Revista Jornalismo e Cidadania Nº39

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Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE

nº 39 | Novembro e Dezembro de 2020

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade | PPGCOM/UFPE

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ISSN 2526-2440
JORNALISMO E CIDADANIA

Expediente

Editor Geral | Heitor Rocha

Professor PPGCOM/UFPE

Editor Executivo | Ivo Henrique Dantas Doutor em Comunicação

Editor Internacional | Marcos Costa Lima

Pós-Graduação em Ciência Política/UFPE

Revisão | Laís Ferreira / Bruno Marinho Mestre em Comunicação / Mestre em Comunicação

Alunos Voluntários |

Júlia Monteiro Cardouzo

Thomaz Antonio Costa e Alvim Matheus Henrique dos Santos Ramos

Colaboradores |

Alfredo Vizeu

Professor PPGCOM - UFPE

Túlio Velho Barreto

Fundação Joaquim Nabuco

Gustavo Ferreira da Costa Lima

Pós-Graduação em Sociologia/UFPB

Anabela Gradim

Universidade da Beira Interior - Portugal

Ada Cristina Machado Silveira

Professora da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM

Antonio Jucá Filho

Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ

João Carlos Correia

Universidade da Beira Interior - Portugal

Leonardo Souza Ramos

Professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC –Minas Gerais e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Potências Médias (GPPM)

Rubens Pinto Lyra

Professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas  da UFPB

Ana Célia de Sá

Jornalista Doutoranda do PPGCOM/UFPE

Alexandre Zarate Maciel

Professor da UFMA e Doutor em Comunicação pela UFPE

Índice

Editorial | p.3

Evangélicos e Católicos: o que os distancia e aproxima - Rubens Pinto Lyra | p.4

A Maravilhosa e Terrível Revolução 4.0 - Marcos Costa Lima | p.6

Campanhas sociais sobre a qualidade televisivaTicianne Perdigáo | p.8

Venezuela’s National Assembly elections: a victory for Chavismo - Francisco Dominguez | p.10

Jornalistas escritores do Nordeste e suas formas de narrar - Alexandre Maciel | p.12

Ignorância, Degradação Ambiental e Pandemia no BRASIL - Antônio Jucá | p.14

Reflexões sobre a confiabilidade no jornalismoAna Célia de Sá | p.16

Ramificações de um estruturalista - Diego Viana | p.18

O centenário de Celso Furtado: alguns pensamentos - Depoimento de Deepak Nayyar | p.22

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Editorial

Por Heitor Rocha

A responsabilidade evidenciada pelos mais de 40 chefes de governo de países que já iniciaram a vacinação contra a Covid 19, nos últimos dias do ano de 2020, contrasta com a delirante posição do presidente brasileiro de fazer gracinhas diante de seu desgoverno no enfrentamento da pandemia, como se não tivesse nenhuma culpa pelos mais de 190 mil brasileiros mortos, tão desprovido de qualquer indício de responsabilidade como Nero, que tocava arpa enquanto Roma era destruída pelo fogo que mandara acender. E ainda tentava atribuir aos cristãos a culpa pelo incêndio.

Esta comparação é pertinente, inclusive, para abordar outra atitude cínica do chefe da nação quando afirma que a ação do governo brasileiro na Amazônia e no Pantanal é uma referência mundial no combate ao desmatamento e às queimadas. O descarado também tentou responsabilizar as ONG’s que trabalham pela preservação da floresta amazônica pelos crimes ambientais cometidos pelos seus milicianos, madeireiras e garimpeiros.

A sociedade brasileira assiste a este espetáculo de responsabilidade criminosa sem nenhuma capacidade de exercer qualquer resistência à barbárie que tomou de assalto o Estado, uma vez que se encontra desempoderada de qualquer salvaguarda jurídica. O Supremo Tribunal Federal, ignorando a sua atribuição de zelar pela universalidade jurídica, a igualdade republicana de todos perante a lei, talvez por ter a sua consciência comprometida com o golpe que cassou a presidente Dilma Rousseff, tenta dar uma “carteirada” para garantir antecipadamente vacina para seus ministros e servidores. Indignidade que seguiu iniciativa semelhante do ministério público de São Paulo e foi imitada pelo Superior Tribunal de Justiça.

Outro exemplo de como a justiça brasileira funciona discriminando as pessoas das classes e etnias consideradas inferiores pela mentalidade racista dominante nas elites brasileiras é o caso do cacique Marcos Xucuru, eleito na última eleição prefeito da cidade de Pesqueira, em Pernambuco, ameaçado de não pode assumir o mandato porque foi condenado em processo sobre o caso em que foi vítima de atentado à sua vida em 2003, no período em que transcorria a demar -

cação da Terra Indígena do Xucuru de Ororubá. O episódio ocorreu quando Marcos Xucuru foi emboscado por fazendeiros, que mataram dois indígenas que o acompanhavam. Marcos só não foi assassinado porque se escondeu na mata. Outro indígena que conseguiu fugir relatou a emboscada na aldeia que, em comoção, incendiou a sede da fazenda onde foram cometidos os assassinatos. Marcos Xucuru, vítima no atentado, foi acusado de ter liderado a reação dos indígenas e condenado a quatro anos de pena, que, posteriormente, foi transformada em serviços comunitários por danos ao patrimônio da fazenda. Recentemente, o cacique Marcos Xucuru foi condecorado pela Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco com a Comenda Leão do Norte, na categoria de Direitos Humanos.

A Revista Jornalismo e Cidadania, na sua 39ª edição, dedica espaço especial para comemoração do centenário de Celso Furtado, ex-ministro da Cultura, mas, sobretudo, Superintendente da SUDENE por ocasião do esforço nacional-desenvolvimentista do Governo João Goulart para desenvolver o país e combater as desigualdades regionais. Com este intuito, apresenta a matéria de Diego Viana e o depoimento do professor indiano Deepak Nayyar, sobre a importância da obra de Celso Furtado.

Heitor Costa Lima da Rocha, Editor Geral da Revista Jornalismo e Cidadania, é professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de PósGraduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.

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Evangélicos e Católicos: o que os distancia e aproxima

Por Rubens Pinto Lyra

Procuramos mostrar que as significativas diferenças das concepções doutrinárias entre católicos e evangélicos não devem levar à conclusão de que a igreja católica, no seu conjunto, seja um baluarte do “progressismo”. Com efeito, importantes setores, a nível nacional e internacional, têm mostrado forte influência interna nos rumos do catolicismo brasileiro, como comprova a “onda antipetista” que se espraiou em todo o Brasil, envolvendo grupos católicos conservadores. Eles fizeram coro com os evangélicos, “formando um caldo de potenciais apoiadores da campanha ao Poder Executivo de um candidato afeito à sua agenda de costumes” (CALDEIRA E TONIOL: 2020).

Para Marcelo Barros, escritor e monge beneditino, as posições avançadas do Papa Francisco e de parte expressiva da hierarquia são, na prática, assumidas por uma pequena minoria de católicos. Barros afirma que os bispos que subscreveram a Carta ao Povo de Deus pagam o preço de terem em suas dioceses substancial parcela de católicos que sonham com uma igreja com características semelhantes às da ultraconservadora ordem americana Cavaleiros de Columbus (BARROS, 2020). Ela alberga quase dois milhões de associados, cujas preocupações sociais restringem-se à prática da filantropia (WIKIPÉDIA, 2020). Mas existem outras organizações conservadoras católicas, também integradas internacionalmente, como a Renovação Carismática, que goza de grande autonomia (MARIZ: 2007), sendo a mais notória a OPUS DEI. Elitista, lida com grupos poderosos da lei, do dinheiro e da política. Segundo o célebre escritor Morris West, “Há claras evidências que membros OPUS DEI estiveram envolvidos nas atividades repressivas dos militares na Argentina, de que ajudaram a ocultar as provas dos crimes cometidos durante a guerra suja” (1999: p. 16). Essas tendências “ortodoxas” católicas têm em comum notórias afinidades políticas com Bolsonaro e grande proximidade com os rituais, as performances e a estética pentecostal, conforme comprova o apoio de clérigos carismáticos, entre os mais famosos cantores gospel do país, ao capitão reformado.

Seja como for, mesmo entre os católicos, para uma maioria passiva, a religião continua funcionando apenas como um refúgio onde se abrigam

os que se contentam com paliativos, invocando uma improvável ajuda de Deus para minorar as adversidades. Ademais, não se pode negar a realidade de convergências e, em certos casos, a identidade de posições entre católicos e evangélicos, no âmbito da moral e dos costumes. A posição da Igreja Católica nas Conferências de Cairo sobre População e Desenvolvimento, em 1994, e na Conferência de Pequim, em 1995, comprova, entre outros posicionamentos, essa proximidade. A Santa Sé foi uma das protagonistas desse debate, deixando clara a sua oposição aos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres e reagindo fortemente ao conceito de gênero adotado nas conferências da ONU (SOUZA: 2018, p.5)

Destarte, o antagonismo entre católicos e evangélicos se restringe à vanguarda da militância católica, para a qual justiça social e democracia são parâmetros fundamentais norteadores de sua práxis religiosa, embora esses princípios também estejam, em algum grau, presentes na maioria dos católicos e sejam firmemente defendidos pelo Pontífice Máximo da Igreja Católica. As diferenças entre católicos e protestantes a respeito se manifestam, sobretudo, nas concepções sobre economia, face à entusiástica adesão da parte expressiva dos evangélicos ao neoliberalismo, e nas relacionadas com a democracia e o autoritarismo. Mas também se diferenciam na forma como tratam os que não rezam na sua cartilha. Expoentes evangélicos, cultores do fundamentalismo religioso, como o pastor Silas Malafaia, costumam ofender aqueles com quem divergem politicamente, especialmente os de esquerda, que são tachados de “esquerdopatas” (CASTRO: 2015). Esse tipo de intolerância, que não prospera na hierarquia católica, acaba incentivando outras, como as praticadas pelos fanáticos religiosos que tentaram invadir o hospital onde estava internada criança de 10 anos, vítima de estupro, a fim de ser submetida à procedimento de aborto. Aos gritos, os manifestantes acusavam os médicos responsáveis por esse procedimento de “assassinos!” (DORINI e MACHADO: 2020).

Não obstante, a apreciação da CNBB sobre a questão, formulada por seu Presidente, D. Walmor Azevedo, se não se faz acompanhar de atitude belicista com relação aos que dele discordam, tem

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o mesmo e preocupante conteúdo das invectivas evangélicas: “Aborto legal em menina estuprada no Espírito Santo é ‘crime hediondo’”. Pergunta-se: quantos milhões de brasileiros seriam, no juízo do Presidente da CNBB, autores desse “crime” e quantos milhões o endossam? Portanto, a diferença no tratamento da questão é, sobretudo, de atitude, como demonstra exemplarmente a postura mais tolerante do papa Francisco. Ele permitiu aos sacerdotes perdoarem as mulheres que tenham feito aborto, mas nem por isso deixa de considerá-lo um infanticídio (O PERDÃO...:2015).

Já o fundamentalismo integrista, hegemônico nas igrejas pentecostais, não se limita a condenar o aborto: intimida, desqualifica ou ameaça quem não aceita suas ideias. Também utiliza o púlpito como palanque político-partidário (TOSI: 218, p. 412). Segundo Ortiz (2020) essa “agressividade discursiva investe no apagamento do outro, na correção do comportamento de quem é percebido como um perigo”. Esse autor cunhou o termo “bolçanarismo”, para classificar o comportamento de Bolsonaro, mas sua crítica se aplica com perfeição aos fanáticos religiosos. A despeito da existência da pluralidade das posições sobre as questões abordadas nesse trabalho, entendemos que permanece atual a observação feita, há sessenta e cinco anos, pelo brilhante psicanalista e psicólogo social Erich Fromm, sobre o papel alienante da religião na sociedade.

Nas suas palavras:

“ainda que seja verdade que se tenha feito essa crítica por parte das altas hierarquias da Igreja Católica e que também tenha sido feita por muitos sacerdotes, pastores e rabinos, todas as igrejas pertencem essencialmente às forças conservadoras modernas e empregam a religião para manter o homem tranqüilo e satisfeito com um regime profundamente irreligioso” (FROMM, 1955: p.163).

Concluímos essa análise com uma reflexão sobre os resultados de uma pesquisa que o Pew Research Center acaba de publicar, divulgada na revista Piauí. Ela mostra a importância de se dar maior atenção ao conhecimento das relações entre moralidade e religião, indispensável à compreensão das relações desta com a política. Os entrevistados de 34 países responderam à pergunta: “É preciso ser religioso para ter moralidade?”. De acordo com a pesquisa, oitenta e quatro por cento dos entrevistados, no Brasil, consideram que a moral depende da fé. Essa concepção influencia, portanto, o comportamento de ampla maioria da população brasileira, com repercussões que vão bem além de questões de foro íntimo (CALLIGARIS, 2000).

Dos resultados apresentados, se depreende que todo indivíduo que não tem religião é pervertido. Consequentemente, pela sua intrínseca maldade, falta-lhe condições de fazer escolhas idôneas, que possam concorrer para o “bem comum”. Esse entendimento está muito mais enraizado entre os evangélicos, especialmente os pentencostais, onde o fundamentalismo é onipresente. Existe, portanto, a necessidade imperativa de se elaborar estratégias eleitorais e de disputa ideológica adequadas à luta pela hegemonia, face ao pensamento abraçado por muitos milhões de pessoas, que acreditam ser a religião condition sine qua non de moralidade. Nesse ranking, o Brasil ocupa preocupantes 34%, “logo atrás da Nigéria e do Quênia, portanto, há léguas da modernidade” (CALLIGARIS, 2020). É, portanto, necessário contrapor essa concepção arcaica de moralidade ao pensamento moderno, herdeiro do Iluminismo, para quem as normas morais são construídas pelo próprio indivíduo, não sendo resultado de preceitos impositivos, externos à vontade individual. A falta de autonomia desta, no campo da religião, compromete, também, o seu livre exercício em outras dimensões da vida social, especialmente no da política. Por isso, é necessário sujeitar as religiões ao debate político - nele envolvendo também os que lhes são estranhos – submetendo-a, assim, ao cuidadoso escrutínio de suas antinomias e contradições, tendo em vista que“muita coisa que não deveria se refugiar em sua imunidade acaba ficando fora do escrutínio social (MARTINS:2020).

Rubens Pinto Lyra é Doutor em Ciência Política e Professor Emérito da UFPB.

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A Maravilhosa e Terrível Revolução 4.0

A Quarta Revolução Industrial, ou Revolução 4.0termo cunhado por Klaus Schwab, fundador e presidente executivo do Fórum Econômico Mundial -, descreve um mundo onde indivíduos se movem entre domínios digitais e realidades offline, com o uso de tecnologia conectada para habilitar e gerenciar suas vidas (Xu, David, Kim, 2018). Seguramente, uma definição que diz pouco do amplo arco de implicações dessa revolução.

A velocidade, a medida dos impactos e a abrangência antevistas nesta revolução não devem ser ignoradas. São alterações que já trazem e trarão mudanças no poder, na riqueza, no conhecimento, nas relações de trabalho, sociais entre outras. Segundo Xu et all, somente sendo conhecedores dessas mudanças e da velocidade com que isso está ocorrendo é que poderemos garantir que os avanços no conhecimento e na tecnologia cheguem a todos e beneficiem a todos. Uma impressão mais geral sobre o tema é que existe toda uma construção mitificadora da técnica, uma fetichização que desconsidera as inúmeras contradições implícitas e reproduz uma compreensão idealizada da ciência e da tecnologia que vêm, desde o iluminismo, sendo fundada na ideia de progresso linear da humanidade.

Faz sentido aqui delinear brevemente a sequência de revoluções, muito embora seja um prisma ocidentalizado. A 1ª revolução industrial que se inicia em 1760 com a invenção do motor a vapor, que permitiu a transição da agricultura e da sociedade feudal para o novo processo de fabricação. Esta transição incluiu o uso do carvão como a principal energia, enquanto os trens eram o principal meio de transporte. Têxteis e siderúrgicos eram os setores indústrias dominantes em termos de emprego, valor de produção e capital investido.

A 2ª revolução industrial começou em 1900 com a invenção do motor de combustão interna. Isso levou a uma era de rápida industrialização usando petróleo e eletricidade para impulsionar a produção em massa. 1900-1960 é o período de transição e a metalurgia e os automóveis são as principais indústrias.

A 3ª revolução industrial começou por volta de 1960, com duas fases, de 1960 a 1980 e 1980 a 2000, e se caracterizou pela implementação da eletrônica e tecnologia da informação para automatizar a produção. A energia nuclear e o gás natural foram e são fontes energéticas difundidas, sendo os computadores e os robots as principais invenções, aperfeiçoando-se a indústria química, a indústria automobilística e a aviação, além do avanço da ótica e da

biotecnologia.

A 4ª revolução industrial envolve o design do produto gerado por computador e a impressão tridimensional (3D), que pode criar objetos sólidos construindo sucessivas camadas de materiais (Prisecaru, p. 57-62), além da aceleração da internet das coisas e respectiva multifuncionalidade de equipamentos, como os celulares, a robótica, entre outras inovações. 2000-2010 é o período, e energias que se propagam são as chamadas energias limpas; os produtos, Internet, e no 3D Printer. Uma das inovações centrais é a engenharia genética; as indústrias são aquelas de Alta Tecnologia, os carros elétricos, os trens de alta velocidade, entre outras.

Esta 4ª Revolução caracteriza-se por uma fusão de tecnologias que está misturando as linhas entre as esferas física, digital e biológica. Os semicondutores que estão na base de toda esta revolução, que permitem a miniaturização, a velocidade de processamento de informações, o avanço dos softwares e da capacidade de memória fazem dessas minúsculas pastilhas de silício um dos suportes do mundo contemporâneo. Eles estão incorporados em quase todos os produtos hightech, da medicina, da aeronáutica, dos automóveis, e de toda parafernália digital.

Análises como a de Chris Anderson preveem que a 4ª revolução industrial provavelmente reduzirá as barreiras entre inventores e mercados devido a novas tecnologias, como a impressão 3D para prototipagem. O relatório da McKinsey & Company constatou que metade de todas as atividades de trabalho existentes serão automatizadas por tecnologias atualmente em uso, permitindo, assim, que as empresas economizassem bilhões de dólares e criassem novos tipos de empregos (Manyika et al. 2017).

No que diz respeito à internet das coisas (IoT): sabe-se que até 2010, o número de computadores na Internet já havia superado o número de pessoas na terra” (Gershenfeld e Vasseur 2014, 28). Se, segundo o cunhador da expressão 4ª Revolução, “A inovação tecnológica também levará a um milagre do lado da oferta, com ganhos de longo prazo em eficiência e produtividade. Os custos de transporte e comunicação cairão, a logística e as cadeias globais de suprimentos se tornarão mais eficazes, e o custo do comércio diminuirá, o que abrirá novos mercados e impulsionará o crescimento econômico” (Schwab, 2016). Onde, então, está o problema? Onde está o terrível da coisa? Ou como nos disse Polanyi, onde está o “moinho satânico”?

“Não há dúvida de que falar da Europa é tropeçar necessariamente nesse problema gigantesco dos últimos dez

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séculos da história do planeta: o problema do domínio do mundo por parte de um continente minúsculo. Problema desconcertante, onde a verdadeira ou, melhor, as verdadeiras soluções escapam a nossas interrogações” (Fernand Braudel, L’Europe. Paris: Arts et Métiers Graphiques, 1982. p. 123).

Uma resposta atenta e fundamentada à questão nós vamos encontrar em Marx, que dedicou dois fragmentos ao estudo das máquinas e da tecnologia. O primeiro ficou conhecido como fragmentos do Capítulo VI, inédito do Volume I do Capital, e o segundo, conhecido como fragmento sobre as máquinas, publicado como contribuição ao Grundrisse. No fragmento do capítulo VI, a categoria de subsunção, que significa “colocar sob controle”, “passar sob comando e vigilância” e no “sequestro da capacidade produtiva total do trabalhador”. É, portanto, uma liquidação da pluralidade de disposições do trabalhador como sujeito (Moissen,2018).

A técnica, os processos produtivos administrados, a máquina, a oficina, o uso da técnica não são “neutros”. Marx diz que “a tecnologia sequestra a capacidade do trabalhador, (...) faz do trabalhador um autômato dotado de vida. (...) o trabalhador tornou-se um componente vivo da oficina” (Marx, 21 - 33: 2005). Aí está, em pleno vigor, a alienação do trabalho. E quanto mais for acelerado o processo tecnológico, menos o trabalhador reconhece aquilo que construiu. Mas outro aspecto ainda mais dramático nas novas tecnologias é o desemprego, agora não apenas do trabalhador fordista, mas do trabalhador com formação qualificada. Outro ponto relevante é aquele da distribuição dos ganhos do trabalho, onde o excedente de trabalhadores sem emprego regular faz baixar o componente das remunerações em geral. Finalmente, o controle, a propriedade das invenções, o patenteamento, que no mercado do oligopólio, acabam servindo apenas aos que podem pagar. Daí a grande injustiça do sistema capitalista. Aqueles que produzem as mercadorias que mais incorporam valor são os que não têm acesso ao seu usufruto. É pouco o espaço aqui para desenvolvermos o argumento.

Pensemos nas maravilhas das tecnologias, as próteses dos braços mecânicos, os corações mecânicos e os marcapassos cardíacos, mas também os processos, os transplantes de rim, de fígado, de coração. Pensemos nas máquinas de ressonância magnética, no petscan, para ficarmos apenas na biotecnologia, na medicina. Quantos são os que podem pagar por isso? Não se trata aqui de defender a anticiência, mas de pensá-la como um bem comum, o que deveria ser obrigação do Estado. Mas como ingenuamente pensarmos apenas nisto enquanto dever do Estado, de socializar os inventos, quando as grandes corporações internacionais retiraram a capacidade de agir em prol da maioria? A violência com que estas multinacionais atuam na predação da natureza em busca do lucro está nos indicando que o sistema capitalista se tornou inviável. Este é um dilema que devemos enfrentar. Cabe-nos descortinar um outro mundo para as próximas gerações.

REFERÊNCIAS

Anderson, C. (2012). Makers: The New Industrial Revolution. New York: Crown Publishing.

Braudel, Fernand, L’Europe. Paris: Arts et Métiers Graphiques, 1982. p. 123.

Gershenfeld, N., & Vasseur, J. P. (2014). As Objects Go Online: The Promise (and Pitfalls) of the Internet of Things. Retrieved from https://www.foreignaffairs.com/ articles/2014-02-12/objects-go-online

Min Xu, Jeanne; M. David & Suk Hi Kim, “The Fourth Industrial Revolution: Opportunities and Challenges. International Journal of Financial Research Vol. 9, No. 2; 2018. http://ijfr.sciedupress.com

Manyika, J., et al.. (2017, January). Harnessing Automation for A Future That Works. Report by McKinsey Global Retrieved from http://www.mckinsey.com/global-themes/digital-disruption/harnessing-automation-for-a-future-that-works.

Marx, Karl, A tecnologia do capital, Ítaca, México 2005. Marx, Karl, Fragmento sobres as máquinas, disponível (em espanhol) em https://textos.wordpress.com/

Moissen, Sergio,”A tecnologia nos libertará? Karl Marx e o fragmento sobre as máquinas” , in: Esquerda Diário, 8 de fevereiro de 2018.

Prisecaru, P. Challenges of the Fourth Industrial Revolution. Knowledge Horizons. Economics, 8(1), 57-62. Retrieved from https://search-proquestcom.ezproxy.libraries.udmercy. edu:2443/ docview/1793552558?accountid=28018 , 2016

Schwab, Klaus. “A Quarta Revolução Industrial”, 2016. World Economic Forum.

Vasconcelos, Yuri, “Corrida pelo chip: País experimenta novos caminhos para diminuir a dependência externa na área de semicondutores”. Revista Fapesp, Edição 100, jun. 2004

Marcos Costa Lima é Professor do Programa de PósGraduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco.

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Campanhas sociais sobre a qualidade televisiva

Por Ticianne Perdigão | Coluna Mude o Canal

Movimentos sociais que se organizaram em torno do direito à comunicação ganharam força na redemocratização do país no contexto de aprovação da Constituição Federal de 1988. Dentro desses movimentos, o conceito de “democratização da mídia”, apesar de abrangente, foi estruturante. A expressão engloba uma série de pautas que envolvem a renovação de outorgas e concessões públicas a emissoras, o fortalecimento da comunicação comunitária e pública, a regulamentação de dispositivos constitucionais que proíbem o monopólio e o oligopólio, o estímulo à produção nacional e a regionalização da programação etc.

Entre esses movimentos sociais, duas campanhas chamam atenção pelo seu propósito de questionar a qualidade do conteúdo transmitido pela televisão. São elas: “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”, de 2002, e “Mídia sem violações”, de 2015. As duas iniciativas sociais procuram interferir nas dinâmicas de regulação do conteúdo televisivo para viabilizar formas de assegurar à sociedade poder de exercer protagonismo no controle da programação.

A campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”, lançada em novembro de 2002, conseguiu sair do círculo de mobilizações reduzidas aos movimentos sociais, alcançando grande visibilidade na sociedade. A ideia surgiu como proposta na 7ª Conferência Nacional de Direitos Humanos e foi posta em prática pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados.

O movimento foi iniciado com a elaboração de uma Carta de Princípios apresentando os critérios adotados para a avaliação da programação. As denúncias eram realizadas através de um site da campanha e analisadas por um Conselho de Acompanhamento da Programação (CAP), formado por diversas entidades da sociedade civil. Após a elaboração de um parecer, o programa denunciado era contabilizado no ranking, as emissoras e os anunciantes eram informados, além do Ministério da Justiça e do Ministério Público.

Um ponto essencial de êxito da campanha, além de sua visibilidade, foi a aderência do mer -

cado publicitário. As denúncias das chamadas “baixarias” eram informadas para os anunciantes. Empresas como Banco do Brasil, Petrobras, Caixa Econômica Federal e Casas Bahia se negaram a veicular comerciais em programas que estivessem no ranking da campanha.

A campanha contabilizou, no total, 34.374 participações. Ao publicizar os rankings e debater sobre o conteúdo televisivo, o movimento abriu um caminho de questionamento crítico sobre a qualidade de programação, além de ecoar a opinião pública com notas claras que a punição social é uma forma viável de sancionamento.

Já a campanha “Mídia sem violações” foi realizada pelo Coletivo Intervozes e surgiu como continuidade do projeto “Violação de direitos na mídia brasileira”, desenvolvido pela Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi) com a colaboração do próprio Coletivo Intervozes e da Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão (PFDC/MP). Seu objetivo foi analisar o conteúdo de programas policiais e produzir três guias de monitoramento de mídia com ferramentas práticas para identificar violações de direitos no campo da comunicação em massa.

Os indicadores de referência das violações foram produzidos após um profundo estudo jurídico e são, entre outros, o “desrespeito à presunção de inocência”, a “incitação ao crime e à violência”, o “discurso de ódio e preconceito” etc. Acreditamos que o mérito da campanha foi objetivar a denúncia ao público a partir de categorias criadas sobre uma base jurídica. Após o estudo e a criação dos indicadores, a Andi monitorou a mídia policial de 28 programas de rádio e televisão durante 30 dias. O resultado da pesquisa localizou 4.500 violações de direitos.

Em parceria com a Andi, a campanha “Mídia sem violações”, do Coletivo Intervozes, deu continuidade às análises realizadas, objetivando tanto sensibilizar a sociedade quanto pressionar os órgãos regulares que atuam na fiscalização (INTERVOZES - Disponível em: https://www. midiasemviolacoes.com.br/a-plataforma). Helena Martins (2018), coordenadora da campanha e integrante do Intervozes, esclarece que um dos principais entraves encontrados é que, historica -

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mente, o Estado não desenvolveu canais de fiscalização públicos para efetivação da legislação, o que gera uma ausência de conscientização popular para a denúncia.

Conforme relatório (INTERVOZES, 2016), as estratégias de ação da campanha ocorrem pela via da ampla mobilização social e de entidades multilaterais e pela via da implementação da regulação. A campanha dispõe de uma plataforma de denúncias, cartilha informativa e ranking de violações. Na página da denúncia, há um formulário solicitando informações como canal, emissora, nome do programa, data e hora de divulgação. Em seguida, o denunciante escolhe qual a categoria de violação que o programa produziu e preenche um espaço para a descrição. As informações coletadas são analisadas por um grupo que define se houve ou não a violação. Após a checagem, a denúncia entra no ranking nacional de violações de direitos humanos na TV.

Em uma análise sucinta sobre as duas iniciativas, o formato da campanha “Mídia sem violações” tem muitas aproximações com a campanha “Quem financia a baixaria é contra a cidadania”, sobretudo quanto à plataforma de denúncias e à divulgação do ranking. Entre as duas campanhas, há uma diferença de abrangência crucial: a “Mídia sem violações” enfoca somente os programas policiais, enquanto “Quem financia a baixaria é contra a cidadania” foi mais abrangente, envolvendo toda a grade de programação televisiva.

Tendo sido as duas campanhas realizadas com mais de dez anos de diferença, o que nos chamou atenção foi o aparecimento do programa “Brasil Urgente”, da Band, no ranking de ambas. Tal longevidade revela a inércia do serviço público na responsabilização da mídia pelos crimes cmetidos. O programa existe desde 1997, sendo transmitido pela Rede Bandeirantes de Televisão com apresentação de José Luiz Datena. A sua existência duradoura cristaliza o cenário de abuso da liberdade de radiodifusão no cometimento de crimes e a inércia estatal para impedi-los. Especificamente quanto aos critérios de qualidade e finalidade programática, as leis escritas na fase da ditadura continuavam engessadas e sem execução prática, com poucos sinais de evolução após a Constituição de 1988. Já sobre a fiscalização do Estado com relação aos conteúdos televisivos, este se demonstrou ineficiente, vide a baixa qualidade dos programas ainda exibidos.

Tal cenário demonstra a importância dessas campanhas para a construção de um processo mais democrático de regulação da comunicação. Esses movimentos acreditam na regulação como uma pactuação social construída publicamente

e composta de ações educadoras para sensibilizar a sociedade. Portanto, discutir a qualidade dos conteúdos televisivos é fundamental para a construção de entendimentos mais críticos sobre a realidade.

REFERÊNCIAS

CÂMARA DOS DEPUTADOS. Quem financia a baixaria é contra a cidadania: uma campanha pela valorização dos direitos humanos na televisão. Cartilha. Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2004. 36 p.

¬______. Qualidade na TV: 10 anos da campanha Quem Financia a Baixaria é contra a Cidadania / organizador: Cláudio Ferreira [recurso eletrônico]. – Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2013. 61 p.

MARTINS, H. Depoimento [Entrevista cedida a Ticianne Maria Perdigão Cabral]. Documento em MP3 sonoro. Natal, jul. 2018. Recife, jun. 2019.

VARJÃO, S. Violações de direitos na mídia brasileira: ferramenta prática para identificar violações de direitos no campo da comunicação de massa. Distrito Federal: Andi, 2015.

______. Violações de direitos na mídia brasileira: pesquisa detecta quantidade significativa de violações de direitos e infrações a leis no campo da comunicação de massa. Distrito Federal: Andi, 2016.

Ticianne Perdigão é formada em Direito e em Jornalismo. Tem mestrado em Direito e Doutorado em Comunicação. Essa dupla formação acadêmica fez com que temas como Liberdade de Expressão e Regulação da Mídia fossem seu foco de estudo.

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Venezuela’s National Assembly elections: a victory for Chavismo

Venezuela’s free and fair elections to the National Assembly, held on December 6, 2020, produced a substantial political victory for Chavismo: out the 277 MPs to be elected, the PSUV-led Great Patriotic Pole (the governing coalition - GPP) won with a 69,43 per cent landslide (4,276,926); the Alianza Democratica (opposition) 17,72% (1,095,170); Venezuela Unida received 4,15 per cent (295,450); and smaller coalitions got the remainder of the votes cast.

That is, out of the 277 seats contested, the GPP got 177 with the remaining 97 going to the other coalitions. Altogether, 6,251,080 people voted which represents 31 per cent of the registered electorate. This was the 25th election since Hugo Chavez first became president in 1998.

It was the National Dialogue for Peace, integrated by the Bolivarian Government and representatives of opposition parties that came to an agreement, which contemplated, among other things, the designation of a new National Electoral Council.

Additionally, as is the normal protocol, the National Electoral Council (CNE), and as part of the consensus between government and opposition parties, introduced a number of changes and conducted some extra guarantees. The specifics were as follows:

The number of parliamentarians to be elected was increased from 167 to 277 out of which 144 (52 per cent) were elected by list, and 133 (48 per cent) by nominal vote; three seats for indigenous peoples also to be elected by nominal voting (held on 9th December 2020).

A total of 16 audits to be conducted before, during and after the election, with full participation of all the parties involved, international electoral and computer experts, plus any observer proposed by any of the parties involved, including those invited by the governing coalition and the CNE. There were over 200 international observers coming from 34 countries, and also 1,500 national observers.

A total of 107 political organizations participated: 30 national, 53 regional, 6 indigenous organizations, and 18 indigenous regional organizations. Ninety eight of these fielded candidates against the GPP, only nine of the total supported the GPP. These parties fielded thousands of candidates and, as part of the transparency of the process, the CNE helped to organise 3,500 meetings in the country’s six regions with indigenous

population.

There were more than 14,000 polling stations, and over 30,000 electoral tables. International observers could visit any polling station, anywhere, at any time during the election. With the exception of the number of parliamentarians, this election was identical to the election of the National Assembly in 2015 that the opposition won with a landslide.

The international observers from the Council of Electoral Experts of Latin America (CEELA in its Spanish acronym) issued a statement though national television praising the quality, efficiency, transparency and auditability of the election process, pointing out that this was achieved under impressive conditions of bio-safety despite the enormous economic difficulties Venezuela confronts due the US regime of sanctions.

Among the international observers were Evo Morales, Rafael Correa, Fernando Lugo, Jose Luis Zapatero, and a number of Euro MPs, who also vouched for the election’s transparency, with the former president of Spain publicly calling on the EU to recognise the results and stop supporting US President Donald Trump’s sanctions against Venezuela.

All leaders of the participating opposition political parties stressed the importance of voting so as to elect a new National Assembly and condemned the sanctions and military aggression championed by Guaido, the extreme right, and Trump. They did take the chance to criticise government policies, especially in the economic field, but all favoured dialogue.

So, when the EU states they do not recognise the election results in Venezuela because “it failed to comply with international standards”, what does it mean?

The EU did recognise the 2017 elections in Honduras that not only took place under more or less dictatorial conditions and was dominated by fraud, which was condemned by the OAS (even Luis Almagro called for fresh elections).

The EU statement on Venezuela was issued on December 7th and has 198 words, whilst on Honduras the EU’s “report” is 43 pages long, and “regrets the deaths of at least 22 people during the post-electoral protests’.

At least the EU did not say it will continue with the farce of recognising unelected Juan Guaido as president. But do not hold your breath, EU’s duplicity on Venezuela has become legendary.

It covered its backs on the report on Honduras with

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the caveat “the contents of this report do not necessarily reflect the official position of the EU.’ But it does, doesn’t it? The winner in the fraudulent election was Juan Orlando Hernandez, who in March 2020 was accused by US prosecutors of taking drug money, and a year earlier his brother was found guilty of drug smuggling.

Where is the EU’s ethical indignation about the electoral fraud and the criminal activities?

The electoral council did invite the EU to send an observer mission but probably frightened and bullied by Trump and co, it informed Venezuela that three months “was not sufficient time” to prepare an observation mission. This from a bloc that gave president Maduro eight days to organise presidential elections, or else they would recognise Guaido, again to kowtow to the US.

Guaido’s extreme right-wing current did not participate in this election following orders from its US mentors and because it is politically crumbling away.

Mike Pompeo, on behalf of the outgoing Trump administration predictably stated the US will not recognise the election results in Venezuela and “will continue to recognize” Guaido as ‘interim president’.

Dominic Raab, on behalf of the UK government, parroted Pompeo’s stance, including going on with Guaido’s circus, and adding that Britain will continue to recognise him as president of the National Assembly (whose mandate ends in January 2020). This may change if the incoming boss, Biden, takes a different view.

Venezuelan went to the polls under conditions of economic war, sanctions, international boycott, intoxicating media war, sabotage, US efforts to militarily blockade the importation of food, health inputs and medicine, and an electoral boycott supported by a venomous global media demonization campaign.

With Trump’s shenanigans about not accepting the US election results, the whole world can see how damaging, destabilising and unsettling such charges can be for any country or any government and how it sows dangerous domestic divisions, courting the most extreme elements (not to name any white supremacists) to take matters in their own hands.

In this regards Venezuelan people’s resistance is heroic and despite the attractiveness to adopt strong-arm methods, President Maduro opted for dialogue, peace and democratic elections; this election represents a vindication of this approach.

After the election results were announced, President Maduro again called for a dialogue with the opposition to discuss a joint approach to address issues such as the US blockade, the perverse external attack against the nation’s currency, and the adoption of policies to recover the purchasing power of the population.

People can talk about the size of the election turnout, mention dozens of elections were the turnout was low, and speculate about what would have happened if this or that had taken place until the cows come home.

The fact of the matter is that Trump’s strategy of ‘regime change’, including the fictional “interim president,” has been defeated and the policy of dialogue and peace has taken another important step on the road to Venezuela’s institutional normalisation, badly dislocated by the aggression of US imperialism and its client Latin American governments (notably that of Ivan Duque in Colombia), and the EU’s complicity.

The road ahead continues to be littered with dangers, but it simultaneously offers fresh opportunities for the nation’s economic recovery so that the revolution strengthens the dynamic of social progress, undermined in recent years by external aggression.

Guaido has been terminally wounded with this election, the Lima Cartel is decomposing away, and Almagro and the OAS are massively discredited after the coup in Bolivia.

The US proxies that organise and maintain the aggression are being neutralised.

Furthermore, the masses have defeated the right in Bolivia and Chile, and Mexico and Argentina now have progressive left governments. And Trump has politically suffered a rather humiliating defeat.

The international solidarity movement must redouble its efforts to support Venezuela’s national sovereignty, seek respect for the Venezuelan people’s vote ain electing the 2020-25 National Assembly, and campaign for the British government, the European Union, European governments and the United States to develop a normal, constructive engagement approach with Venezuela.

Francisco Dominguez é Professor da Universidade de Middlesex / Inglaterra.

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Jornalistas escritores do Nordeste e suas formas de narrar

Nesta edição, a coluna traz a segunda parte dos resultados da pesquisa “Jornalistas escritores de livros-reportagem no Nordeste: perfis profissionais, obras e rotinas produtivas”, coordenada pelo autor e desenvolvida em conjunto com cinco acadêmicos do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA), campus de Imperatriz (MA), entre março de 2018 e julho de 2020. Ao todo, foram entrevistados 21 escritores de seis estados nordestinos: Rio Grande do Norte, Bahia, Ceará, Maranhão, Alagoas e Pernambuco. O tema do debate desta vez são as formas narrativas do livro-reportagem e o leitor imaginado. Nesse quesito, as abordagens versaram sobre o estilo pessoal de narrar nos seus livros-reportagem; qual o perfil imaginado do leitor e qual ele/ela encontrou na publicação do livro. Como lidaram com temas já discutidos pela história e não factuais que implicaram nas formas narrativas no livro-reportagem? E de que forma trabalhar os temas de maneira mais contextualizada? Por outro lado, os livros-reportagem podem despertar em

seus leitores uma consciência mais ampla e crítica sobre determinada realidade narrativa?

“Eu boto a minha voz, eu não sei escrever diferente”: o estilo narrativo

A produção de um livro-reportagem passa por vários processos, como escolha de tema, recorte, apuração, entrevistas em profundidade, coleta de dados, entre outros. Mas existe uma fase do processo que está intimamente ligada ao público leitor: a construção da narrativa. Nessa etapa da construção do livro, o jornalista-escritor precisa criar estratégias para prender a atenção do leitor ao conteúdo da obra. Ao escrever, o escritor-jornalista dispõe de vários estilos e maneiras para comunicar um fato/temática à sociedade. Dessa forma, uma produção narrativa terá características de quem a escreve, ou seja, todo texto reflete as singularidades, a visão de mundo e características do autor. Nesse sentido, o escritor alagoano Joaldo Cavalcante, que escreveu o livro 17 de julho - a gameleira, as lembranças e a história decidida à bala, sobre uma revolta popular, acredita que seu estilo de narrar tende mais para a crônica jornalística, pois “[os livros] possuem elementos descritivos e de cunho histórico, condimentado por passagens bem humoradas e que foram colhidas dos próprios personagens, que são reais”. Já o jornalista cearense Emmanuel Montenegro, autor de Tramas da calçada, afirma que visa uma linguagem acessível, simples e descomplicada: “Não gosto de usar um adjetivo ou uma palavra difícil só pra mostrar que eu sei aquilo. Se tem um sinônimo simples, por que não botar o sinônimo simples?”. Pensando de forma semelhante, Andreia Oliveira, escritora maranhense que escreveu João do Vale: mais coragem do que homem, foca numa narrativa textual “próxima do real”, ou seja, textos com palavras amplamente conhecidas e utilizadas pela sociedade: “Eu quero ser ouvida quando eu escrevo. Eu boto a minha voz, eu não sei escrever diferente: então eu escrevo praticamente como eu falo, do mais próximo possível, da simplicidade da narrativa.” Nesse sentido, as formas narrativas contribuem para que as obras de não ficção ganhem destaque e lugar nas casas dos leitores, mesmo em meio a tantas notícias factuais, sensacionalistas e voláteis. Para o alagoano Jorge Oliveira, que escreveu Curral da morte, o modo de construção da narrativa e suas caracterís-

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ticas ajudam a cativar o leitor: “Os meus livros sempre abordam histórias reais, cruas, vivas. Histórias diárias onde os personagens são figuras comuns que têm grande protagonismo nos enredos”. O jornalista pernambucano Luiz Campos, do livro O massacre da Granja de São Bento, por sua vez, entende a escrita do livro-reportagem como um processo simbiótico entre técnica e disciplina, não como talento nato: “Acho que também tem uma camada do que é a sua influência, que você acabava transformando em seu estilo, talvez, das pessoas que você gosta de ler”.

“Às vezes, eu mesmo leio em voz alta, sendo este leitor crítico”

Como os escritores nordestinos imaginam os leitores das suas obras? Nesse quesito, o escritor Felix Lima, autor do livro Maio Oito Meia, que retrata um recorte histórico de movimentos estudantis na UFMA na segunda metade do anos 1980, conta que seu livro é frequentemente usado como fonte de pesquisas, o que acaba gerando uma classe de leitores variada: “São pessoas formadoras de opinião, são pessoas que a gente convive ou pessoas ligadas ao meio literário, gente de comunicação, da política, empresários. Bem variado e depende do contexto e tudo”. Apesar de atrair outros públicos, a obra do autor maranhense Elbio Carvalho, Centro de Lançamento de Alcântara - Tecnologia Derretida, foi escrita pensando no público que iria ser alcançado: “O livro era mais voltado para o público da área de ciências e tecnologia e do jornalismo no geral. Porém, atraiu pessoas da área do jornalismo investigativo”. Odilon Rios, escritor de Alagoas 200, que compila entrevistas com 11 intelectuais de Alagoas e constrói a história do estado a partir do olhar de seus entrevistados, confessa que sempre escreveu pensando no leitor que poderia encontrar, principalmente o leitor crítico: “Às vezes, eu mesmo leio em voz alta, sendo este leitor-crítico do próprio texto. É uma forma de me apropriar mais da linguagem, do entendimento, da proposta escrita”. A jornalista Fabiana Moraes também pensou no público que iria comprar e ler seu livro O Nascimento de Joicy, que narra a longa saga de um ex-agricultor que procura o serviço público de saúde para adequar seu corpo masculino ao feminino. “A minha impressão era de pessoas interessadas em jornalismo, de estudantes a professores, e mexe um pouco também com pessoas que gostam de literatura. Como o livro tem focos muito específicos, como sertão, pessoas transexuais, racismo, pessoas que pesquisam sobre essas áreas costumam me procurar ou procurar esses livros também”.

REFERÊNCIAS:

CAMPOS, Luiz Felipe. Entrevistador: João Marcos dos Santos Silva. João Lisboa: entrevista via Google Hangouts. [09/01/2020] 1 arquivo. Mp3 (59min34s)

CARVALHO, Elbio. Entrevistador: João Marcos dos Santos Silva. João Lisboa: entrevista via WhatsApp Video Chamada. [19/05/2020] 1 arquivo. Mp3 (1h29min)

CAVALCANTE, Joaldo. Entrevistador: Ana Carolina Campos Sales. Imperatriz: entrevista por e-mail [10/09/2019]. 1 arquivo .doc.

LIMA, Felix Alberto. Entrevistador: João Marcos dos Santos Silva. João Lisboa: entrevista via WhatsApp Video Chamada. [25/05/2020] 1 arquivo. Mp3 (2h25min)

MONTENEGRO, Emmanuel. Entrevistador: Yanna Duarte Arrais. Imperatriz: entrevista por Skype [02/04/2019]. 1 arquivo .mp3 (1h16min).

MORAES, Fabiana. Entrevistador: João Marcos dos Santos Silva. João Lisboa: entrevista via Google Meet. [14/04/2020] 1 arquivo. Mp3 (34min5s)

OLIVEIRA, Andrea. Entrevistador: João Marcos dos Santos Silva. João Lisboa: entrevista presencial [11/10/2019]. 1 arquivo. Mp3 (53min53s)

OLIVEIRA, Jorge. Entrevistador: Ana Carolina Campos Sales. Imperatriz: entrevista por WhatsApp Chamada de Áudio. [29/04/2020]. 1 arquivo .mp3. (59min)

RIOS, Odilon. Entrevistador: Ana Carolina Campos Sales. Imperatriz: entrevista por WhatsApp. [30/01/2020]. 1 arquivo .doc.

Em parceria com: Ana Carolina Campos dos Santos, Gislei Nayra Soares Moura, João Marcos dos Santos Silva, Viviane Reis Silva, Yanna Duarte Arrais.

Elaborada pelo professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) – campus de Imperatriz e doutor em Comunicação pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Alexandre Zarate Maciel, a coluna Prosa Real traz, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, seus principais autores, títulos e a visão do leitor.

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Ignorância, Degradação Ambiental e Pandemia no BRASIL

Por Antônio Jucá

Consideramos a Ecologia Política uma disciplina fundamental para o século XXI por tornar tema de pesquisa e reflexão as relações entre sociedade humana e a natureza. Tratando de responder questões aparentemente óbvias, esta nova disciplina se apoia em outras disciplinas, como na epistemologia ambiental para refletir sobre o que seria a natureza e a sociedade. Ela transita na etnografia para situar os contextos sociais passados e presentes, suas relações, conflitos e resultados esperados; na epistemologia da biologia para romper com o homocentrismo, ao mesmo tempo que respalda a teoria da complexidade (o que não é holismo, como pensam alguns acadêmicos, pois apresenta um método de investigação cada vez mais aceito por cientistas, gestores e religiosos), “pertencendo” à filosofia como uma teoria do conhecimento. Ademais, a ecologia política tem que lidar com a economia política e com o desenvolvimento tecnológico; desse modo tem que responder à questão do crescimento econômico, por suas implicações ambientais e à condução política do desenvolvimento tecnológico, que novamente remete a filosofia, com a crítica ao positivismo e a desarticulação deste crescimento das necessidades emergentes de desenvolvimento, de conversão industrial em cadeia e para uma economia da recuperação ambiental.

Percebemos, também, que não cabe colocar a Ecologia Política em um pedestal de uma hierarquia disciplinar, o que seria repetir um erro ideológico. Temos de vê-la numa relação de trocas com a economia política e outras disciplinas, onde tanto o produtivismo socialista, quanto os primados do mercado, assim como a geopolítica, são questionados.

A humanidade está posta em cheque pela natureza, por sua própria natureza, segregativa, setorial, “dominativa”, segmentando os conhecimentos sem os articular, o que se reflete sobre as práticas e sobre os próprios seres humanos, que se tornam propensos a doenças físicas, mentais, individuais e sociais. Guiadas por máquinas inconscientes e “desejantes”, incapazes que somos de bem compreender os antagonismos, as concorrências e as complementaridades que povoa o mundo social e socioambiental. A nosso ver, tal síntese, ainda que bem fundamentada, ainda não dá lugar nem ao benefício da dúvida, nem ao benefício do aprendizado. O aprendizado existe na natureza, desenvolvido em nossa natureza, mas na medida que aprendemos descobrimos mais a aprender, mais questões surgem na fronteira do conhecimento, assim, na medida que mais conhecemos aumenta, relativamente, nossa ignorância.

Por outro lado, não se trata de dar razão, de modo irrestrito, a aqueles com parcos conhecimentos. Estes são frequentemente arrogantes e possuidores de convicções a eles inquestionáveis, por inconsciência, interesses conscientes, contudo, presos a lógicas reducionistas, a afirmações universais ou excludentes, o que afeta lideranças de todos os tipos e acadêmicos eminentes.

A degradação ambiental gera as mudanças climáticas como resultado de formas comuns de ver e agir no mundo, de nos vermos no mundo. As desigualdades sociais e a hiperconcentração e acumulação de riquezas contribuem para tais mudanças, mesmo que a sociedade de produção e consumo em massa esteja em declínio. Apesar da precarização do trabalho, as pessoas continuam a inventar alternativas e a consumir, acentuando periferias urbanas precárias em todo o mundo. Não é a desmaterialização da produção com a economia da informação, muito menos a financeirização especulativa que mudarão a relação sociedade-natureza, pois os conflitos socioambientais se acentuaram com o “land-grabing” e a apropriação de recursos naturais estratégicos.

Diz-se que o capital cresceu nesta crise, mas a instabilidade dos ciclos de negócio e outros ciclos constituem uma fragilidade sistêmica que a guerra não resolve mais. Assim, a elite do sistema capitalista internacional parte para sua autocrítica, de fundo republicano e democrático, embora não saibamos bem sua extensão à periferia, apenas que temos que nos resolver.

Do outro lado, tínhamos economias socialistas fechadas que hoje apresentam uma espécie de sistema duplo, incorporando os antagonismos, ao mesmo tempo revendo suas contradições, mas exercendo maior controle sobre os efeitos deletérios do liberalismo econômico, que dá no anarco-capitalismo e no fascismo. Isto se evidencia com as novas políticas ambientais chinesas desta década, pois a abertura ao capital teve custos socioambientais muito relevantes.

A questão da pandemia, já prevista por equipes de sanitaristas da ONU e ecologistas urbanos, poderia surgir em vários lugares, sendo fruto de dificuldades de controle estatal de questões sanitárias e culturais. Assim, o estado é cada vez mais fundamental, no sentido de uma sofisticação organizativa que seja não só capaz de aperfeiçoar os controles, inclusive, instrumentos coercitivos, mas também os incentivos, os financiamentos, esclarecimentos, a discussão e a articulação de atores sociais, produtores em cadeias produtivas. Isto exige a institucionalização da go-

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vernança, não apenas para a escuta da população, o que foi frequente e recente no Brasil, pior, agora que não temos nem isto, apenas nosso velho sistema de representação sem sintonia, identidade e proximidade com a vida da população.

Onde estava o jornalismo brasileiro da chamada grande midia, nos fazendo parar nesta degradação decadente? Imersos em um pandemônio em meio a uma pandemia, o que fazer? Os desastres anunciados exigem preparação, planejamento, ação coletiva, mitigação para minorar os efeitos das mudanças climáticas e adaptação a uma realidade de desastres.

A legislação ambiental brasileira deve nos servir de referência para nossas ações presentes e futuras, não precisamos ser juristas para tal análise. Como cidadão, devo protestar da negligência, descaso, obstrução da justiça por desmonte da máquina pública de fiscalização, o que fez a grande midia mudar de posição, talvez percebendo o estrago que causou. Escândalos provavelmente propositais? Incentivo aos fora da lei, uma desmoralização do sistema judiciário, reações são então previsíveis por atores decisivos, embora de forma... velada.

Enquanto isso, o estado e a sociedade se reúne para discutir emissões de gases de efeito estufa, todavia, quanto aos desastres anunciados, que preparações? Quanto aos nossos futuros desabrigados, quem sabe, se não se sabe, ou se negligencia, como alojar os desabrigados presentes, ou dar conta da precariedade habitacional atual.

Considerações Finais

Do acima exposto, em face a um futuro difícil e conflituoso, suas próprias dificuldades, por um lado, força o encontro de alternativas e articulações políticas. Por outro lado, não é certo que os afluentes encontrem um espaço seguro e sustentável no planeta como apontam alguns, tanto por razões ambientais, quanto políticas, entretanto, os mais carentes são sempre os mais vulneráveis.

Tudo indica que a envergadura da tarefa do enfrentamento da emergência climática passa por fazer o antropoceno (a era do atropelo do homem sobre/pelo ambiente) uma era melhor - que alguns qualificam como a busca do viver bem, o que de certa forma envolve todos em todos os lugares e os valores a cutuar devem transcender os da geopolítica e do mercado, cujos resultados se revelam inconsequentes.

REFERËNCIAS

ALVES, José Eustáquio Diniz. O desenvolvimento sustentável é incompatível com o contínuo e persistente crescimento do PIB e da ampliação do modelo “Extrai-Produz-Descarta”. O tripé da sustentabilidade virou um trilema, artigo publicado por EcoDebate, 09-05-2018.

CHOINSKI, N. A restauração ecológica, aliada à conservação de remanescentes florestais, é a maneira mais estratégica para salvar o sistema hídrico, EcoDebate, 26 de

agosto de 2020.

CLIMATE CENTRAL. FLOODED FUTURE: Global vulnerability to sea level rise worse than previously Understood, Report by Flooding in Jakarta, Indonesia, February 2017. Source: World Meteorological Organization. October 29, 2019. Disp.: https://www.climatecentral.org/ pdfs/2019CoastalDEMReport.pdf.

FURTADO, Celso. O mito do desenvolvimento econômico. RJ, Paz e Terra, 1974.

IPCC - Intergovernamental Panel of Climate Change, 2020. Disp.: https://www.ipcc.ch/

KANDEL, Robert. O reaquecimento climático, Rio de Janeiro: Loyola, 2002.

LEFF, Enrique. Political Ecology: a Latin American Perspective. Artigo publicado por DMA/UFPR, Vol. 35, dezembro 2015.

MORIN, Edgar. O Método: a vida da vida. Vol. 3, Porto Alegre: Editora Sulina, 2008.

NOBRE, Antonio Donato. O Futuro Climático da Amazônia, é enfático. Reportagem de Sibélia Zanon, publicada por IHU em 28-07-2020.

PORTO-GONÇALVES, Carlos Walter. A Ecologia Política na América Latina: reapropriação social da natureza e reinvenção dos territórios. Artigo publicado na INTERThesis/UFSC, Jan/Jun 2012.

SCOTT, A. Kulp & BENJAMIN, H. Strauss. New elevation data triple estimates of global vulnerability to sea-level rise and coastal flooding, Nature Communications, 2019.

WMO – World Meteorological Organization, Eventos climáticos extremos – Calor prolongado na Sibéria seria ‘quase impossível sem mudanças climáticas’. Reportagem publicada por EcoDebate, 6-07-2020.

Antônio Jucá é pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ.

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Reflexões sobre a confiabilidade no jornalismo

Por Ana Célia de Sá | Coluna Comunicação na Web

A confiabilidade é um dos principais pilares do jornalismo. Por meio do contrato social com o público, ela contribui para legitimar a atividade profissional como mediadora e intérprete da sociedade e para manter a credibilidade jornalística. A confiança depositada no jornalismo, no entanto, tem passado por turbulências na sociedade contemporânea, identificada como conectada, participativa e multidirecional.

Um breve retorno ao passado ajuda a compreender aspectos que alicerçaram as relações no mundo off-line. A profissionalização do jornalismo, a emergência da mídia massiva e a promoção do caráter comercial dessa atividade, ainda no século XIX, mudaram o cenário produtivo. “As notícias tornaram-se simultaneamente um gênero e um serviço; o jornalismo tornou-se um negócio e um elo vital na teoria democrática; e os jornalistas ficaram empenhados num processo de profissionalização que procurava maior autonomia e estatuto social” (TRAQUINA, 2008, p. 20).

A partir dali, ganhou peso a presunção da possibilidade da informação separada da opinião e da propaganda. Conforme explica Traquina (2008), os jornalistas passam a se firmar como um grupo social que busca o monopólio do saber noticioso quanto ao reconhecimento e à formatação das matérias. Cria-se uma cultura profissional que abarca formas de ser/estar, agir, falar e ver o mundo de modo específico e particular. A profissionalização confere ao jornalismo uma identidade profissional (ethos) ligada a papéis sociais bem definidos e legitimados pela estrutura social vigente (TRAQUINA, 2008).

O status social adquirido pelo jornalismo, baseado em princípios éticos e democráticos, no compromisso com a verdade dos fatos e em técnicas objetivas, torna-o uma instituição estável e confiável. Na estrutura da mídia de massa, monopolizadora da produção e da distribuição de notícias, isso é ainda mais forte, pois o modelo unilateral diminui o espaço para contraposições fora do círculo profissional.

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A confiabilidade também costuma se relacionar com a autoridade jornalística. De forma mais ampla, Carlson (2017, p. 12) define autoridade “[...] como o direito de ser ouvido dentro de um contexto vinculado à relação assimétrica por meio da performance do discurso, que inclui controle sobre um conhecimento em particular e que está sujeito à contestação e à mudança em relação aos seus modos de legitimidade” (no original: “[...] as the right to be listened to occurring within a context-bound asymmetrical relationship through the performance of discourse that includes control over particular knowledge and that is subject to contestation and change regarding its modes of legitimacy”).

Aplicada especificamente à autoridade jornalística, a conceituação trata de uma relação em que determinados atores têm o direito de gerar conhecimento discursivo legítimo para outras pessoas sobre os acontecimentos do mundo (CARLSON, 2017). Esse reconhecimento envolve aspectos institucionalizados relativos às rotinas e às práticas jornalísticas de produção noticiosa, além das estruturas organizacionais, do contexto e das relações sociais em que a atividade profissional está inserida, das ideologias discursivas e das tecnologias de comunicação utilizadas ao longo do processo de construção e difusão da notícia.

Os pontos aqui levantados, de forma sucinta, lançam luz sobre como o jornalismo tornou-se uma instituição social confiável perante o público. Embora o sistema corporativo de produção limite a atividade profissional devido a interesses políticos, econômicos e culturais de grupos específicos, há, no jornalismo, princípios vinculados ao bem coletivo, que compõem sua credibilidade e sua confiabilidade, como a busca por fontes de informação legítimas e com diferentes pontos de vista, a interpretação dos fatos, além do compromisso com a apuração precisa e com a mudança social por meio do conhecimento.

Na atualidade, entretanto, a sociedade conectada traz novos desafios para o jornalismo no quesito da confiança. Os fluxos informacionais advindos de múltiplas plataformas e múltiplos canais quebram a hegemonia dos tradicionais veículos de comunicação jornalísticos, agregando novos atores, novas ferramentas e novos canais ao cenário da comunicação. Essa mudança traz consequências positivas, como a maior participação do público e a possibilidade de diversificação de vozes e pautas, mas também negativas, a exemplo do crescimento da indústria da desinformação, a qual dissemina conteúdos falsos e municia a pós-verdade.

Para combater a crise de confiança, é fundamental que o jornalismo mantenha a qualidade produtiva e a transparência de suas rotinas, reafirme os valores profissionais, promova inovações e também atenda às demandas participativas da sociedade contemporânea. Ao mesmo tempo, é importante que o público consiga, por meio da educação para novas mídias, desenvolver boas práticas de fruição e participação, evitando as armadilhas das notícias falsas e da pós-verdade. Essa (re)ação conjunta do jornalismo e do público pode ajudar na manutenção e/ou na renovação da confiança na atividade jornalística profissional.

REFERÊNCIAS:

CARLSON, Matt. Journalistic Authority: legitimating news in the digital era. New York: Columbia University Press, 2017.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: A tribo jornalística – uma comunidade interpretativa transnacional. V. 2. 2. ed. Florianópolis: Insular, 2008. 2 v.

Ana Célia de Sá é jornalista e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM-UFPE).

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Ramificações de um estruturalista

No livro autobiográfico A fantasia organizada (Paz e Terra, 1985), o economista Celso Furtado (1920-2004) relata um episódio curioso ocorrido em 1951. Os primeiros resultados de seu trabalho com o argentino Raúl Prebisch (1901-1986) acabavam de ser publicados na Revista Brasileira de Economia, com o título “Interpretação do processo de desenvolvimento econômico”, e seriam apresentados em um seminário no Rio de Janeiro, quando o canadense Jacob Viner (18921970), célebre macroeconomista da época, decidiu viajar ao Brasil. A finalidade era explícita: desqualificar o principal conceito introduzido pelos latino-americanos — o subdesenvolvimento. Segundo Furtado, Viner chegou a afirmar durante o seminário: “Não faz sentido falar em país subdesenvolvido”.

A despeito de Viner, nas décadas seguintes a expressão circulou amplamente e orientou teorias, políticas públicas e plataformas partidárias em diversas regiões do mundo. O nome de Furtado ficou fortemente associado ao conceito, expresso nos títulos de muitos de seus livros, como

Desenvolvimento e subdesenvolvimento (Fundo de Cultura, 1961), Subdesenvolvimento e estagna çã o na Am é rica Latina (Civilização Brasileira, 1966) e Teoria e política do desenvolvimento econômico (Editora Nacional, 1967).

“A geração de Furtado enfrentou o período após a Segunda Guerra Mundial questionando as categorias tradicionais do Ocidente, em economia e nas ciências sociais”, observa Carlos Mallorquín, professor do Centro de Estudos do Desenvolvimento da Universidade Autônoma de Zacatecas, no México. “Furtado entendeu bem que uma ciência social que abstrai questões de relações sociais de poder assimétrica, entre países, regiões, classes e a diversidade de agentes que constituem as formações econômicas na periferia, é, na melhor das hipóteses, irrelevante.” Mallorquín chama atenção para o fato de que os livros do economista brasileiro não se chamam Teoria do desenvolvimento ou Por que alguns países alcançam o desenvolvimento. “Ele enfatizou a política, como no clássico Teoria e política do desenvolvimento econômico”, compara.

Nascido em Pombal (PB), Furtado foi um dos economistas brasileiros mais lidos, traduzidos e influentes do século passado. Formado em direito pela Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), concluiu o doutorado na Universidade Paris-Sorbonne em 1948, na França, com uma tese sobre a economia colonial brasileira. A partir do ano seguinte, como chefe da Divisão de Desenvolvimento Econômico da Comissão Econ ô mica para a Am é rica Latina e o Caribe (Cepal) no Chile, desenvolveu, com Prebisch, a teoria do subdesenvolvimento, cujas teses versavam sobre as relações entre centro e periferia do sistema econômico mundial.

De volta ao Brasil, presidiu o grupo que elaborou o conjunto de estudos da Cepal com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE, ainda sem o “S” de “Social”), cujos relatórios serviram de base para o Programa de Metas do presidente Juscelino Kubitschek (19021976), a partir de 1955. Primeiro titular da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), entre 1959 e 1964, foi ministro do Planejamento de João Goulart (1919-1976) e ar -

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Celso Furtado em Paris (1971) Alécio de Andrade / ADAGP Paris

quiteto de um plano de estabilização econômica, em 1963, que não conseguiu apoio do Congresso e acabou sendo encerrado abruptamente. Exilado na França durante a ditadura militar (19641985), foi ministro da Cultura no governo de José Sarney entre 1986 e 1988, criando a primeira lei de incentivo à cultura no Brasil (Lei Sarney). Foi casado duas vezes. Primeiro, com a química argentina Lucia Piave Tosi, com quem teve dois filhos, o economista André Tosi Furtado e o físico Mario Tosi Furtado. Seu segundo casamento foi com a jornalista Rosa Freire d’Aguiar, em 1978.

“Furtado foi um pioneiro”, afirma Deepak Nayyar, professor de economia da Universidade Jawaharlal Nehru, em Nova Delhi (Índia) University. “O estruturalismo foi muito influente em todo o mundo nas décadas de 1960 e 1970, com a premissa central de que não se pode analisar o subdesenvolvimento e o desenvolvimento sem situar as economias no contexto político e social, em que a história conta muito”. Para Nayyar, a abordagem estruturalista permitiu enfatizar o passado colonial, as estruturas agrárias, a desindustrialização, as desigualdades econômicas, a estratificação social e os regimes políticos. “Ele enfatizou a importância das instituições, o papel crítico dos governos, a divisão internacional desequilibrada do trabalho e a natureza do capitalismo global”, aponta.

Um pensador transdisciplinar

O conceito de subdesenvolvimento perdeu espaço entre economistas, substituído por formas como “país em desenvolvimento” ou “mercado emergente”. Nos cursos de economia, a maior parte dos estudantes tem contato com a obra de Furtado graças a um único livro: Formação econômica do Brasil (Fundo de Cultura,1959). Segundo Nayyar, foi por esse livro que ele teve contato com a obra do brasileiro, ainda como estudante da Universidade de Delhi, nos anos 1960.

“Como a economia se tornou mais matemática, ele acaba sendo visto como historiador”, afirma Marcos Costa Lima, professor de Relações Internacionais da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Para Mallorquín, a metodologia neoclássica em economia retomou sua posição central após ser “encurralada pelo pensamento estruturalista”.

Nem por isso sua obra caiu no esquecimento. A influência de seus livros é visível em áreas muito além da economia. Décadas antes de programas de pós-graduação que incentivam pesquisas com múltiplos olhares, Furtado já era um

pensador que transitava entre distintos saberes. “Ele foge dos padrões limitados de sua disciplina. A evolu çã o de seu pensamento transparece ao longo da obra como uma trajetória cada vez mais hol í stica na percep çã o e articula çã o dos processos sociais”, analisa Costa Lima.

Por isso, o desenvolvimento, tema em torno do qual orbitavam suas reflexões, jamais poderia ser meramente econômico. Na classificação do economista Ricardo Bielschowsky, da UFRJ, o pensamento de Furtado é como um edifício com um alicerce e três pavimentos. O alicerce é o método histórico-estrutural, herdado de Prebisch e da Cepal, mas com maior ênfase histórica. O primeiro pavimento é a análise do subdesenvolvimento, pelo qual ele é mais conhecido e, segundo Bielschowsky, onde Furtado demonstra maior rigor analítico. O segundo pavimento é socioeconômico e sociopolítico, resultando de sua própria experiência no setor público. Por fim, o terceiro pavimento é a cultura, que ganhou peso à medida que se esgotava o processo de desenvolvimento.

“Celso era um defensor do progresso social, para o qual é obviamente necessário o progresso material, mas ele não basta. Daí a importância da cultura em seu pensamento”, resume Fernando de Mattos, da Faculdade de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF). A ênfase na industrialização estava subordinada a esse progresso social, mediada pela importância da tecnologia, que Furtado sempre enfatizou.

Para Cesar Bolaño, do Departamento de Economia da Universidade Federal de Sergipe (UFS), os escritos culturais de Furtado ajudam a conceber uma economia política da comunicação e da cultura mais ampla do que a abordagem habitual dos fenômenos culturais. No livro O conceito de cultura em Celso Furtado (EDUFBA, 2015), Bolaño mostra que o economista era influenciado por autores da antropologia, a partir dos quais concluiu que a superação do desenvolvimento não se limitava a atingir o nível de consumo dos países ricos. “Sua preocupação central não é com a geração de emprego e renda através da cultura. O que ele buscou foi garantir a autonomia cultural de um projeto nacional de desenvolvimento”, observa.

Para ilustrar a diferença de perspectiva, o pesquisador toma o exemplo das leis de incentivo. “A Lei Sarney, concebida por Furtado, procurava disseminar as condições de desenvolvimento da criatividade. Ele chegou a dizer que o objetivo era que o açougueiro da esquina financiasse o grupo de teatro de seu bairro. As leis posteriores, ao contrário, se concentram em financiar

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grandes produções”, assinala. A exceção, segundo Bolaño, é o programa dos Pontos de Cultura, implementado quando Gilberto Gil ocupou o ministério da Cultura, entre 2003 e 2008.

“Furtado pode ser abordado de inúmeras maneiras: int é rprete da forma çã o do Brasil; historiador da economia brasileira e latino-americana; te ó rico do subdesenvolvimento; pensador da quest ã o regional; interlocutor sobre a mundializa çã o do capital e as possibilidades da periferia; pensador da democracia”, enumera Gilberto Bercovici, professor de direito econômico da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e fundador do grupo de pesquisa Direito e Subdesenvolvimento: o Desafio Furtadiano.

Em registro de 1960 (da esq. para à dir.): o governador do Ceará, Parsifal Barroso, o presidente Juscelino Kubitschek, Furtado e João Goulart. Arquivo Nacional

“Ele é um autor de referência para o direito econômico, que estuda a organização do processo econômico e o planejamento, políticas industriais e agrícolas. É o direito como modo de estruturar o processo econômico”, explica Bercovici. “O jurista Fabio Konder Comparato se refere ao direito econômico como ferramenta para atingir as estruturas do sistema econômico. Isso era justamente o que Furtado se propunha a fazer”, completa.

Por outro lado, Costa Lima lamenta que Furtado não seja abordado como pensador das relações internacionais, “embora ele trabalhe com os mesmos conceitos que alguns dos autores mais estudados”. “É fundamental entender que Celso Furtado refletiu sobre o campo da política internacional, para ampliar o quadro dos problemas que estamos tratando”, aponta. “Esse esforço faz parte de um conjunto de reflexões que estão associadas ao pensamento pós-colonial”, observa. Costa Lima enfatiza dois aspectos, na trajetória de Furtado: a constatação de que o desenvolvimento das nações periféricas não poderia simplesmente reproduzir os padrões dos países centrais e sua defesa do fortalecimento das relações entre os países subdesenvolvidos – frequentemente denominada “Sul-Sul”.

Em 1974, Furtado lançou O mito do desenvolvimento econômico (Paz e Terra), que aborda um tema, àquela altura, pouco usual entre economistas: o ambiente. Mais tarde, Furtado afirmou também que foi alertado para a impor -

tância da ecologia nos anos 1960, em seu período na Sudene. Ali, percebeu que a agricultura dos indígenas protegia a floresta, ao contrário daquela que era praticada pelo maquinário moderno. No artigo “As ideias de Celso Furtado sobre a questão ambiental”, os economistas Renato Nataniel Wasques, Walter Luiz dos Santos Júnior e Danilo Duarte Brandão observam que as reflexões suscitadas pela questão ambiental, e desenvolvidas no livro de 1974, prefiguram abordagens que seriam fundamentais para o conceito de desenvolvimento sustentável.

Centro e periferia

Ao lado do subdesenvolvimento, o outro conceito fundamental de Furtado é a distinção entre centro e periferia da economia global, que constituiu um dos pilares do pensamento desenvolvido na Cepal, com Prebisch. O centro designa os países ricos, que dominam tecnologias avançadas e produzem bens com retornos crescentes de escala, ou seja, um rendimento proporcionalmente maior do que determinado pelo aumento na quantidade de insumos aplicados. Na periferia, estão os países especializados em produtos de baixa tecnologia, que têm, ao contrário, retornos decrescentes de escala.

Hoje, não é comum o uso da distinção entre centro e periferia entre economistas. Mas ela reaparece de outras maneiras, aponta Paulo Gala, da Escola de Economia da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV). Gala cita os trabalhos de Paul Krugman, que recebeu o prêmio Nobel em 2008, na área de geografia econômica. Segundo Gala, Krugman mostra como, nas economias em que há diferentes mercadorias, algumas com re -

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tornos crescentes de escala e outras com retornos decrescentes, emerge espontaneamente uma estrutura com centro e periferia. “Krugman deu um salto formal no entendimento do comércio mundial, e o trabalho em que ele dá esse salto é recheado pela ideia de centro e periferia”, afirma.

Gala chama atenção também para um fenômeno mais recente, em que um grupo de físicos e economistas dedicados ao tema da complexidade, como os físicos Cesar Hidalgo, chileno, e Albert-László Barabasi, húngaro-americano, se debruçou sobre o comércio internacional e chegou a resultados semelhantes. “Nos padrões das redes complexas, uma estrutura com centro e periferia é o normal. Qualquer rede, em geral, tem um padrão de centro e periferia: o centro tem os nós mais conectados; e a periferia, os nós com poucas conexões”, explica.

Aponta também Gala que cada uma dessas escolas chegou à relação entre centro e periferia por um caminho diferente. Furtado e Prebisch faziam uma análise histórica e documental. Krugman é um teórico puro da macroeconomia, que emprega modelos abstratos. Já os teóricos da complexidade tomaram uma via estritamente empírica, analisando dados volumosos sobre o comércio mundial. “Todos atingiram um mesmo resultado: seja empiricamente, seja formalmente, a estrutura do comércio mundial forma um padrão de centro e periferia”, diz. “Por isso, os estruturalistas latino-americanos estavam certos ao dizer que não havia possibilidade de desenvolvimento para os países mais pobres dentro do padrão que vinha dos mais ricos”, conclui.

Em 31 de outubro de 1997, Celso Furtado tomou posse na Academia Brasileira de Letras. Publius Virgilius

REFERÊNCIAS:

ARAÚJO, Victor Leonardo e MATTOS, Fernando Augusto M. (orgs.). A Economia Brasileira de Getúlio a Dilma: Novas Interpretações. São Paulo: Hucitec, no prelo.

BOLAÑO, Cesar. O Conceito de Cultura em Celso Furtado. Salvador: Editora UFBA, 2015.

GALA, Paulo. Complexidade Econômica. Rio de Janeiro: Contraponto, 2017.

COSTA LIMA, Marcos. A dimensão internacional da obra de Celso Furtado. Revista de Ciências Sociais. Fortaleza, v. 51, n. 1, mar./jun., 2020, p. 45–73.

WASQUES, Renato Nataniel; SANTOS JÚNIOR, Walter Luiz dos; BRANDÃO, Danilo Duarte. “As ideias de Celso Furtado sobre a questão ambiental”. Leituras de Economia Política, Campinas, (28), p. 41-58, jan./jun. 2019.

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Diego Viana é Jornalista, Repórter do Valor Econômico e Doutor em Humanidades pela FFLCH-USP. / Folhapress.

O centenário de Celso Furtado: alguns pensamentos

Depoimento de Deepak Nayyar sobre a importância de Celso Furtado

Li Celso Furtado pela primeira vez em meados da década de 1960, quando era estudante de graduação na Universidade de Delhi. Mesmo tão distante, na Índia, Formação Econômica do Brasil (traduzido como The Economic Growth of Brazil) foi uma leitura marcante. Fascinado com seu trabalho, li Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, seguido de Formação Econômica da América Latina, em fins dessa década, quando estava na pós-graduação, na Universidade de Oxford. Meu interesse na obra de Furtado prosseguiu, mas era limitado ao que havia sido traduzido para o inglês. Três décadas mais tarde, em 2000, quando era reitor da Universidade de Delhi, fui convidado a fazer a conferência principal do Simpósio Internacional, no Recife, que celebrava os 80 anos de Celso Furtado. Para mim, foi, ao mesmo tempo, uma surpresa e uma grande satisfação. Foi a primeira vez que encontrei Furtado pessoalmente. Eu talvez fosse o mais jovem, na galáxia de conferencistas convidados, que incluíam Samir Amin, Ignacy Sachs, Paul Streeten e Immanuel Wallerstein. Streeten, meu orientador no doutorado, em Oxford, se perguntava por que ele tinha sido convidado, uma vez que já tinha 82 anos e era ainda mais velho que Furtado!

Para mim, Celso Furtado foi um pensador pioneiro e um acadêmico notável no campo da economia do desenvolvimento. Furtado e Raúl Prebisch estiveram entre os fundadores da economia estruturalista, uma escola de pensamento no tema do subdesenvolvimento e desenvolvimento, que veio à tona na América Latina para tornar-se influente ao redor do mundo durante os anos 1960 e 1970. Sua premissa de base era que não é possível analisar o subdesenvolvimento e o desenvolvimento sem situar as economias no contexto mais amplo da sociedade e do sistema político, em que a história conta muito. Agindo assim, eram parte essencial de seus escritos a relevância do passado colonial, as estruturas agrárias, a desindustrialização, as desigualdades econômicas, as estratificações sociais e os regimes políticos. Além disso, ele enfatizava a

significância das instituições, o papel crítico dos governos, a desigualdade na divisão internacional do trabalho e a natureza do capitalismo global como fatores importantes para dar forma aos resultados de desenvolvimento. Aprendi muito com seu trabalho em todos esses campos.

A importância da perspectiva histórica na análise econômica é possivelmente a lição essencial a emergir do trabalho de Celso Furtado. Sua influência se reflete com clareza no meu livro Catch Up: Developing Countries in the World Economy (Oxford University Press, Oxford, 2013). Esse livro foi traduzido no Brasil por Rosa Freire d’Aguiar como A Corrida Pelo Crescimento e publicado em 2014. Meu livro mais recente se chama Resurgent Asia: Diversity in Development (Oxford University Press, Oxford, 2019). Nele, analiso as transformações notáveis da economia asiática nos últimos 50 anos, em comparação com o século anterior. Também creio que Celso Furtado teria apreciado ler esse livro. Torço para que esteja disponível para os leitores latino-americanos em breve, muito embora a língua nunca tenha sido uma barreira para leitores do meu trabalho no Brasil.

Deepak Nayyar é Professor Emérito da Universidade Jawaharlal Nehru e lecionou nas universidades de Oxford, Sussex e New School for Social Research de Nova York. É autor de vários livros e, em português, teve o título “A Corrida pelo crescimento. Países em desenvolvimento na economia mundial” publicado pelo Centro Internacional Celso Furtado.

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