram confinados na estrutura da servidão. Aos que viviam em suas comunidades, foilhes permitida a prática de sua antiga reciprocidade, isto é, o intercâmbio de força de trabalho e de trabalho sem mercado– como uma forma de reproduzir sua força de trabalho como servos. Em alguns casos, a nobreza indígena, uma reduzida minoria, foi eximida da servidão e recebeu um tratamento especial, devido a seus


papéis como intermediária com a raça dominante, e lhe foi também permitido participar de alguns dos ofícios nos quais eram empregados os espanhóis que não pertenciam à nobreza. Por outro lado, os negros foram reduzidos à escravidão. Os espanhóis e os portugueses, como raça dominante, podiam receber salários, ser comerciantes independentes, artesãos independentes ou agricultores independentes, em suma, produtores independentes de mercadorias. Não obstante, apenas os nobres podiam ocupar os médios e altos postos da administração colonial, civil ou militar (2005, p. 121).

Dessa forma, produzindo identidades raciais historicamente novas, atribuindolhes papéis e lugares sociais hierarquizandoos como superiores e inferiores, articulando as diversas formas históricas de controle do trabalho, de seus recursos e de seus produtos, em torno do capital e do mercado mundial, cria-se a América Latina e com ela um novo padrão/matriz colonial de poder. Por isso, Grosfoguel argumenta que “o que chegou as Américas foi uma enredada estrutura de poder mais ampla e mais vasta, que uma redutora perspectiva econômica que a teoria do sistema-mundo” (2010, p. 463), ou modos de produção, e a Economia Política não são capazes de explicar. Portanto, a invasão e a invenção da América são uma origem, “tão origem” como foi a Grécia para a civilização ocidental (MIGNOLO, 2003, p. 57). Para Dussel (2005), a América não somente foi a primeira periferia do sistema-mundo como também a primeira oportunidade de acumulação primitiva do capital. Dessa forma, a inserção do elemento colonial/ racial/moderno na noção de sistema-mundo

de Wallerstein permitiu entender esse novo padrão/matriz mundial do poder onde raça e racismo são elementos constitutivos, e não apenas superestruturais ou instrumentais para a lógica da acumulação capitalista em escala mundial. Além dessa relação raça-trabalho, a racialização também possibilitou que o invasor europeu denominasse e classificasse os modos de vidas, os saberes, as formas de explicar o universo, as relações sociais e com a natureza dos povos originários como primitivas, atrasadas, bárbaras, mitos, superstição etc. Como raça inferior não produziam conhecimento e não tinham culturas, dessa forma estavam na infância da humanidade e deveriam passar, mesmo que às custas de extermínio, para o estágio civilizatório.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Portanto, foi com a invasão de Abya Yala e a invenção da América Latina e da categoria raça, e não classe, como princípio articulador e organizador da produção e distribuição das riquezas, somado à razão eurocêntrica produzindo e disseminando conceitos e categorias pretensamente universais, que surge esse novo padrão/ matriz mundial de poder, que permitiu ao Projeto Moderno eurocêntrico se tornar hegemônico mundialmente. Esse padrão/ matriz mundial de poder não diz respeito apenas ao fator econômico ou cultural, mas a um complexo enredamento de múltiplas e heterogêneas hierarquias globais de

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forma de dominação e exploração sexual, política epistêmica, econômica, espiritual, linguística e racial, em que a hierarquia étnico-racial reconfigura transversalmente todas as outras estruturas globais de poder, que a teoria marxista, nem a concepção de sistema mundo, conseguem identificar (GROSFOGUEL, 2010, p. 473).

O Projeto Moderno e eurocêntrico é um fenômeno eminentemente europeu e não planetário, mas que se tornou hegemônico pela colonialidade do poder, compondo-se a partir desse contexto como um novo paradigma de vida cotidiana, de compreensão da história, da ciência e da religião. Nesse novo paradigma, a Europa se apresenta como a civilização moderna e se autodescreve como superior e desenvolvida, como o novo e o mais avançado da espécie humana, enquanto que os demais povos são atrasados, primitivos, bárbaros e precisam ser “salvos” dessa condição, mesmo que para isso seja necessária à utilização do genocídio, etnocídio, epistemicídeo etc. Para explicar esse padrão mundial de poder, o Pensamento decolonial utiliza os conceitos de Colonialismo, Colonialidade do Poder e suas dimensões (saber, ser, e da natureza) e Diferença Colonial, entre outros. Estes conceitos são compreendidos a partir e através da história dos povos indígenas na América Latina. Torna-se um desafio para nós pesquisadores buscar compreender como os povos Torna-se um desafio para nós pesquisadores buscar compreender como os povos originários desse continente ao terem seus territórios e modos de vida invadidos, riquezas usurpadas, considerados em estágio 60 Revista Interritórios, edição 1/2015

inferior da história da humanidade sendo destituídos de sua condição epistêmica, continuam existindo até os dias atuais reivindicando direitos políticos, culturais e epistêmicos.

ALMEIDA, Eliene, Amorim de Mestra (2002) em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Educação da UFPE. Professora da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras de Caruaru (FAFICA) SILVA, Janssen Felipe da Doutor (2007) em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Professor do Centro Acadêmico do Agreste (CAA) da UFPE. Professor Permanente do Programa de Pós-graduação em Educação e Colaborador do Programa de Pósgraduação em Educação Contemporânea do CAA da UFPE.


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¹Os povos que viviam na parte de mundo que ficou conhecida mundialmente como América Latina atribuíam nomes próprios às regiões que ocupavam, tais como: Abya Yala, Tawantinsuyu, Anauhuac, Pindorama. “Abya Yala” era como os Kuna chamavam a América; “Terras Guarani” (envolvendo parte da Argentina, do Paraguai, sul do Brasil e Bolívia), Tawantinsuyu (a região do atual Peru, Equador e Bolívia), Anahuac (região do atual México e Guatemala), Pindorama (nome com que os Tupi designavam o Brasil), entre outras cartografias. A expressão Abya Yala que na língua do povo Kuna da Colômbia, significa Terra madura, Terra Viva ou Terra em florescimento vem sendo utilizado pelos movimentos dos povos originários do continente como uma autodesignação em contraposição a América, objetivando construir um sentimento de unidade e pertencimento. A primeira vez que a expressão foi explicitamente usada com esse sentido político foi na II Cumbre Continental de los Pueblos y Nacionalidades Indígenas de Abya Yala, realizada em Quito, em 2004 (PORTO-GONÇALVES, 2009 ²Grosfoguel (2010) utiliza a expressão Enredo para analisar e explicar que a estrutura de poder que chegou às Américas em 1492 foi mais ampla e mais vasta que as perspectivas economicistas da Economia Política ou o Sistema Mundo Moderno adotam para analisar os eventos que ocorreram nesse período. ³Estamos tratando elite colonial, os grupos ou pessoas descendentes de portugueses ou espanhóis que, assumiram o controle da economia, da autoridade, do conhecimento e deu continuidade à política imperial com relação aos africanos e indígenas na América Latina (MIGNOLO, 2010).

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Amanda Sobral


INFLUENCIA INTERLINGÜÍSTICA: RASGOS DEL ESPAÑOL EN EL CRIOLLO LIMONENSE ARGÜELLO, René Zúñiga ARAYA, Margie Cubillo

Resumo Depois da chegada dos primeiros jamaicanos à Costa Rica em 1872, a língua crioula trazida pelos trabalhadores, isto é o crioulo jamaicano, desenvolveu características únicas e distintivas após de mais de 140 anos. Alguns desses câmbios consumaram-se durante os primeiros 75 anos; entretanto o câmbio abrupto na língua dominante do inglês ao espanhol a partir de 1949 causou uma transformação mais radical. O fim deste artigo é justamente a descrição de alguns desses câmbios na fonologia e a morfossintaxe, os quais vêm sendo muito diferentes daqueles da língua original e que ate poderiam ser atribuídos á influencia do novo superstrato. Os fenômenos são tratados no marco das novas investigações em matéria de contato linguístico ao níveo sistemático em vez do níveo individual (SIEMUND, 2008). InInfluencia interlingüística, nivel fonológico, nivel morfosintáctico, lenguas en contacto, criollo limonense

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INTRODUCCIÓN Tras la llegada de los primeros jamaiquinos a tierras costarricenses en 1872, la lengua criolla traída por los trabajadores (el criollo jamaiquino) desarrolló rasgos únicos y distintivos en más de 140 años de permanencia en el país. Este trabajo tiene como propósito describir ciertos fenómenos en niveles estructurales de la lengua que son distintos a los de aquella lengua inicial y que podrían ser atribuidos a la influencia del español, la lengua de superestrato con que se encontró el criollo proveniente de Jamaica. Los rasgos descritos a nivel fonológico son la pérdida de distinción entre fonemas en dos segmentos, así como la inclusión de una nueva realización alofónica para el fonema nasal alveolar. En cuanto a la morfología se describe el uso distinto de una preposición de tiempo; mientras que a nivel sintáctico se analiza una estrategia de relativización distinta a la del criollo jamaiquino en las relaciones de genitivo y objeto de una comparación, además de la variación encontrada en los verbos ditransitivos que aceptan el orden: verbo, dativo, acusativo. Este trabajo es el primer esbozo descriptivo de un conjunto de rasgos distintivos del criollo limonense que pueden ser atribuidos al contacto con el español. El trabajo está organizado de la siguiente manera: en 2 se describen los fenómenos innovadores a nivel fonológico; en 3 a nivel morfológico; en 4 a nivel sintáctico. Los apartados anteriores se presentan con los rasgos sus realizaciones en criollo jamaiquino, inglés, español, y por último la innovación

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aparente en el criollo limonense. Para finalizar, en 6 se sintetizan las conclusiones a la luz de posibles causas ya de naturaleza tipológica y o universal, o bien propias del fenómeno de contacto de lenguas. Si, como podría ser el caso, los fenómenos en cuestión obedecen a una sustitución de acrolecto por superestrato, estaríamos ante un caso paradigmático en la el desarrollo de lenguas criollas, dado que estas: a) se relexifican, b) se estancan o desaparecen, o c) se mueven hacia el acrolecto.

NIVEL FONOLÓGICO A nivel fonológico se observan tres fenómenos: pérdida de la oposición entre el segmento fricativo labiodental sonoro /v/ y el oclusivo bilabial sonoro /b/; pérdida de la oposición entre el segmento fricativo alveolar sordo /s/ y su contraparte sonora /z/, así como la realización velar del segmento nasal alveolar /n/ Oposición /b/, /v/ Criollo jamaiquino El criollo jamaiquino cuenta con 21 consonantes fonémicas. En la descripción del sistema fonológico de Devonish y Harry (2004, p.264) y Harry (2006, p. 127) se encuentran los fonemas oclusivo bilabial sonoro /b/, y el fricativo labiodental sonoro /v/. En esta lengua se encuentran oposiciones entre ambos segmentos (1). Posición inicial


(1) /bet/ ‘apostar’ vs /vet/ ‘veterinario’ /bwot/ ‘bote’ vs /vwot/ ‘votar’

este último sonido, ya en época moderna, se introdujo la grafía <v>.

Criollo limonense

Inglés El inglés cuenta con las mismas distinciones entre los fonemas oclusivo /b/ y fricativo /v/. En esta lengua se encuentran oposiciones entre ambos segmentos (2).

El criollo limonense cuenta con 21 consonantes fonémicas (ZÚÑIGA, 2012, p. 3). El fonema oclusivo bilabial sonoro /b/ aparece en el inventario de la lengua en todas las posiciones (4).

Posición inicial

(4) /bed/ ‘cama’

(2) /bet/ ‘apostar’ vs /vet/ ‘veterinario’

/ban/ ‘nacer’

/bowt/ ‘bote’ vs /vowt/ ‘votar’

Español El español americano cuenta con 16 consonantes fonémicas, dentro de las cuales sólo se encuentra el fonema bilabial sonoro /b/ en todas las posiciones (3). Posición inicial (3) /ˈbaka/ ‘vaca’ Es importante recalcar que la ortografía española cuenta con las grafías <b> y <v> aun cuando existe sólo el fonema /b/. Para Martínez-Celdrán y otros (2003, p. 257) la grafía <v> en latín era solo una tipografía diferente para representar el fonema /u/; no existía diferencia alguna entre los fonemas /u/ y /v/ en cuanto a su ortografía. La /u/ breve tenía un alófono consonántico ante vocales que en la época clásica del latín correspondía al aproximante labial [w], pero luego pasó a pronunciarse como [β]. Para representar

Asimismo, el segmento, fricativo labiodental sonoro /v/ aparece en todas las posiciones (5). (5) /vjen/ ‘vano’ /veks/ ‘enojado’

Esta oposición es distintiva en el criollo limonense tanto como en el criollo jamaiquino; sin embargo, en el trabajo de campo con informantes, se ha notado una tendencia a adelantar el punto de articulación del segmento fricativo labiodental, para producir una realización oclusiva bilabial del mismo. Se percibe un uso cada vez más común del segmento oclusivo en posición inicial en palabras que deberían tener el segmento fricativo (6) (6) [ˈberi] por /ˈveri/ ‘muy’

Incluso, debido a esta pérdida de

INFLUENCIA INTERLINGÜÍSTICA: RASGOS DEL ESPAÑOL EN EL CRIOLLO LIMONENSE

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oposición se han documentado, por medio de experimentos dirigidos, casos de homofonía en palabras que deberían considerarse como pares mínimos (7). (7) /beri/ ‘Berry (apellido)’ vs [beri] ‘muy’

Inglés Al igual que el criollo jamaiquino, el inventario fonológico inglés tiene los fonemas /s/ y /z/. Ambos muestran oposición en diversas posiciones (11-13)

/bwot/ ‘bote’

vs [bwot] ‘votar’

Posición inicial

/bjel/ ‘fianza’

vs [bjel] ‘velo’

(11) /su/ ‘Sue (nombre)’ vs /zu/ ‘zoológico’

/bolt/ ‘Bolt (apellido)’ vs /bolt/ ‘voltio’

Posición media

(12) /ˈlejsi/ ‘(Lacey apellido)’ vs /lejzi/ ‘vago’

Ante la pérdida de oposición fonemática en el CL en posición inicial y la preferencia por el segmento oclusivo bilabial, la influencia del nuevo superestrato puede trazarse ante la ausencia del segmento fricativo labiodental sonoro en el inventario fonológico del español.

Posición final

Oposición /s/, /z/ Criollo jamaiquino Según Devonish y Harry (2004, p. 264) y Harry (2006, p. 127) el criollo jamaiquino cuenta con los segmentos fricativo sordo /s/, y su contraparte sonora /z/. Ambas muestran oposición en diversas posiciones (8-10)

(13) /prajs/ ‘precio’ vs /prajz/ ‘premio’

Español El español actual no presenta oposición por sonoridad entre los sibilantes alveolares /s/ y /z/ desde el reajuste de sibilantes, fenómeno evolutivo que tuvo lugar entre el siglo XVI y el siglo XVII (CANO, 2005, p. 850). En el español actual, el fonema fricativo alveolar sordo /s/ aparece en todas las posiciones de palabra (14-16) Posición inicial (14) /sal/ ‘sal’

Posición inicial

Posición media

(8) /su/ ‘Sue (nombre)’ vs /zu/ ‘zoológico’

(15) /ˈkasa/ ‘casa’

Posición media

Posición final

(9) /ˈljesi/ ‘(Lacey apellido)’ vs /ljezi/ ‘vago’

(16) /lus/ ‘luz’

Posición final (10) /prajs/ ‘precio’ vs /prajz/ ‘premio’

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Criollo limonense


En el inventario consonántico del criollo limonense (ZÚÑIGA, 2012, p.3) existe oposición entre el fonema fricativo alveolar sonoro y el sordo. El segmento sordo /s/ aparece en todas las posiciones en la palabra (17-19).

Sin embargo, en el trabajo con informantes se ha identificado la tendencia a ensordecer el segmento sonoro (23) (23) [biˈkaas] por /biˈkaaz/ ‘porque’ [ˈrjesin] por /ˈrjezin / ‘criar’

Posición inicial (17) /sik/

‘enfermo’

/swop/ ‘jabón’ Posición media (18) /ˈisi/ /ˈbisi/

‘fácil’ ‘ocupado’

Al igual que los segmentos descritos anteriormente (oclusivo bilabial, fricativo labiodental), se evidencian casos en los que existe homofonía en donde debería haber pares mínimos (24). (24) /su/ ‘Sue (nombre)’ vs [su] ‘zoológico’ /ˈljesi/ ‘(Lacey apellido)’ vs [ˈljesi] ‘vago’

Posición final (19) /tumaˈtis/ /fjes/

‘cara’

Asimismo, el segmento fricativo alveolar sonoro /z/ aparece en todas las posiciones (20-22). Posición inicial (20) /zu/

/ˈljesi/ ‘(Lacey apellido)’ vs [ˈljesi] ‘vago’

‘tomate’

‘zoológico’

Posición media

[siŋk] ‘precio’ vs [siŋk] ‘premio’ Estos ejemplos muestran que la oposición fonemática está siendo reemplazada por un solo fonema, en este caso el sordo. Como se mostró anteriormente, el español no cuenta con el fonema sibilante sonoro, lo cual puede estar causando la pérdida del fonema en todas las posiciones en el criollo limonense.

(21) /ˈrizn̩​̩/ ‘razón’ /ˈrjeza/ ‘razurar’

Velarización de /n/

Posición final

Criollo jamaiquino

(22) /buz/

En Devonish y Harry (2004, p. 264) y Harry (2006, p. 127) aparecen como fonemas los segmentos nasal alveolar /n/, así como el segmento nasal velar /ŋ/. Ambas muestran oposición en posición final (25).

/ʤaz/

‘trago’ ‘jazz’

INFLUENCIA INTERLINGÜÍSTICA: RASGOS DEL ESPAÑOL EN EL CRIOLLO LIMONENSE

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(25) /sin/ ‘pecado’ vs /siŋ/ ‘cantar’

y velar. El segmento alveolar /n/ aparece en todas las posiciones de palabra (28-30). Posición inicial

Inglés El inglés muestra la misma oposición fonemática en posición final (26). (26) /sin/ ‘pecado’ vs /siŋ/ ‘cantar’

(28) /nwo/ ‘saber’ /najt/ ‘noche’ Posición media (29) /kaˈnu/ ‘canoa’ /pajnt/ ‘pintura’ Posición final

Español

(30) /ʃajn/ ‘brillar’ /rjen/ ‘lluvia’

El español no presenta oposición fonemática entre los segmentos nasales alveolar /n/ y velar /ŋ/. Sin embargo, en gran parte del español hispanoamericano, incluyendo el español de Costa Rica, el segmento /n/ se realiza como velar en posición final. Para Quesada (1991, p. 78), este rasgo fue diferenciador en tiempos de la colonia entre el habla del Noroeste y la del Valle Central; incluso, el autor menciona que todavía a inicios del siglo XX el rasgo era distintivo. Actualmente la realización velar del segmento nasal en posición final se ha extendido por todo el territorio costarricense (27) y es carácteristico de algunas variedades dialectales del español americano.

Por su parte, el segmento nasal velar /ŋ/ aparece cómo fonema sólo en posición final (31).

(27) /kanˈsion/

[kanˈsioŋ]

‘canción’

/meˈlon/

[meˈloŋ]

‘melón’

/peˈon/

[pioŋ]

‘peón’

Criollo limonense El criollo limonense tiene cuatro fonemas nasales (ZÚÑIGA, 2012, p. 3): bilabial /m/, alveolar /n/, palatal /ɲ/ y velar /ŋ/. Para este trabajo interesan los segmentos alveolar 70 Revista Interritórios, edição 1/2015

(31) /wiŋ/ ‘ala’ /siŋ/ ‘cantar’

En el trabajo con informantes se ha identificado la velarización del segmento nasal alveolar en posición final (32) (32)[gaaŋ]

por

/gaan/

‘irse’

[boŋ]

por

/bon/

‘quemar’

[baaŋ]

por

/baan/

‘nacer’

/ˈuman/

‘nacer’

[ˈumaŋ] por

Bajo experimentos dirigidos con informantes, se ha observado velarización de segmentos nasales alveolares en posición final, lo cual elimina pares mínimos existentes (33). (33) /siŋ/ ‘cantar’ vs /tiŋ/ ‘cosa’

vs

[siŋ] ‘pecado’ [tiŋ] ‘lata’

Los datos muestran una velarización


del segmento alveolar en posición final, tal y como sucede en el español de Costa Rica. Este fenómeno se da en el superestrato en todo el territorio nacional, lo cual pudo haber influido a iniciar el fenómeno.

NIVEL MORFOLÓGICO A pesar de existir indicios de influencia del español en algunas estructuras morfológicas como lo identifica Winkler (1998, p.1) en la combinación de raíces lexicales españolas con afijos del criollo limonense, este apartado describe únicamente el morfema funcional in (preposición de tiempo) en el criollo limonense. Preposiciones: in y an

La lengua distingue dos usos para las preposiciones de tiempo in ‘en’, y pan ‘en’. La preposición in tiene exclusividad de uso para espacios temporales prolongados, por ejemplo años, meses, estaciones, etc. (34) (34)Dem kom in Aagos venir en

agosto

‘Ellos vinieron en agosto’ Mi

byebi ban in

2009

1SG

bebé nacer en

2009

‘Mi bebé nació en 2009’ In di

somataym

‘En el verano’

De igual forma, el uso de la preposición pan está restringido a días y fechas específicas (35). (35) Jumyeka get independent pan aagast 6 in 1962 Jamaica obtener agosto 6 en 1962

independiente

en

‘Jamaica se independizó el 6 de agosto de 1962’

Existen casos en que el hablante elide la preposición pan, especialmente delante de días de la semana (36). (36) Shi

Criollo jamaiquino

3SG

en DET verano

3SG

go

chorch

sondye

ir

iglesia

domingo

‘Ella fue a la iglesia el domingo’

Inglés La lengua distingue dos usos para las preposiciones de tiempo in ‘en’, y on ‘en’. La preposición in tiene exclusividad de uso para espacios temporales prolongados, por ejemplo años, meses, estaciones, etc (37). (37) They 3SG

came in

August

venir en

agosto

‘Ellos vinieron en agosto’ Mi

baby was born in 2009

INFLUENCIA INTERLINGÜÍSTICA: RASGOS DEL ESPAÑOL EN EL CRIOLLO LIMONENSE

71


1SG

bebé COP nacer en 2009

Ella va a misa los domingos

‘Mi bebé nació en 2009’ Criollo limonense De igual forma el uso de la preposición on está restringido a días y fechas específicas, tal y como sucede en el criollo jamaiquino (38). (38) Kid-s Monday

have

to

go to school on

niño-PL tener INF ir lunes

a escuela en

‘Los niños tienen que ir a la escuela el lunes’

Español El español cuenta con la preposición en que denota el tiempo en que se determina una acción, por lo general se utiliza en periodos extendidos de tiempo, por ejemplo estaciones, meses, años, siglos, etc. (39). (39) Ellos vinieron en agosto Él nació en 1998 Llueve mucho en invierno

Por otra parte, para periodos de tiempo más específicos como días o fechas, el español no usa preposición para relacionar los elementos. (40). (40) Tengo clase los jueves Costa Rica se independizó el 15 de setiembre de 1821

72 Revista Interritórios, edição 1/2015

Las preposiciones in ‘en’ y an ‘en’ muestran misma distribución en el criollo jamaiquino (in y pan) y en el criollo limonense. La preposición in se utiliza para periodos de tiempo extendidos como años, meses, estaciones, etc (41). (41)Bab

Maali

ban in

1945

Bob

Marley

nacer en

1945

‘Bob Marley nació en 1945’ Di aktaba

kaanival

iz

in

DET octubre

carnaval

COP en

‘El carnaval es en octubre’ Uno syem

berdye mont

iz

in

2PL cumpleaños COP en mismo mes

di DET

‘El cumpleaños de ustedes es en el mismo mes’

Al igual que en el criollo jamaiquino, se utiliza la preposición an (pan en el criollo jamaiquino) para relacionar elementos a días y fechas específicas (42). A diferencia del criollo jamaiquino, no se han registrado casos de elisión de la preposición an, en ningún contexto.


(42)Shi go chorch an sondye 3SG domingo

ir

iglesia

en

‘Ella fue a la iglesia el domingo’

A pesar de esta distribución en el uso de ambas preposiciones, se nota un uso distinto de la preposición para relacionar elementos con un tiempo específico, e.g. fechas y días. En estos casos, se registra una tendencia hacia el uso de in (43) (43)A krismos

si

mi

1SG Navidad

ver

onkl in

1SG tío

elementos con un tiempo específico, el uso de la preposición in en el criollo limonense puede derivarse del contacto con el español.

Las preposiciones de tiempo del inglés in, on y at tienen como equivalente directo en español a la preposición en. Este aumento en la distribución respecto del español causa interferencia i.e. en los en los hablantes nativos de español que aprenden el inglés como segunda lengua al producir oraciones como en (44). (44) * I was born in August 31st, 1983 1SG agosto

en

COP.ANT nacer 31ero 1983

en

‘Nací el 31 de agosto de 1983’

‘Vi a mi tío en Navidad’

A aagast 31

waz ban in 1983

in

1SG agosto 31

COP.ANT nacer en 1983

en

‘Nací el 31 de agosto de 1983’ A wil go owt wikend 1SG FUT ir fin de semana

in

afuera en

Si bien es cierto las lenguas criollas tienden a poseer una preposición general para expresar locación o tiempo (HOLM, 1988, p. 208), la tendencia a utilizar la preposición in, y no otra, en el criollo limonense se marca por la influencia del español.

di DET

‘Voy a salir en el fin de semana’

Es importante anotar que, a pesar de que el uso de una preposición no es necesario en el español cuando se trata de relacionar

NIVEL SINTÁCTICO A nivel sintáctico se han descrito fenómenos producidos por la interferencia lingüística del español, e.g. cambio en el orden de constituyentes en la frase nominal Winkler (1998, p.1). Este apartado trata dos fenómenos de influencia sintáctica: estrategia de la retención de pronombre

INFLUENCIA INTERLINGÜÍSTICA: RASGOS DEL ESPAÑOL EN EL CRIOLLO LIMONENSE

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en cláusulas relativas para las relaciones de genitivo y objeto de una comparación, y verbos ditransitivos que aceptan el dativo en segunda posición. Estrategia de retención de pronombre en cláusulas relativas Criollo jamaiquino El criollo jamaiquino posee tres estrategias de representación de la FNRel, a saber espacio vacío, pronombre relativo y retención de pronombre (Patrick, 2003, p.23). Estas estrategias permiten relativizar todas las relaciones gramaticales de la jerarquía de Keenan y Comrie (1977, p. 66). Para efectos de este trabajo, interesan únicamente las relaciones de genitivo y objeto de una comparación debido a que, como se muestra más adelante, son las únicas que presentan una estrategia de representación diferente en el criollo limonense. Christie (1996 apud PATRICK, 2003, p.24), describe el uso de dos estrategias de representación para la relación de genitivo: a) el uso del pronombre relativo huufa ‘cuyo’ (45), y b) la estrategia de retención de pronombre (46). (45)Di dem tiif

uman gaan a

huufa biebi stieshan

DET mujer 3PL robar irse a

REL bebé estación

‘La mujer cuyo niño robaron el niño se fue a la estación’

DET mujer REL 3PL robar 3SG bebé irse a estación ‘La mujer que le robaron el niño se fue a la estación’

En el caso de la relación gramatical de objeto de una comparación, la única estrategia válida es la del pronombre relativo (47). (47) A da man de mi taal-a dan COP DET hombre alto-COMP que él’

allá 1SG

‘Ese es el hombre que yo soy más alto que

Inglés El inglés estándar posee dos estrategias de representación de la FNRel, espacio vacío y pronombre relativo. En el caso del genitivo y objeto de una comparación se prefiere el uso de la estartegia de pronombre relativo (48). (48) The house is daughter

woman whose red ha-s a

DET mujer REL casa COP rojo tener-3SG DET hija ‘La mujer cuya casa es roja tiene una hija’

(46) Di uman we dem tiif ar biebi gaan a stieshan

74 Revista Interritórios, edição 1/2015

The woman whose b a b y they stole went to the station


DET mujer REL bebé 3PL robar irse a DET estación ‘La mujer que le robaron el niño se fue a la estación’

En el caso de la relación gramatical de objeto de una comparación, el inglés tiene ambas estrategias, y además es agramatical el uso de la estrategia de retención de pronombre (49). (49) That who I

is the man am tall-er than

DEM COP DET hombre REL 1SG COP alto-COMP que él’

‘Ese es el hombre que yo soy más alto que

Español El español cuenta con la estrategia del pronombre relativo para representar la FNRel, estos pronombres son: que, el cual (y sus variaciones la cual, los cuales, las cuales, lo cual), quien, cuyo, como, donde, cuando y cuanto. Al relativizar la oración subordinada en la relación del genitivo, el español hace uso del pronombre relativo cuyo (50). (50)Me encontré al viejo cuyo hijo es compañero del mío. La persona cuyo vehículo es placas 324455, por favor preséntese al parqueo.

Sin embargo, el uso de este pronombre es cada vez menor en el habla real, Elvira

(2007, p 374) describe como “un retroceso progresivo, que resulta patente en su frecuente sustitución por otras construcciones alternativas”. Esa construcción alternativa a la que se refiere Elvira es el uso de la estrategia de retención de pronombre para la relación de genitivo en la que se sustituye el cuyo por el pronombre relativo que y un posesivo (51). (51) Me encontré al viejo que su hijo es compañero del mío. La persona que su vehículo es placas 324455, por favor preséntese al parqueo.

Respecto de la relación gramatical de objeto de una comparación, el español cuenta únicamente con la estrategia de retención de pronombre para poder identificar el rol del antecedente en la cláusula relativa (52). De no ser por esta estrategia, la relativización de esta relación sería imposible. (52) Ese es el hombre que yo soy más joven que él Ahí va mi compañera que yo me saque más nota que ella

Criollo limonense Al igual que el criollo jamaiquino, el criollo limonense posee tres estrategias de representación de la FNRel: espacio vacío, pronombre relativo, y retención de pronombre. No obstante, hay que recalcar que las instancias en donde se utiliza la retención de pronombre como estrategia son en relativizaciones que implican las relaciones del genitivo (53) y de objeto de

INFLUENCIA INTERLINGÜÍSTICA: RASGOS DEL ESPAÑOL EN EL CRIOLLO LIMONENSE

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una comparación (54). (53) Di uman we ozban jumyekan DET esposo

ar kom yesidye.

mujer REL 3SG jamaiquino venir ayer

‘La mujer que el esposo es jamaiquino vino ayer’ Di bway we dem kot im fut de lok op ina di owz DET muchacho REL cortar 3SG pie COP encerrar DET casa

3PL en

‘El hombre que le cortaron el pie está encerrado en la casa’

(54) Di dan im

dag mi baak tu

dag moch.

‘El perro que mi perro es más grande que él ladra demasiado’ uu

DEM COP DET hombre REL 1SG rápido-COMP que 3SG ‘Ese es el hombre que yo soy más rápido que él’

Si bien es cierto el criollo jamaiquino cuenta con la estrategia de retención de

76 Revista Interritórios, edição 1/2015

Adicionalmente a la influencia del español, el uso exclusivo de la estrategia de retención de pronombre en las relaciones de genitivo objeto de una comparación pueden relacionarse con la premisa propuesta por Lehmann (2010, p. 10), en la que considera que la relación gramatical relativizada no es de tanta importancia como lo es el grado de nominalización de la cláusula relativa:

biga

DET perro 1SG perro grande. COM que 3SG ladrar demasiado

Dat iz di man ay faas-a dan im.

pronombre para genitivos al igual que el criollo limonense, se puede argumentar que el criollo jamaiquino cuenta también con un pronombre para esta relación (huufa ‘cuyo’), el cual es inexistente el criollo limonense. La pérdida de esta estrategia hace pensar en la influencia del nuevo superestrato ya que esta estrategia es la de mayor uso actualmente en el español.

Representation of the head in various syntactic functions in the external-head relative clauses correlates inversely with the degree of nominalization of the relative clause; i.e., the more strongly nominalized a relative clause is, the less it will allow of pronominal representation of the head in the relativized position.

Esta afirmación se refleja en el uso de la estrategia más explícita del criollo limonense (retención de pronombre) para relativizar las relaciones menos nominalizadas de la escala (genitivo y objeto de una comparación).


El dativo en verbos ditransitivos

primer orden un caso de agramaticalidad (58).

Inglés En inglés existen ciertos verbos ditransitivos que no permiten el orden verbo, dativo acusativo. En su lugar el uso de la preposición to ´a´ debe introducir el dativo (55) (55)Sh e me.

explain-ed

that to

3SG 1SG

explicar-ANT

DEM a

Así, sin la introducción de to ante el dativo con verbos como explain, describe, suggest, donate, y otros más, la oración sería agramatical (56) explain-ed

3SG DEM

explicar-ANT

sajes

di

3SG a 1SG

sugerir

DET lugar

me 1SG

plyes

‘Ella me sugirió el lugar’

(58) * Shi sajes mi di plyes . 3SG lugar

‘Ella me explicó eso’

(56) * She that.

(57) Shi tu mi.

sugerir

1SG

DET

‘Ella me sugirió el lugar’

Español La ditransitividad en el español por su parte, da una posición pre verbal a los clíticos que preceden un verbo conjugado manteniendo el orden dativo, acusativo (59) (59)Eso me lo explicó Juan ayer

‘Ella me explicó eso’

Es una buena película, te la sugiero Esa tierra se la donó el gobierno a los Arias

Criollo jamaiquino El criollo jamaiquino tiene dos alternativas en su orden de constituyentes en oraciones ditransitivas. En posición post verbal: verbo, dativo, acusativo; o bien verbo acusativo y frase preposicional introduciendo al dativo por medio del morfema funcional tu. Al igual que el inglés, algunos verbos (eksplyen, diskrayb, donyet, sajes, etc.) solo admiten el segundo orden (57), siendo el

Esta posición pasa a ser post verbal con un verbo infinitivo o imperativo positivo, estructuras en las que se mantiene el orden dativo acusativo sin excepción (60) (60) Explíqueme eso otra vez. Es una buena película, ¡sugiérasela! Esa tierra, el gobierno quería donársela a

INFLUENCIA INTERLINGÜÍSTICA: RASGOS DEL ESPAÑOL EN EL CRIOLLO LIMONENSE

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los Arias.

Criollo limonense En la gran mayoría de los casos, el criollo limonense utiliza el mismo orden de constituyentes en oraciones ditransitivas que el criollo jamaiquino. En otras palabras, posición post verbal con dos alternativas: verbo, dativo, acusativo (61); o bien verbo acusativo y frase preposicional introduciendo al dativo por medio del morfema funcional tu ( 62). (61) Shi 3SG

gi

mi

di

dar

1SG DET plata

sen yesidye

im

di

María carta

enviar ayer

3SG

DET

‘María le envió la carta ayer’

3SG

di

moni tu

dar

DET plata a

eksplyen

mi

dat.

explicar

1SG DEM

‘Ella me explicó eso’

Myeri leta

gi

(63) Shi 3SG

moni.

‘Ella me dio la plata’

(62) Shi

limonense no discrimina verbos en el cambio de orden de los constituyentes. Bajo experimentos dirigidos se pusieron a prueba los verbos que restringen el uso del orden verbo, dativo, acusativo en el criollo jamaiquino y en el inglés. Los resultados demuestran que el criollo limonense trata esos verbos como cualquier otro de la lengua. El orden verbo, dativo, acusativo (63), y verbo, acusativo, dativo introducido por preposición (64) es gramatical con todos los verbos ditransitivos del criollo limonense.

mi. 1SG

‘Ella me dio la plata’

Go dem di

plis rum!

IR.IMP por favor 3SG DET cuarto

diskrayb decribir.IMP

‘¡Vaya por favor, descríbales el cuarto!’ Mi mada donyet dis pis a laan

mi

1SG madre donar DEM pieza de tierra

1SG

‘Mi mamá me donó este pedazo de tierra’

Myeri seen tu im yesidye

di

leta

María enviar a 3SG ayer

DET carta

‘María le envió la carta ayer’

(64)Shi mi.

eksplyen

dat

tu

3SG 1SG

explicar

dem a

‘Ella me explicó eso’

De manera interesante, el criollo

78 Revista Interritórios, edição 1/2015

Go

plis


diskrayb dem!

di

rum

tu

IR.IMP por favor d e c r i b i r. IMP DET cuarto a 3SG ‘¡Vaya por favor, descríbales el cuarto!’ Mi mada donyet dis pis a laan tu mi 1SG madre donar dem pieza de tierra a 1SG ‘Mi mamá me donó este pedazo de tierra’

en el criollo limonense) para referir tiempos específicos. La estrategia de retención de pronmbre como relativizador exclusivo para las relaciones del genitivo y objeto de una comparación La posibilidad de utilizar el orden verbo, dativo, acusativo en oraciones ditransitivas para todos los verbos. La influencia estructural del español se manifiesta en distintos fenómenos que dan características propias al criollo limonense.

Esta distribución de los constituyentes de las oraciones ditransitivas muestra similitud con el español, claro está que esta similitud se da por medio del orden post verbal que poseen las cláusulas con verbos en infinitivo y en imperativo en español.

CONCLUSIONES Tras haber analizado los hallazgos, los fenómenos en los que se observa una innovación aparentemente producida por el contacto del criollo limonense con el español son: La pérdida de oposición fonemática entre los segmentos /b/, /v/ y /s/, /z/. La realización velar [ŋ] del segmento nasal alveolar /n/ en posición final de palabra. El uso de la preposición in (equivalente directo de la preposición española ‘en’

ARGÜELLO, René Zúñiga René Zúñiga Argüello, Magister en Lingüística de la Universidad de Costa Rica, labora actualmente como profesor e investigador del programa PROLIBCA de la Universidad Nacional. Sus trabajos de investigación comprenden descripciones tipológicas del criollo limonense principalmente, así como trabajo en la revitalización de la lengua. Ha publicado y participado en eventos locales e internacionales, especialmente en el Caribe. ARAYA, Margie Cubillo Margie Cubillo Araya posee el grado de Magistra en Segundas Lenguas y Culturas de la Universidad Nacional de Costa Rica. Su enfoque investigativo comprende el estudio de metodologías y enfoques en la enseñanza de ESP, así como temas referentes a la interacción entre lenguas. Ha participado en congresos y simposios a nivel internacional

INFLUENCIA INTERLINGÜÍSTICA: RASGOS DEL ESPAÑOL EN EL CRIOLLO LIMONENSE

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Amanda Sobral


TECENDO FIOS ENTRE O FEMINISMO LATINOAMERICANO DESCOLONIAL E OS ESTUDOS PÓS-COLONIAIS LATINO-AMERICANOS SARTORE, Anna Rita SANTOS, Aline Renata dos SILVA, Camila

Resumo O presente trabalho tem por objetivo realizar aproximações epistemológicas entre o Feminismo Latino-americano Descolonial, Curiel, (2009); Mohanty, (2008); Paredes, (2010); Espinosa-Miñoso, (2014, 2013), e os Estudos Pós-coloniais Latino-americanos Dussel, (1994); Quijano, (2000, 2005); Mignolo (2011); Porto-Gonçalves, (2009). Utilizamo-nos da pesquisa bibliográfica e da Análise de Conteúdo via Análise Temática Bardin, (2011), Vala (1986). As aproximações epistemológicas do Feminismo Latino-americano Descolonial com os Estudos Pós-Coloniais Latino-americanos ocorrem na medida em que questionam o lócus de enunciação de conhecimento eurocêntrico e suas formas de produção prescritas como válidas e universais e apontam para a valorização e a legitimação de outros loci de enunciação que produzam conhecimentos outros. O entrelaçamento destas abordagens permite-nos compreender as mulheres latinas americanas como protagonistas de lutas políticas e epistêmicas na construção e na constituição de uma sociedade despatriarcalizada. Feminismo Latino-americano Descolonial, Estudos Pós-coloniais Latino-americanos, Analise Temática Abstracto El presente trabajo tiene el objeto de realizar aproximaciones epistemológicas entre el Feminismo Latinoamericano Decolonial Curiel, (2009); Mohanty, (2008); Paredes, (2010); Espinosa-Miñoso, (2014, 2013), y los Estudios Postcoloniales Latinoamericanos Dussel, (1994); Quijano, (2000, 2005); Mignolo (2011); Porto-Gonçalves, (2009). Hemos utilizado la investigación bibliográfica y el Análisis de Contenido vía Análisis Temático (BARDIN, 2011; VALA, 1986). Las aproximaciones epistemológicas del Feminismo Latinoamericano Decolonial con los Estudios Postcoloniales Latinoamericanos ocurren en la medida en que cuestionan el locus de enunciación de conocimiento eurocéntrico y sus formas de producción prescritas como válidas y universales y apuntan para la valoración y legitimación de otros loci de enunciación que produzcan otros conocimientos. El entrelazamiento de estos abordajes nos permite comprender a las mujeres latinoamericanas como protagonistas de luchas políticas y epistémicas en la construcción y en la constitución de una sociedad despatriarcalizada. Feminismo Latino-americano Descolonial, Estudios Postcoloniales Latinoaamericanos, Análise Temática. 83


INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo analisar aproximações epistemológicas entre o Feminismo Latino-americano Descolonial e os Estudos Pós-coloniais Latino-americanos. Tais aproximações constituem a discussão teórica das seguintes pesquisas: a) de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE, que trata da presença do patriarcado nas imagens dos livros didáticos específicos para as escolas localizadas no território campesino e; b) do Programa de Iniciação Científica, que aborda a presença da Negra nos livros didáticos específicos para as escolas localizadas no território campesino. Ambas as pesquisa fazem parte do Grupo de Pesquisa Estudos Pós-Coloniais Latinoamericanos, Teoria da Complexidade e Educação. Para isto, destacamos os seguintes conceitos do Feminismo Latino-americano Descolonial: a) patriarcado colonialmoderno; b) feminismos; c) gênero; d) autonomia; e) despatriarcalização, tomando como autoras de referência: Curiel (2009); Mohanty (2008); Paredes (2010) e EspinosaMiñoso (2014; 2013). Também frisamos determinados conceitos dos Estudos Póscoloniais Latino-americanos, a saber: a) colonialismo-colonização; b) racionalização; c) racialização; d) colonialidade nos eixos do poder; do ser; e do saber; e) diferença colonial; f) geopolítica; g) corpo-política; h) descolonização, tendo como autores de referência: Dussel (1994); Quijano (2000; 2005); Mignolo (2011); Porto-Gonçalves (2009) e Silva (2014; 2015). Utilizamo-nos da pesquisa bibliográfica e da Análise de 84 Revista Interritórios, edição 1/2015

Conteúdo, via Análise Temática por meio de Bardin (2011) e Vala (1986). Partimos da compreensão de que as mulheres latino-americanas racializadas têm constituído e construído feminismos¹ que intencionam romper com o patriarcado colonial-moderno que foi fundado através dos processos de colonialismo e colonização da Abya Yala² na formação do sistema mundo moderno/colonial. O Feminismo Latino-americano Descolonial retira a cortina de fumaça que oculta e desvirtua os conhecimentos; as formas de viver; as culturas e as histórias das mulheres latino-americanas. Para isto, parte de dois movimentos simultâneos: a) o primeiro se dá com o questionamento do Feminismo Hegemônico que têm reproduzido relações coloniais; b) o segundo movimento acontece através da construção de uma teoria política e epistemológica propositiva tecida na América Latina (Paredes, 2010). Enquanto o primeiro movimento denuncia a relação saber-poder imposta pelo Feminismo Hegemônico que mira as mulheres latino-americanas como vítimas e que não possuem conhecimento, o segundo articula-se ao primeiro na medida em que o Feminismo Latino-americano Descolonial tem realizado uma virada epistêmica, enraizada no território da Abya Yala. De acordo com Espinosa-Miñoso (2014), isto acontece por meio da recuperação das tradições e dos saberes das mulheres racializadas da Abya Yala. As aproximações epistemológicas com os Estudos Pós-coloniais Latino-


americanos subsidiam a compreensão de como se deu a instauração e imposição do modelo de sociedade patriarcal moderno/ colonial através do processo de colonialismo, no nascimento do sistema mundo moderno/ colonial. A título de organização, o artigo está dividido nas seguintes seções: a) Origem do Feminismo Latino-americano Descolonial; b) Aproximações epistemológicas entre Feminismo Latino-americano Descolonial e os Estudos Pós-coloniais Latino-americanos e; c) Primeiras considerações.

opressão sofridas pelos povos da Abya Yala durante o processo de Colonialismo que se reeditam através das heranças coloniais. Destacamos que as mulheres, durante o processo de colonização colonialismo, foram exploradas duplamente, a saber: por ser mulher e pela pertença a raças classificadas e hierarquizadas como inferiores, neste caso, índias e negras. O Feminismo Latino-americano Descolonial tem suas bases epistêmicas fundadas em distintas experiências, sendo elas: los movimientos indígenas, afros, de mujeres, feminismo de color en los Estados Unidos (EE UU), feminismo antirracista, feminismo autónomo, movimiento de carácter mixto, generacionales, como Hijos e Hijas por la Memoria y contra la Impunidad, Incite! Women of Color Unite, movimientos radicales de la disidencia sexual, entre otros (ESPINOSA MIÑOSO; GOMEZ; LUGONES; OCHOA, 2013, p. 403, 404).

FEMINISMO LATINOAMERICANO DESCOLONIAL O Feminismo Latino-americano Descolonial surge dos reclamos das mulheres da Abya Yala que historicamente foram vistas como incapazes de construir epistemologias enraizadas em seus territórios. O referido Feminismo encontra-se em construção de uma genealogia do pensamento produzido desde as mulheres latino-americanas racializadas e subalternizadas. Dialoga com epistemologias geradas por intelectuais e ativistas, ao realizar uma virada epistêmica no intuito de desconstruir a matriz de poder fundada com o nascimento do Sistema mundo colonial/moderno. O Feminismo Latino-americano Descolonial aproxima-se dos Estudos Póscoloniais Latino-americanos na medida em que este realiza rachaduras epistêmicas ao denunciar as formas de exploração e de

Estas experiências estão ancoradas em contextos específicos da Abya Yala, fundadas em corpos e territórios distintos que constituem contextos históricos nos quais as feministas descoloniais realizam os seus quefazeres (Freire, 1996). Segundo Espinosa Miñoso (et al. 2013), o Feminismo Latino-americano Descolonial diz respeito a uma transformação radical da relações sociais de poder que oprimem e subordinam as mulheres indígenas, afro e mestiças pobres na Abya Yala. Tal transformação busca a afirmação da vida das mulheres racializadas. Nessa direção, o Feminismo Latino-americano Descolonial empreende rupturas epistêmicas com o Feminismo

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Hegemônico; surge com a ilustração através de uma ideia de história linear e eurocêntrica, negando e ocultado outros lugares-tempos em que mulheres se colocam contra o patriarcado. Segundo Paredes (2011), o patriarcado moderno/colonial é um sistema de morte, construído historicamente, atuando sobre o corpo das mulheres. Engloba costumes, tradições, normas, hábitos, ideias, símbolos, leis, entre outros, determinando, naturalizando e universalizando papéis e lugares das populações, de mulheres e de homens, em diferentes tempos e lugares. O patriarcado moderno/colonial atinge a todas as mulheres, mas de formas e intensidade distintas de acordo com o contexto histórico, cultural, social, político e econômico de cada realidade. De acordo com Paredes, el Patriarcado, se recicla y se nutre de los cambios sociales y revolucionarios de esta misma humanidad. Afina sus tentáculos, corrige sus formas brutales de operar y relanza las opresiones con instrumentos cada vez mas sutiles y difíciles de detectar y responder (2011, p.6).

Na década de 1990, o patriarcado se reestrutura através da institucionalização dos movimentos sociais, dentre estes, o Feminismo Latino-americano, visando com isso despolitizar os movimentos feministas na luta por libertação das opressões sofridas, via patriarcado. A institucionalização dos movimentos feministas refere-se a processos de cooptação de mulheres feministas para assumirem cargos dentro das organizações não governamentais (ONG). Segundo 86 Revista Interritórios, edição 1/2015

Paredes (2011), isto aconteceu sob o lema do empoderamento das mulheres latinoamericanas racializadas, que se daria através do acesso ao mercado de trabalho. Tal empoderamento se deu por meio da escolarização técnica das mulheres, visto como forma de revolução. Contudo, a incorporação das mulheres ao mercado de trabalho é desigual, haja vista que as hierarquias entre homens e mulheres permanecem, fato evidenciado pelo fato de as mulheres latino-americanas racializadas ocuparem os mesmos cargos que homens recebendo remunerações inferiores. A institucionalização dos movimentos sociais feministas trouxe, como central de sua análise, a categoria Gênero, categoria esta que, ao ser entendida dentro de um olhar eurocêntrico-moderno, limita as relações de opressões pautadas apenas pelo olhar das desigualdades entre homens e mulheres, silenciando as desigualdades de classe, de raça e de sexualidade. Segundo Valdivieso (2014), “el “género” no es suficiente para entender la situación de las mujeres negras, indígenas o mestizas, como tampoco para comprender las relaciones de subordinación que se dan entre mujeres por razones de clase” (p. 28). Nesta linha de raciocínio, a categoria gênero perde o seu potencial político ao homogeneizar as relações de poder, dado que desconsidera os contextos em que as relações de gênero ocorrem. A partir desta institucionalização dos movimentos sociais surge, em contraposição, o movimento feminista autônomo que levanta a bandeira pela autonomia das mulheres, esta entendida “en primera instancia desde la autonomía de nuestros


cuerpos de mujeres y hombres y de nuestras decisiones, remarcamos aquí la autonomía del cuerpo y las decisiones de las mujeres” (PAREDES, 2011, p. 14). Assim, a luta pela autonomia das mulheres caminha para Despatriarcalização (PAREDES, 2011) entendida como um processo que visa romper com o sistema de dominação sobre o corpo das mulheres, o patriarcado.

APROXIMAÇÕES EPISTEMOLÓGICAS ENTRE FEMINISMO LATINOAMERICANO DESCOLONIAL E OS ESTUDOS PÓS-COLONIAIS LATINO-AMERICANOS A expansão marítima mercantilista iniciada por volta de 1492 empreendida, principalmente, pelos portugueses e espanhóis foi espaço/tempo para a constituição e a difusão da racionalidade moderna/eurocêntrica, ou seja, a modernidade (DUSSEL, 1994). A invasão das terras “descobertas” instalou e determinou uma organização social, cultural, política e econômica de exploração e de dominação sobre os povos que ali estavam e dos que mais tarde foram sequestrados da África. A invasão da Abya Yala resultou na instauração arbitrária de uma nova ordem de poder, direta e formal, de um povo “soberano”, o europeu, sobre os povos

que foram inferiorizados índios e negros. Além disto, este contexto de colonialismo espalhou-se por meio da colonização dos povos e das culturas dominadas em toda América e, posteriormente, no mundo. A colonização é uma etapa do colonialismo na qual se dá a imposição de um modelo único e universal de conhecer, de trabalho e de cultura legitimadas como avançadas e superiores sustentadas por um ideal de sujeito branco, europeu, heterossexual, cristão (QUIJANO, 2005) e masculino (SILVA, 2014). O modelo eurocêntrico de dominação e de exploração, empreendido com a invasão da Abya Yala, sustenta-se em dois pilares fundamentais: a Racionalização e a Racialização. O primeiro diz respeito à hegemonia dos conhecimentos produzidos pelos europeus e das formas de produção, sendo considerados os únicos detentores e legitimadores de epistemologias válidas. O segundo dá-se com a construção mental da ideia de raça, que classifica e hierarquiza os povos em raças superiores e inferiores e mais especificamente em: brancos, índios, negros, mestiços e posteriormente em amarelos. Esta hierarquização e classificação distribuem lugares e papeis sociais de cada sujeito, grupo social e povo no sistema de dominação/exploração mundial (QUIJANO, 2005). Destacamos que o Feminismo Hegemônico do Norte e do Sul³ têm reproduzido a lógica de dominação instaurada com o colonialismo, tendo em vista que enxergam as mulheres latino-americanas através dos olhos do colonizador branco, europeu, heterossexual e cristão. Isto ocorre quando as mulheres da

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América Latina são tratadas como objeto de estudos e não como sujeitas produtoras de suas experiências históricas, políticas e epistemológicas. Segundo Mohanty esta mujer promedio del tercer mundo lleva una vida esencialmente truncada debido a su género femenino (léase sexualmente constreñida) y su pertenencia al tercer mundo (léase ignorante, pobre, sin educación, limitada por lãs tradiciones, doméstica, restringida a la familia, víctima, etc.). Esto, sugiero, contrasta con la autorepresentación (implícita) de la mujer occidental como educada, moderna, en control de su cuerpo y su sexualidad y con la libertad de tomar sus propias decisiones (2008, p. 5).

Nesta linha de raciocínio, o Feminismo Hegemônico do Norte e do Sul reproduz a lógica da racionalização e da racialização, visto que estabelecem uma hierarquização entre mulheres civilizadas (europeias) e mulheres não civilizadas (latinoamericanas). Esta hierarquização autoriza as mulheres europeias/eurocentradas a intervir com a sua missão civilizadora colonial/ moderna, culminando na subalternização política e epistêmica das mulheres latinoamericanas racializadas. Mesmo com a “descolonização” da América, ao deixar de ser colônia, o padrão mundial de poder moderno/colonial/ patriarcal/capitalista/eurocêntrico não findou, ao contrário, permanece até a atualidade. Este encontrou novas formas de se travestir, para conservar a sua dominação através da colonialidade que

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se funda en la imposición de una clasificación racial/étnica/ sexual/ gênero de la población del mundo como piedra angular de dicho patrón de poder y opera en cada uno de los planos, ámbitos y dimensiones, materiales y subjetivas, de la existência social cotidiana y a escala societal (QUIJANO, 2000, p. 342, grifo nosso).

A colonialidade é um processo arbitrário de dominação/exploração no qual o ideário colonial penetra as estruturas sociais tanto na dimensão material quanto na dimensão imaterial dos povos subjugados. Para Quijano (2005), há três eixos da colonialidade: do poder; do saber e do ser. A colonialidade do poder referese à hierarquização racial dos povos entre inferiores e superiores, o que determina a distribuição e o controle do trabalho dos povos subalternizados mundialmente. A colonialidade do poder produz e reproduz dicotomias entre povos superiores e povos inferiores, no caso das mulheres do primeiro mundo (superiores) e das mulheres do terceiro mundo (inferiores). A colonialidade do saber implica na negação e na invalidação dos conhecimentos dos não-europeus. Esse eixo da colonialidade legítima uma razão que produz conhecimento hegemônico/ eurocêntrico e universal, por isso, válida. Como os povos subalternizados são tidos enquanto: primitivos, irracionais, iletrados e sem cultura, não são capazes de terem epistemologias válidas que produzam conhecimentos verdadeiros.


Essas manifestações da colonialidade se consolida na colonialidade do ser que denota a internalização da subalternidade do não-europeu, que passa a aceitar a imagem do colonizador como sua, ocultando a dominação colonial, o que Freire (2005) denomina da condição do oprimido enquanto hospedeiro do opressor. É o que tem ocorrido com o Feminismo Hegemônico do Sul ao utilizar-se unicamente das teorias do Feminismo Hegemônico do Norte, subalternizando as teorias produzidas desde o território da Abya Yala. “Assim, forja-se uma relação de, no máximo, imitação dos sujeitos inferiores em relação aos modos de ser dos sujeitos classificados como superiores” (Silva; Silva, 2014). Desse modo, o Feminismo Hegemônico do Norte e do Sul reforçam a colonialidade, visto que negam e/ ou silenciam “el racismo, la pobreza, la destitución, la deshumanización de la mujeres indígenas, afro y no blancas en general” (ESPINOSA-MIÑOSO, et al. 2013, p. 413). Desvelar o racismo, o etnocentrismo e o privilegio epistêmico do Feminismo Hegemônico do Norte e do Sul é tarefa fundante do Feminismo Latino-americano Descolonial, haja vista que as realidades, os anseios e as necessidades das mulheres Latino-americanas não são as mesmas das mulheres europeias e estadunidenses. Desta feita, as mulheres subjugadas pela colonialidade resistem à dominação colonial afirmando-se como sujeitas de direito e epistêmicas, que evidenciam o seu lugar enquanto lócus de enunciação epistemológica, política e cultural,

contrapondo-se aos laços de dominação impostos pelo invasor. As resistências à dominação colonial decorrem na constituição da diferença colonial, que busca fraturar a estrutura de dominação colonial e ao fraturá-la ganhar espaço para a valorização e a legitimação dos seus conhecimentos. Segundo Mignolo, la diferencia colonial crea condiciones para el desarrollo de situaciones dialógicas en las que una enunciación fracturada es representada desde la perspectiva subalterna como una respuesta al discurso y a la perspectiva hegemónica (2011, p. 9).

As feministas descoloniais têm realizado o revide epistêmico através de rupturas políticas e epistemológicas, na medida em que articulam raça, etnia, classe e sexualidade como categorias constitutivas da colonialidade. No caso do Feminismo Latino-americano Descolonial, la descolonización para nosotras se trata de una posición política que atraviesa el pensamiento y la acción individual y colectiva, nuestros imaginarios, nuestros cuerpos, nuestras sexualidades, nuestras formas de actuar y de ser en el mundo y que crea una especie de “cimarronaje” intelectual, de prácticas sociales y de la construcción de pensamiento propio de acuerdo a experiencias concretas (CURIEL, 2009, p. 3).

Assim, descolonizar-se é liberar-se das amarras imperiais que situam as mulheres latino-americanas racializadas como vítimas passivas a opressões e explorações, impostas

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pelo patriarcado colonial-moderno. Os reclamos do Feminismo Latino-americano Descolonial tem o intuito de resgatar as histórias de mulheres que historicamente foram excluídas, marginalizadas e silenciadas, pelo ideário eurocêntrico de sujeito universal, branco, heterossexual e cristão (PAREDES, 2010) e masculino (SILVA, 2014). Para tanto, o Feminismo Latinoamericano Descolonial questiona a geopolítica e a corpo-política do conhecimento (GROSFOGUEL, 2008). A geo-política do conhecimento refere-se às epistemologias hegemônicas da modernidade que são condizentes com os interesses geográficos e políticos do Norte Silva, (2014; 2015). O lugar geográfico não diz respeito, necessariamente, ao lugar de produção epistêmica, haja vista que é possível adotar epistemologias produzidas no Norte e pertencer ao Sul subalternizado. Silva (2014, 2015). A corpo-política do conhecimento diz respeito à epistemes hegemônicas do Norte constituídas por meio da superioridade de gênero, de raça, de classe e de sexualidade, visto que estabelece como sujeito produtor de epistemologias válidas o homem, branco, burguês, heterossexual e cristão. Neste ínterim, o Feminismo Latinoamericano Descolonial denuncia por meio do revide epistêmico, que a geopolítica do pensamento feminista latino-americano esteve historicamente sobre os domínios do Feminismo Hegemônico do Norte. Em relação a “ego-política do conhecimento”, esta permaneceu sobre os domínios de mulheres brancas, burguesas e heterossexuais. O

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revide epistêmico do Feminismo Latinoamericano Descolonial ocorre com a ruptura do lugar de produção de conhecimento e de quem dita o que é conhecimento válido.

CONSIDERAÇÕES INICIAIS Percebemos, através das primeiras aproximações entre o Feminismo Latinoamericano Descolonial e os Estudos Póscoloniais Latino-americanos, que ambas as teorias têm empreendido rupturas políticas e epistêmicas com o eurocentrismo. Deste modo, estas teorias assinalam para a necessidade de recuperar e valorizar os saberes ancestrais, isto é, descolonizar-se dos moldes eurocêntricos universais de sujeito, de saber, de cultura, entre outros. Nessa direção, o referido Feminismo busca pela descolonização dos corpos das mulheres. Para isto, concebe o patriarcado enquanto um sistema de dominação instaurado com o processo de colonialismo e colonização da Abya Yala, que sobrevive atualmente através de heranças patriarcais presentes em todas as instâncias da vida sejam elas relacionadas a relações sociais interpessoais, econômicas, políticas, educativas, dentre outras. Assim, entendemos que o Feminismo Latino-americano Descolonial é constituído por meio de processos de: a) confrontação, na medida em que questiona as categorias mulher universal e gênero, desvelando a colonialidade presente no Feminismo Hegemônico do Norte e do Sul; b) desconstrução, visto que as mulheres latino-americanas passam a desmontar as


teias que as oprimem e as colocam em uma posição de consumidoras da epistemologia do Feminismo Hegemônico do Norte e do Sul e; c) construção, uma vez que as mulheres latino-americanas racializadas passam a recuperar as experiências políticas e epistemológicas de suas ancestrais na construção de um Feminismo Descolonial desde a Abya Yala, (PAREDES, 2010). Em suma, ressaltamos, ainda, que ambas as teorias nos mostram correlações entre seus conceitos que nos ajudam a olhar para as mulheres latino-americanas racializadas não como vítimas, mas como protagonista de lutas por libertação do sistema de morte que é o patriarcado. Além disso, tais aproximações caminham para a compreensão de processos de descolonização que no caso do Feminismo Latino-americano acontece por meio da Despatriarcalização.

SARTORE, Anna Rita Doutora e mestra em Educação pela Universidade de São Paulo (USP). Psicanalista. Licenciada em Pedagogia e Ciências Físicas e Biológicas. Professora Adjunta da Universidade Federal de Pernambuco. SANTOS, Aline Renata dos Mestranda Pós-Graduação em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco.Licenciada em Pedagogia pela Universidade Federal de Pernambuco. Pertence ao Grupo de Estudos Pós-Coloniais Latino-Americanos, Teoria da Complexidade e Educação coordenado pelo Prof. Dr. Janssen Felipe da Silva PPGEdu/PPGEDUC-UFPE/ CAA. SILVA, Camila Graduanda em Pedagogia na Universidade Federal de Pernambuco. Pertence ao Grupo de Estudos Pós-Coloniais Latino-Americanos, Teoria da Complexidade e Educação coordenado pelo Prof. Dr. Janssen Felipe da Silva PPGEdu/PPGEDUC-UFPE/ CAA.

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¹Utilizamos o termo no plural por entendermos que, em diferentes tempos e espaços, foram construídos distintos movimentos feministas e, portanto, diferentes perspectivas de feminismo. ²Destacamos que Abya Yala é uma das nomeações atribuídas a América pelos povos Kuna, que “significa Terra Madura, Terra Viva ou Terra em florescimento e é sinônimo de América” (PORTOGONÇALVES, 2009, p. 25). ³Destacamos o uso dos termos “Norte e Sul” no intuito de evidenciarmos que o local geográfico não correspondem, necessariamente, ao lugar epistêmico, visto que feministas do Norte incluem as do Sul localizadas, geopoliticamente, no Norte (ESPINOSA MIÑOSO, 2009).

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Amanda Sobral


PROTAGONISMO JUVENIL, PEDAGOGIA SOCIAL E O PENSAMENTO PEDAGÓGICO FREIREANO: ALGUNS DESAFIOS E PERSPECTIVAS PARA A FORMAÇÃO DE EDUCADORES E EDUCADORAS SOCIAIS EM PROJETOS SOCIOEDUCATIVOS SILVA, Alexandre Magno Tavares da Resumo Este artigo discute algumas experiências e reflexões a partir do trabalho dos educadores e educadoras sociais que estão ativos em projetos sócio-educativos para cuidar de crianças, adolescentes e jovens em condições de pobreza no Nordeste brasileiro. Com base nas considerações de Paulo Freire, vamos nos concentrar no Protagonismo Juvenil como categoria e prática social e educacional para discutir a posição deste conceito no processo de aprendizagem e de trabalho dos educadores e educadoras sociais que atuam em áreas não-escolares. Esta discussão aponta para a necessidade de concentrar uma série de experiências sociais e educativas e de abordar seu desdobramento nos países do Terceiro Mundo e seu impacto social, que - embora ricas em significado e potencial- correm o risco de permanecer despercebidas por parte da atenção acadêmica que não se dá conta dessas áreas como espaços de conhecimento e desenvolvimento de competências. Se o protagonismo juvenil vem alterando os fundamentos teóricos e metodológicos da formação dos educadores sociais, e do trabalho social, certamente afetará e influenciará na ação pedagógica (teórico e metodologica) dos educadores e educadoras sociais. Isto deverá permitir uma experiência intercultural que pode vir a contribuir para criar uma sociedade justa e solidária. Protagonismo Juvenil. Pedagogia Social. Meninos de Ruas. Paulo Freire Dieser Artikel erörtert einige Erfahrungen und Reflexionen aus der Arbeit von Erzieher(inne), die in sozialgemeinschaftlichen Projekten zur Betreuung von Kindern und Jugendlichen in Armutsverhältnissen in der nordostbrasilianischen Region des agreste pernambucano tätig sind. Ausgehend von den Überlegungen Paulo Freires werden wir uns auf den, Kinder- und Jugendprotagonismus‛ als sozialerzieherische Kategorie und Praxis konzentrieren, um Stellung dieses Konzepts im Lern- und Arbeitsprozess von Sozialerzieher(inne)n sowie freiwilligen Sozialarbe95


itern in nicht-schulischen Bereichen zu erörtern. Diese Diskussion deutet hin auf die Notwendigkeit, eine Reihe von sozialerzieherischen Erfahrungen zu fokussieren und zu thematisieren, die sich im sozialen Alltag in Ländern der ‚Dritten Welt‛ entfalten und die – obgleich reich an Bedeutung und Potenzial (für die Konfrontation mit einer lebensnegierenden Wirklichkeit) – Gefahr laufen, unbeachtet zu bleiben vonseiten der akademischen Aufmerksamkeit, die diese Bereiche nicht als Räume der Wissens- und Kompetenzentwicklung wahrnimmt. Wenn der Kinder- und Jugendprotagonismus die theoretisch-methodologischen Fundamente sozialerzieherischer Ausbildung und Arbeit verändert, so beeinflusst dieser Rahmen auch in bedeutsamer Weise die Theorie und Praxis solcher freiwilligen Sozialarbeit, die ermöglichen soll, dass diese interkulturelle Erfahrung dazu beiträgt, eine gerechte und solidarische Gesellschaft zu schaffen. Schlüsselwörter: Jugendprotagonismus. Sozialpädagogik. Strassenkinder. Paulo Freire.

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INTRODUÇÃO Nos últimos anos, temos percebido um aumento significativo no envolvimento de adolescentes, jovens e adultos dos espaços populares que, inquietos diante das situações de pobreza, marginalização e exclusão social, bem como com uma curiosidade pelo mundo que os rodeia, vão tecendo possibilidades para melhor compreender e intervir neste quadro. Diversos autores tem chamado a atenção para este quadro. Esse exercício, que envolve um dar-se conta da realidade, é mediado por uma série de objetos e por um “mundão” de coisas que estão por dentro e por trás desses objetos. Vale resgatar, na literatura brasileira uma passagem do texto de Ubaldo Ribeiro no Livro Viva o povo Brasileiro. Tinha gente que pescava o peixe,

gente que plantava a verdura, gente que fiava o pano, gente que trabalhava a madeira, gente que fazia o pão, gente que tecia a rede, gente de toda espécie, e tudo requeria grande conhecimento e muitas coisas por dentro e por trás desse conhecimento – talvez fosse isto a vida, como ensinava a Vó Leléu, quanta coisa existia na vida! Que beleza era a vida cada objeto um mundão com tantas coisas ligadas a ele e até um pedaço de pano teve alguém para prestar atenção só nele um dia, até tecê-lo e acabá-lo e cortá-lo, alguém que tinha conhecimento tão grande como esses pescadores e navegadores, mas já se viu coisa mais bonita neste mundo do nosso Deus. (RIBEIRO, 1984, p.318)

Esta literatura resgata o espanto de uma personagem, Maria da Fé, que dese-

java ser professora, mas ao contemplar o cotidiano da sua comunidade de pescadores e pescadoras, e passando a perceber a complexidade que envolvia a atividade, decidiu ser, primeiro, pescadora, para depois construir-se professora.

O FAZER COMO APRENDER Em muitos espaços sociais podem ser identificados o Fazer como Aprender no processo participativo de educadores, educadoras, educandos e educandas. Nesse sentido, gostaríamos de destacar, enquanto espaços sociais, os chamados Projetos Socioeducativos com crianças, adolescentes e jovens em situação de rua e vulnerabilidade social em periferias urbanas. Estes projetos continuam sendo espaços de pesquisas e programas extensionistas de universidades. O escolher da nossa trajetória em antropologia, na UFPE, em 1982, o mestrado em Educação Popular em 1992, o Doutorado em Pedagogia Social em 1996, foram movidos pelo desejo de melhor compreender a experiência social que tecia junto com companheiros e companheiras, desde 1979, na Pastoral de Juventude do Meio Popular na arquidiocese de Olinda e Recife, até o Centro de Educação Popular Comunidade Viva em 2015. Se por um lado a produção de conhecimentos no espaço acadêmico está carregada de possibilidades teóricas de interpretação e análise da estrutura social, com referenciais psicológicos, filosóficos, econômicos, sociológicos, antropológicos etc., por outro se torna necessário que o espaço acadêmico conheça de que forma está ocorrendo o processo de dar-se conta da realidade social, da

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produção de saberes nas práticas cotidianas, nas experiências sociais protagonizadas pelos próprios educadores, educadoras, educandos e educandas dos Projetos Socioeducativos. Pesquisas nesses espaços sociais tornam-se necessárias precisamente para possibilitar um reconhecimento e visualização do papel desses atores sociais, que, atuando em espaços não escolares enquanto sujeitos históricos, produtores de saberes e conhecimentos, vão apontando outras formas de sentir, pensar e agir em torno da pedagogia. Projetos Socioeducativos com crianças, adolescentes e jovens em situação de rua e vulnerabilidade social são repletos de atividades empapadas com fazeres pedagógicos que, atualmente, estão colaborando na própria reconfiguração da educação básica. Esses fazeres pedagógicos partem da necessidade de compreender o lugar que cada objeto ocupa no processo socioeducativo. Em nosso trabalho de doutorado, concluído em outubro de 2000 tivemos a oportunidade de discutir alguns desses elementos dos quais, destacamos: O trabalho socioeducativo como resultado da luta de mulheres pescadoras por melhores condições de vida de crianças e adolescentes (projeto socioeducativos na cidade de Recife); O trabalho socioeducativo como uma proposta de educação profissional alter(n)ativa para jovens da área rural (projeto socioeducativo na cidade de Limoeiro); O trabalho socioeducativo como prática de uma educação popular junto a

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meninos e meninas de rua (projeto na cidade de Caruaru); O trabalho socioeducativo como proposta de organização de meninos trabalhadores (projeto socioeducativo na cidade de Salgueiro); O trabalho socioeducativo como ensaio de rediscutir o trabalho artesanal frente às novas exigências da organização do trabalho via caridade assistencial (projeto socioeducativo na cidade de Gravatá). Os cinco aspectos acima, discutidos no trabalho de pesquisa, apontam para a necessidade de estudarmos os processos educativos construídos nesses espaços, levando em conta a ótica de criação dos próprios educadores, educadoras, educandos e educandas. Nesse sentido, uma das experiências significativas foi o trabalho de formação de educadores sociais desenvolvido pelo coletivo, MACA. O coletivo Movimento de Meninos e Meninas de rua foi estruturado em finais dos anos 80 e permaneceu até o ano de 2006, pelos educadores e educadoras sociais que participavam de projetos socioeducativos no Estado de Pernambuco¹. A formação de educadores e educadoras nos projetos socioeducativos, na época, chamados de Projetos Alternativos de Atendimento a Crianças e Adolescentes marginalizados, nasceu da preocupação de coordenadores e educadores sociais, desses projetos, em discutir e apresentar melhores condições de realizar o trabalho socioeducativo com uma visão mais clara e concreta dos seus objetivos, conteúdos, metodologias e que apontasse, sobretudo, para uma trans-


formação da realidade de vida das crianças, adolescentes e jovens em situação de rua e vulnerabilidade pessoal e social. A reflexão desses objetivos, conteúdos e metodologias e resultados no trabalho educativo na vida dos educadores, educadoras, educandos e educandas dá-se em uma realidade concreta: nas atividades desenvolvidas nas quais esses sujeitos históricos estavam, na época, em constante relação. Nesse sentido, entre as atividades pensadas nos encontros formativos, tínhamos: Atendimento a saúde Alimentação Recreação e esporte Artes, musicalidade, dança e teatro, Alfabetização Evangelização Escolarização Acompanhamento e reforço escolar Atendimento as famílias Atividades artesanais Iniciação a profissionalização Grupos de produção e comercial ização Atividades agrícolas Encaminhamento para o mundo do trabalho. Os fundamentos teórico-metodológicos utilizados diziam respeito ao nosso desejo de realizar uma leitura do mundo nas atividades acima; por isso os três caminhos inspirados no pensamento pedagógico de Paulo Freire eram. A PARTIR DA PRÁTICA CONCRETA perguntando e problematizando a prática,

supondo a identificação de fatos e situações significativas da realidade imediata; TEORIZAR SOBRE A PRÁTICA, ir além das aparências imediatas, desvelar, refletir, discutir, estudar criticamente, buscando conhecer melhor o tema problematizado. Explicar é descobrir as causas e as leis das relações entre fatos. A teoria sintetiza, relaciona os fatos num todo único. VOLTAR À PRÁTICA PARA TRANSFORMÁ-LA, com referências teóricas mais elaboradas e agir de modo mais competente, novas perguntas requerem novos processos de teorização, abrindo-nos ao movimento espiralado da contínua busca do conhecimento. Estávamos nos primeiros passos do que chamamos Sistematizações de Experiências em Educação Popular. Quando tomamos a Educação Popular como Projeto teórico-metodológico a fim de pensar a prática, desejamos nos apoiar em alguns elementos constitutivos dela que nos possibilita concebê-la, segundo Carrilo, 2007, como: Uma lectura crítica Del orden social vigente y um cuestionamiento AL papel integrador que há jugado allí la educación formal; 2) Uma intencionalidad política emancipadora frente AL ordem social imperante; 3) Um propósito de contribuir al fortalecimiento de los sectores dominados como sujeito histórico, capaz de protagonizar El cambio social; 4) Uma convicción que desde lá educación ES posible contribuir al logro de esa intencioanlidad, actuando sobre La subjetividad popular; 5) Um afán por generar y emprear metodologías edu-

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cativas dialógicas, participativas y activas. (CARRILO, 2007, p.14).

As temáticas discutidas eram inspiradas no cotidiano do trabalho socioeducativo. Pelo significado dessas experiências e, sobretudo, pela participação política proporcionada, várias experiências educativas de projetos socioeducativos no Brasil se tornaram referências no que diz respeito à reconfiguração das políticas públicas de atendimento a crianças, adolescentes e jovens, bem como na educação básica. Destacamos a situação atual do Programa de Estímulo à Criatividade na Educação Básica, cujo objetivo é o de criar as bases para uma política pública de fomento a inovação e criatividade na Educação Básica². As organizações não escolares que atuam com a infância e a adolescência, por vezes, têm tido mais espaço para a inovação, adotando princípios organizacionais que estimulam a autonomia, flexibilidade, participação, integração com a comunidade e o uso inteligente das novas tecnologias. No entanto, por serem identificadas como instituições de assistência social ou de lazer; não como instituições educativas têm pouca influência sobre as redes de ensino, as escolas e a formulação de políticas públicas na área³.

Um dos aspectos significativos desta jornada está na reconfiguração do papel exercido pelas crianças, adolescentes e jovens nos projetos socioeducativos. A possibilidade de tomá-los enquanto sujeitos ativos e protagonistas vêm ganhando força ao falarmos sobre processos educativos emancipatórios. Nesse sentido, nosso texto tem o objetivo de apresentar algumas 100 Revista Interritórios, edição 1/2015

reflexões em torno da pedagogia social no contexto do protagonismo juvenil dentro dos projetos socioeducativos com crianças, adolescentes e jovens em situação de rua e vulnerabilidade social, bem como refletir a contribuição do pensamento pedagógico freireano. Para tanto abordaremos três aspectos que nos ajudam a definir a Pedagogia Social como categoria de estudo: Adolescentes e jovens enquanto protagonistas no espaço social; Dando-se conta da rua enquanto espaço de atuação; Paulo Freire e os educadores sociais: possibilidades de uma proposta alter(n)ativa no mirar a criança e o adolescente enquanto protagonistas na ação socioeducativa.

CRIANÇAS, ADOLESCENTES E JOVENS ENQUANTO PROTAGONISTAS NO ESPAÇO SOCIAL De sua formosura Deixai-me que diga: É belo como coqueiro que vence a areia marinha. Belo como o avelós contra o Agreste de cinza. Belo como a palmatória na caatinga sem saliva. É tão belo como um sim numa sala negativa. Belo porque é uma porta abrindo-se em mais saídas. Belo porque tem o novo a surpresa e a alegria.


Belo como a coisa nova na prateleira até então vazia. Como qualquer coisa nova inaugurando o seu dia, Ou como o caderno novo quando a gente o principia. É belo com o novo todo velho contagia. Belo porque corrompe com sangue novo a anemia. Infecciona a miséria com a vida nova e sadia. Com oásis, o deserto, com ventos, a calmaria. João Cabral de Melo Neto4 Embora se perceba a importância das crianças, adolescentes e jovens enquanto personagens ativos dentro da estrutura social, estes ainda não foram plenamente reconhecidos nesse papel, sendo excluídos das formas ativas de participação social e política.

har sociocêntrico e criminalizante por parte da sociedade.

Naquele momento, uma versão marginalizadora e preconceituosa das crianças das classes populares agudizava-se e tornava-se hegemônica, não só no cenário nacional, mas em todos os países do então chamado Terceiro Mundo, de tal modo que a infância pobre e fracasso na escola pública apareciam como elementos de um inseparável e quase insuperável problema social. (KRAMER; LEITE, 2001, p. 15).

Por outro lado, há também a falta de pesquisas em torno da produção de saberes e competências desses adolescentes e jovens em suas experiências de vida no cotidiano social, no mundo da escola, da comunidade, da família, do trabalho, etc. (cf. SILVA 2001, p.12-13). Entretanto vão se tecendo novas formas de olhar, interpretar e agir e, cujo resultado, está, cada vez mais, fazendo parte das iniciativas de formação dos educadores e educadoras sociais.

el concepto de niño es un concepto culturalmente construido y por ello mismo no es universalizable en su formación ni homogeneizable; no puede por ello ser dogmático pues es por naturaleza evolutivo y sobre-determinado por los procesos socio-culturales y económico-políticos. [...] Tenemos que reconocer que las culturas dominantes nos imponen una ideología del niño que es funcional a los proyectos sociales, económicos y políticos de la dominación. (SCHIBOTTO 1990, p. 363s).

A conquista do Estatuto da Criança e do Adolescente, ECA, Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, garantiu os direitos das crianças e adolescentes no Brasil e contribuiu, significativamente, nesses vinte e cinco anos para a reconstrução da imagem em torno das crianças, adolescentes e jovens, passando estes a serem vistos não como meros Objetos (passivos) da assistência social e educativa, mas sim como a Sujeitos Sociais (ativos) nas ações socioeducativas.

Uma das causas para esta postura decorre da imagem construída sobre a infância e a juventude ao longo da história que, muitas vezes, está enraizada em um ol-

Apesar do penoso caminho nas conquistas das políticas públicas, temos hoje um conjunto de medidas, marcos legais, planos nacionais que vem colaborando, sig-

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nificativamente, tanto no enfrentamento das situações de marginalização, criminalização e exclusão social, quanto no revisitar alguns paradigmas e conceitos no campo sócio-político-pedagógico, para dar conta desta nova realidade. Entre os marcos legais, temos: Plano Nacional de Educação – 20142024 (Lei nº 13.005, de 25 de Junho de 2014); Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária / Lei nº 12.010, de 03 de agosto de 2009 (Lei do Direito à Convivência Familiar); Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo / Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012 (Lei que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo e regulamenta a execução das medidas socioeducativas destinadas a adolescente que pratique ato infracional); Plano Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil e Proteção do Adolescente Trabalhador; Plano Nacional de Enfrentamento da Violência Sexual Infanto-Juvenil; Linha de Cuidado para a Atenção Integral à Saúde de Crianças, Adolescentes e suas Famílias em Situação de Violência; Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas; Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte; Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais;

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Outras leis e planos nacionais relacionados à proteção e promoção dos direitos das crianças e adolescentes. Esta mudança de olhar sobre as crianças, adolescentes e jovens e os novos marcos legais, encontram nas categorias Protagonismo e na Pedagogia Social elementos favoráveis para o entendimento e a efetivação, não apenas dos direitos fundamentais das crianças, adolescentes e jovens, como resumido no artigo 4º do Documento, mas para dar-se conta do protagonismo implícito no cotidiano das lutas populares em suas diversas formas de manifestação. Nesse sentido, o resgate, o entendimento, a tematização em torno da criança, do adolescente e do jovem, enquanto sujeito histórico e social, passa, necessariamente, pelo conhecimento e discussão em torno da presença desse protagonismo também nas lutas populares. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral, e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. (BRASIL. ECA, 1990).

As experiênias nas quais estão inseridos estão recheadas de representações; é preciso ouví-las, possibilitar-lhes a palavra. Deixá-los falar do jeito que vivem e/ou sobrevivem, contar suas histórias, dizer como vêem o mundo, como percebem a realidade, seja na zona rural seja na urbana, apontarem as situações de exploração e como estão construindo estratégias de enfrentamento,


nesse sentido, o exercício do ouvir é fundamental por parte do educador e da educadora.

O ato de ouvir, na perspectiva freireana, refere-se à virtude de saber escutar. Tal virtude é indispensável ao educador que se assumir progressista, exigindo deste o exercício de aprender a ouvir de tal forma que, não se vendo arrogante acima daquele com quem fala, escuta pacientemente e criticamente o discurso do outro. (FISCHER; LUSAD in STRECK et al, 2008, p. 301).

Eles e elas têm seus anseios, esperanças e projetos; e abrem pequenas “brechas” dentro do sistema socio-político-econômico, criando elementos para que possam permanecer dentro da vida. Entre esses elementos está a inserção nos movimentos sociais populares, nos quais pouco a pouco vão se criando formas de identificar seus saberes e expressões de competências, numa forma de protagonismo. Ao falar sobre esta inserção do adolescente e do jovem, enquanto Sujeitos Sociais, CUSSIANOVICH (1999) aponta o protagonismo como importante categoria na história sócio-cultural da criança e destaca seus cinco elementos importantes: Protagonismo como um Direito Humano; Protagonismo como expressão de solidariedade; Protagonismo é independente de idade; Protagonismo enquanto conceito e eixo prático da participação; Protagonismo enquanto exercício de organização.

Aqui, quer se entender o protagonismo das crianças, adolescentes e jovens como expressão de suas críticas sobre estrutura social, criando formas e soluções para seus problemas.

Entre los factores que han permitido la emergencia de ciertas expresiones de protagonismo de los niños y adolescentes trabajadores en América Latina podemos señalar: - La irrupción de las organizaciones populares como actores sociales; el protagonismo de la mujer popular organizada en la vida cotidiána de las poblaciones; los movimientos sociales en favor de la infancia en los últimos 15 años y su impacto en la defensa de los derechos del niño; las germinales experiencias de organización de los niños trabajadores de la década de 70 como el Manthoc en Perú, etc. y el esfuerzo por acompañar estas experiencias con una reflexión teórica. (MNNATSOP 1997, p. 90).

Dentro do processo da luta pela sobrevivência, adolescentes e jovens, sobretudo em países da América Latina, vão elaborando e expressando diferentes formas de verem a si mesmos e o mundo que os cerca. Neste processo, o debate latino-americano sobre o protagonismo infanto-juvenil vem ganhando gradativamente seu espaço e possui seus primeiros momentos concretos nos fins dos anos 70. Como exemplo, podemos citar o Movimiento de Niños Trabajadores Hijos de Obreros Cristianos MANTHOC, do Peru, que nasceu dentro do movimento da juventude trabalhadora em 1976. Este protagonismo possui suas raízes, sobretudo, no protagonismo das classes populares organizadas na América Latina e está ligado, como aludimos acima, às novas

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correntes pedagógicas que se concretizam: na Pedagogia da Libertação; no surgimento dos movimentos sociais; na Teologia da Libertação; na organização de adolescentes e jovens trabalhadores. Dentro desta perspectiva, surge um novo olhar em torno da infancia, adolescencia e juventude, de perceber que, por exemplo, a luta por uma Pedagogia dos Direitos Humanos não é monopólio dos adultos; que crianças, adolescentes e jovens estão, a cada dia, construindo a necessidade de refletirem sobre suas experiências de vida. Antes, uma das grandes motivações eram as condições de trabalho e, hoje, outros focos foram descobertos, como é o caso da luta pela produção cultural, políticas públicas e sociais, lazer, moradia, etc. [...] hablar de protagonismo in-

fantil, de organización de los niños trabajadores, de los niños como sujeto y movimiento social significa romper con los esquemas dominantes, con prenociones y prejuicios fuertemente enraizados. Significa poner de cabeza la relación entre adulto y niño, proyectar un modelo de niñez totalmente diferente, en fin cuestionar radicalmente „la exaltación de la infancia como período de protección y preparación a la vida“ exaltación que „permite privatizar al niño, confinarlo al ámbito de la familia, de la pequeña vecindad; permite oír su tono de voz para no escuchar el mensaje de su palabra“ (CUSSIÁNOVICH )5.

Nesse sentido, podemos abaixo destacar algumas características desse protag104 Revista Interritórios, edição 1/2015

onismo. Participação em ações que dizem respeito a problemas relativos ao bem comum, na escola (grêmios estudantis, conteúdos escolares cada vez mais relacionados à experiência de vida dos adolescentes e jovens), na comunidade ou na sociedade mais ampla – como exemplo, podemos citar a iniciativa de uma professora de História em uma escola pública da cidade de Caruaru que estimulou seus alunos a escreverem a história do bairro no qual a escola está localizada. Nesta ação os alunos passaram a conhecer melhor as necessidades, avanços e as histórias dos personagens do bairro; Participação na organização e planejamento das atividades, no que envolve o conhecimento relacionado, da execução, dos resultados, e como exemplo, pode-se citar a participação de educandos e educandas na elaboração dos programas de atividades socioeducativas (oficinas de arte, música, artesanato, horticultura, etc.); Passagem da mensagem da cidadania criando acontecimentos em que a criança e os adolescentes ocupam uma posição de centralidade nas quais os(as) adolescentes e jovens partilharam os diversos olhares em torno dos bairros em suas histórias, necessidades e possibilidades de enfrentamento da falta de condições de vida (carta ao prefeito, elaboração de um informativo sobre cidadania, etc.); Formar superior de educação para a cidadania não por palavras, mas pelo


curso dos acontecimentos – p. ex. através da participação de educandos e educandas em seminários e fóruns municipais de defesa dos direitos da criança e do adolescente, participação nas manifestações públicas como GRITOS DOS EXCLUÍDOS, MARCHAS CONTRA A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL, etc.; Protagonismo concebe o adolescente e o jovem como fonte de iniciativa, que é ação; como fonte de liberdade, que é opção; e como fonte de compromissos, que é responsabilidade, por exemplo, na participação de assembléias avaliativas nos projetos sócio-educativos, na montagem de informativos, jornais, encontros de formação exclusivos para os adolescentes e jovens, etc.; É um tipo de intervenção no contexto social para responder problemas reais em que a criança e o adolescente são atores principais. Os aspectos, citados acima, surgiram do diálogo entre educadores e educadoras sociais, educandos e educandas nos vários momentos de partilha de saberes, dentro dos espaços escolares e não escolares. Entre esses momentos podemos citar os Encontros Nacionais do Movimento de Meninos e Meninas de Rua, dos Seminários da Pastoral do Menor da CNBB, dos cursos de formação de educadores sociais, dos encontros de formação para meninos e meninas em projetos comunitários etc.

DANDO-SE CONTA DA RUA ENQUANTO ESPAÇO DE

ATUAÇÃO Ao refletir em torno da leitura do protagonismo infanto-juvenil, enquanto expressão de uma Pedagogia Social, e elemento na formação dos educadores e educadoras sociais, partimos de uma das ideias do pensador Paulo Freire em torno do dar-se conta da criança, do adolescente e dos jovens como sujeitos sociais e culturais. Nesse processo de dar-se conta, podemos destacar alguns cenários, cujos elementos e acontecimentos presentes, favorecem a discussão e análise dos adolescentes e jovens, em condições de pobreza, como sujeitos sociais e protagonistas. Estes cenários são de importância fundamental no processo do dar-se conta do educador e da educadora social e do voluntário em torno da experiência do protagonismo. Podemos destacar alguns cenários importantes desta trama: Nas condições de vida; Na experiência de vida junto aos educadores dentro dos Movimentos Sociais Populares; Em suas condições de vida Não se pode discutir sobre protagonismo infanto-juvenil no que se refere ao seu dar-se conta, sem uma atenção ao processo sócio histórico da sociedade globalizada e capitalista, sobretudo o desenrolar dos acontecimentos na sociedade brasileira. Diferentemente do caso europeu, a expansão capitalista brasileira, no século

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XIX não incorporou suficientemente os grupos proletários adultos disponíveis nas cidades, nem os liberados pelos setores produtivos estagnados, como na agricultura. Ao contrário, desarticulou a produção rural e a pequena indústria familiar, desestabilizando a vida das populações ligadas a essas atividades e incrementando a migração interna, em busca de oportunidades que a cidade não tinha condição de oferecer satisfatoriamente. (SILVA, 2001 p.14).

A participação coercitiva, sobretudo dos adolescentes e jovens brasileiros no mundo do trabalho, teria que extravasar das fábricas para os espaços públicos, transformando-se, com isso, os filhos dos trabalhadores em “meninos e meninas NA, e DE, rua. O conceito de Meninos e Meninas de Rua é um dos mais ambíguos e de difícil manejo analítico-operativo, pois abarca um conjunto de situações muito diferenciadas, segundo Schibotto, 1990. Atualmente eles estão nas ruas e praças das grandes e pequenas cidades, tanto no campo como no espaço urbano, junto ao outros andarilhos e andarilhas. Na andarilhagem6 pelas ruas, vão fazendo de tudo: produzem pequenos objetos, catam material reciclado (papel, vidros, latas etc.), vendem bombons, flores, santinhos e bugigangas; engraxam sapatos, lavam e tomam conta de automóveis em estacionamentos etc. Elas e eles se viram. Jogam futebol, brincam de esconder. Dormem na calçada, fogem da polícia. Estão nas ruas. O Contexto da Situação de Rua de crianças, adolescentes, jovens

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Segundo os estudos atuais em torno dos que andarilham nas ruas, o estar nesse espaço não é um movimento atual na sociedade. Percorrer distância, migrar, perambular, não possuir residência fixa é uma dinâmica social relatada desde a Grécia antiga. Podemos destacar a figura do filósofo mendigo Diógenes de Sínope, que viveu entre os anos de 404-323 a.C., muito embora ele não possa ser tomado como referência da situação de rua que se vive hoje. Atualmente, a situação de exploração capitalista do trabalho, as desapropriações de terras, a concentração de renda são fatores intrínsecos ao aumento da pobreza e da situação de rua. No entanto, a história de Diógenes convida à reflexão acerca do incômodo que ele trazia na sociedade grega e de suas questões existenciais: ao questionar as instituições sociais e os preceitos do cidadão da polis, Diógenes pode tornar-se um símbolo que nos remete ao incômodo da situação de rua contemporânea. Diógenes encarna a antítese de nossa organização social, colocando-nos questões para reflexão acerca de nosso atual período. (BRASIL, SDH, 2013, p.08).

Nas ruas, muitas vezes, dormem, trabalham, amam, roubam, comem, andam sem rumo, brincam, apanham, vivem e morrem. A rua aparece como um espaço, em que, muitas vezes, é possível retirar aquilo que lhes foi tirado e negado pela estrutura social. São estas cenas que podem ser vistas ao se caminhar pelas ruas, tanto dos grandes centros urbanos como no espaço do campo, dando, assim, o sinal de que a presença de


adolescentes e jovens em situação de rua não é mais um fenômeno característico dos grandes centros urbanos.

Maria Carolina de Jesus. Com sua principal obra “Quarto de Despejo” ela realiza uma leitura do cotidiano.

Entretanto, pensa-se, muitas vezes, que estar na rua é estar fora da casa, portanto sem laços familiares; é estar fora do mercado de trabalho. Nesse sentido, a rua sempre é pensada como um ‘estar fora’. Esta mesma lógica, representa as crianças, adolescentes e jovens.

7 de junho de 1958 Nós somos pobres, viemos para as margens do rio. As margens do rio são os lugares do lixo e dos marginais. Gente da favela é considerada marginal. Não mais se vê os corvos voando as margens do rio, perto dos lixos. Os homens desempregados substituíram os corvos (...). Escrevo a miséria e a vida infausta dos favelados. Eu era revoltada, não acreditava em ninguém. Odiava os políticos e os patrões, porque o meu sonho era escrever e o pobre não pode ter ideal nobre. Eu sabia que ia angariar inimigos, porque ninguém está habituado a esse tipo de literatura. Seja o que Deus quiser, Eu escrevi a realidade.(JESUS,1993, p.37).

Embora a experiência nas ruas possua uma marca de extrema marginalização, os que transitam por ela não podem ser tomados enquanto ‘fora’ da realidade. Estar na rua não significa, de modo algum, a não existência de outros referenciais, sobretudo de família, de casa, de escola, da comunidade. Muito pelo contrário, pode significar, de início e no processo de aprendizagem que nela se desenrola, a busca de alternativas à precariedade desses espaços.

A partir desses aspectos, defendemos que educadores e educadoras sociais precisam estar atentos em aguçar a sensibilidade e intimidade junto aos saberes que são produzidos pelos diversos atores sociais e que são a base para a construção de uma proposta socioeducativa que venha a transformar a vida dessas crianças, adolescentes e jovens em situação de rua e vulnerabilidade pessoal e social.

São chamados de: “pivetes”, moleques, trombadinhas; cheira cola, menores de rua, marginal, malandro, meninos e meninas de rua, pibes, riesgo cien, gurises, chiquilines, callejeros, petisos, piranhas, pajeros fruteros, polilas, guambras, gamines, chinos, pelaos, chiquillos, cipotes, quinchos, güirros, bichos, patojos, chavos, pelones, palomos, etc (LIEBEL, 1994, p. 14).

Defendemos ser vital para esse olhar o ter contato com as criações dos que andarilham nas ruas. No ano de 2014 ocorreram as comemorações pela passagem dos cem anos de nascimento uma personagem que em muito contribuiu para uma leitura do que está por dentro, e por trás, das ruas e das periferias urbanas; estamos falando de

PAULO FREIRE E OS EDUCADORES SOCIAIS: possibilidades de uma proposta alter(n)ativa no mirar a criança e o adolescente enquanto protagonistas na ação socioeducativa

Protagonismo Juvenil, Pedagogia Social e o Pensamento Pedagógico Freireano: alguns desafios e perspectivas para aformação de educadores e educadoras sociais em projetos socioeducativos

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No início dos anos 80, eram poucas as oportunidades ou reflexões que pudessem ajudar os educadores e educadoras sociais a refletirem suas práticas e construirem uma proposta educativa centrada na necessidade dos educandos e educandas. Foi entao que, em meados de 1983, Paulo Freire passou a se encontrar com Educadores e Educadoras Sociais que atuavam no atendimento a crianças, adolescentes e jovens em situação de pobreza no Brasil. O momento era o de refletir e construir com os educadores e educadoras (que tanto influenciaram as propostas alternativas de atendimento à criança e ao adolescente), novas possibilidades de enfrentamento da situação de marginalização na qual as crianças, adolescentes e jovens se encontravam. Naquela ocasião, ele chamava atenção para a construção de uma nova postura educativa dos educadores e educadoras sociais no trabalho junto às crianças, adolescentes e jovens que, pouco a pouco, se descobriam enquanto sujeitos sociais e protagonistas na ação sócio-educativa. A partir daquele momento, educadores e educadoras sociais embarcavam num processo de elaboração/criação constante de suas vidas, de suas práticas; vendo e revendo, fazendo e refazendo princípios educativos voltados a um atendimento não paternalista, mas e, sobretudo, libertador. Esse processo procura tomar como ponto de partida o Pensar a Prática do cotidiano tanto nas situações de Rua, como dentro dos Projetos Sócio-Educativos. Nesta convivência, educadores e educadoras iam construindo condições para efetivar situações grupais

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autênticas em que se pudessem captar as expectativas, histórias de vida, valores etc., através da real participação da Meninada. Como ilustração, têm-se os seminários organizados em várias regiões do Brasil por educadores e coordenadores de projetos sócio comunitários. Surgia também o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, a Pastoral do Menor, e aqui no agreste pernambucano o MACA, Movimento de Apoio às Crianças e Adolescentes, cuja atividade principal era a de realizar um intercâmbio entre educadores e educadoras, no qual as experiências cotidianas do atendimento eram pensadas com o apoio de leituras, no campo da educação em particular. Educadores partilhavam e aprofundavam as experiências no campo da educação artística, da escolarização, da horticultura e criação de pequenos animais, da orientação e iniciação profissional, etc. Os encontros ocorriam dentro dos projetos sócio comunitários o que dava oportunidade aos educadores em pensar em uma prática, concretamente, vivenciada. Passados trinta e um anos, a participação ativa das crianças, adolescentes e jovens no processo educativo vêm se tornando um elemento presente e que vem colaborando, levantando novos olhares em torno da formação do educador e daseducadora social, no sentido de perceberem a necessidade de se identificarem com as necessidades dos adolescentes e jovens, sem perder sua individualidade, buscarem com eles e elas as propostas para suas inquietações do‚ existir no mundo, fazendo a história com as crianças, os adolescentes e os jovens. Necessário se torna ao educador e a


educadora perceberem que a Rua não é só medo e também não é só brincadeira. A criança, adolescente e o jovem, efetivamente, têm de se ‘virar, aprender a se ‘safar e a se ‘sustentar. Conquistar o ponto de venda, travar relações amigáveis ou não, com outras crianças (e mesmo com adultos) que com ela disputam o espaço; se inserir, ou não, em atividades ilícitas, lidar com a pressão dos órgãos repressivos, lidar com a identidade marginal criada que ela sente no olhar das pessoas. Por outro lado na sociedade capitalista industrial, a rua deixa de ser um lugar comum, espaço geral de sociabilidade para se restringir a um espaço monofuncional, destinado à circulação. O espaço de socialização livre da rua é substituído pelo das instituições, sobretudo, da escola. Procurando dar-se conta da cotidianidade de vida nas ruas Para enfrentar este espaço resta, sobretudo, às crianças, adolescentes e jovens, desenvolverem estratégias de sobrevivência. Como destacou Paulo Freire em sua conversa com os educadores e educadoras sociais,

Quem vive sob o ataque generalizado, metido num terreno como esse, ou inventa manhas de defesa, entre elas a da “insensibilidade”, ou não sobrevive. Para sobreviver tem que robustecer a pele, a mente, a emocionalidade. É preciso, então entender o jogo de manhas fundamentais, que são as expressões das resistências, que as crianças têm que criar para poderem sobreviver enquanto presenças no mundo. (FREIRE 1985, p. 20).

É preciso, sobretudo, entender a

cotidianidade da rua, a cotidianidade do perambular dessas crianças, adolescentes e jovens. Os autores alemães Manfred Liebel e Uwe von Dücker, acadêmicos militantes na causa da criança e do adolescente e da pedagogia social, sobretudo em países da América Central e Latina, apontam significativas contribuições para analisar e discutir a rua enquanto espaço que possibilita a geração de propostas educativas que tomam as crianças, adolescentes e jovens como atores sociais. No caso de Uwe von Dücker (1996), ele destaca que o importante é que as crianças, adolescentes e jovens se tornem totais participantes na construção de sua nova vida. Se queremos tirá-los das ruas, é preciso que elas participem ativamente no desenrolar desse processo. Enquanto as condições socioeconômicas da sociedade não mudarem essencialmente, a construção de uma proposta de trabalho social precisa ter como ponto de partida a vida real, das condições dadas, dos saberes instituídos pelo grupo, e a proposta pode ser orientada nas seguintes teses: a) A criança, o adolescente e o jovem devem aprender a sobreviver de forma humana no espaço da rua; b) O adulto precisa estar junto e assumir seu papel de acompanhante e animador; c) O adulto deve entender a experiência de vida das crianças, adolescentes e jovens nas ruas; d) O adulto deve estar preparado para aprender com as crianças, os adolescentes e jovens e por último; e) A criança, o adolescente e o jovem precisam participar plena e ativamente

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na construção de suas vidas7.

UMA OUTRA PEDAGOGIA É POSSÍVEL: A Pedagogia Social no contexto do Protagonismo Infanto-Juvenil Nesse sentido, para os educadores e educadoras sociais, o entendimento da dinâmica da rua e da experiência social vivida pelas crianças, adolescentes e jovens em situação de rua e vulnerabilidade pessoal e social, bem como a dinâmica construída dentro de socioeducativos é fundamental. Destaca-se aqui a necessidade de problematizar o cotidiano desta meninada nas ruas. Sobre este aspecto, Paulo Freire destaca que “a ação de educar tem necessariamente um ponto de partida que é o de ter a compreensão da criança, do adolescente e do jovem em sua própria cotidianidade, enquanto certa classe social, seus valores, aspirações, medos, etc. [...] é importante que se compreenda, por exemplo, o que é que se está dando dentro desta cotidianidade“ (FREIRE 1985, p. 20).

Dentro desta mesma reflexão, é possível problematizar e tematizar a rua tomando-a como ponto de partida e não de chegada, enquanto espaço onde é possível construir uma proposta pedagógica, a chamada Pedagogia da Rua (Straßenpädagogik), que nasce do processo da educação popular e de um entendimento da andarilhagem das crianças, adolescentes e jovens pelas ruas, e as estratégias encontradas por eles para enfrentar a situação de marginal-

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idade. Um dos princípios básicos para isso, como aponta Dücker (1996), é a criança, o adolescente e o jovem problematizarem, tematizarem a vivência nas ruas. Eles devem refletir a própria experiência de vida e aprender a formular possibilidades de intervenção, com o apoio e presença dos educadores nas ruas8.

ALGUMAS QUESTÕES E LUGARES DA PEDAGOGIA SOCIAL SOBRE O PENSAR O PROTAGONISMO INFANTO-JUVENIL E O TRABALHO SOCIOEDUCATIVO De uma forma geral, a Pedagogia Social é uma disciplina pedagógica ou se refere a uma das Ciências da Educação. Para Romans; Petrus e Trilla: Pedagogia social é, pois, um conjunto de saberes, seja teórico, técnicos, experienciais..., descritivos ou normativos..., mas saberes que tratam de um objeto determinado. Este objeto é o que chamamos educação social. (2003, p.16).

A Pedagogia Social implica um conhecimento do indivíduo para melhor poder atuar sobre ele, quer numa situação normalizada, quer numa situação de conflito ou de necessidade. O conceito de Pedagogia Social mais generalizado é o que faz referência à ciência da educação social das pessoas e grupos, daí sua importância na investigação em torno dos processos participativos de produção de saberes, protagonizados por


crianças, adolescentes, jovens em projetos sócio-educativos ou no espaço das ruas. Entendemos a Pedagogia Social como um projeto de sociedade, no qual todos os espaços e todas as relações sejam, essencialmente, pedagógicas, possibilitando a construção do educando e da educanda enquanto sujeitos sociais e protagonistas. A Pedagogia Social tem seus primeiros passos na Alemanha no surgimento da sociedade urbano-industrial e empapada por uma multiplicidade de contribuições teórico-metodológicas, sorbetudo por estar preocupada com a educabilidade do ser humano em sua experiencia social. Nesta época a educação era tomada como uma solução para os problemas humanos e sociais – as necessidades individuais e sociais em decorrencia dos fortes movimentos migratórios, proletarização do campesinato, desemprego, pobreza, exclusão econômcia e cultural, abandono de crianças e adolescentes, deliquencia juvenil, entre outros. Delimitanos nossa curta discussão a partir da Pedagogia Social alemã na qual podemos identificar dois momentos: PRIMEIRAS DISCUSSÕES Autores – primeiros passos Adolph Diensterweg (1750 a 1866) Paul Natorp (1854 a 1924) Herman Nohl (1879-1960) Características do Pensamento Promover decisões independentes e ação de auto-responsabilidade para os indivíduos; Resolução de conflitos sociais;

Integração social, as pessoas sociais e ou pessoalmente desfavorecidas ou com deficiência; Entende a pedagogia social como um conceito ordenado, integração de esforços para a abertura de novos caminhos educativos e formas de ajuda à integração social da juventude; Ao contrário de Natorp, a pedagogia social é apenas uma parte ou espaço da pedagogia geral, com fins específicos no sentido da formação popular. Assinala a necessidade de dedicar recursos à prevenção, ajuda e recuperação da juventude; Toma a realidade concreta como ponto de partida da teoria da pedagogia social; Perseguir o bem do sujeito, desenvolver as suas capacidades e também a sua vontade; Realça a necessidade de modificar as condições ambientais e contextuais, com o fim de assegurar a eficácia da ação pedagógica social; Destaca a tarefa de formação e investigação inerente à pedagogia social. Sublinha a necessidade de realizar ações científicas que contribuam para dotar e estatuto científico a pedagogia social, até então considerada apenas no quadro conceptual; POR UMA PEDAGOGIA SOCIAL CRÍTICA Autor: Klaus Mollenhauer (1928-1998) Características do pensamento Deve partir da situação concreta;

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Dá importância às diferenças culturais e tem em conta a memória histórica; É autocrítica e usa a reflexão do coletivo como critério de valoração da prática; Parte de pressupostos emancipatórios; Usa a investigação como estratégia metodológica; Analisa e reflete sobre a observação para transformar a realidade. Em se tratando de uma Pedagogia Social Latino-Americana, a mesma é tecida a partir do contexto de uma pedagogia latino americana. Nesse sentido temos a grande contribuição dos estudos realizados por Danilo Romeu Streck. Em seu livro Fontes da Pedagogia Latino Americana – uma antologia, Streck (2010), apresenta a necessidade de contribuir para a reconstrução de uma teoria pedagógica que, ao olhar para trás e reencotnrar-se com a sua memória, possa, ao mesmo tempo, se abrir para novos horizontes do presente. [...] por ser herdeira de uma determinada formação histórica e cultural, forjou-se, nesta parte do mundo, um pensamento com algumas características próprias, em princípio, nem melhor nem pior que o pensamento em outros lugares. Mas é um pensamento que, em meio à fugacidade das ideias de fora que, como ondas, se sucederam em modas, busca encontrar raízes por onde continua subindo a seiva que, mesmo imperceptível, continua alimentando práticas e esperanças. (STRECK, 2010.p 20).

O autor apresenta vinte seis autores e autoras que possuem uma genuína busca

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pela emancipação do povo através da educação popular, como citamos anteriormente neste artigo, e entendemos que esta é uma significativa contribuição no cenário de uma pedagogia social latino americana. Entre os autores e autoras podemos citar: O povo Guarani, Simón Rodríguez, Andrés Bello, Nísia Floresta, José Pedtro Varela, José Marti, José Vasconcelos, Maria Lacerda de Moura, Gabriela Mistral, José Carlos Mariátegui, Anísio Teixeira, Monsenhor Romero, Florestan Fernandes, Paulo Freire, Darcy Ribeiro, Orlando Fals Borda, Frantx Fanon, Che Guevara, Chico Mendes, Subcomandante Marcos. Pensar a Pedagogia Social no contexto dos estudos sobre pedagogia latino-americana, sugerida por Streck, é um caminho interessante, pois ele nos ajuda a pensar estas conexões ao apontar que A complexificação da sociedade exige que a pedagogia aceite o desafio de recriar-se em novos contextos sociais, econômicos e culturais. A origem da pedagogia social, como uma disciplina e como campo de atuação, é referida à revolução industrial no século XIX que provocou mudanças na estrutura da sociedade e que tiveram profundos impactos na vida das pessoas. Hoje efeitos de outras e novas mudanças não causam menos impacto sobre o indivíduo e no tecido social. (STRECK, 2012, p.35).

Por isso, Graciani (1997) ao discutir a Pedagogia Social de Rua, aponta a necessidade de refletirmos em torno das caracteristicas apresentadas pela sociedade e a própria Rua, enquanto espaço contruído pe-


los sujeitos sociais que pedem outra forma de pensar a pedagogia. Vejo que a pedagogia social tem a possibilidade de inserir-se em diversos espaços do tecido social ou das redes sociais e operar as transformações de dentro destes espaços. Isso implica um conhecimento aprofundado do funcionamento e da estruturação da sociedade e, ao mesmo tempo, da formação e atuação dos sujeitos dentro da sociedade. (STRECK, 2012, p.36).

Seria impossível pensarmos uma Pedagogia Social Latino-americana desconectada da Educação Popular (enquanto uma proposta teórico-metodológica), pois esta é fundamental para que seja possível traçar algumas diretrizes a serem levadas em conta para a construção de um projeto de Pedagogia Social Latino-Americana, que para STRECK deve levar em conta alguns importantes elementos, entre eles podemos destacar: A prática social como ponto de partida para tarefa educativa; A leitura estrutural da sociedade, buscando identificar as relações de poder e as possibilidades de transformação; A crença no potencial transformador dos sujeitos que se situam à “margem” das estruturas hegemônicas; O reconhecimento da pluralidade de conhecimentos, saberes, racionalidades e sentimentalidades; A construção de metodologias participativas, tendo o diálogo como princípio metodológico central. Na construção de um projeto de Pedagogia Social Latino Ameri-

cana podemos também tomar acontribuição de Paulo Freire como um importante pensador da Pedagogia Social, pois o mesmo recomendou aos educadores brasileiros: “Escrevam pedagogias e não sobre pedagogias”, incitando-os a desenvolver métodos e técnicas adequadas para lidar com a diversidade da população brasileira e de suas experiências. A Pedagogia Social no Brasil, com sua base teórico-metodológica ainda em construção, mas com forte inspiração na Educação Popular, é necessária para dar conta dos novos paradigmas instituídos para atender demandas e necessidades dos novos sujeitos sociais trazidos à luz pelas transformações sociais ocorridas após a democratização do país e inscritos na Constituição Federal de 1988, tais como a população indígena, os remanescentes quilombolas, a população rural, a mulher, a criança e o adolescente, o idoso, o apenado, a população de rua e os portadores de necessidades educativas especiais, entre outros.

OS EDUCADORES E EDUCADORAS SOCIAIS INDO PARA ALÉM DA COTIDIANIDADE A partir dos aspectos já colocados, consideramos que o entendimento por parte dos educadores e educadoras sociais, de que o trabalho educativo a ser feito com as crianças, adolescentes e jovens é de caráter político, ideológico e pedagógico . Segundo Silva, 1989, O fato dos educadores perceberem que a realidade de vida das crianças e dolescentes marginalizados está relacionada com a situação: sócio-política-econômica-social brasileira e levou à formação dos

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mesmos, na estruturação dos objetivos, conteúcos e metodologias, a possuir um caráter político. Isto é, uma formação baseada na realidade sócio-política-econômica-cultural, levando a uma interferência, através da ação dos educadores, nos instrumentos geradores da marginalização da criança.

construção de uma Pedagogia Latino Americana, à qual a pedagogia social vem se conectando, empapada pelo pensamento pedagógico freireano. Ainda segundo Freire, esta tarefa para o educador e para a educadora sociais, enquanto facilitadores do processo educativo, não é fácil, pois:

Isto se torna condição fundamental para que os mesmos percebam que a problemática das crianças, adolescentes e jovens marginalizados não pode ficar apenas resumida a uma ocupação de trabalho produtivo, uma formação profissional, uma atividade de atendimento, escolarização que, muitas vezes, pode significar um paternalismo, assistencialismo, sem haver uma reflexão em torno dos acontecimentos do cotidiano. Por detrás da vida de sofrimento e miséria em que vivem as crianças, adolescentes e jovens, existe um mundo que gera certos valores; certas crenças; certos fazeres.

demanda sensibilidade social e histórica (...) ao lado do entendimento cientificamente rigoroso da realidade que ensina ao educador a compreender certas formas de comportamento de pura rebeldia ou de outro fatalismo entre os oprimidos para, com eles, tentar a sua superação (...) pois o nosso amor por esses meninos negados no seu direito de ser, só se expressa autenticamente quando nosso sonho é o de criar um mundo diferente.(ibid., p. 13).

Por estarem nas ruas, becos e praças cometendo as mais diversas “trelas”, as crianças, adolescentes e jovens em situação de rua e vulnerabilidade pessoal e social, estão em um mundo que não é o mundo do educador, e inevitavelmente, há um choque que leva o educador a se colocar numa postura de querer converter o mundo dos meninos e meninas de rua sem antes haver um processo reflexivo e crítico. Para Paulo Freire, “quando se pensa em converter o outro é porque temos um ponto de partida, que é o seguinte: onde se está é melhor, o que a gente é, é melhor, senão não haveria porque converter o outro” (FREIRE, 1985, p. 12).

Isto nos leva a pensar o processo de

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O compreender a cotidianidade não é um simples conversar com os educandos sobre as atividades desenvolvidas, mas especialmente dar-se conta do educando, “o ir além dele”. O perguntar-se quem é essa criança, adolescente e jovem e o que ela significa para o educador, educadora, voluntário e voluntária. Para Freire, nesse momento, a mente da meninada muda de atitude, muda de postura, muda de posição com relação ao comportamento da mente no normal, no cotidiano. Quer dizer, a mente se enquadra numa posição de quem quer conhecer. Nesse sentido, é preciso imergir no cotidiano do educando (da criança, do adolescente e jovem de rua, que está diante do educador confeccionando um objeto, realizando uma atividade de escolarização, horta, arte, lazer, esporte, etc). Entretanto, jamais poderemos ficar nele. Devemos mergulhar no mundo cotidiano para sair


dele com a meninada, numa compreensão destes enquanto participantes de uma classe social, com seus valores, aspirações, medos etc. Acreditamos, portanto, que todos esses elementos devem estar presentes nos princípios que orientam uma proposta formativa para educadores, educadoras sociais a partir de uma Pedagogia Social Latino Americana, que gera condições para pensar as experiências sociais tecidas pelas crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos nos processos participativos de produção de saberes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Resta agora, tentar perceber, na prática histórica de um projeto de atendimento sócio-educativo, a presença e o movimento desses elementos pensados por Paulo Freire e por outros pensadores comprometidos com a elaboração de uma prática educativa direcionada à transformação da realidade com os oprimidos a partir também de uma Pedagogia Social Latino Americana. Sabe-se, contudo, como Paulo Freire, que as práticas libertadoras estão sujeitas a limites, e é a própria experiência que ensina, pois “muitas vezes se faz o que se pode e não o que se gostaria de fazer. Há limites econômicos, limites ideológicos, sociais, limites históricos” (FREIRE 1985, p. 22). Nesse sentido, ao chegar aos últimos parágrafos deste artigo, desejamos apresentar a nossa intenção de realizar um estudo (o projeto de pesquisa está em elaboração), em torno da experiência da Pedagogia Social em um projeto sócio-educativo com adoles-

centes e jovens em situação de rua e vulnerabildiade social em uma cidade no agreste pernambucano e outro em uma cidade alemã. No agreste, o projeto selecionado é o Centro de Educação Popular Comunidade Viva – COMVIVA10 que, desde 1989, vem tecendo possibilidades de uma pedagogia sob a ótica dos educandos e educandas. Na cidade alemã o projeto ainda está definindo o espaço de pesquisa. Esperamos com este estudo vir a contribuir com os fundamentos teórico-metodológicos de uma pedagogia social emancipatória, que pensa os processos participativos de produção de saberes na ótica de uma Educação Popular, auto determinada pelos sujeitos que dela fazem parte, em nosso caso pelos adolescentes e jovens em situação de risco e vulnerabilidade social.

SILVA, Alexandre Magno Tavares da Doutor em Ciências da Educação (Pedagogia Social) pela Johann Wolfgang Goethe-Universität (Frankfurt). Educador Social. Atuou como docente na FAFICA e na UFPE/CAA. Atualmente, é professor adjunto da Universidade Federal da Paraíba.

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¹Participavam deste coletivo as seguintes instituições e grupos: PROART/JUMA (Carpina), Ação Paroquial de Assistência (Carpina), Centro Social Madre Virginia (Carpina), Lar Dom Bosco (Carpina), SERC – Serviço de Estimulação e Reabilitação da Criança (Gravatá), ODIP – Obra de Defesa da Infância Pobre (Gravatá), GAMR (Gravatá), Circulo de Trabalhadores Cristãos (Gravatá), Lar Santa Elisabeth (Triunfo), PROAC (Salgueiro), Centro Educacional Saber Viver (Recife), CEPOMA (Recife), Turma do Flau (Recife), Comunidade de Crianças e adolescentes de Rua (Caruaru), Creche Sol Poente (Caruaru), Centro de Formação de Menores (Limoeiro), CEMAN (Petrolina), Associação de Protetores do Meio Ambiente (Caruaru), Centro de Cidadania UMBÚ-GANZÁ (Recife), Centro de Educação Popular Assunção (Caruaru), entre outros. ²O Programa de Estímulo à Criatividade na Educação Básica. Disponível em< http://criatividade.mec.gov.br/a-iniciativa>. Acesso em: 10 set. 2015. ³O Programa de Estímulo à Criatividade na Educação Básica. Disponível em <http://criatividade.mec.gov.br/a-iniciativa>. Acesso em: 10 set. 2015. 4

1989, pp.109-110.

5

Algunas notas sobre los niños como sujeto social; documento del MANTHOC, não publicado.

Tomamos aqui a andarilhagem em sua concepção antropológica a partir de Carlos Rodrigues Brandão, para o qual “Somos humanos porque aprendemos a andar. Somos humanos porque aprendemos a pendular entre “estar aqui” e um contínuo “partir”. Entre os que andam, viajam e vagam, há os que se deslocam porque querem (...) os que se deslocam porque precisam (os migrantes da fome, os exilados...” (BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Andarilhagem In: STRECK, Danilo, R. RENDIN, Euclides, ZITIKOSKI, Jaime José, 2008 p. 40. 6

Die vom Kind auf der Straße erworbenen Kenntnisse und Erfahrungen sollen ihm erhalten bleiben (a) Das Kind soll menschliches Überleben auf der Straße erlernen; (b) Der Erwachsene soll hierbei die Rolle des Begleiters und “Animators” übernehmen; (c) Der Erwachsene soll versuchen, aus dem Verständnis einer Arbeit mit dem Kind zu dem Verständnis eines Lebens mit dem Kind zu gelangen; (d) Der Erwachsene soll sich bereitfinden, von und mit dem Kindern zu lernen; (e) Das Kind muß an dem Aufbau eines ‚neuen Lebens‘ voll beteiligt sein“. (DÜCKER 1996, p.195). 7

viele lateinamerikanische straßenpädagogen haben über educación popular zu einem neuen bewußtsein gefunden und die zum grundprinzip einer „erziehung auf der straße“, einer vom lebensfeld des kindes ausgehenden pädagogik erhoben: für die auf der straße lebenden kinder soll die straße „lernstoff“ bleiben und die „problematik“ eines menschlichen lebens auf der straße ständig thematisiert werden. ihre „lebenssituation“ soll ihnen „bewußt“ und nicht ausgeklammert werden, und schließlich zum inhalt allen lernens werden. sie sollen reflektieren und selbst neue lösungen formulieren lernen, wobei die straßenpädagogen die rolle der „provozierenden“ oder „animierenden“ einnehmen“ (Dücker 1996, p.47; ver também Liebel, 1994, p. 94-99. 8

Gostaríamos de registrar que já desenvolvemos duas pesquisas neste projeto socioeducativo – “A educação pelo trabalho: uma aventura pedagógica na Comunidade de Menores de rua/Caruaru/PE” (1992 a 1995 – Mestrado em Educação Popular-UFPB) e “Produção de saberes e competências pelo Trabalho: a experiência de vida de crianças e adolescentes em situação de pobreza e o trabalho sócio-educativo dentro de Projetos Comunitários em Pernambuco/Brasil - Wissensproduktion und Kompetenzerwerb durch Arbeit: Lebenserfahrung von Kindern 10

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und Jugendlichen in Armut und erzieherische Maßnahmen in Bildungsprojekten in Pernambuco/Brasilien (1996 a 2000 – Doutorado em Pedagogia Social na Johann Wolfgang Goethe Universitat – Frankfurt)

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Amanda Sobral 120


EDUCAÇÃO CONTEXTUALIZADA E RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS A PARTIR DA LEI 10.639/03: DESAFIOS AOS PROFESSORES E AO SISTEMA DE ENSINO DE JUAZEIRO/BA. EDUCACIÓN CONTEXTUALIZADA Y LAS RELACIONES ÉTNICO-RACIALES DE LA LEY 10.639 / 03: DESAFÍOS PARA LOS MAESTROS Y EL SISTEMA EDUCATIVO DE JUAZEIRO / BA. REIS, Edmerson dos Santos SANTOS JÚNIOR, Antônio Carvalho dos ALVES, Rafael Santana

Neste artigo problematizamos a necessidade de se fazer conhecer a lei 10.639/2003 entre os professores da rede municipal de ensino do município de Juazeiro-BA, haja vista que ela está em vigor desde 2003. Articulamos a relação entre Educação Contextualizada e referida lei, acreditando que este é um passo importante para desconstruirmos o racismo institucionalizado nas escolas, e que se operacionaliza nos currículos. Desse modo, partimos da ideia de um currículo que se faz politicamente na construção de representações; currículo enquanto lugar de disputa, povoado por relações de poder. Sendo o currículo um campo de ação, acreditamos que podemos disputá-lo a partir de posturas que se assentam na perspectiva intercultural, que se orientam por meio do diálogo com os contextos diversos. Com isso, analisamos dados construídos a partir de entrevistas realizadas com docentes da rede Municipal de Ensino. Objetivamos com isso, verificar o grau de conhecimento dos entrevistados acerca da lei 10.639/03. Os dados evidenciam o significativo número de entrevistados que desconhece a lei, sinalizando fragilidades e/ou não mobilização institucional para efetivação desse marco legal na rede municipal de ensino. Palabras clave: Derecho 10.639 / 03. Currículo. Contextos. Educación Contextuales. Educación Quilombola. 121


En este artículo se cuestiona la necesidad de dar a conocer la Ley 10.639 / 2003 entre los docentes de las escuelas municipales de la ciudad de Juazeiro-BA, teniendo en cuenta que ella ha estado en vigor desde 2003. Nos articulamos la relación entre la educación contextualizada y la Ley, en la creencia que este es un paso importante para deconstruir el racismo institucionalizado en las escuelas, y puesto en funcionamiento en los planes de estudio. Por lo tanto, partimos de la idea de un plan de estudios que se hace política en la construcción de las representaciones; currículo como un lugar de disputa, poblado por las relaciones de poder. A medida que el plan de estudios de un campo de acción, creemos que podemos disputar desde las posturas que se basan en la perspectiva intercultural, que se dirigen a través del diálogo con los diversos contextos. Por lo tanto, se analizaron los datos construidos a partir de entrevistas con los profesores de la Red de Educación Municipal. Nuestro objetivo con este, comprobar el grado de conocimiento de los encuestados acerca de la ley 10.639 / 03. Los datos muestran el importante número de encuestados que conocen la ley, las debilidades de señalización y / o movilización no institucional para la realización de este marco legal en las escuelas municipales.

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INTRODUÇÃO Este artigo é construído a partir de informações levantadas junto a 66 professores da Rede Municipal de Educação de Juazeiro. No início do segundo semestre do ano letivo 2014, um dos autores desse trabalho teve a oportunidade, ao longo da II Jornada Pedagógica, de ministrar uma oficina sobre a lei 10.639/03 com alguns dos professores de história do Município. Paralelo ao desenvolvimento de suas atividades na oficina, foram aplicados questionários com professoras (es) de diferentes disciplinas, pertencentes ao corpo docente do ensino fundamental. O questionário foi elaborado de forma semiaberto, contendo questões objetivas com respostas pré-estabelecidas, além de questões dissertativas onde o entrevistado deveria emitir opiniões livres acerca do perguntado. As questões foram divididas em dois blocos de perguntas. No primeiro indagamos sobre algumas questões referentes à lei 10.639/03 e as implicações na prática pedagógica, já no segundo, foram feitas perguntas sobre o Candomblé. No entanto, nesse trabalho, nos limitaremos a explorar dados que compõem o primeiro bloco de questões. Com a amostragem de 66 professoras (es), buscamos construir indícios do grau de conhecimento que esses profissionais têm acerca dessa lei, em vigor desde 2003. Isso se faz pertinente na medida em que entendemos esse instrumento jurídico importante, que insurge de um conjunto de ideias e práticas políticas que tencionam mudanças no status quo, possibilitando

a institucionalização de demandas de representação no sistema educacional. Pretendendo assim, a emergência de novos modos operandi, mobilizando a escola para que ela se refaça a partir do diálogo com os sujeitos da sua ação. “Diálogo como ato amoroso com aqueles que são impedidos de exercer sua vocação humana de ser mais”. (FREIRE, 2011). Por isso, o trabalho se ancora em fundamentos conceituais que corroboram para construção de uma postura educacional que se pretende contextualizada. Entendemos então que, apropriar-se da lei 10.639/03 é um exercício que pode nos possibilitar a construção de currículos enegrecidos¹, ou, se assim preferirmos, contextualizados, haja vista que falar de sujeitos negros e negras é, em grande medida, falar dos sujeitos que compõem a escola pública. Aqui, particularmente, tratamos da cidade de Juazeiro - BA, município com forte presença negra, com grande concentração de terreiros de Candomblés, com significativa quantidade de comunidades Quilombolas (mesmo que não reconhecidas), e com alto grau de concentração de bairros periféricos que arrebanham muitos desses sujeitos, pois, desapropriados das terras e dos meios de produção, engrossam as fileiras proletárias, mão de obra barata, absorvida pelo agronegócio. Vale lembrar, que muitas vezes se confunde o processo de implementação da Lei 10.639/03 com a perspectiva da Educação Quilombola. Ambas se complementam, mas enquanto a Educação Quilombola está pensada para os territórios descendentes de quilombos, ou comunidades que assim

Educação contextualizada e relações étnico-raciais a partir da lei 10.639/03: desafios aos professores e ao sistema de ensino de Juazeiro/BA

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foram reconhecidas, uma vez que: A educação quilombola é compreendida como um processo amplo - que inclui a família, a convivência com os outros, as relações de trabalho e com o sagrado e as vivências nas escolas, nos movimentos sociais e em outras organizações da comunidade. Assim, compreende-se a educação como um processo que faz parte da humanidade e está presente em toda e qualquer sociedade, e a escolarização é um recorte do processo educativo mais amplo. (SILVA, 2015, P.07)

Já a aplicabilidade da lei extrapola os territórios das comunidades quilombolas, mas devem adentrar aos sistemas e às práticas pedagógicas do sistema educativo como um todo, para que assim se possa cada vez mais se construir um currículo povoado com as matrizes de formação diversas, dando lugar a história, aos valores, aos saberes e costume dos povos negros, aspectos esses que foram negados ao longo da história da nossa educação. Trazer à tona esses saberes é uma maneira de reparação e de se dar o devido lugar aos povos negros na história de constituição na nação brasileira. Com isso, nosso trabalho está organizado em basicamente duas sessões. Na primeira tecemos algumas considerações sobre a lei 10.639/03 e suas implicações para produção de currículos que garantam, no diálogo íntimo com os contextos, o direito à representação das populações negras. Na segunda, analisaremos s informações, evidenciando as questões suscitadas no roteiro de entrevista.

A INSURGÊNCIA DA LEI 124 Revista Interritórios, edição 1/2015

10.639/03: CURRÍCULO E REPRESENTAÇÃO A lei 10.639/03 completa 14 (catorze) anos de promulgada em 2015. Esse mecanismo legal tem por objetivo garantir o ensino da história e da cultura africana e afrodescendente em toda educação básica, pública e privada. Seus artigos alteram a LDB 9394 de 1996, trazendo à tona uma série de reflexões acerca da nossa escolarização, nos pondo frente ao desafio de uma construção curricular que garanta a produção de saberes intimamente vinculado aos contextos onde a escola se realiza, onde as populações negras produzem a vida, dando visibilidade assim, aos sujeitos que habitam/constroem os contextos. Esta perspectiva exige o desnudar de uma escola pública negra, impregnada de subjetividades que precisarão ser, no compromisso ético com a vida, humanizada no exercício de nossa própria humanização. Aqui o fundamento da lei dialoga com o que se professa na perspectiva da Educação Contextualizada, que contrária a uma educação universalista, busca nas referências dos saberes, da história e dos sujeitos locais, construir um currículo que fale dos “nós” a partir dos nós, das suas vidas, das suas histórias, sem com isso negar a existência de outros saberes, de outros conhecimentos. Como destaca Martins (2011, p. 59) Portanto a constatação mais corriqueira é a de a educação escolar que se dirige aos vários pontos da imensidão do território brasileiro, é uma educação descontextualizada e, por sê-lo, é também colonizadora, ou seja, ela se dirige hegemonicamente de uma determinada realidade – atualmente majoritariamente esta realidade é a do


sudeste urbano do Brasil – e, a partir desta “sua realidade” e de uma narrativa pronunciada por um tal sujeito universal e abstrato denominado “nós brasileiros”, ela toma todas as outras realidades que compõem a imensa diversidade brasileira, como sendo seus “Outros”: “eles”, “aqueles” que estão “lá” e devem ser integrados à sua narrativa.

Dialogar com esses contextos é, sem sombra de dúvidas, conhecer e potencializar os saberes das comunidades negras. Saberes que, como previsto na lei, devem povoar todo o currículo, pois, conforme o § 2º a Lei 10.639/03 “Os conteúdos referentes à História e Cultura Afro-Brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileira”. Isso quer dizer que, todas as áreas do conhecimento que compõem o currículo da educação básica devem levar em consideração as demandas de representação suscitadas por uma imensa parcela da sociedade brasileira. A lei 10.639/03 é uma politica de reparação educacional aos povos negros, assim como está estabelecido nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana de 2004, documento que regulamenta o disposto na lei, e que se faz imprescindível para os administradores dos sistemas de ensino em todo o país, na efetivação dos direitos educacionais inclusivos, pois esse documento se pauta no dever do Estado Brasileiro em cumprir com sua obrigação de igualdade de direitos a todos os seus cidadãos. Políticas de reparação voltadas para a

educação dos negros devem oferecer garantias, a essa população, de ingresso, permanência e sucesso na educação escolar, de valorização do patrimônio histórico-cultural afro-brasileiro, de aquisição das competências e dos conhecimentos tidos como indispensáveis para continuidade nos estudos, de condições para alcançar todos os requisitos tendo em vista a conclusão de cada um dos níveis de ensino, bem como para atuar como cidadãos responsáveis e participantes, além de desempenharem com qualificação profissional (BRASIL, MEC, 2004, p. 232).

No centro da política educacional reparatória deve estar a necessidade de uma ação conjunta de desestabilização dos nossos sistemas de significação e desestabilização dos sistemas de representação. Fazendo com que o nossos currículos sejam erigidos na desnaturalização dos nossos lugares no mundo, nos proporcionando o criativo e humanizador contato intercultural com os nossos outros. Possibilitando a construção de outras e diferentes dizibilidades, outras narrativas. Pois, As narrativas contidas no currículo, explícita ou implicitamente, corporificam noções particulares sobre conhecimento, sobre formas de organização da sociedade, sobre os diferentes grupos sociais. Elas dizem qual conhecimento é legítimo e qual é ilegítimo, quais formas de conhecer são válidas e quais não o são, o que é bom e o que é mau, o que é belo e o que é feio, quais vozes são autorizadas e quais não são. As narrativas contidas no currículo trazem embutidas noções sobre quais grupos sociais podem representar a si e aos outros e quais grupos podem apenas ser representados ou até

Educação contextualizada e relações étnico-raciais a partir da lei 10.639/03: desafios aos professores e ao sistema de ensino de Juazeiro/BA

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mesmo serem totalmente excluídos de qualquer representação (SILVA, 2004, p. 193).

Percebemos o currículo como o movimento de construção das identidades, das representações. Currículo enquanto representação. “A representação – compreendida aqui como inscrição, marca, traço, significante e não como processo mental – é a face material, visível, palpável, do conhecimento” (SILVA, 2004. p. 01). Representação que se faz de maneira instável e não fixa em meio ao processo de significação. Não concebendo assim, a separação entre significado e significante, uma vez que o significado não preexiste enquanto entidade mental, separada do significante e vice versa. Ainda segundo Silva, o currículo é um campo de batalhas onde as identidades concorrem ao direito a representação. Todavia, o jogo da representação não se estabelece de forma equilibrada. “Através da representação se travam batalhas decisivas de criação e imposição de significados particulares: esse é um campo atravessado por relações de poder” (SILVA, 2004, p.05). Poder que garante e define o processo de produção das representações, garantido também o fabrico de identidades sociais que reforçam essas relações de poder. O poder está inscrito na representação: ele está ‘escrito’, como marca visível, legível, na representação. Em certo sentido, é precisamente o poder que está re-presentado na representado. As relações de poder que funcionaram como condições de possibilidade dessa representação deixaram aí sua marca e seu rastro inconfundíveis. Mesmo que

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seja também função da representação apagar essas marcas e esses rastros, a representação é, pois, sempre, uma relação social, quer a encaremos como processo, quer a vejamos como produto (SILVA, 2004, p.06).

Com isso, a lei 10.639/03 nos provoca a questionar as representações produzidas em nosso currículo.Para isso,se faz imprescindível abandonar a perspectiva educacional que pretende galgar o “desenvolvimento” como metáfora real do crescimento econômico e à favor da desigualdade. Tal meta significa, exatamente, a tentativa de manutenção da hegemonia simbólica, epistêmica, politica e econômica que bipolariza o mundo em norte/sul, ocidente/oriente, desenvolvidos/ não desenvolvidos, brancos/negros, homem/ mulher, mantendo assim, nos currículos escolares, representações que podem não dialogar com os diferentes sujeitos do ato educacional. O desenvolvimento, portanto, serve como rótulo de retroalimentação da dominação de um pensamento que se quer único e homogêneo, fixando lugares ideais a serem alcançados, escamoteando as marcas dos conflitos e das violências instauradoras desses lugares. Deslocamo-nos de um paradigma que se orienta a partir da lógica do desenvolvimento, e nos inclinamos para uma perspectiva intercultural, onde se percebe as culturas tendo formas hibridas, não sendo possível a busca de um estado de pureza dessas culturas. Assim como nos adverte Hall, 1996 (apud Hall, 2013, p. 82). Hibridismo não é uma referência à composição racial mista de uma


população. É realmente outro termo para a lógica cultural da tradução. Essa lógica se torna cada vez mais evidente nas diásporas multiculturais e em outras comunidades minoritárias e mistas do mundo pós-colonial. Antigas e recentes diásporas governadas por essa posição ambivalente, do tipo dentro/fora, podem ser encontradas em toda parte. Ela define a lógica cultural composta e irregular pela qual a chamada ‘modernidade’ ocidental tem afetado o resto do mundo desde o início do projeto globalizante da Europa.

A perspectiva intercultural se põe diante do desafio de contestar o desenvolvimento, descolonizando-se desse imaginário, dessa ideologia que se faz parte constitutiva da “mitologia programada do Ocidente”, instaurada e instauradora da modernidade (PERROT, 1994, p.205). A perspectiva intercultural se faz diante do exercício de interpretação dos nossos outros. É um esforço de deslocamento do olhar, enxergando a partir de outros lugares referencias. Como se pegássemos emprestado o olhar do outro, e, a partir desse outro olhar, desenvolvêssemos novas visões descentradas e criticas de nós mesmos. Esse movimento é chamado por Perrot (1994, p. 205-206) de “efeito bumerangue”. ‘Efeito bumerangue’ consiste em deixarse interrogar em suas próprias crenças, valores, porque, em outra cultura, tudo isso é diferente, inexplicado, implícito. Trata-se de se deixar educar, de se deixar ensinar por sua própria origem, sua matriz cultural e suas variantes inventadas pela história, através da confrontação com quem coloca questões a partir de uma outra cultura.

O fazer escolar ancorado nessa perspectiva

deve se realizar na desestabilização criativa que o contato com o outro pode nos proporcionar. Pois, ao nos confrontarmos, percebemos que a identidade e a diferença se estabelecem mutualmente. Se aprende que não somente o outro se difere de nós, mas que nós diferimos juntos um do outro e que é nesta exploração das diferenças que cada um se descentra de seu próprio universo e se re-centra numa identidade renovada, enriquecida pelo contato (PERROT, 1994, p.207).

Podemos com isso, estabelecer aquilo que Paulo Freire, em “A Pedagogia do Oprimido” (2011), chama de diálogo. Diálogo como uma relação amorosa com a condição de humanidade do outro, esse que, ao existir, nos garante o nosso lugar de existência em processos de diferenciações. Diálogo que nos possibilita desestabilizar e desnaturalizar nossa própria existência, ancorando-a nas experiências vividas com os outros. Precisamos então, no momento do contato com o outro, desestabilizar mutualmente os nossos sistemas de verdades. E assim, poderemos construir currículos que não se oriente por posturas eugênicas², que não busque a homogeneização dos indivíduos, não suprimindo físico e simbolicamente as diversidades de formas de ser no mundo. Não almejando assim um suposto modo melhor de ser, e, com isso, contribuir para o exercício da vocação humana de ser mais. Ser mais na descoberta da particularidade da sua própria existência (FREIRE, 2011). O currículo é um lugar em movimento, em disputa, que se faz/refaz na/pela

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representação. Nesse sentido, Silva (apud SANTANA; SANTANA, MOREIRA, 2012) propõem o forjamento de um currículo que se constitua em processos interculturais que se designam como “enegrecimento da educação”. Um movimento que ao humanizar os sujeitos negros acaba por humanizar também os brancos, haja vista que estes são desafiados a se repensarem humanos. Enegrecer diz respeito à maneira própria como os negros se expõem ao mundo, ao o receberem em si. Por isso, enegrecer é face a face em que negros e brancos se espelham uns nos outros, comunicam-se sem que cada um deixe de ser o que é, enquanto ser humano de origem étnico-racial própria. No processo de enegrecer, educam-se, superando a arrogância dos que se têm como superiores e o retraimento dos que são levados a se sentir inferiorizados (SILVA, apud SANTANA; SANTANA; MOREIRA, 2012, p. 41).

O enegrecimento do currículo se insere naquilo que Paulo Freire (2011) chamou de busca da vocação humana. Haja vista que, o ser deve forjar-se na ruptura do parecer, pois parecer é parecer com o opressor. Na busca do ser mais, nossa verdadeira vocação humana, nos fazemos humanos. Pois tal vocação só pode ser exercida no exercício de humanização do outro, ser sendo com o outro. Enegrecer nossos currículos é então, nos permitimos aprender na desestabilização das identidades, isso que se faz nas disputas politica de representação. É preciso então um currículo que rompa com os modos “corretos de ser”, rompendo assim com o complexo da opressão. Ser parecendo ser, ser não sendo; assim como nos sinalizaram autores como 128 Revista Interritórios, edição 1/2015

Freire (2011) e Fanon (2008). Desta forma, por meio de atos de violência simbólica, os sujeitos negros são coagidos a não existirem enquanto possibilidade no mundo, uma espécie de interdição dos espíritos. Ou seja, a verdadeira vocação humana, o ser mais, é impossibilitada de se realizar devido à naturalização dos lugares e não lugares identitários.

UMA AUSÊNCIA DE INTIMIDADES: PARA APLICAR É PRECISO CONHECÊ-LA Como já dissemos, a lei 10.639/03 é um instrumento jurídico que objetiva a promoção de uma educação que reconheça e ao mesmo tempo valorize a diversidade e, por conseguinte, faça com que os professores, em especial, se comprometam com as origens do povo brasileiro de matriz africana, contribuindo dessa forma com o fortalecimento, nas instituições de ensino e sociedade mais ampla, da luta por uma educação antirracista. “No entanto, sua efetivação e seu enraizamento no chão da escola demandam mudanças nos discursos, nas ações, nos gestos, nas posturas e no modo de tratar as pessoas negras e também o conhecimento da história e de sua cultura” (NEVES, DIAS, HELENA, 2014, P. 10). Partindo do exposto acima, tornase essencial destacar que os educadores precisarão reconhecer que a escola tem um importante papel frente à construção das identidades negras entre os jovens estudantes, como compreende a Lei 10.639/03. Desta forma, nessa sessão, nos deteremos a desenvolver uma análise


dos dados obtidos por meio da aplicação do roteiro das questões norteadores da entrevista, observando então, alguns dos desafios a serem enfrentados na implementação da lei em Juazeiro - BA. Diante disso, é importante destacar que, os dados da pesquisa foram obtidos por meio da contribuição de sessenta e seis (66) professores da Rede Pública Municipal de Ensino de Juazeiro-BA que participaram da IIa Jornada Pedagógica, realizada no segundo semestre do presente ano. Desse modo, o gráfico expresso abaixo foi elaborado, justamente, para destacar a quantidade de professores por área disciplinar, bem como a localização da unidade escolar na qual esses atores e atrizes dessa pesquisa atuam e desenvolvem o seu trabalho. (Ver Figura 1)

Ao desenvolver uma análise em torno desse gráfico, observa-se que no quantitativo geral dos entrevistados, quarenta e oito (48) professores trabalham em escolas da Sede Rural, quinze (15) na Sede Urbana e três (03) trabalham em ambos os espaços. Por conseguinte, constata-se que dos entrevistados, dez (10) são professores de Ciência, sete (07) de Educação Física, três (03) de Artes, nove (09) de História, vinte e cinco (25) de Português, doze (12) de Geografia. Optamos por escolher esses sujeitos baseados nos seguintes critérios: atuação como educadores do Ensino Fundamental público e que trabalhassem em escolas da Rede Municipal de Ensino de Juazeiro-BA, uma vez que, essa escolha se deu em decorrência do fato de acreditarmos que o trabalho realizado por esses sujeitos no contexto da sala de aula pode colaborar

Figura 1: Gráfico representativo do quantitativo de professores entrevistados e a localização da sua unidade escolar (acervo dos autores)

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na construção não só da identidade do educando, como também na efetivação da Lei 10.639/03, sobretudo, por meio do comprometimento do professor acerca da formação cultural dos sujeitos envolvidos nesse processo. Dentro desse contexto, é válido enfatizar que as entrevistas foram desenvolvidas com o objetivo de percebermos as diferentes concepções e olhares dos professores em torno da implementação e efetivação da lei nas escolas municipais de Juazeiro-BA, sendo que, buscamos construir indícios do nível de conhecimento desses sujeitos acerca da lei que se encontra em vigor desde 2003. Nesse sentido, Minayo (1999, p. 22) ressalta que: A rigor qualquer investigação social deveria contemplar uma característica básica de seu objeto: o aspecto qualitativo, isso implica considerar sujeito de estudo: gente, em determinada condição social, pertencentes a determinado grupo social ou classe com suas crenças, valores e significados. Implica também considerar que o objeto das ciências sociais é complexo, contraditório, inacabado, e em permanente transformação.

Levando em consideração o exposto acima, foi, justamente, isso que buscamos fazer ao longo do desenvolvimento desta pesquisa, ou seja, consideramos os sujeitos de estudo respeitando e valorizando as suas particularidades e especificidades. Ademais, percebemos que os professores devem problematizar o lugar da escola frente à dinâmica das relações étnico-raciais brasileiras, uma vez que, as instituições

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de ensino encontram-se imersas em uma sociedade desigual e racista e, em decorrência disso e de outros fatores, precisamos nos atentar às expressões dessas realidades no interior desses espaços educativos. No entanto, isso só é possível acontecer em meio ao conhecimento dessa realidade pelos professores, sendo que, o enfrentamento do racismo na educação escolar, bem como a efetivação da Lei 10.639/03 só ocorrerá de fato a partir do momento que houver uma consonância por parte dos educadores e demais sujeitos que fazem parte desse contexto, com o entendimento de que a escola (re) produz a realidade existente nos espaços exterior a ela. Logo, é fundamental que os professores tenham não só conhecimento do que se trata a lei em análise neste estudo, mas, sobretudo, faça com que ela seja efetivada no interior das escolas, pois, como afirmam Neves, Dias e Helena (2014, p. 12): A população negra brasileira é historicamente a mais atingida pelas desigualdades educacionais de acesso e permanência na escola, desde a educação básica até o ensino superior. Podemos afirmar que a escola, entre várias instituições estatais e privadas, corrobora com a ocorrência e a manutenção de um racismo institucional.

Racismo institucional esse que se configura como mecanismo estrutural, que continua por impulsionar e ao mesmo tempo assegurar a permanência da exclusão seletiva dos grupos racialmente vistos como subordinados no interior das escolas, sendo que, para Geledés (2014, p. 17), esse racismo “opera de forma a induzir,


manter e condicionar a organização e a ação do Estado, suas instituições e políticas – atuando também nas instituições privadas – produzindo e reproduzindo a hierarquia racial”. Diante disso, é possível destacar que o gráfico abaixo foi construído com a finalidade de expressar o número de profissionais entrevistados que conhecem ou desconhecem a lei 10.639/03, sendo que, os dados obtidos por meio da entrevista

possibilitaram perceber e analisar o grau de conhecimento desses sujeitos em torno da referida lei. (Ver Figura 2) Tendo por base o gráfico acima, pode-se destacar que 26 (vinte e seis) professores conhecem a lei, 38 (trinta e oito) a desconhece e 02 (dois) não responderam ao questionamento. Logo, observamos

Figura 2: Gráfico representativo da quantidade de profissionais participantes da pesquisa que conhecem/ desconhecem a Lei 10.639/03 (acervo dos autores)

que existe um número significativo de educadores que não tem conhecimento acerca da lei, mesmo essa tendo entrado em vigor a mais de dez anos, o que de certo modo é muito preocupante, pois temos de refletir sobre como o professor, desconhecendo a lei, desenvolverá um trabalho de ressignificação, reelaboração curricular com os alunos em torno de questões ético-raciais. Inviabilizando assim, a implementação e efetivação da lei nas instituições de ensino

de Juazeiro-BA. Além disso, acreditamos que esse desconhecimento impulsiona ainda mais o crescimento do racismo no interior das escolas, como também se ampliam as desigualdades existentes entre brancos e negros, uma vez que, como ressalta Dias (2011, p. 46), “awlguns estudos têm demonstrado que, nas relações raciais estabelecidas entre jovens no ambiente escolar, nas quais observa-se situações

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de racismo, em geral, nossas escolas têm silenciado e invisibilizado tais ocorrências”, ou seja, é necessário pensar em um currículo contextualizado que possibilite ao educando desenvolver o seu pensamento críticoreflexivo diante dessa situação, como nos lembra Martins (2011, p. 61).. Como já sinalizamos, em parte, a justificativa para a descontextualização reside em um ideário estruturado em torno de princípios como os de universalidade, objetividade, imparcialidade, neutralidade, elementos caros ao projeto moderno. Tais foram os fundamentos da perspectiva universalista do ensino, que pretendia vincular apenas “conteúdos sem contexto”: objetivos, racionais, impessoais, qualificados como “neutros”, etc. No entanto, tais argumentos esconderam a sua índole colonialista, sua pseudoneutralidade; esconderam que tais conteúdos sempre foram acomodados em contextos particulares; nos códigos de uma elite dominante (Bourdieu e Passeron); sempre foram contextualizados na realidade de uma elite e, em geral, de uma prática colonizadora. Mas também, por outro lado, se negaram a ver os sentidos e as apropriações diversas que cada pessoa e cada grupo humano, em suas particularidades, foram construindo por baixo destes conteúdos sem contexto.

Nesse sentido, é fundamental inserir nos currículos orientações para que os professores, bem como, os demais profissionais da área educacional a exemplo também da própria gestão e coordenação, estarem envolvidos em realizar trabalhos didático-pedagógicos que impulsionem a inserção de conteúdos referentes à temática

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da lei 10.639/03 em suas atividades rotineiras, como expressa as Diretrizes Nacionais para Relações Étnicas (2004, p. 18): Caberá, aos sistemas de ensino, à coordenação pedagógica, aos professores dos estabelecimentos de ensino, com base neste parecer, estabelecer conteúdos de ensino, estudos, projetos e programas, abrangendo os diferentes componentes curriculares.

É essencial pensar e repensar em um currículo que atenda as necessidades de todos os sujeitos envolvidos no processo educacional de modo a valorizar a identidade de cada grupo social presente no âmbito da sala de aula. Levando isso em consideração, é importante destacar que o gráfico a seguir foi elaborado com a finalidade de verificar se a Secretaria Municipal de Educação e Esportes de Juazeiro-BA promoveu até o momento da realização dessa entrevista alguma formação continuada que possibilitasse o conhecimento dos professores no que se refere ao que está expresso no texto da Lei 10.639/03. (Ver Figura 3) A análise do gráfico acima possibilita constatar que dos 66 (sessenta e seis) professores que participaram dessa pesquisa apenas 12 (doze) informaram que a Secretaria Municipal de Educação e Esportes de Juazeiro-BA realizou formações acerca da lei 10.639/03, ademais é possível visualizar que 34 (trinta e quatro) informaram que não houve formações e 20 (vinte) não responderam ao questionamento. Dos 12 (doze) professores que afirmaram a realização de formações, apenas 04 (quatro)


REFERÊNCIAS BIBLIGRÁFICAS

Figura 3: Gráfico representativo contendo informações acerca da realização ou não de formações continuadas com professores da Rede Pública Municipal de Ensino de Juazeiro-BA pela SEDUC (acerco dos autores)

deles nos informaram o ano da referida formação. Diante desse fato, é possível enfatizar que, apesar das iniciativas desenvolvidas pelo o órgão responsável pela educação da cidade, a efetivação dessa lei ainda é algo distante, uma vez que é preciso investir mais em ações educativas, como formações continuadas, de maneira a motivar os docentes a desenvolverem estratégias formativas tendo por base a lei 10.639/03, até porque, “as formas de discriminação não têm o seu nascedouro na escola, porém o racismo, as desigualdades e discriminações correntes na sociedade perpassam por ali” (MEC, 2004, p. 14). No que se refere ao gráfico abaixo, é importante destacar que esse foi construído

com a finalidade de compreendermos sobre quantos professores fizeram formações através de outra instituição, e quais as modalidades de ensino dessa formação, bem como verificar se os professores têm uma preocupação em participar de formações continuadas, ou seja, investindo na sua própria capacitação em torno da ampliação do saber sobre a lei 10.639/03, haja vista, que o professor também deve ser responsabilizado por sua formação profissional. (Ver Figura 4) Partindo dos dados expostos nesse gráfico, é possível constatar que 13 (treze) professores fizeram formações em outras instituições, sendo que, quanto à sua modalidade 05 (cinco) fizeram

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Figura 4: Gráfico representativo do quantitativo de professores que fizeram formações em outras instituições e sua, respectiva, modalidade (acervo dos autores)

especialização, (um) curso de extensão, 05 (cinco) participou de minicurso e dois (02) de oficina. Por conseguinte, é válido destacar que podemos perceber, ao analisar o gráfico, que12 (doze) professores não responderam ao questionamento. Logo, diante desses resultados, é válido ressaltar que a formação continuada é algo importante frente à capacitação dos professores, uma vez que esta é uma necessidade e a sua falta entra em discordância com o que orienta as Diretrizes Curriculares Nacionais para a educação das relações étnico-raciais. Vale lembrar, que como reflete Reis (2013), o direito à formação é do educador, 134 Revista Interritórios, edição 1/2015

mas o dever com a formação é de ambos estado e poder público. Para além do direito à formação inicia e continuada, os profissionais da educação [...] trazem consigo uma dívida imensa por parte do poder público no que diz respeito ao abandono da educação [...] que também traz implícita aí a condição humana do direito à formação. Já no que diz respeito ao dever da formação, este está dado para ambos, tanto ao poder público como responsável como para o próprio professor enquanto eterno aprendiz, quen não deve renderse as dificuldades do processo, mas buscar sempre colocar em prática a sua


condição de co-responsável pela sua auto, hetero eco-formação. (REIS, 2013, P. 129)

Dentro desse contexto, é importante

ressaltar que o último gráfico que se encontra expresso abaixo foi elaborado com a finalidade de verificarmos se a prática docente dos sujeitos dessa pesquisa está

Figura 5: Gráfico representativo da contribuição da prática docente para implementação da lei 10.639/03 (acervo dos autores)

contribuindo para a implementação da lei nas escolas públicas municipais de JuazeiroBA.

também para que os mesmos consigam avaliar suas práticas tendo como referencial as questões raciais.

(Ver Figura 5)

CONCLUSÕES

Os resultados apresentados no gráfico demonstram que 21 (vinte e um) professores consideram que a sua prática docente contribui com a implementação da lei, por sua vez 22 (vinte e dois) professores responderam que não e 23 (vinte e três) não responderam a questão. Logo, é possível concluir que o conhecimento e reconhecimento da lei, por parte da maioria dos professores que participaram dessa pesquisa, são insuficientes para efetivação da mesma em meio às práticas pedagógicas realizadas nas escolas públicas municipais de Juazeiro - BA. Talvez seja insuficiente

Observamos, a partir dos dados apresentados, que a maior parte dos entrevistados desconhece a lei 10.639, mesmo ela estando em vigor desde 2003. Os números se apresentam como diagnóstico extremamente preocupante, pois desde 2004 foram também publicadas as Diretrizes Curriculares para a Educação das Relações Étnico-Racial e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira, um instrumento que tem por função regulamentar princípios orientadores do fazer curricular e, com isso, serve como pilares do desenvolvimento das políticas públicas dos sistemas e instituições

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educacionais. Nesse sentido, os princípios que perpassam essas diretrizes devem povoar todos os campos de ação dos professores, instituições e sistemas educacionais. Com isso, se faz imprescindível que as questões raciais se tornem pautas frequentes no cotidiano escolar. As ações de formação continuada para os profissionais desses sistemas e instituições se apresentam então, como elementos extremamente estratégicos para promoção do conhecimento e reconhecimento desse importante instrumento jurídico, trazendo assim as questões identitárias para o núcleo das preocupações e prioridades das agendas de professores, instituições e sistemas mutualmente. Ou seja, as formações continuadas são parte das obrigações do Estado para com os funcionários públicos, a partir de seus sistemas e instituições, assim como previsto em nossa LDB 9394/96. O município de Juazeiro vem construindo estratégias de formação continuada para seu corpo de profissionais docentes. A criação da Escola de Formação de Professores de Juazeiro (EFEJ) se apresenta como uma das principais iniciativas do Sistema de Educação Municipal, haja vista que nesse espaço são abrigadas as ações de formação continuada, contando com uma equipe permanente de formadores; além de acolher o polo da Universidade Aberta do Brasil (UAB) que oferta regularmente cursos de graduação e pós-graduação em parcerias com diferentes universidades federais. Mesmo assim, vale destacar que os dados analisados apontam ainda, que uma parcela minoritária dos entrevistados afirma não

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ter recebido da Secretaria Municipal de Educação qualquer espécie de formação que tivesse como centro problematizador as questões raciais, o que contraria as ações desenvolvidas e as afirmações da maioria dos entrevistados. Vale ressaltar que, desde o ano 2013, o município vem empreendendo esforços no sentido de fazer valer os princípios de uma educação contextualizada, contribuindo desta maneira para que o currículo possa ser mexido e apetecido como o campo pelo qual se pode incipientemente promover as mudanças tão esperadas no âmbito da escola pública, e que aqui não ficam de fora as perspectivas da Educação do Campo, da Educação Quilombola e da implementação da lei sobre a qual refletimos até então. Observamos ainda que, pouquíssimos dos entrevistados afirmaram ter realizado formações por iniciativa própria sobre as questões suscitadas pela lei. Essa informação se apresenta preocupante, pois o professor também é responsável pelo seu próprio processo formativo enquanto profissional da educação; além de sê-lo peça fundamental no embate político para institucionalização radical das demandas apresentadas pela referida lei. Conclui-se com isso que, o desconhecimento da lei 10.639/03, se dá, em grande medida, pela ausência de formações continuadas que tenham como objetivo trazer para o centro dos debates pedagógicos/ escolares as questões identitárias. Acreditamos então, que as questões raciais (racismo) devem povoar todas as formações continuadas dos educadores; no entanto, é imprescindível que sejam promovidas


formações que tenham como eixos centrais e estruturadores categorias como raça, identidade, diferença e interculturalidade, somando-se a essas poderíamos acrescentar gênero, sexualidade e classe. Desse modo, essa ausência de sensibilização e formação, impossibilita o fazer-se da principal força insurgente presente na lei 10.639/03. Essa que, sem sombra de dúvidas, é a de desestabilizar o currículo com sua desnaturalização, tornando visíveis os rastros dos conflitos e violências nos quais ele é produzido e que, pela ação mesma do currículo, são escamoteados, dando-nos a falsa impressão de sedimentação natural dos lugares no mundo. Uma educação contextualizada é fundamento pelo o qual se pode colorir os sistema educacional com as diversas cores dos saberes, dos valores e costumes culturais e pelas histórias de lutas e afirmação dos diversos povos que foram ao longo da nossa história de formação política, colocados à margem. Eis então o grande desafio posto a todos/as, sairmos dos enunciados definidos nos marcos legais da educação brasileira, para construirmos uma educação de sentidos, que no seu fazer cotidiano coloque em prática os princípios que fundamentam uma sociedade de fato e de direito democrática, equânime e socialmente referenciada.

Dr. Edmerson dos Santos Reis; Antônio Carvalho dos Santos Júnior; Rafael Santana Alves

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REFERÊNCIAS BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional 9394 de 1996. Brasília: Presidência da República, 1996. ______. Lei 10639 de 2003. Brasília: Presidência da República, 2003. ______. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Ético-Raciais e para o Ensino de História e cultura Afro-brasileira e Africana. Brasília: Presidência da República, Outubro, 2004. DIAS, Fernanda Vasconcelos. “Sem querer você mostra o seu preconceito!”: um estudo sobre as relações raciais entre jovens estudantes de uma escola de Ensino Médio. UFMG/FaE, 2011. FANON, Frantz. Pele Negra, Máscaras Brancas. Salvador: EDUFBA, 2008. FREIRE. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011. GELEDÉS, Instituto da Mulher. Racismo Institucional: Uma abordagem conceitual. Disponível em: http://www.seppir.gov.br/ Acesso em: 04 de dez. de 2014. HALL, Stuart. Da diáspora: identidades e mediações culturais. Liv Sovik (org.). Tradução de Adelaine La Guardia Resende. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2009. MARTINS, Josemar da Silva. Anotações em torno do conceito de educação para a convivência com o Semiárido. In: Educação para a Convivência com o Semiárido: reflexões teórico-práticas. Juazeiro (BA): Secretaria Executiva da Rede de Educação do Semiárido Brasileiro, Selo EditorialRESAB, 2011 MINAYO, M. C. O desafio do conhecimento: pesquisas qualitativas em saúde. 6a ed. São Paulo: Hucitec; Rio de Janeiro: Abrasco, 1999. NEVES, Aline; DIAS, Fernanda; HELENA, Heloísa. A diversidade de um povo. 2014. Disponível em: https://ufmgextensao.grude.ufmg.br/course/view.php?id=211&topic=3 Acesso em: 03 de dez. de 2014. PERROT, Marie-Dominique. Educação para o desenvolvimento e perspectiva intercultural. In: FAUNDEZ, Antonio (org.). Educação, desenvolvimento e cultura: contradições teóricas e práticas. 138


São Paulo: Cortez, 1994. REIS, Edmerson dos Santos. A formação dos profissionais da educação do Campo: direito dos educadores e dever do poder público. In: REIS, Edmerson dos Santos; CARVALHO, Luzineide Dourado; NÓBREGA, Maria Luciana da Silva. Educação e convivência com o Semiárido: reflexões por dentro da UNEB. Juazeiro: Bahia: UNEB-DCH-III/NEPEC-SAB/MCT/CNPq/Selo editorial RESAB, 2013. SANTANA, José Valdir Jesus de; SANTANA, Marise de;MOREIRA; Marcos Alves. Currículo, diversidade étnico-racial e Interculturalidade: algumas proposições.In: Educação, Gestão e Sociedade: Revista da Faculdade Eça de Queiros, ISSN 2179-9636, Ano 2, numero 6, junho de 2012. SILVA, Tomaz Tadeu da. A poética e a política do currículo como representação. Disponível: http:// www.educacaoonline.pro.br/a_poetica_e_a_politica.asp Capturado em 10/07/2004. SILVA, Delma Josefa da. Educação quilombola: um direito a ser efetivado. Recife: Centro de Cultura Luiz Freire - Instituto Sumaúma . disponível em: http://www.dhnet.org.br/dados/cartilhas/dht/ cartilha_cclf_educ_quilombola_direito_a_ser_efetivado.pdf acessado em 06 de julho de 2015.

¹ Que leve em consideração a contribuição das demais matrizes de formação do povo brasileiro, principalmente a negra e indígena, uma vez que é impossível se perceber o Brasil sem essas marcas fundamentais na miscigenação do povo brasileiro. Sendo assim, currículo enegrecido, ou seja, que fuja de um padrão único, europeu, brando, macho e excludente. ² Pautadas por posições de higienização e eliminação de raças e ou grupos sociais considerados inferiores pelas raças e grupos dominantes.

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Amanda Sobral


EXPERIÊNCIA E PROCESSOS FORMATIVOS NA REDE INDÍGENA DE PERNAMBUCO: o Pibid Diversidade e as leituras decoloniais SILVA, Everaldo Fernandes da SILVA, Jaqueline Barbosa da

Resumo Este texto intenciona compartilhar os projetos pedagógicos e de políticas afirmativas que estão sendo vivenciados com os Povos Indígenas de Pernambuco. Essas práticas educativas que comportam iniciação à docência, pesquisa e intervenção estão sob a égide o Pibid Diversidade da Universidade Federal de Pernambuco no Campus Caruaru. O presente artigo apresenta de forma analítico-compreensiva a realização do I Seminário de estudo e socialização deste Programa da Capes, durante o mês de novembro de 2014, contando com a participação da Rede Indígena do Estado e de pesquisadores/as da ALAS (Associação Latino-americana de Sociologia). Sob os marcadores teóricos da abordagem decolonial, os relatos, os subprojetos desenvolvidos, as mesas de diálogo e as contribuições dos docentes/pesquisadores foram significativos em sublinhar as reais aproximações e imbricações entre a Educação Básica, a Universidade e a Sabedoria dos Ancestrais Indígenas. Educação Escolar indígena, Pibid Diversidade, Rede Associacionista Este texto tiene la intención de compartir los proyectos educativos y políticas afirmativas que se están experimentando con los Pueblos Indígenas de Pernambuco. Las prácticas educativas de introducción a la enseñanza, investigación y la intervención están bajo la responsabilidad de la Universidad Federal de Pernambuco, en el Campus Caruaru, Diversidad PIBID. En este artículo presenta de forma analítica forma analítica la realización del primero seminario de estudio y socialización de este Programa Capes que pasó en el mes de noviembre de 2014, con la participación Red Indígena del Estado y los investigadores /ALAS (Asociación Latinoamericana de Sociología). Bajo los marcadores teóricos del enfoque descolonial, los informes, del subproyectos desarrollados; las mesas redondas y las contribuciones de los profesores /investigadores fueron significativos para enfatizar los enfoques actuales de la Educación Básica e de la Universidad y la Sabiduría de ascendencia indígena Scuela de educación indígena, PIBID diversidad, Red Asociacionista 141


INTRODUÇÃO O Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência para a Diversidade, vinculado a Pró-Reitoria Acadêmica (Proacad), em desenvolvimento no Centro Acadêmico do Agreste da Universidade Federal de Pernambuco representa uma fonte de diálogo entre a Educação Básica, a Universidade e as comunidades indígenas de Pernambuco. As ações extensionistas vinculadas a este Programa têm diferentes acentos na relação socioeducativa, desencadeando um conjunto de atividades que evidenciam o fazer escolar e a formação para a vida. Nesta direção, o presente texto evidencia a dinâmica formativa, aprendente e paritária na construção do conhecimento, elegendo os resultados do primeiro ano de trabalho da II edição do Programa (20142017) , socializados no I Seminário da Rede Indígena de Pernambuco/II Encontro Institucional do Pibid Diversidade. O diálogo aprendente e paritário das ações desencadeadas pelos sujeitos participantes do Programa constituíram-se num acervo de informações que aproximaram os saberes mobilizados pelas instituições de Ensino, da Educação Básica e de Ensino Superior, dos saberes advindos dos Povos Indígenas, promovendo alcances decoloniais com a participação de docentes/pesquisadores nacionais e Latino-Americanos.

A REDE INDÍGENA DO PIBID DIVERSIDADE

O projeto institucional Professores

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Indígenas de Pernambuco: formação, pesquisa e prática pedagógica/Área intercultural indígena do CAA da UFPE busca, na II edição (2014-2017)¹, estreitar o diálogo Comunidade-e-Universidade e valorizar as experiências e saberes tradicionais da população indígena de Pernambuco, visibilizando os saberes formadores e propiciadores de construção do conhecimento, bem como contribuindo com a melhoria da qualidade da Educação Escolar Indígena. O Pibid Diversidade contempla a participação dos/as Universitários/as da Educação Escolar Básica Indígena. O planejamento, acompanhamento, encaminhamento e sistematização das ações inclui a participação de 126 Universitários/as do Curso de Licenciatura Intercultural Indígena, vinculados à supervisão de 14 indígenas, sendo 50% egressos da I edição do Programa, sete coordenadores de área, um Coordenador de Gestão de Processos Educacionais e uma Coordenação Institucional. Estes Universitários/as do Pibid Diversidade encontram-se em onze Povos indígenas, são eles: Atikum, Entre Serras, Fulni-ô, Kapinawá, Kambiwá, Pankararu, Pankará, Pipipã, Tuxá, Truká e Xukuru, distribuídos em 15 municípios do sertão e agreste pernambucanos² , os quais encontram-se entre 200 e 600 km de distância, entre a casa e a escola, caracterizados pelos aspectos bucólicos, em sua maioria de difícil acesso, com escassez de transportes e restritos recursos tecnológicos. Essa realidade assemelha-se a de outras populações indígenas, evidenciadas em pesquisas que tomam a formação de professores indígenas do nordeste do Brasil como objeto de estudo (ALMEIDA, 2002; ALMEIDA, 2014).


Em nível nacional, o Programa conta com o apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e o incentivo da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) na formação de professores para a educação básica e, especificamente, na formação inicial de professores nos cursos de licenciatura das instituições de educação superior.

Nesta direção, o Programa amplia o diálogo com a educação escolar indígena e enseja fortalecer a educação própria e diferenciada, contemplando ações outras que fortaleçam os saberes tradicionais e permitam o diálogo com as diferenças. Para atender esta proposição, neste primeiro ano (2014-2015), dois projetos têm permitido integrar a educação superior à educação básica, visando estreitar os distanciamentos entre a Comunidade-e-Universidade. O primeiro deles refere-se ao Projeto Mediação de Leitura/Centro de Estudo em Educação e Linguagem (CEEL), o qual visa, conjuntamente com o público participante, promover uma ação de formação de leitores nas escolas indígenas, subsidiando a criação e/ou estimulando a consolidação das bibliotecas comunitárias. O segundo é o Projeto Rede Indígena que compreende o caráter formativo, aprendente e paritário dos sujeitos envolvidos, universitários-e-supervisores-e-coordenadores de área, possibilitando a todos/as estes atores/ atrizes socioculturais descobrirem-se como sujeitos aprendentes e ensinantes simultaneamente. Nesta perspectiva, o Projeto contempla o desenvolvimento de um registro analítico-compreensivo do transcurso

da formação de professores/as indígenas em seu exercício teórico-e-prático da vivência e docência dos Povos indígenas de Pernambuco. Neste Projeto, estarão inclusas, além do percurso educativo e de natureza específica, as condições de infraestrutura e da geopolítica do conhecimento presentes, local e interlocalmente dos Povos Indígenas de Pernambuco. Os referidos projetos, instituídos no Pibid Diversidade, ampliam os subprojetos que vêm sendo desencadeados nos povos indígenas, a saber: Gestão da educação escolar indígena, Educação Inclusiva, Bem viver e tecnologias, Língua, Leitura e Produção de Textos, Arte indígena, Saberes tradicionais, e, Processos Próprios de Ensino e Aprendizagem. Aliam-se a estas iniciativas a Comissão dos Professores Indígenas de Pernambuco (COPIPE)³ , instância de consulta e espaço político das discussões educacionais para garantir o direito e a autonomia dos Povos Indígenas de Pernambuco na construção de um projeto societário. Esta comissão é resultante do fortalecimento dos Povos indígenas em suas históricas lutas de direitos socioculturais, em especial, a luta pelas terras e por uma educação diferenciada, específica e intercultural, em busca da valorização da cultura, da organização da escola, da história indígena revisitada, bem como da organização material e simbólica de cada Povo. Noutras palavras, a COPIPE é um espaço político em que a luta indígena con-

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fronta-se com o Estado, impelindo-o ao respeito e valorização da cultura indígena, bem como a ampliação das políticas públicas que contemplem as especificidades e necessidades dos referidos povos. Nesta perspectiva, cada população indígena tem avançado na construção de uma escola própria e diferenciada, alavancando a autonomia dos autóctones nos espaços múltiplos e públicos das realidades sociais contemporâneas. Soma-se a essas Redes, o Curso de Licenciatura Intercultural Indígena4 e o Programa de Educação Tutorial (PET). No caso do Curso Superior, o diálogo entre a vida das comunidades de cada povo e a necessidade de formação para a docência indígena é fortalecido na relação entre a teoria e a prática e entre a universidade e as comunidades indígenas. Nessa relação, o PET, sob a tutoria de um docente, atende ao princípio da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Assim, a formação em Rede acentua um processo educativo e aprendente, combatendo as múltiplas formas de colonialidade, o individualismo e as relações de poder.

17 a 19 de novembro de 20145 , vislumbrou o estreitamento do diálogo entre Comunidade-e-Universidade, dando visibilidade aos saberes formadores e propiciadores de construção do conhecimento, evidenciando o caráter formativo, aprendente e paritário dos sujeitos envolvidos, Universitários/Indígenas-e-Supervisores-e-Coordenadores de Área-e-Redes Associacionistas, destacando-se a presença de lideranças indígenas, pesquisadores indigenistas, Professores/Colaboradores do CEEL e Professores/Pesquisadores da Associação Latino-Americana de Sociologia (ALAS). As mesas redondas, as rodas de diálogos e o cine autoral expressaram o caminho promissor e aprendente, construído por parte de todos/as os/as integrantes que compõem o Pibid Diversidade, movimentando-se por uma postura crítico-propositiva em termos de inculturação, de aproximação entre as intencionalidades que substanciam este Programa com as realidades complexas e específicas das populações indígenas de Pernambuco.

O PIBID DIVERSIDADE E A VISIBILIDADE DAS PRÁTICAS EDUCATIVAS: LEITURAS DECOLONIAIS

No período do evento em pauta, os percursos socializados pelos Povos indígenas anunciaram a dinâmica do trabalho, evidenciaram novas aprendizagens, bem como demostraram as riquezas culturais destes povos nativos e, simultaneamente, desafiados perante as insistentes constatações da ausência das políticas públicas nas questões etnicorraciais locais e regionais.

O I Seminário da Rede Indígena de Pernambuco/II Encontro Institucional do Pibid Diversidade realizado no período de

A socialização das experiências gestadas in loco evidenciou as reflexões e ações desencadeadas na Educação Básica, além de

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elucidar novas temáticas, ampliando os conhecimentos acerca de uma Educação Escolar Indígena específica e diferenciada. Dentre as ações apresentadas, destacam-se: O subprojeto Bem Viver e Tecnologias, vivenciado no Povo Truká, evidencia o caráter sociocultural e humano, ampliando a forma de olhar o Rio São Francisco, enquanto fonte de vida do Povo Truká e de todos os ribeirinhos que se encontram à margem deste rio no Estado de Pernambuco. A socialização do vídeo/documentário, no cine autoral, produzido pelos sujeitos envolvidos neste subprojeto, deu visibilidade a elementos da natureza característicos do Povo, evidenciando a dualidade complementar entre o “bem da vida” e o “viver bem”. Ou seja, o “bem da vida” é representado pela manutenção do rio, o qual fortalece a sobrevivência dos Povos indígenas e ribeirinhos ofertando-lhes diversas formas de sustento material e simbólico. Por outro lado, o “viver bem” anuncia a gravidade de um contexto que privilegia as práticas mercadológicas, denunciando que o não cuidado com a preservação da natureza acarreta um problema gravíssimo para os indígenas e os não indígenas do território pernambucano, [...] o sangue que nos alimenta “tá” contaminado (Universitário e bolsista do Pibid Diversidade/Liderança do Povo Truká de Orobó/PE).[...] matando o rio, as pessoas que dependem dele vão juntas (Cacica do Povo Truká de Orobó/PE).

Nestes depoimentos, sublinhamos

que o projeto intervencionista Origem, cultura e a sobrevivência do Povo, põe em relevo a vida simbólica e material do Povo, seja refletindo a importância dos valores dos Povos indígenas, especificamente no que diz respeito à forma de vida diferenciada do “mal viver” da sociedade ocidental; seja elucidando o lugar da educação escolar indígena própria, dando assento à cultura e às formas de vida e de saberes desses povos. O subprojeto Gestão da Educação Escolar Indígena atende aos Povos Pankará e Pipipã e trabalha a gestão da educação escolar indígena, atendendo ao princípio da interculturalidade. O vídeo/documentário exibido no cine autoral apresentou a relação entre o conhecimento acadêmico em horizontalidade com os conhecimentos dos Povos. Enquanto instrumento áudio-visual, o texto exibido deu visibilidade ao cenário geográfico das comunidades indígenas, Pipipã e Pankará, bem como evidenciou a concepção de educação coletiva na organização da gestão escolar indígena, enfatizada nos depoimentos dos que fazem a comunidade indígena, lideranças, cacicado, pajés, professores/as. O subprojeto Educação Inclusiva, dos Povos Pankararu e Entre Serras, contempla uma série de atividades dirigidas à Educação Básica da educação escolar indígena. Apesar da educação inclusiva não ser uma discussão nova, traz desafios e exige um novo pensar/ olhar sobre o tema, entre outros por ter “[...] muitas crianças especiais nas aldeias” (Supervisora de Área do Pibid

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Diversidade/Povo Pankararu). Ao contemplar ações integradas que vislumbrem a perspectiva da transdisciplinaridade, o referido subprojeto possibilitou diagnosticar quem são os sujeitos com deficiências e quais os tipos de doenças. Após esse diagnóstico o estudo dos marcos legais da educação inclusiva aliou-se ao projeto Mediadores de Leitura, promovido pelo CEEL, articulando ações que possibilitassem a alfabetização das crianças com deficiência. Nesta direção, a meta é criar uma biblioteca itinerante, acessível a comunidade, efetivando a consolidação do processo de alfabetização das crianças com deficiências. Nesta direção, a meta é criar uma biblioteca itinerante, acessível a comunidade, efetivando a consolidação do processo de alfabetização das crianças com deficiências. O subprojeto Língua, Leitura e Produção de Textos, em desenvolvimento no Povo Xukuru, proporciona orientações acerca do processo de aquisição do sistema de escrita e de desenvolvimento das habilidades de uso da escrita, na escola indígena. O foco nas atuais concepções sobre a aprendizagem da língua escrita e, consequentemente, sobre o seu ensino oportunizou, aos/ as Universitários/as indígenas, a discussão e elaboração de projetos intervencionistas sob diversas temáticas, tais como: a medicina tradicional do povo Xukuru: um encantamento pela leitura e escrita através da ciência dos mais velhos; Ler e escrever a partir

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das histórias e experiências dos mais velhos; Jogos e brincadeiras do Povo Xukuru; A cultura material e simbólica do Povo Xukuru; Histórias e Mitos do Povo Xukuru; Pintura corporal Xukuru; Histórias contadas pelos toípes: um instrumento de fortalecimento da identidade étnica e facilitador do processo de leitura e escrita; A geografia Xukuru; A Igreja Católica e a Resistência Xukuru; Um olhar histórico para o nome do nosso povo e aldeias: ler e escrever através dos nomes e seus significados; Educação Xukuru na escola: a interdisciplinaridade a partir dos saberes do povo; Um olhar histórico para o nome do nosso povo e aldeias: ler e escrever através dos nomes e seus significados; Cuidando da mãe natureza, os opip Xukuru reciclando e recriando; As histórias do Povo Xukuru contadas e recontadas pelos Toíopes e A leitura que dá frutos. As ações intervencionistas imbricam-se na vida do Povo Xukuru, transcorrendo as identidades individuais e coletivas, bem com suas práticas educativas. A educação Xukuru, nesta esteira da memória coletiva, dá-se na relação da própria comunidade com os mais velhos e na interlocução com o sagrado que se comunica através dos segredos da natureza interpretados pelo Pajé. Neste contexto socioeducativo, a educação escolar deste Povo consolida-se com as contribuições da formação dos professores na perspectiva decolonial. Na apresentação do Seminário, tiveram espaços as crenças e místicas do Povo.


Na roda de diálogo sobre a produção Textual na Educação Escolar Indígena, a compreensão dos mitos adquiriu força, contrariando as imagens de mentira, de crendices, de compreensões mágicas e ilusórias do real. Isto se deu à medida que a abordagem racionalista e cartesiana, sob a pretensão de verdade científica, foi tomando proporções expressivas nas leituras de mundo transmitidas nas escolas e na mídia. Na mentalidade Xukuru, os mitos são narrativas que manifestam verdades existenciais e legitimadoras das suas autoidentidades, portanto, fornecem referenciais coletivos e imemoriais que forjam as referências basilares do ser e das lutas do Povo Xukuru. O subprojeto Arte indígena, vivenciado pelo Povo Kambiwá, ao proporcionar a ampliação do debate e compreensão sobre o ensino de arte, buscou contextualizar a educação escolar indígena do Povo Kambiwá, seja registrando a arte indígena vivenciada na educação escolar do Povo, seja procedendo a orientação do planejamento de estratégias reflexivas que promovessem o intercâmbio de experiências entre os Povos. Neste subprojeto, a metodologia utilizada consistiu no diálogo permanente entre os sábios da comunidade e as novas gerações, mediado pelo/a professor/a, ao mesmo tempo, que a confecção dos artefatos artístico-culturais também se dava paritariamente. Deste modo, o fazer conjunto e compartilhado retrata a marca predominante do caminho ensinante e aprendente desse grupo étnico.

A aprendizagem dos conhecimentos artísticos a partir daqueles/as que produzem a arte no Povo Kambiwá evidenciou a inter-relação entre o fazer, o ler e contextualizar arte, desafiando o/a professor/a indígena a ser pesquisador de sua arte. Assim, o Povo Kambiwá tem reafirmado sua identidade étnico-cultural no processo de construção do conhecimento artístico, seja contribuindo através dos registros escritos da produção artística, seja preservando a identidade étnica através da presença e depoimentos no âmbito escolar daqueles/as que fazem a arte no Povo. O subprojeto Saberes tradicionais, presente nos Povos Atikum e Fulni-ô, elegeu a temática Arte-artesanato como fortalecimento da identidade indígena, dando destaque à literatura infanto-juvenil indígena desses povos e à descrição do processo de coleta da matéria-prima na confecção das produções artísticas, enfatizado, sobremaneira, pelo Povo Fulni-ô. O conjunto de entrevistas, realizadas com os artesãos e artesãs dos referidos povos, adquiriu proeminência nos espaços e presenças comunicantes. Assim, o artesanato Fulni-ô, especificamente, descobre-se nesta rota etnológica e simbólica a sua maneira própria de autoexpressão, socializado no vídeo: A identidade Fulni-ô através da Arte. O Pibid Diversidade viu-se neste caminho contribuinte, socializando o passo a passo da fabricação dos materiais artísti-

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co-culturais, ao mesmo tempo, em que sinaliza a escassez da matéria prima e a não continuidade do processo de fabricação artesanal, de alguns dos artefatos, pelas novas gerações. [...] a arte nasceu como uma necessidade de caracterizar seu povo, para dar identidade. A natureza é quem dá direcionamento para as práticas cotidianas. (Supervisora de Área do Pibid Diversidade/Povo Atikum).

Outrossim, a Educação Escolar Indígena assume a função de afirmação das identidades éticas, seja recuperando as memórias históricas, seja valorizando as linguagens e (re)conhecendo sua arte/artesanato na revitalização da relação entre escola/sociedade/ identidade. O subprojeto Processos Próprios de Ensino e Aprendizagem contempla os Povos Kapinawá e Tuxá e vem aprofundando o autoconhecimento das aprendizagens e ensinagens indígenas enquanto instrumento de fortalecimento da identidade cultural. Nestes Povos, as atividades têm obedecido às diferentes metodologias: as rodas de diálogo e aulas práticas, reunindo lideranças e a comunidade escolar, passando pela leitura e estudos dirigidos sobre conteúdos relacionados à temática dos processos próprios de aprendizagem. Este percurso da construção também inclui a realização de oficinas e feiras de conhecimentos nas escolas. Um ponto importante a ser sublinhado, em termos metodológicos, é a participação de lideranças (envolvidas diretamente ou

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não com a comunidade escolar) no planejamento das atividades/ações. A integração das atividades coletivas é presentificada no ensino de história, geografia, matemática e língua portuguesa, privilegiando o tempo histórico, os métodos e as técnicas desenvolvidas ancestralmente pelos indígenas das aldeias, principalmente pelos que não tiveram acesso à escola. Assim, a revalorização dos processos próprios de ensino e aprendizagem, bem como da cultura local, através da presença das lideranças nas atividades escolares, tem sido fundamental para a reafirmação da identidade cultural dos povos. Este caminho é traçado entre as escolas das aldeias e os sábios da comunidade. Ao favorecer uma clareza a respeito da função social da escola indígena, o subprojeto tem favorecido uma melhoria no que tange à organização do trabalho docente dos/as bolsistas Universitários/as, preocupando-se com o que fazer, como fazer, que material utilizar e como estabelecer um diálogo entre a cultura indígena e não indígena, afim de eximir, entre outras, “[...] as dificuldades dos saberes matemáticos na sala de aula das aldeias” (Supervisora de Área do Pibid Diversidade/Povo Tuxá). Ou seja, buscam-se “[...] estratégias para que oensino/ aprendizagem sejam realizados com sentidos” (Supervisora de Área do Pibid Diversidade/Povo Tuxá). O foco do valor da terra e das memórias do povo exemplificam algumas das ações intervencionistas nos Povos Tuxá e Kambiwá. Ao vislumbrar as ações na ótica dos Po-


vos originários, os pesquisadores da ALAS, presentes no evento, partilharam suas impressões, instituindo um destaque das ações desencadeadas pelo Pibid Diversidade nos Povos indígenas de Pernambuco. O fio articulador, ser indío-a/ser Professor-a/serUniversitário-a, visibiliza a aldeia, enquanto Universo de socialização de saber na relação com a Universidade e a vida. Ou seja, a importância de se ter o índio como professor dentro das aldeias, a necessidade de se ter mediadores para o diálogo entre os Povos indígenas e a realidade global e o próprio modo de vida dos Povos como fonte de saberes, de enunciação. Para a professora/pesquisadora Maria da Glória Gohn, da Universidade de Campinas (UNICAMP), o aprender fazendo, do índio professor, torna-o agente/autor de sua história, dando um destaque ao alcance significativo das experiências socializadas pelos pibidianos e pelos coordenadores de área. Para Milton Vidal Rojas, Secretário da Presidência da ALAS/Chile, o Pibid Diversidade na Universidade faz evidenciar as especificidades dos Povos indígenas, anunciando suas necessidades, respeitando suas diferenças e reconhecendo, nestes Povos, seu lugar no mundo social, enquanto sujeitos de direitos. Está claro que ainda se tem muitas necessidades. Não há um respeito às línguas desses povos no meu país. No Chile, a educação formal assiste à população mais carente. A educação deve ser parte do bem viver também (MILTON VIDAL ROJAS/ Secretário da Presidência da ALAS/Chile).

Essa perspectiva do diálogo e reconhecimento do sujeito aprendente, segundo Milton Vidal Rojas “assusta professores conservadores”. De inspiração Freireana, essas perspectivas rompem com as relações hierárquicas, investindo no ser diferente, nas práticas cordiais, desafiando os “direitos iguais e direitos diferentes respeitando os iguais” (Milton Vidal Rojas). Essa maneira de conceber a experiência formativa sublinha a existência do respeito no processo formativo entre os indígenas, destacando que neste processo todos são considerados intelectuais, sujeitos epistêmicos. E, nesta direção, assumindo o projeto decolonial, somos todos índios (Adrian Oscar Scribano/Conicet/Argentina). Em outras palavras, na formação do sujeito aprendente desafia-nos a integração cultural entre os Povos indígenas e os sujeitos não indígenas, anunciando diversas pedagogias, entre elas: da leitura, da pintura, da escrita e da música. Ou seja, “o desafio é mover diversas pedagogias” (Angeli de Sena - UBA/Argentina). Os atores envolvidos com a Rede Indígena, ao anunciarem outras pedagogias, apontam para outra ideia de tempo, rompendo com o cronológico. Pois, os modos de vida daqueles e daquelas que se mantém afastado do Centro, anuncia uma territorialidade e uma temporalidade que privilegia a história de vida dos sujeitos e suas características e ritmos próprios. As experiências em foco revelam a dinâmica do pensar e fazer a educação escolar in-

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dígena, configurando-se em identidades próprias e práticas organizativas decoloniais situadas entre as forças do Estado e os imperativos do Mercado. Assim, o conjunto destas ações coloca em proeminência a visibilidade da educação escolar indígena e anuncia os desafios e emergência da garantia de políticas públicas de direitos essenciais para a manutenção material, simbólica, identitária, econômica, histórica, geográfica e social dos Povos indígenas. A conquista de espaços para dialogar e estreitar a relação entre os indígenas e não-indígenas evidencia a visibilidade dos grupos minoritários. Na secretaria da educação se trava uma batalha necessária para o fortalecimento da educação escolar indígena. Dentro da universidade enxergamos outras necessidades. O Pibid Diversidade, nesta relação, vem promovendo um diálogo importante. Porém, desenvolver ações escolares é uma missão de todos. (Universitário e bolsista do Pibid Diversidade/ Liderança do Povo Truká de Orobó/ PE).

A alavanca do diálogo foi acionada e, neste movimento, emerge outras necessidades, tais como, a de pensar a ampliação da oferta de Curso Superiores para valorização da fauna e da flora, destacando, bem como, os Cursos de medicina e engenharia que contemplem os saberes tradicionais e locais. Articular-se em Redes foi uma necessidade para a manutenção dos Povos diferenciados. O Estado via os indígenas como cultura de transição, estariam introduzidos no espaço brasileiro, abdicando nossa cultura. Assim, nascem

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movimentos como o movimento indigenistas: pedagogos, professores... unidos e trabalhando com os Povos indígenas para a afirmação e recuperação da cultura (Indigenista/ Docente/Pesquisadora Eliene Amorim de Almeida).

A educação, como sendo a reflexão sobre a própria vida, tem assento nas socializações, diálogos e debates, propondo a abertura de novos mundos, novas ações, novas formações, em que o Toré, ritual sagrado que representa todos os Povos de Pernambuco, anuncia uma nova prática, convidando os sujeitos a inserirem-se no coletivo. Assim, ao longo do evento, seja realizando a abertura das atividades, seja finalizando-as, o Toré instalou-se com o intuito de proporcionar o fortalecimento da identidade, agradecer e comemorar a possibilidade do encontro. Neste ritual, o cântico do “toante” contemplou as etnias indígenas de Pernambuco e foi experienciado pelos participantes, indígenas e não indígenas. Estas leituras, dos modos próprios de produzir e de gerir a metodologia/epistemologia das ações do Pibid Diversidade, entrecruzaram-se com as contribuições dos Estudos Pós-coloniais Latino-Americanos (MIGNOLO, 2007; MALDONADO-TORRES, 2007; SILVA, SILVA e SILVA, 2014) que propõem a “desnaturalização” dos olhares viciados pela modernidade, pela colonialidade e pelo capitalismo, trazendo para a convivência escolar a comunidade, a ancestralidade, a territorialidade e o sagrado. Nestas ações, as escolas passam a ser espaços produtores de reflexão, as aldeias


tornam-se campos de vivências e de ensinagens e os anciãos representam as fontes de pesquisa, em que os sujeitos aprendentes substituem a leitura das condições de vida de subalternizados por posturas autoafirmativas em relação à história local e à identidade indígena.

O PIBID DIVERSIDADE PARA ALÉM DA EXTENSÃO O Evento em pauta disponibilizou-nos os alcances das iniciativas socioeducativas que dão vida própria as Redes Associacionistas, tanto em termos autoidentitários, quanto nas contribuições formativas entre os espaços educacionais escolares e não escolares. As redes associacionistas, que estão presentes na luta dos Povos indígenas e que contribuem com o Pibid Diversidade, representam uma história construída em meio às contradições, nas lutas dos movimentos sociais. Logo, compreendemos que as Redes alcançam o Estado, o social e o imaginário da competitividade. O imaginário social tem, silenciosamente, desmantelado as redes, silenciando-as do cotidiano das TVs, ausentando seu alcance da população em geral, internalizando, via cultura do consumo, um imaginário único e padronizado do ser humano e das classes sociais. O Estado nacional ao mascarar a perspectiva do Estado pluricultural restringe as fronteiras do saber/conhecimento. E, a reeducação do olhar, ajuda no deslocar da visão dualista de ser humano. O saber/o conhec-

imento é o corpo todo, não é só a cabeça/o guardar na mente, não fica no campo da mente, mas acomete todo nosso corpo. Ela faz parte da nossa autocompreensão, da nossa corporeidade e dos nossos modos de ser e estar no mundo. Assim, o conhecimento amplia fronteiras, alargando-as, não ficando restrito aos espaços escolares e às teorias especulativas. A questão tempo passado/futuro ultrapassa a cronologia internalizada pelo nosso ser, passando a compor uma relação de convivência e percepção ativa que atribui sentido a um novo modelo de mundo. Com este entendimento das práticas cognoscentes, as redes como um meio de ajudar a destruir esse olhar viciado/colonial/ superior, internalizado pelas padronizações que excluem o diferente, anunciam formas outras de construção do conhecimento, contemplando, entre outras: a observação, a intuição e a orientação dos encantados. A história que nós conhecemos hoje se construiu em meio às contradições e diferenças dos movimentos. A ideia do “cuidar de si mesmo” cultivada pela sociedade capitalista, não resiste ao princípio da coletividade. Pois, na dinâmica de vida dos Povos indígenas, retirar-se do coletivo, se isolando, significa o extermínio sociocultural. A vida como espaço pedagógico descoloniza o olhar, fortalece o intercâmbio entre as redes, possibilitando as trocas de saberes em espaços diversificados (institucionais ou não). A conversa entre os Povos indígenas, a América Latina e outros continentes, vislumbrados de acordo com os interesses dos Povos, potencializa a utilização

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de estratégias que denunciam o imaginário individualista e competitivo do mercado neoliberal. O evento apontou a necessidade de manutenção das redes associacionistas, disponibilizou um acervo de depoimentos e informações que estreitaram os saberes entre o Ensino Superior-a Eeducação Básicae-os Povos indígenas, bem como produziu reflexões nos indivíduos participantes, permitindo, de um lado, a rememoração dos saberes tradicionais, e, do outro lado, o estranhamento individual e coletivo das práticas educativas. A gratidão explícita na rememoração da vida, nas ações desencadeadas pelo Pibid Diversidade, anuncia a necessidade de fortalecimento social diante da mercadorização da vida, desafiando as estratégias de enfrentamento do cotidiano perante a coletividade, a globalização e o poder do Estado nacional. Por fim, o saber/conhecimento propiciado no processo de construção paritária entre os espaços/sujeitos institucionais e a comunidade indígena deu visibilidade à identidade coletiva dos Povos indígenas do agreste e do sertão pernambucanos. Este seminário significou resistência identitária, socialização de iniciativas coletivas em prol do fazer valer a histórica presença e contribuições de grande parte dos indígenas do nordeste do Brasil.

SILVA, Everaldo Fernandes da Doutor em educação pela Universidade Federal de Pernambuco, Mestre em Teologia pela faculdade Jesuíta de filosofia e Teologia. Professor adjunto da Universidade Federal de Pernambuco SILVA, Jaqueline Barbosa da Doutora e mestra em Educação pela Universidade Federal de Pernambuco, Coordena a área de Ciências Humanas e sociais do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação á Docências, PIBId Diversidade CAPES SECADI MEC. Professora Adjunta da Universidade Federal de Pernambuco

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REFERÊNCIAS ALMEIDA, Eliene Amorim de. A política da Educação Escolar Indígena: limites e possibilidades da escola indígena. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Educação da UFPE, Recife/PE, 2002. ALMEIDA, Patrícia Fortes de. Currículo em “Movimentos” a constituição do saber escolar pelos índios Pankará da Serra do Arapuá – PE. . Dissertação de Mestrado: UFRN, 2014. MALDONADO-TORRES, Nelson. Sobre la colonialidad del ser: contribuicones al desarrollo de um concepto. El Giro Decolonial: reflexiones para una diversidade epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores, 2007. MIGNOLO, Walter. El Pensamiento Decolonial. El Giro Decolonial: reflexiones para una diversidad epistémica más allá del capitalismo global. Bogotá: Siglo del Hombre Editores, 2007. p. 25-46. SILVA, Fátima Aparecida da; SILVA, Jaqueline Barbosa da; ALMEIDA, Eliene Amorim de. Diversidade e educação escolar indígena em Pernambuco: o Programa Institucional de Iniciação à Docência no contexto da UFPE. Reflexões e ações sobre educação, estado e diversidade. 2ª ed., Recife/PE: Editora UFPE, 2014. SILVA, Janssen Felipe da; SILVA, Everaldo Fernandes da; SILVA, Jaqueline Barbosa da. Educação Populares e Movimentos Sociais nas Crises da Modernidade: um olhar através dos Estudos Pós-Coloniais. Lumen, v. 23, n. 1, jan./jun., 2014. p. 09-26

¹Para conhecer o alcance e dinâmica metodológica da I edição do Pibid Diversidade acessar Silva, Silva e Almeida (2014). ²Águas Belas, Buíque, Cabrobó, Carnaubeira da Penha, Floresta, Ibimirim, Inajá, Jatobá, Orocó, Pesqueira, Petrolândia, Poção, Salgueiro, Tacaratu e Tupanatinga. ³Esta Comissão foi criada em 1999, sob a iniciativa do Povo Xukuru e constituída por dois professores indígenas e lideranças de cada Povo. Ela representa, no movimento indígena, a luta pela educação escolar específica e diferenciada, tendo sua missão materializada na conquista de políticas públicas que visam um projeto societário.

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Essa comissão prima pela autonomia dos Povos indígenas de Pernambuco, viabilizando as lutas pela garantia e conquista de espaço autonômico, político e democrático. Aprovado em 2008 pelo Edital 01 do PROLIND/MEC/SESu, tendo suas atividades iniciadas no ano de 2009. O Curso, desencadeado pelo Centro Acadêmico do Agreste da UFPE, é destinado à formação dos professores indígenas que atuam na Educação Básica, particularmente, nos anos finais do ensino fundamental e ensino médio em escolas indígenas. 4

O evento foi sediado no hotel Canariu´s, localizado em um dos municípios do agreste pernambucano, a saber: Gravatá/PE. 5

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