Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 1
| ISSN 2526-2440 | nº 11 | Ano 2017
Jornalismo e cidadania
Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade | PPGCOM/UFPE
JORNALISMO E CIDADANIA | 2
Expediente
Arte da Capa: Designed by Freepik.com
Colaboradores |
Editor Geral | Heitor Rocha professor PPGCOM/UFPE
Marcos Costa Lima Pós-Graduação em Ciência Política/UFPE
Editoração Gráfica | Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE
Túlio Velho Barreto Fundação Joaquim Nabuco
Articulistas |
Gustavo Ferreira da Costa Lima Pós-Graduação em Sociologia/UFPB
PROSA REAL Alexandre Zarate Maciel doutorando PPGCOM/UFPE
Luiz Lorenzo Núcleo de Rádios e TV Universitárias/UFPE
MÍDIA ALTERNATIVA Xenya Bucchioni doutoranda PPGCOM/UFPE
Ada Cristina Machado Silveira Professora da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
NO BALANÇO DA REDE Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE
Antonio Jucá Filho Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ Auríbio Farias Conceição Professor do Departamento de Letras e Humanidades – DLH/ UEPB
JORNALISMO E POLÍTICA Laís Ferreira mestranda PPGCOM/UFPE
Leonardo Souza Ramos Professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC –Minas Gerais e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Potências Médias (GPPM)
JORNALISMO AMBIENTAL Robério Daniel da Silva Coutinho mestre em Comunicação UFPE
Rubens Pinto Lyra Professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas da UFPB
PODER PLURAL Rakel de Castro doutoranda PPGCOM/UFPE e UBI CIDADANIA EM REDE Nataly Queiroz doutoranda PPGCOM/UFPE
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Prosa Real
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Mídia Alternativa
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Opinião | Lucyanna Melo
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Opinião | Marcos Costa Lima
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Comunicação na Web
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Jornalismo Independente
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MUDE O CANAL Ticianne Perdigão doutoranda PPGCOM/UFPE
Jornalismo Ambiental
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Opinião | Luis Celestino
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COMUNICAÇÃO NA WEB Ana Célia de Sá Doutoranda em Comunicação UFPE
Opinião | CIro Barreto
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Opinião | Maria de Jesus
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Opinião | Rubens Pinto Lyra
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Mídia Fora do Armário
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JORNALISMO INDEPENDENTE Karolina Calado doutoranda PPGCOM/UFPE MÍDIA FORA DO ARMÁRIO Rui Caeiro mestre em Comunicação UFPE
NA TELA DA TV Mariana Banja mestranda em Comunicação UFPE
Índice
Editorial
COMUNICAÇÃO PÚBLICA Ana Paula Lucena doutoranda PPGCOM/UFPE
Bolsista e Aluno Voluntário | Lucyanna Maria de Souza Melo Yago de Oliveira Mendes José Tarisson Costa da Silva
Acesse: facebook.com/ Jornalismoecidadania | issuu.com/revistajornalismoecidadania
Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 3
Editorial Por Heitor Rocha
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falta de vergonha com que as autoridades dos Poderes Judiciário, Executivo e Legislativo pretendem justificar os seus posicionamentos favoráveis aos interesses de alguns poucos privilegiados da estrutura de poder dos grupos que controlam o aparelho de estado e as grandes corporações do mercado assusta pela forma descarada com que se repetem. Também causa espanto a forma como a mídia desonera sua interpretação ética/moral quando defende a manutenção da indignidade para garantir a manutenção do calendário das reformas trabalhista e da previdência para evitar que venham a ser discutidas com o conjunto da sociedade, sobretudo com setores especializados como os magistrados da Justiça do Trabalho e os auditores da Receita Federal que realizaram uma minuciosa avaliação da situação da previdência mostrando o caráter artificial da alegada crise com que os golpistas pretendem beneficiar a acumulação de capital e prejudicar várias gerações de brasileiros ocultando a dívida de centenas de bilhões das grandes empresas, entre outras negociatas. Outro fato que causa indignação é a duplicação do gasto com publicidade na atual gestão golpista, destinando um volume enorme de recursos públicos na tentativa de convencer a população brasileira da necessidade das reformas para suprimir direitos e beneficiar as elites – como a rejeição da taxação das grandes fortunas -, numa época em que foram impostos perversos cortes em nome da necessidade de austeridade nas áreas de educação, saúde, pesquisa em ciência e tecnologia, transporte coletivo, mobilidade, segurança pública, enfim nas questões que dizem respeito à qualidade de vida. Com relação ao desempenho da grande mídia, ao espectador medianamente atento, chama atenção a falta de um pedido de desculpas dos veículos de comunicação pela veemente campanha mobilizada em nome da moralidade para destituir uma presidente legitimamente eleita e colocar em seu lugar a quadrilha que vem sofisticando a corrupção com que as grandes corporações fizeram refém as autoridades da República para usurpar os recursos públicos e vilipendiar os brasileiros desde a ditadura militar. Por outro lado, é de se lamentar a ausência de iniciativas para alimentar a discussão sobre um programa progressista para o país. Pode-se perceber como a sanha usurpadora com que os novos “capitães do mato” pretendem oprimir o povo brasileiro vem conseguindo reunir, devido à perversidade de suas iniciativas, os movimentos sociais dispersos durante muitos anos pela política de substituição das massas pela política institucionalizada.
Além da luta comum contra as maldades do projeto neoliberal, é preciso se iniciar a elaboração de um projeto para aglutinar os cidadãos de boa vontade que não se tornaram “jagunços” dos donos do dinheiro em torno de questões como a garantia dos direitos trabalhistas, previdenciários, das diversas etnias e grupos estigmatizados, a educação e a saúde públicas de qualidade, a reforma agrária – como iniciativa que países como a França, Inglaterra e Estados Unidos fizeram há décadas -, e demais providências imprescindíveis para incrementar o verdadeiro desenvolvimento do país e não somente a fortuna das elites como pretende o atual governo de exceção. Contudo, de forma estratégica, um assunto se apresenta como essencial: a proposta de regulação da mídia e uma política de comunicação pública educativa que vislumbre a inclusão social de metade da população que vive à margem do processo produtivo e dos benefícios culturais civilizatórios. Devemos reconhecer que os governos petistas tomaram iniciativas importantes nesta área como o conselho nacional de comunicação e as conferências nacional, estaduais e municipais de comunicação. Porém, é de se lamentar que estas propostas tenham sido abandonadas diante da ferocidade da reação dos grandes veículos. Assim, devido à chantagem da grande mídia, não só estas iniciativas foram relegadas como foram distribuídos os recursos públicos – só a Globo abocanhou mais de 10 bilhões de reais – através do critério de mercado do domínio da audiência, o que reforçou o monopólio e a propriedade cruzada de grandes grupos de veículos, em detrimento da adoção de um projeto de comunicação pública educativa para alocação das verbas públicas da área para fortalecimentos dos veículos públicos educativos e comunitários, as TV’s e rádios universitárias, que sobrevivem à mingua mantendo suas atividades pela perseverança de seus funcionários e a abnegação de grupos populares e de professores. Por fim, estas são questões que precisam ser discutidas e acordadas para mobilizar a população em torno de um projeto progressista a ser apresentação na eleição direta para a Presidência da República, que haveremos de ter agora ou no próximo ano. Heitor Costa Lima da Rocha, Editor Geral da Revista Jornalismo e Cidadania, é professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.
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Prosa Real
Livro-reportagem, jornalismo e contexto Por Alexandre Zarate Maciel
Autores de livrosreportagem debatem sobre jornalismo literário
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uando tratam sobre o tema jornalismo literário os jornalistas escritores de livros-reportagem entrevistados por este colunista tentam equilibrar as palavras, em busca de uma definição mais precisa sobre as suas próprias práticas. É o caso de Fernando Morais: “Olha, jornalismo literário, em minha opinião, não tem nada a ver com jornalismo ficcional. Tem a ver com você dar um tratamento literário a fatos reais apurados por você. É um tratamento elegante”. Em tom de deboche, Leonêncio Nossa brincou que o fato do jornalista se colocar como “literário” pode até servir como lógica para a chefia de redação liberá-lo para ter mais tempo para produzir matérias. “O negócio é o texto, é a inspiração. Daí você pensa: beleza, não precisa de apuração não, porque ele não apura bem, mas sabe escreeeverr. Tenho que sentiiir. Tenho que me inspirarrr”. A cada livro que foi elaborando, Lira Neto crê ter aprofundado os recursos de “tirar qualquer resquício de literatura do texto jornalístico”. As definições ambicionadas de um texto “bem escrito” e “elegante” surgem como contraponto à definição geral “literário”, como esmiuça Lira Neto: “Reescrevo muito cada parágrafo e sempre na tentativa de tirar o retórico, o acessório. Tornar o texto mais cru, mais objetivo, mais seco, mais substantivo e menos adjetivado”. Mais do que buscar uma definição fechada, na ótica de Adriana Carranca, seria apropriado entender como os autores de livros pensam suas reportagens: “Tem que ser bem escritas, bem apuradas, tem que ser corretas, tem que ser investigadas para você chegar naquela conclusão”. Quem não vê tanto problema no uso do termo jornalismo literário, como Laurentino Gomes, também ressalta que o jornalista não pode cair na tentação de “preencher lacunas do conhecimento com ficção”.
Autor do mês: Percival de Souza
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ncorados pela editora Alfa-Omega, jornalistas de impresso passaram a publicar os seus trabalhos na forma de livro-reportagem no final dos anos 1970. O mais produtivo foi Percival de Souza, que ganhou quatro prêmios Esso em sua carreira e escreveu 14 obras, sendo algumas das mais importantes A prisão (1979), trazendo as histórias humanas dos presos da Casa de Detenção de São Paulo; O crime da rua Cuba (1989), repercutindo seu trabalho de repórter policial; Eu, Cabo Anselmo (1999), no qual conseguiu depoimentos-chave desse nome controverso da história; Autópsia do medo (2000), sobre o também polêmico delegado Sérgio Fleury, e Narcoditadura (2002), a respeito das circunstâncias do assassinato do repórter investigativo Tim Lopes na mão de narcotraficantes. Em depoimento à Cleofe Sequeira (2005, p.40), Percival de Souza explicita que o livro-reportagem “dá à obra do profissional
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de jornalismo uma nova dimensão”. O jornalista explicou que coleta sem preocupação um grande volume de material durante o seu processo de investigação, já visando publicar um livro posteriormente. Mas Percival, segundo declarou a Sequeira (2005, p. 40), fez questão de frisar que seus livros não são mera reprodução das reportagens originalmente publicadas na imprensa e, sim, uma forma de lançar um olhar mais aprofundado e contextualizado sobre os temas: a reportagem sai publicada no jornal, conforme foi combinado com a chefia de redação, “mas, como nem tudo que se apura pode, por limitação de espaço do jornalismo diário, ser publicado, costumo construir uma outra história, que nada tem a ver com a reportagem”.
Iluminando conceitos: Dewey, autonomia jornalística e livroreportagem
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filósofo John Dewey já apontava, no início do século XX, reflexões úteis para entender a autonomia do jornalismo e do livro-reportagem. Dewey (2004, p. 155) comparava que, “da mesma forma que uma indústria dirigida por engenheiros sobre uma base tecnológica real” seria bastante diferente do que a constituída atualmente, “a construção e informação de notícias” também teria configurações distintas “se se deixasse que atuassem livremente os autênticos interesses dos repórteres”. Ora, esse é justamente um dos principais fatores motivadores para os jornalistas-autores dedicarem-se a investigar temas e personagens e narrá-los de forma mais ampla e contextualizada em livros. Dewey (2004, p. 155) critica a obser vação comum de que uma cobertura jornalística mais aperfeiçoada não teria efeitos concretos junto ao público. Por esta perspectiva cética do jornalismo, continua Dewey, uma interpretação mais cuidadosa e contextualizada do real, até com o auxílio das ferramentas das ciências sociais, estaria fadada a repousar em solitárias estantes de biblioteca e interessaria e seria compreendida apenas por intelectuais. No entanto, o filósofo derruba este argumento considerando o potencial de arte que o jornalismo pode experimentar. “Sem dúvida um jornal que não fosse mais do que a edição diária de uma revista trimestral de sociologia ou de ciência política teria uma circulação limitada e sua influência seria escassa”, pondera Dewey (2004, p.155).
Porém, continuando o raciocínio, acrescenta que o material teria uma relevância humana tão enorme que o fato de ter sido publicada a tornaria um “convite irresistível a sua apresentação como atrativo popular”. Ele arremata o seu argumento reivindicando uma autonomia profissional, uma aproximação do jornalismo com a liberdade artística: “A liberação do artista na apresentação literária é uma condição prévia da desejável criação de uma opinião adequada sobre os assuntos tão importantes como a liberação da investigação social” (DEWEY, 2004, p. 156). A citação de Dewey define, em certa medida, o trabalho do autor de livros-reportagem. Em um país como o Brasil, com índices deficitários de leitura, a circulação desses livros realmente é bem menor do que a de um telejornal, por exemplo. Mas o livro é espaço garantido para temas de extrema relevância, por motivos diversos não abordados pela imprensa cotidiana.
Referências: DEWEY, John. La opinión pública e sus problemas. Madri: Edições Morata, 2004. SEQUEIRA, Cleofe Monteiro de. Jornalismo investigativo: o fato por trás da notícia. São Paulo: Summus Editoral, 2005. SOUZA, Percival. Narcoditadura: o caso Tim Lopes, crime organizado e jornalismo. São Paulo: Labortexto, 2002. ________, Percival. Society cocaína. São Paulo, Traco, 1981. ________, Percival. O crime da rua Cuba. São Paulo, Atual, 1989. ________, Percival. O império da violência. São Paulo: Ícone, 1988. ________, Percival. A revolução dos loucos. São Paulo: Global, 1980. ________, Percival. A prisão. São Paulo: Alfa-Omega, 1978. Elaborada pelo professor do curso de Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz, Alexandre Zarate Maciel, que está cursando o doutorado em Comunicação na UFPE, a coluna Prosa Real traz, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, os principais autores, títulos e a visão do leitor.
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Mídia Alternativa Jornalismo de oposição e resistência Por Xenya Bucchioni
Benjamim Costallat: repórter-cronista mergulhou fundo no cotidiano
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pergunta que dá título a este texto tem sido uma questão, ainda, em aberto para mim. Aliás, nesse preciso momento, ela ocupa um espaço cativo nos meus dias, já que sob seus domínios busco desenvolver um dos capítulos da minha tese, em andamento no Programa de Pós-Graduação em Comunicação do Centro de Artes e Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. A escolha por compartilhar os percalços dessa indagação com você, caro leitor (veja só!), não é outra senão a de dividir a angústia. E, especialmente, as descobertas. Afinal, se é verdade que todo processo de pesquisa caminha entre espinhos, também é certo que topamos com umas quantas flores ao longo da ca-
minhada. O dia em que atentei para a sua existência, caro leitor, estava eu diante da marca mais visível da sua presença em uma publicação impressa: a seção Carta do Leitor. Ali, de pronto, era possível identificar não apenas um nome, mas também uma localidade, o que me permitia tatear uma noção primeira de alcance de distribuição. Para deixar as coisas mais claras, um aviso importante: a publicação mencionada aloca-se ao lado dos títulos alternativos produzidos na década de 70 – recorte temporal no qual insere-se meu estudo. Retomando as cartas enviadas pelos leitores, pude notar que grande parte deles era de estudantes e se valia da publicação como modo de complementar seus processos formativos – características de um período marcado pela presença da ditadura, da censura, e pela ausência da internet que, hoje, cumpre esse papel. Afinal, aos títulos alternativos coube a missão de fazer circular textos literários, sociológicos, antropológicos ou políticos inéditos ou reeditados, assim como a publicação de entrevistas com intelectuais banidos da mídia tradicional.
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Foi, justamente, ao refletir sobre o encontro entre leitores e textos, que os meandros da circulação preencheram meu coraçãozinho pesquisador. Para alguém ler a publicação, era preciso que um outro alguém a fizesse alcançar essas mãos. E isso, em se tratando da imprensa alternativa da década de 70, era, no mínimo, algo rudimentar – mesmo com a existência de distribuidoras como a Fernando Chinaglia ou a Abril (ambas, hoje, parte do mesmo grupo, comandado pela Editora Abril). Entre sobreposições e intersecções Seguindo as pistas do expediente, outro elemento facilmente identificável ao pesquisador: observei que o nome de alguns colaboradores estava associado não a funções específicas, mas sim aos estados brasileiros. Teriam sido distribuidores? Saberiam me dizer quem eram os leitores da publicação? Suspense. E um trabalho de formiguinha gigantesco para localizar essas pessoas. Thanks, Mark Zuckerberg. O Facebook foi uma ferramenta fundamental a essa parte da pesquisa. Por meio dele, entrevistas materializaram-se e tive acesso a uma gama de ex-leitores que, para além desse papel, desempenharam outros tantos. Leitores-Vendedores-Distribuidores-Divulgadores-Revisores-Colaboradores, muitas foram as sobreposições possíveis. Por isso mesmo, pensar em posições fixas nos estudos que pretendem dar conta das publicações alternativas pode revelar-se uma estratégia limitadora. Na visão de Chris Atton, melhor seria interrogar os alternativos quanto à sua radicalidade nos termos de uma perspectiva que privilegie a sobreposição e a interseção de posições sem, contudo, considera-las como resultante da falta de recursos ou de organização interna. Isso significa abdicar da visão que sustenta as mídias convencionais (ou grande mídia) no horizonte “regulador” da pesquisa. Ao pesquisador, caberá a tarefa de problematizar e transpor essas posições em relação às noções e padrões estabelecidos de profissionalismo e competência, considerando-as como parte de um campo autônomo constituído por suas próprias regras. De modo a deixar você, caro leitor, envolvido nas pistas que nos levam, humildes pesquisadores, ao seu encontro, encerro minha reflexão alertando que ela continua na próxima edição. Até lá! Dos meios aos processos: dois autores essenciais para pensar as mídias alternativas Para aqueles que desejam trilhar os caminhos
da história da comunicação, a perspectiva mais tradicional é guiar-se pelos meios – isto é, observar, analisar e investigar a mídia como produtora de sentido em seus mais variados formatos (a imprensa, o rádio, a televisão, etc). Ao longo dos anos, no entanto, a tendência de voltar-se aos sistemas tem chamado atenção ao circuito comunicacional que compõe e atravessa um meio. Pensar nos termos de um circuito requer considerar o meio de comunicação de maneira holística, abarcando a produção e circulação de mensagens dentro de uma complexa teia de mediações, práticas e experiências socioculturais. Os trabalhos de Robert Darnton e Chris Atton são duas fontes de inspiração para o desenvolvimento da perspectiva dos circuitos. À sua maneira, ambos autores se concentram nos processos envolvidos dentro de um modelo de comunicação. Enquanto Darnton examina, em O beijo de Lamourette, o modo como os livros surgem e espalham-se pela sociedade, considerando os atores envolvidos em sua produção, circulação e recepção, Atton debruça-se, em Alternative Media, sobre as mídias alternativas, ampliando o trabalho de seu colega ao considerar as sobreposições e interseções existentes em cada ponto do processo de produção e distribuição midiática. Nesse sentido, a visão de Atton enfatiza um modelo de análise no qual as transformações desencadeadas pelo próprio processo comunicacional emergem em vínculo estreito com as relações sociais formuladas dentro e através do mesmo – o que significa encarar os meios de comunicação, portanto, como socialmente e materialmente produzidos. Um olhar cuja inspiração perpassa os estudos de Raymond Willians. Ainda dentro da perspectiva dos sistemas, mas em âmbito nacional, os estudos de Marialva Barbosa, especialmente, aqueles destinados à compreensão do letramento dos escravos tem sido de extrema valia para remontar às práticas de leitura e escrita do século XIX e inserir esses atores no mundo das letras, desmistificando a ideia de que suas práticas culturais estariam restritas à oralidade. Escrita pela jornalista Xenya Bucchioni, doutoranda em Comunicação na UFPE e fundadora do Mezclador, estúdio de cultura contemporânea desenhado para realizar projetos de impacto social, a coluna Mídia Alternativa aborda a produção jornalística feita à margem dos veículos tradicionais. Mensalmente, o espaço apresentará um raio-x das publicações alternativas marcantes na história do jornalismo e do país, além de entrevistas e debates.
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Opinião
Teologia e feminismo, é possível? Por Lucyanna Maria de Souza Melo
Q
uando vistas pela primeira vez juntas, as palavras “teologia” e “feminismo” podem parecer incompatíveis para algumas pessoas, causando, assim, certa confusão. Sabe-se que o feminismo, muitas vezes, é tomado de forma errada e equivocada, quando, na verdade, a questão primordial que tal movimento defende é a igualdade, assim como as religiões. Porém, o significado de igualdade parece ser desconhecido, ou não apreendido de forma correta. Mas é desse senso comum, errôneo, que surge uma vertente da teologia que busca ajudar e mostrar para as mulheres de muitas comunidades que seu papel dentro das religiões, e também dentro das igrejas, é tão importante quanto o do homem, não havendo a necessidade de hierarquias arcaicas. A Teologia Feminista busca não só a igualdade entre os gêneros, mas também a equidade. A partir de vários questionamentos, que colocam
em cheque o patriarcalismo histórico das instituições religiosas, surge entre eles a pergunta: seria mesmo Deus uma figura masculina? Vários outros pontos foram levantados pelas teólogas feministas, que se pautam na Teologia da Libertação, em busca uma equidade entre os seres humanos, para discutir a dominação masculina que se apresenta, muitas vezes, com uma justificação divina. Os estudos dentro dessa vertente da teologia surgiram a partir da década de 1960, com as primeiras ondas do movimento feminista, com o objetivo de trazer à reflexão temas que envolvem o cotidiano, as estruturas de poder, a ética, a diversidade, as desigualdades entre os gêneros, os direitos reprodutivos e também os direitos humanos que buscam abarcar todas essas temáticas. O princípio básico que a teologia feminista propõe é a ressignificação de vivências e textos bíblicos que garantam a humanidade plena das mulheres,
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caracterizando-se por buscar nas experiências das mulheres (de qualquer raça, religião, idade e também sexualidade) seu objeto de estudo para a reflexão das relações de gênero estabelecidas, observando e atuando nos mecanismos de opressão que estão presentes nas instituições religiosas. Uma vez que a Teologia Feminista busca abarcar todas as religiões, diversas vertentes surgem com o objetivo de enquadrar grupos que experimentam, infelizmente, situações cotidianas de opressão, em contextos específicos. Por isso, a teologia feminista se apresenta como Teologia das mulheres de origem africana, de mulheres de origem latino-americana, das mulheres lésbicas, das mulheres emigrantes de origem asiática e teologia Queer. Como observado, a teologia feminista busca abraçar as minorias, no que tangem às mulheres, e isso também abarca as mulheres trans e as homossexuais, que muitas vezes não são bem-vindas ou até mesmo não se sentem à vontade em um ambiente religioso, que em primeira vista, julgam-nas condenáveis. Uma das teólogas pilares da Teologia Feminista na América Latina é Ivone Gebara, que possui estudos dentro da religião católica. De acordo com ela, com o surgimento de uma visão feminista dentro do cristianismo, nasceu o que se chamou de “hermenêutica feminista da bíblia”, ou seja, uma interpretação que busca refletir e ressignificar o papel da mulher nos textos bíblicos, partindo do olhar das mulheres. Essa interpretação leva em consideração não apenas o contexto atual de mudanças, mas também as perguntas que são atemporais: Qual é o lugar da mulher dentro da igreja? Como essa posição, muitas vezes imposta, é efetivamente justificada? E estaria ela passível de mudança? De acordo com Irmã Rozário, integrante do Instituto Humanitas da Universidade Católica de Pernambuco e da Conferência dos Religiosos do Brasil, o cenário que envolve o universo feminino dentro das instituições religiosas está mudando. Por conta da Igreja Católica, da qual ela faz parte, ser uma instituição patriarcal milenar, as mudanças começam aos poucos com os questionamentos que a teologia feminista propõe. Assim, o principal desafio encontrado pela Teologia Feminista é, exatamente, este: o patriarcalismo histórico das instituições religiosas. Além dele, existe também o machismo e o sexismo que também têm como base tal cultura patriarcalista da sociedade, que vê a mulher como um objeto que deve ser submisso ao homem, sem direitos e principalmente sem voz. Outro desafio encontrado pelas teólogas feministas é o medo dos líderes religiosos masculinos de “perderem” seu lugar no topo da hierarquia. Todavia, tal vertente da Teologia não almeja o topo, pelo contrário, busca diluir esse sentido de hierarquia e viver uma horizontalidade, na
qual mulheres e homens possam trabalhar de forma igualitária para Deus. Talvez o principal questionamento para as pessoas que acabam de conhecer a teologia feminista seja como difundir essa vertente teológica nas comunidades e igrejas que ainda hoje possuem uma presença masculina de liderança. O primeiro passo a se tomar é buscar conhecimento sobre o assunto, que ainda possui uma limitada literatura, mas que se mostra completa e explicativa. Existem grupos nas redes sociais que discutem sobre Teologia Feminista, tanto no catolicismo quanto no protestantismo, religiões que possuem os maiores números de adeptos. Dentre eles, o Coletivo Vozes Marias, um grupo cristão sem fins lucrativos, que tem como objetivo discutir os direitos da mulher na comunidade cristã e na sociedade em geral. Há também a organização não-governamental Católicas pelo Direito de Decidir, no qual o objetivo é trabalhar por justiça social, buscando o diálogo inter-religioso e a mudança dos padrões culturais e religiosos que cerceiam a autonomia e a liberdade das mulheres, especialmente no exercício da sexualidade e da reprodução. Ambos os grupos possuem página no Facebook. Por fim, a melhor maneira de difundir uma ideia é conversando com outras pessoas, repassando o seu conhecimento para o próximo, discutindo sobre e construindo novas visões. Apesar de ser pouco conhecida, a Teologia Feminista está em constante evolução, não só nos seus estudos, mas também na busca por mais integrantes para que o princípio da igualdade entre os gêneros, principalmente dentro das religiões, seja apreendido e difundido. Para quem se interessa em conhecer mais sobre a temática, as leituras da literatura que envolve a discussão sobre a Teologia Feminista do CEBI – Centro de Estudos Bíblicos – são recomendadas; além das obras de Ivone Gebara, dentre elas “O que é Teologia Feminista”, um livro introdutório sobre a temática.
Referências: GEBARA, Ivone. O que é teologia feminista. 1 ed. São Paulo: Brasiliense, 2007. 63p. (Coleção Primeiros Passos).
Lucyanna Maria de Souza Melo é graduanda em Jornalismo na Universidade Federal de Pernambuco e aluna voluntária no Projeto de Extensão Revista Jornalismo e Cidadania Ano 2.
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Opinião
Teremos tempo suficiente para enfrentar a destruição do Planeta?
Por Marcos Costa Lima
A
s Nações Unidas entendem que estamos vivendo um imenso desafio para estabelecermos um sistema de desenvolvimento que seja sustentável ambientalmente em termos planetários. Bilhões de pessoas continuam a viver na pobreza e lhe são negadas as condições para uma vida digna. As desigualdades são crescentes seja dentro seja entre países. As disparidades de riqueza e de poder e de oportunidades não param de aumentar. A desigualdade de gênero continua sendo um desafio que pouco foi alterado, sobretudo em países periféricos. Com relação ao emprego e, sobretudo, ao desemprego dos jovens. Mas também o emprego intermitente, a precarização da mão-de-obra, o desemprego de longo prazo, a perda dos empregos de classe média. As ameaças à saúde global são hoje mais intensas e provocadas tanto por moradias insalubres, pela falta de sistemas sanitários, pela falta d’água ou uso de águas impróprias para o consumo humano, pelo avanço dos pesticidas, quanto pelos desastres naturais, secas e as migrações provocadas pelas guerras. O uso predatório das reservas naturais, que são consideradas inesgotáveis pelo capitalismo, como exemplo o esgotamento do pescado nos oceanos, a perda de biodiversidade, o corte irresponsável das matas e a ocupação crescente de áreas virgens para a produção de bens agrícolas sob a forma de latifúndio têm chamado a atenção de ativistas e funcionários de ONG’s onde muitos já não acreditam em um processo de reversão capaz de estancar os efeitos destrutivos da vida. O falecido sociólogo alemão Ulrich Beck já havia dito, vinte anos atrás em seu livro “A Sociedade de Risco”, que a humanidade se tornou ameaçada pelos efeitos colaterais de suas tecnologias e de excessos expansionistas. O aumento da temperatura global, do nível dos oceanos, de sua acidificação e outros impactos graves associados estão afetando as áreas costeiras e já são visíveis em diversas partes do mundo. Sabemos hoje que as regiões do Ártico e do Antártico têm sofrido perdas de áreas geladas perenes, com danos sobre o esfriamento dos oceanos e desaparecimento de peixes. A ONU, em um relatório de 2015, repetiu a assertiva de Beck
ao dizer que a sobrevivência de muitas sociedades e o sistema de suporte biológico do planeta estão em risco. A ONU também reconhece que o desenvolvimento econômico e social depende de uma gestão sustentável dos recursos naturais do planeta. Outra constatação importante é que este objetivo não pode ser alcançado sem que haja paz e segurança entre as nações e que tanto a paz quanto a segurança global estarão em risco sem um desenvolvimento sustentável. Associado à paz, as sociedades deveriam praticar políticas de inclusão e prover acesso igual à justiça, baseada no respeito aos direitos humanos, em regras legais efetivas e políticas de boa governança em todos os níveis e que sejam transparentes. Nós sabemos em sã consciência de que nada disto vem sendo realizado na ampla maioria dos governos, bem como as medidas arduamente conquistadas a partir da COP 21, são praticamente inertes. Dados preliminares das últimas COPs apontam que, em 2013, as emissões de dióxido de carbono em escala mundial foram 61 % mais elevadas do que eram em 1990, quando as negociações para um tratado sobre o clima começaram a ser tratadas a sério. Poderíamos prosseguir relatando estes problemas que são graves para a vida no planeta, eles são muito sérios e precisam de respostas não apenas urgentes, mas convincentes. Aqui, eu gostaria de mencionar o pensador austríaco que considera que a instituição do Mercado não é um fenômeno natural, nem é espontâneo, uma conclusão que vai contra o pensamento econômico convencional. O argumento de Polanyi é forte sobre a emergência dos mercados na economia capitalista, que faz com que trabalho e terra sejam tratados como se fossem produzidos para a venda. O economista nunca viu nada similar na história desde que trabalho e terra faziam parte da estrutura orgânica da sociedade. Pouco a pouco se tornaram esferas econômicas que foram agudamente delimitadas por outras instituições da sociedade. Desde que nenhuma sociedade humana pode sobreviver sem um aparato produtivo, acabaram por tornar todas as demais esferas da vida dependentes de uma única esfera.
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O estabelecimento da sociedade de Mercado na qual a produção e distribuição material dos bens são atrelados a um sistema autoregulado, governado por suas próprias leis - onde tudo se submete ao lucro, é um sistema irracional. E diz Polanyi que instituições tais como aquelas da propriedade privada dos meios de produção e do sistema de salários operam puramente baixo incentivos econômicos. Com base em muitos estudos antropológicos de Malinoswki, Boas, Thurwald, Polanyi entendeu que o homem é acima de tudo um ser social, que valoriza acima de tudo seus bens para conquistar status ou receptividade. Foi alterando por completo este sentido, tornando a sociedade completamente imersa no sistema econômico, que acabou por produzir um novo fenômeno, que culminou em uma forte separação entre política e economia, governo e indústria . O mercado terminou por esmagar o tecido social do homem. E ele profetiza: hoje nós enfrentamos a tarefa de devolver para a pessoa humana a integridade da vida. Um autor que se aproxima das reflexões de Polanyi é Henrique Leff, que, por muitos anos, tem estudado as articulações e as dimensões da ecologia e do capital. Leff se dedicou à questão da sustentabilidade ao denunciar o reducionismo da racionalidade econômica que tudo traduz em aspectos mercantis e financeiros, esquecendo que a vida e o mundo têm que estabelecer mediações entre os processos econômicos e ecológicos. É necessário escapar do duro cálculo econômico, que se faz sem levar em conta os ecossistemas, que ao fim e ao cabo tornam a vida e a diversidade do planeta um jogo de acumulação monetária. Leff nos leva a pensar na cultura como um suporte de uma nova forma de olhar o conhecimento, como uma nova epistemologia. Um novo paradigma produtivo terá que valorizar a natureza humana, trazer o social para o centro do sistema, onde a vida e o bem estar de todos serão produzidos através da harmonização entre as condições ecológicas, tecnológicas e culturais. O atual processo é de espoliação, com impactos tão mais intensos nos países pobres ou periféricos e no uso inapropriado dos padrões tecnológicos vigentes. Privilegiar o automóvel individual sobre os transportes coletivos, prolongar a extração dos combustíveis fósseis em detrimento de fontes alternativas. Estimular a produção alimentar baseada nos grandes latifúndios e na monocultura, sobre a pequena e media produção rural. O ritmo da extração mineral, da difusão de modelos de consumo que produz entropia acelerada, a erosão dos solos, a exaustão
dos recursos e a submissão de largos contingentes humanos a processos que não são edificantes, não produzem bem estar nem uma sociedade criativa no longo prazo e se constitui no mínimo numa insensatez. A questão da sustentabilidade, entendida não apenas como “duração” de um processo, mas como uma mudança no nível de atenção com o processo vital, se torna urgente. A agricultura de exportação, que se tornou dominante em escala global, é feita sob um modelo de alta degradação. A expansão de áreas de soja tem sido realizada a custo do desmatamento, de destruição de outras culturas consideradas de baixo rendimento e não exportáveis, muito embora mais saudáveis e nutritivas, pois não demandam um alto nível de pesticidas ou de máquinas ultra sofisticadas associadas. A criação de gado para exportação de carne também homogeneíza os espaços, gera pouco emprego e também privilegia o latifúndio. Produz gás metano que danifica o clima. O inventário nacional dos efeitos de gás estufa, que mede as emissões no Brasil, indica que o gado conta por 15.4% dos gases, superando mesmo os combustíveis fósseis que geram 15,1% do total dos gases na atmosfera. Especialistas apontam para a atividade agrícola como a principal responsável pela emissão de poluentes que aumentam a temperatura do planeta, especialmente no Brasil, que tem hoje o maior rebanho comercial do mundo, ou 212 milhões de cabeças. O processo de digestão do gado libera gás metano, cujo potencial de causar o chamado greenhouse effect é 25 vezes maior do que o CO2, por exemplo. Uma expectativa sadia para a saúde humana e do planeta seria a redução do consumo de carne, algo fortemente cultural, o que poderia mitigar o impacto da atividade agrícola no efeito estufa. Concluindo, é longo e difícil o nosso desafio para restaurar uma nova forma de vida das sociedades em escala planetária. É necessário ter em mente que a nossa luta por um sistema ambientalmente sustentável deve ser capaz de produzir sociedades globais que não encarem os seres humanos e não humanos como “Cheap Nature”.
Marcos Costa Lima é professor do Programa de PósGraduação em Ciência Política e Coordenador do Instituto Ásia da Universidade Federal de Pernambuco.
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Comunicação na Web Jornalismo, Sociedade e Internet Por Ana Célia de Sá
Noticiabilidade na web: antigas e novas fórmulas em uso A noticiabilidade é uma questão intrincada à atividade produtiva do jornalismo. Em linhas gerais, pode-se afirmar que a noticiabilidade ultrapassa o conhecimento acerca do fato em si e dialoga com aspectos que circundam o acontecimento, como contexto social, subjetividade do jornalista, categoria profissional, ética, políticas editoriais, infraestrutura do veículo de comunicação e relacionamento com o público. Inserem-se, ainda, neste panorama, as relações com as fontes de informação, as relações de poder e as concepções ideológicas que podem estar embutidas no discurso.
A noticiabilidade é constituída pelo complexo de requisitos que se exigem para os eventos – do ponto de vista da estrutura do trabalho nos aparatos informativos e do ponto de vista do profissionalismo dos jornalistas –, para adquirir a existência pública de notícia. [...] Pode-se dizer também que a noticiabilidade corresponde ao conjunto de critérios, operações e instrumentos com os quais os aparatos de informação enfrentam a tarefa de escolher cotidianamente, de um número imprevisível e indefinido de acontecimentos, uma quantidade finita e tendencialmente estável de notícias (WOLF, 2008, p. 195, 196. Grifo do autor). A partir deste contexto, o jornalista pondera o que e como noticiar, articulando padrões e rotinas das práticas produtivas, que trazem uma estabilidade necessária à profissão. Traquina
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(2008) vincula a previsibilidade das notícias à existência dos critérios de noticiabilidade partilhados pelos jornalistas. Eles guiam a ação do profissional diante dos fatos, mantendo uma espécie de padrão observado ao longo dos tempos, ainda que possa passar por alterações. Podemos definir o conceito de noticiabilidade como o conjunto de critérios e operações que fornecem a aptidão de merecer um tratamento jornalístico, isto é, possuir valor como notícia. Assim, os critérios de noticiabilidade são o conjunto de valores-notícia que determinam se um acontecimento, ou assunto, é susceptível de se tornar notícia, isto é, de ser julgado como merecedor de ser transformado em matéria noticiável e, por isso, possuindo “valor-notícia” (“newsworthiness”) (TRAQUINA, 2008, p. 63. Grifo do autor). HALL et al. (1999) apontam o fato incomum, inesperado, que foge às expectativas normais da vida social como o valor-notícia primário (ou fundamental). Também indicam os acontecimentos da elite, os dramas e os sentimentos humanos como valores-notícia habituais. Segundo os autores, o jornalismo sempre tenta realçar os elementos extraordinários, dramáticos, trágicos, as consequências negativas, entre outros fatores, para destacar a notabilidade dos fatos. Lembrando que os valores-notícia tendem a atuar de maneira conjunta. E quanto mais pontos nos valores-notícia um fato tem, maior é o seu potencial noticioso. O conjunto de valores-notícia guia a atividade jornalística, numa estandardização das rotinas produtivas que permite a realização de ações em tempo hábil e em formato uniforme, mas que também inibe inovações cotidianas. Estes elementos permitem uma compreensão mais global, ainda que não conclusiva, acerca da extensão dos processos produtivos da notícia, que superam categorizações estruturais. Embora os diferentes meios de comunicação social possuam especificidades no processo de seleção, construção e veiculação da notícia, a questão da noticiabilidade perpassa todos eles, dos tradicionais (impresso, rádio e televisão) às mídias on-line. Na web, que desconhece limites espaciais e integra diversas plataformas midiáticas, mantém-se relevante considerar critérios que ajudem a guiar o fazer jornalístico, sem perder de vista a qualidade do ofício e a profissionalização, especialmente diante da cultura da velocidade imposta pelo tempo real e da publicação noticiosa em fluxo contínuo. Neste ambiente de liberdade
espaço-temporal, é preciso evitar as armadilhas da atualização meramente quantitativa, que pode resultar na informação pouco relevante, na apuração imprecisa ou na sobrecarga informativa inútil ao público. A questão da noticiabilidade costuma seguir padrões tradicionais do jornalismo, com adaptações no formato e na publicação. No caso específico da web, isso pode significar a fragmentação narrativa, a distribuição informativa em camadas hipermidiáticas, o uso de recursos multimidiáticos para complementação informativa e a publicação quase instantânea da notícia. A renovação de processos produtivos no webjornalismo, ainda em fase de consolidação, não é sinônimo de rupturas e abandono de velhas fórmulas. Trata-se da evolução e reconfiguração diretamente influenciadas por questões técnicas e sociais que atingem tanto o jornalista, que pode assumir papel de verdadeiro articulador de informações, linguagens e temporalidades, quanto o público, entusiasta de modelos participativos. Ao analisar a produção noticiosa do webjornalismo, é importante considerar as potencialidades das tecnologias digitais, entre elas multimidialidade, interatividade, hipertextualidade, instantaneidade e personalização de conteúdo. A harmonização entre a tecnologia e os valores-notícia pode ser crucial para o êxito da informação jornalística contextualizada e aprofundada, tanto quanto na proposta dos meios massivos tradicionais, embora este objetivo nem sempre seja alcançado.
Referências: HALL, Stuart et al. A produção social das notícias: o mugging nos media. IN: TRAQUINA, Nelson (Org.). Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. 2. ed. Lisboa: Vega, 1999. TRAQUINA, Nelson. Teorias do Jornalismo: A tribo jornalística – uma comunidade interpretativa transnacional. V. 2. 2. ed. Florianópolis: Insular, 2008. 2 v. WOLF, Mauro. Teorias das Comunicações de Massa. Tradução de Karina Jannini. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
Ana Célia de Sá é jornalista e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM-UFPE).
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Jornalismo Independente Jornalismo e financiamento coletivo Por Karolina Calado
Michel Temer e as “Diretas Já” nas mídias brasileiras
E
m meados de maio do presente ano, dia 17, a população brasileira foi surpreendida com o áudio do empresário Joesley Batista, dono da JBS, indicando a parceria ou cumplicidade de Michel Temer na compra do silêncio de Eduardo Cunha, já preso e cassado por ter negado em CPI seu envolvimento em corrupção. O áudio vazado para o site do Jornal O Globo mostra a conversa do empresário citado com o próprio Michel Temer. No áudio, o presidente enfatiza que Joesley precisa manter a mensalidade paga a Cunha para preservar o silêncio deste e, ainda, quando o empresário afirma ter um procurador na investigação a partir do qual consegue informações privilegiadas, o presidente da república não demonstra aversão. Por qual motivo a Globo resolveu vazar tais informações, ainda não se sabe ao certo. Especulações existem! A Folha de São Paulo, entretanto, já demonstrou seu descontentamento com tudo o que está acontecendo: divulgou matéria ressaltando que contratou um perito para avaliar o áudio divulgado, chegando a conclusão de que o áudio foi editado e, portanto, seu conteúdo está comprometido, no sentido de não poder servir de prova no processo. Em seguida,
publica outra matéria indicando que a Associação Nacional de Peritos Criminais reprovou o fato de o áudio ter sido anexado ao processo, sem haver avaliação de especialistas da área. Por fim, para ser mais claro, o dono desse veículo, Otávio Frias, publicou um editorial no domingo, 21, dando pistas de seu apoio ao presidente Temer: “Os alicerces do governo Temer, sempre frágeis, estão ainda mais abalados. Mas é cedo para dizer que esta administração acabou. A economia, que aos poucos sai do atoleiro, atua em seu favor. O relógio, que mostra as eleições gerais de 2018 cada vez mais perto, também. Enquanto isso, um governo cambaleante se encastela ao forcejar por reformas que preparam o ciclo de expansão econômica apto a consagrar, talvez, seu sucessor”, conclui. Do lado oposto dessas corporações midiáticas, está a mídia independente, que tem trazido luz para o momento complexo pelo qual está passando o Brasil. Sensível às demandas sociais, essa mídia tem observado as vozes das ruas descontentes com o governo mafioso desde o seu princípio e tem aberto espaço para tais vozes se expressarem em seus mais variados canais. Nesse cenário, a mídia independente procura de forma enfática tratar dos interesses públicos da sociedade, ao buscar trazer uma discussão aprofundada acerca da vontade do povo, impulsionada pelas “Diretas já”. Alguns grupos midiáticos são um pouco mais cautelosos, ao refletir sobre a possibilidade das referidas “Diretas já”,
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a exemplo da Agência Pública, que procurou juristas para saber a opinião deles sobre o processo de impeachment, questionando se haveria crime de responsabilidade que justificasse um impedimento administrativo. No entanto, outros grupos unem o desejo da população pela saída de Temer a sua ideologia e deixa claro seu posicionamento diante desse contexto político, desenvolvendo uma campanha em apoio às Diretas já, a exemplo do site Jornalistas Livres. “Militantes da Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo constroem uma análise no campo sociojurídico para contribuir com o entendimento que todo poder emana do povo, princípio constitucional que garante a participação e as diretas já. Para isso é necessário a presença nas ruas no dia 24 de Maio e contribuição dos movimentos sociais nas frentes de luta pela Democracia”, colocou. Bom, para se ter eleições diretas seria necessário que, além do afastamento de Michel Temer, a Proposta de Emenda Constitucional (227/2016) do deputado Miro Teixeira (Rede-RJ) fosse aprovada pelo Congresso, já que a Constituição Federal prevê apenas indiretas, em seus Artigos 80 e 81: “Em caso de impedimento do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, serão sucessivamente chamados ao exercício da Presidência o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal. (Art. 81.) Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.§ 1º – Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois da última vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei. § 2º – Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o período de seus antecessores.” Esse é, sem dúvida, um momento delicado. Dependendo do rumo que a política traçará, é possível vivenciar um golpe dentro de outro golpe, segundo Roberto Amaral, ex-presidente do PSB. Delega-se o poder de escolha, em um processo de indiretas, a um congresso desmoralizado pela maioria de seus integrantes, o qual não possui condições de votar, julgar ou decidir. Diante de tantas dúvidas, confabulações, é necessário questionamentos e reflexões. Não se tendo uma reforma política, é possível um governo de esquerda se sustentar no poder? Caso alguém do PT seja candidato numa possível Diretas já, com quais partidos faria coligação? Com o PMDB? Quais passos daria em direção
a sua governabilidade, mediante panorama político, caso fosse eleito? Indo mais além, diante de tantas promessas e críticas ao governo atual e ao governo anterior, caberia questionar se é possível governar sem garantir a prioridade das grandes empresas em detrimento dos direitos e interesses do povo, das classes menos favorecidas? A Lava-Jato e o empresário Joesley trouxeram evidências fortes de como e quem realmente manda no país, nos políticos e como tudo acontece de forma natural e mais discreta possível. Mais atual do que nunca é a música Vai passar, de Chico Buarque. “Dormia, a nossa pátria mãe tão distraída, sem perceber que era subtraída, em tenebrosas transações”. Nesse momento de dúvidas e incertezas, a mídia independente deverá se estabelecer cada vez mais como oposição ao governo atual, uma gestão que, pelas propostas articuladas, é possível se perceber de qual lado se fala e quais interesses são defendidos. Essa mídia, defensora dos direitos das minorias, poderá se engajar com os movimentos sociais em prol da luta pela democracia e conscientizar os cidadãos para o exercício pleno da cidadania, sendo este o seu dever, segundo o Código do Jornalista Brasileiro, em seu artigo 6º (XI): “defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, em especial as das crianças, dos adolescentes, das mulheres, dos idosos, dos negros e das minorias”.
Referências: Matéria sobre o golpe dentro do golpe. Disponível em < http://www.brasil247.com/pt/247/brasil/296564/ Amaral-com-golpe-dentro-do-golpe-r uasapontar%C3%A3o-para-democracia.htm > Acesso em 22 de maio de 2017. Artigo de Otávio Frias Filho. < http://www1. folha.uol.com.br/colunas/otavio-friasfilho/2017/05/1885529-ainda-e-cedo-para-dizerque-a-administracao-temer-acabou.shtml > Acesso em 22 de maio de 2017. Karolina Calado é doutorando do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. Nesta coluna, proponho uma discussão acerca das questões que envolvem a economia política dos meios de comunicação, especialmente a partir da internet e dos modelos de financiamento coletivo.
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Jornalismo Ambiental Sociedade, natureza e mudanças climáticas Por Robério Daniel da Silva Coutinho
Lixões pernambucanos: ilegais e ainda impunes ameaçam a todos nós
P
ouca coisa mudou em Pernambuco sobre o descarte inadequado do “lixo” desde quando a Lei Federal de Resíduos Sólidos entrou em vigor em 2010, determinando que os municípios no país teriam até quatro anos para acabar com seus ‘lixões’ e construir aterros sanitários. Chegamos em 2017 e só há, até agora, 10 equipamentos públicos do tipo em proteção à saúde humana e à natureza, que são compartilhados por 33 cidades pernambucanas. E em outras 25, elas adotam o precário aterro controlado, encobrindo os resíduos. Com isso, quase metade das 10,4 mil toneladas de lixo produzidas por dia no Estado continuam sendo descartada de forma irregular (G1PE, 2017). Só não é pior por conta dos aterros sanitários em Jaboatão, Igarassu, Petrolina, Escada, Rio Formoso, Arcoverde, Belo Jardim, Petrolândia, Sairé e Caruaru. Se fossem construídos mais 44 aterros, compartilhados entre as cidades, como os 10 já operacionais, poderiam atender todos os municípios do Estado (PERS 2012). Porém, diante dos lixões e dessa objetiva violação à lei, com prejuízo socioambiental, sob justificativa de limitação financeira para fazer tais aterros, 126 das 184 cidades continuam agindo fora da lei e praticando crime ambiental impunemente,
pois mantêm os lixões em 68% das cidades de PE. O Poder Público não pode continuar tolerante. E começa a surgir, esperamos que seja de forma efetiva e punitiva no tocante à lei, ações do Estado neste sentido. O Tribunal de Contas do Estado (TCE) vem buscando soluções e identificando os que insistem em se manter alheio ao problema. Estes casos merecem, como a lei dispõe, sofrer sanções legais, como a possibilidade do órgão fiscalizador rejeitar as contas da cidade, além da aplicação de multa pecuniária aos gestores por crime ambientais (Lei 9.605/98). A ação do TCE avança. E até maio/16, 123 cidades assinaram Termo de Conduta Ambiental. E sofrerão auditoria do órgão todas as 153 cidades que não utilizam aterros. A fim de exercer a sua devida função social e contribuir para a percepção e a problematização do público sobre o descarte e a gestão dos resíduos sólidos, o jornalismo carece de amplificar a visibilidade noticiosa com a necessária qualidade referente à problemática manutenção ilegal dos lixões em PE, que viola a lei, prejudica a saúde humana e ameaça a natureza. O fato é que o descarte errado dessa elevada quantidade diária de resíduos, que amplia-se com o estímulo ao consumo acrítico da população, tem contaminado solos, lençóis freáticos, reservas de água e o ar, prejudicial às pessoas, além de provocar a mortandade de animais e a destruição da flora e etc. Infelizmente, apesar de sua necessidade e abrangência socioambiental e política-econômica, este
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tema continua pouco noticiado no cotidiano pela imprensa e na mídia em geral. Contudo, acertadamente, o jornal DiárioPE (2017) noticiou as iniciativas do TCE sobre o assunto. No texto publicado, a fonte entrevistada (auditor Pedro Teixeira) apoia-se na Lei de Crimes Ambientais para frisar que a manutenção do lixão enseja a aplicação dela aos infratores com sanções penais e administrativas. Embora as sanções previstas sirvam pedagogicamente para acelerar a atenção e atuação dos gestores municipais para acabar com os lixões, é preciso amplificar de forma sistemática e ancorar este debate a partir do foco comunicativo sobre o por quê a sociedade produz tantos ‘lixo’ e como gerí-lo? Afinal, é mesmo preciso produzir 10,4 mil toneladas de lixo por dia em PE? Não seria necessário reduzi-lo (repensar e recusar a necessidade da aquisição de mais e de certos tipos de produtos) e geri-lo por outro paradigma (reutilizar, recuperar e reciclar tais resíduos sólidos )? Economia circular - modelo não linear da produção, uso e descarte de bens Diante do problema socioambiental e político-econômico do “lixo” e dos lixões pernambucanos, situação semelhante em vários outros estados brasileiros, é urgente e necessário que este modelo linear de produção de bens (extração da matéria-prima, fabricação e uso dos produtos e o descarte dos mesmos) seja bem problematizado, a fim de provocar comportamentos mais racionais socioambientalmente, evitando impactos negativos à natureza e às pessoas. Este debate ainda é indispensável para oportunizar atividades econômicas, já que, segundo aponta o Ipea (2010), o Brasil deixa de ganhar R$ 8 bi diante da destinação errada do “lixo”. Assim, perde toda a sociedade quando não se debate sobre a necessária responsabilidade compartilhada desses produtos entre os setores industriais e governamentais e os consumidores, bem como quando não se adota sistemas de logística reversa e de gestão de resíduos, envolvendo cidades, empresas, distribuidoras e importadoras dos produtos. Neste sentido, em setembro, na Universidade Federal Rural de Pernambuco, 300 profissionais brasileiros na área de resíduos sólidos (pesquisadores, empresários e estudiosos) debaterão sobre este novo modelo não linear da produção, uso e descarte de bens, a fim de avançar nos conhecimentos e encontrar soluções para a gestão e o gerenciamento destes resíduos. O tema será tratado durante o 6º Encontro Pernambuco e o 4º Congresso Brasileiro de Resíduos Sólidos, no Campus Dois Irmãos, de 20 a 22/09. Ambos os eventos terão como tema a Economia
Circular. O modelo circular de produção consiste no retorno dos matérias usados ao ciclo produtivo ao invés de descartá-los como lixo, a exemplo da logística reversa, com a reutilização, a recuperação e a reciclagem de materiais, atingindo assim o chamado ciclo fechado de produção (NURES, 2017). A partir deste princípio, os diferentes segmentos sociais e institucionais, desde a comunidade científica, a gestão pública, a iniciativa privada, as organizações não-governamentais, entre outros participantes do evento, debaterão a questão através de áreas temáticas. Serão elas: Políticas públicas e legislação ambiental; Gestão integrada de resíduos sólidos; Educação ambiental e boas práticas; Responsabilidade socioambiental; Tecnologias limpas e inovadoras; e Poluição e degradação ambiental.
Referências: DiárioPE. Quase 70% dos municípios pernambucanos ainda descartam resíduos domésticos em lixões a céu aberto. Recife. 2017; G1PE. Quase 70% dos municípios de PE ainda depositam resíduos sólidos em lixões, aponta TCE. Recife. 2017. Disponível em: http://g1.globo.com/pernambuco/noticia/ quase-70-dos-municipios-ainda-depositam-residuossolidos-em-lixoes-aponta-tce-pe.ghtml. Acesso em: 18 de mai 2017; IPEA - Instituto de Pesquisa e Economia Aplicada. Pesquisa sobre Pagamento por Serviços Ambientais Urbanos para Gestão de Resíduos Sólidos. Relatório de Pesquisa - Maio. Brasília, 2010. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/ portal/images/stories/PDFs/100514_relatpsau.pdf. Acesso em: 18 de mai 2017; PERS. Plano Estadual de Resíduos Sólidos do Estado de Pernambuco. Recife - PE. 2012; NURES. Núcleo de Redes de suprimentos da UFSC. Economia Circular. Trindade - SC. 2017. Disponível em: http://nures.ufsc.br/projeto/economia-circular/. Acesso em: 18 de mai 2017.
Este espaço apresenta abordagens críticas e interdisciplinares relativas à produção da representação noticiosa da realidade social (jornalismo) sobre as mudanças climáticas e a sua influência na constituição do sentido social sobre a questão. É escrito pelo jornalista Robério Coutinho, mestre em Comunicação pela UFPE, com formação básica em Meteorologia pelo INPE/CPTEC, exassessor de imprensa do Laboratório de Meteorologia de PE, bolsista pesquisador da Rede Brasileira de Mudança Climática e autor de livros sobre o temática.
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Opinião
Breve Panorama dos Jornais Italianos Por Luis Celestino de França Júnior
O
que há de comum entre a Imprensa de países diferentes do mundo ocidental talvez seja menos o conteúdo em si (embora seja possível lançar uma hipótese de haver uma mimetização da cobertura internacional centrada nas agências de notícias) e mais uma sensação difusa de que problemas dos modelos de democracia de países diferentes têm em medidas diferentes uma certa responsabilidade da imprensa. Yves Mamou (1992) já apontava com certa ironia o problema na obra “A Culpa é da Imprensa”. Embora seja uma impressão pessoal, parto então de uma constatação: as imprensas italiana e brasileira se igualam em serem responsabilizadas pelos problemas de suas democracias. Ao mesmo tempo, não há muitos estudos comparativos entre o funcionamento da Imprensa brasileira com a Imprensa de outros países. Quando muito é possível ver esse tipo de estudo sobre coberturas de jornais brasileiros e estrangeiros em alguns acontecimentos específicos, notadamente a partir do momento em que o acesso aos jornais estrangeiros ficou mais fácil com o advento da Internet. Até mais ou menos 2005 era muito caro – e por isso raros – estudos comparativos. Carlos Eduardo Lins da Silva no livro “O Adiantado da Hora” de 1990 tentou mostrar aspectos relacionados à influência norte-americana no jornalismo brasileiro. Não é objetivo desse artigo comparar a imprensa brasileira com a imprensa italiana. Embora a Imprensa italiana tenha tido uma forte influência no jornalismo brasileiro no século XX (os primeiros jornais anarquistas e veículos da imprensa operária paulistana eram não só influenciados, mas elaborados pelo anarquismo italiano; empresários da Mídia brasileira são italianos como Victor Civita e Mino Carta), o objetivo desse artigo é apresentar um panorama exploratório da Imprensa Italiana que pode ser um pontapé inicial de um pesquisa futura. Faço um primeiro recorte: a preocupação é somente com os jornais impressos italianos e suas versões online. L’Unità Sempre tive a sensação de que os jornais europeus deixam claro a seus leitores suas posições ide-
ológicas. Não sei de onde surgiu essa percepção. Em 2014, durante um estágio doutoral em Roma, pude constatar que pelo menos na Itália isso é em parte realidade. O jornal em que a vinculação ideológico-partidária fica mais evidente é o L’Unità. Fundado por Antônio Gramsci, em 1924, foi o veículo oficial do Partido Comunista Italiano. No período dos “anni di piombo” (anos de chumbo), o jornal chegou a ter uma tiragem de 2 milhões de exemplares num país de 50 milhões de habitantes. Nas eleições parlamentares de 1981, no auge da popularidade de seu líder, Enrico Berlinguer, chegou a ter tiragem equivalente aos jornais mais tradicionais do país, o La Repubblica, de Roma; e o Corriere Della Sera, de Milão. Com a queda do Muro de Berlim e derrocada da União Soviética, em 1989, o PCI entra num debate sobre o fim do partido. O filme “La Cosa”, dirigido por Nanni Moretti, um documentário que retrata as assembleias regionais que decidiriam o fim do PCI há depoimentos dramáticos como o de uma senhora que foi filiada por 45 anos ao partido: “Entrei no partido durante a guerra na resistência partigiani contra o fascismo. Passei 45 anos vindo a reuniões nos sábados. O que será da minha vida com o fim do PCI?” A maioria do partido acabou decidindo pelo fim do PCI em 1990 e pela criação do Partido Democrático Socialista. Foi para esse partido que a propriedade do L`Unità seguiu. Mas ano a ano o jornal vem desde então sentindo uma queda de leitores. Em parte, pelas próprias divisões internas do PD. De todos os países da Europa Ocidental, a Itália era o único em que um Partido Comunista era hegemônico no conjunto das esquerdas até 1989. Mesmo fortes, PC francês e PC português disputavam espaço de hegemonia na esquerda com os partidos socialistas. Esse rearranjo de forças de esquerda nos anos 1990 causou muitas disputas internas e o jornal chegou aos anos 2000 já com menos de 50 mil leitores. Hoje, segundo informações do próprio sítio do jornal, há pouco mais de 20 mil leitores diários. Corriere Della Sera O jornal mais lido da Itália faz parte de um grupo de comunicação que edita outros veículos como
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a Gazzetta dello Sport. Em 2016, teve tiragem média de 2,7 milhões de exemplares por dia. O sucesso do jornal se deve sobretudo a um modelo de produção e distribuição regional fazendo com que, dependendo do lugar onde você compre o jornal, encontre uma edição local. Assim, por exemplo, a edição de Palermo tem, além de um conteúdo comum, um conteúdo da região da Sicília. Sediado em Milão, o jornal se auto-referencia como defensor da economia de mercado, da democracia liberal e da pluralidade de visões e opiniões sobre temas de economia e política. Um estudo de análise de conteúdo e discurso de um mês do jornal pode investigar qual as simpatias político-partidárias do Corriere. O texto do jornal se diferencia pela clara influência do jornalismo americano, notadamente o lead, o sub-lead e a pirâmide invertida, estruturas que não são vistas em outros jornais italianos. Alguns dados permitem um pontapé inicial de investigação sobre o Corriere. O Movimento 5 Stelle, partido surgido após a crise econômica de 2008 com uma crítica aos partidos tradicionais, tendo no humorista Beppe Grillo sua figura principal, é sempre muito criticado pelos colunistas do jornal. O partido, que já domina 25% do Parlamento Italiano e administra cidades importantes como a própria capital Roma, é sempre criticado pela falta de experiência administrativa. Ao mesmo tempo, o jornal costuma criticar a Lega Nord, partido de extrema-direita dirigido por Matteo Salvini que tem entre suas bandeiras principais um recrudescimento na política de imigração italiana e a saída da zona do Euro, tal qual a Inglaterra. A cidade de Milão sedia outros dois jornais. O “Libero” de direita, envolvido num escândalo em fevereiro de 2017 após um título misógino contra a Prefeita de Roma, Vitoria Raggi. E “Il Giornale” do empresário das comunicações e ex-primeiro-ministro Silvio Berlusconi (ambos com tiragens inferiores a 50 mil edições diárias). Minha impressão é que o Corriere Della Sera disputa um lugar de jornal diferenciado entre leitores de centro-direita. A sua defesa da permanência da Itália na Zona do Euro e a integração italiana (a direita italiana tem não só uma bandeira anti-imigração como uma defesa do separatismo da parte Norte do país que constituiria a República da Padânia) bem como um cuidado com os direitos humanos colocam o jornal dentro desse espectro.
o porta-voz do PD. É hoje o segundo jornal com número estimado de 2,7 milhões de leitores por dia na Itália (http://www.corriere.it/economia/15_ marzo_03/corriere-sera-rafforza-leadership-96f8dcea-c19c-11e4-9eeb-2972a4034f5c.shtml). O jornal não esconde sua preferência pelo PD e diz isso claramente a seus leitores em editorais, algo raro na Imprensa brasileira. Ainda assim, tem na sua equipe de articulistas e colaboradores simpatizantes e políticos de outros partidos. Costuma ser crítico sobretudo do Movimento 5 Stelle que faz ataques diários ao jornal no blog do seu líder Beppe Grillo. Scalfari, um empresário que vinha do setor bancário antes de fundar o jornal, era amigo do escritor Italo Calvino e sempre se identificou como alguém que transitava da esquerda à direita. Defensor do ateísmo na cidade que sedia o Vaticano, é notório por ser defensor do Estado Laico na Itália. Não se constrange em dizer que é eleitor do PD e assina uma coluna dominical na capa do jornal. Com mais de 90 anos, não dirige mais o jornal, mas em sua biografia “Eugenio Scalfari”, publicada em 2013, sonhava com um veículo de comunicação para a Europa Unificada. Il Messaggero Esse panorama não podia terminar sem citar a importância do jornal romano Il Messaggero que é o quarto maior veículo impresso do país, com mais de 1, 5 milhões de leitores por dia. Fundado no século XIX, o jornal se diferencia por sua cobertura forte nas questões locais da cidade de Roma, como funcionamento do metrô, políticas de habitação na cidade, infraestrutura de turismo entre outras questões locais. Não é um jornal com cobertura marcante nas áreas internacional, economia e política (salvo a cobertura sobre a política local). Acaba sendo um jornal com grande penetração nas classes populares de Roma. Il Messaggero costuma ser crítico das gestões da Prefeitura de Roma. Não consegui localizar dados sobre o financiamento público ao jornal. Há de ressaltar também a existência do Osservatore Romano, veículo oficial da Igreja Católica, com a sede da redação funcionando no Vaticano. Costuma não entrar na dinâmica da política italiana.
La Repubblica Fundado em 1976 pelo jornalista Eugenio Scalfari, o jornal romano La Repubblica tem forte vinculação política com um setor do Partido Democrático (PD). Para muitos italianos, o jornal é
Luis Celestino de França Júnior é professor da Universidade Federal do Cariri e Doutor em Comunicação pelo PPGCOM / UFPE.
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Opinião
É necessário revisitar a Teoria da Dependência Brasileira Por Ciro Barreto Moreira
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urante a década de 1960 e 1970, a problemática nevrálgica do Pensamento Econômico Brasileiro circundava o conceito de “desenvolvimento”, endereçado por intelectuais como Caio Prado Jr., Nelson Werneck Sodré e Celso Furtado. A época em questão suscitava a formação de uma intelectualidade orgânica comprometida com a realidade político-social brasileira. Sendo assim, estudar o desenvolvimento econômico era também analisar sua antinomia, o não-desenvolvimento, e sua variável presente no capitalismo periférico, o subdesenvolvimento. E, concomitante a este último, também compreender a dependência externa. Tudo isso visto por óticas que abrangiam desde o keynesiasmo até o marxismo-leninismo. Mais especificamente, a Teoria do Desenvolvimento surge baseada nas condições de um ciclo econômico específico, explorando as reações das economias nacionais centrais e periféricas durante a expansão e retração desse mesmo ciclo (PRADO JR, 2008, p. 78). Desta maneira, enquanto os intelectuais do período tinham como fator agregador o mesmo debate sobre a necessidade da modernização econômica, e que apenas ela romperia com os ciclos de dependência, seus pontos em discordância eram diversos: Nelson Werneck Sodré alegava que após a abolição ocorreu um processo de “Regressão Feudal” em uma disparidade espacial: o capitalismo
com trabalho assalariado se formou nas cidades e plantações de café, enquanto noutras zonas rurais tendeu-se a consolidação de resquícios feudais (SODRÉ, 1990, p. 245-246). Caio Prado Jr., em contrapartida, ressaltava que a luta dos trabalhadores rurais não possuía verossimilhança com aquelas que ocorreram na dissolução do feudalismo. Para ele, a principal pauta reivindicatória do proletariado rural era o valor dos salários, sendo então o Brasil um país plenamente capitalista (PRADO JR., 2014, p. 90). Por fim, Celso Furtado salientava que a inexistência, durante o período colonial, de uma economia monetária em espécie no cotidiano, existindo apenas tal tipo de troca nas transações financeiras entre proprietários de terra e comerciantes, dificultou a formação de um mercado consumidor com poder aquisitivo, sendo as atividades econômicas locais realizadas predominantemente pela própria força de trabalho (2007, p. 87). Aqui, venho expor que apesar de suas divergências, é possível encontrar um autor que se enquadre como síntese do debate concernente a esta questão: a Teoria da Dependência de Ruy Mauro Marini. Enquanto Celso Furtado via o desenvolvimento econômico passível de solução dentro do próprio capitalismo, através de políticas institucionais para tal, vide seu período na CEPAL, Nelson Werneck Sodré e Caio Prado Jr. debatiam sobre o modelo adequado de interpretação da realidade brasileira, modelo este que também estava atrela-
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do ao programa político do PCB, antes do golpe militar de 1964, Marini reformula o debate sobre a dependência externa de um ponto mais marxista que outros de seus contemporâneos. Partindo do conceito que fora negligenciado pelos intelectuais anteriores, Marini resgata a Teoria do Valor-Trabalho e observa que a dependência econômica e política brasileira é um problema fundamental e redutível até a luta de classes: as classes dominantes visam aumentar a acumulação para si do produto social, enquanto as classes oprimidas desejam aumentar a distribuição deste mesmo produto. E isto ocorre na realidade brasileira pela superexploração do trabalho. Ruy Mauro Marini descreve que as classes dominantes brasileiras encontram-se em desvantagem relativa às classes dominantes europeias na Economia Internacional: os produtos manufaturados dos segundos possuem mais valor acumulado neles, enquanto os produtos primários dos primeiro possuem menos, logo a taxa de lucro é reduzida dentro do país quando se põe em questão a balança comercial. Para manter esta taxa alta, a alternativa que os capitalistas brasileiros adotam não é a industrialização visando garantir competitividade, mas sim a precarização do trabalho, reduzindo os salários para diminuir os custos (MARINI, 2005, p. 188-189). Dito isto, observemos então nossa realidade atual – um golpe promovido por uma coligação de partidos de direita com um poder judiciário leniente às ilegalidades e hipocrisias cometidas; a desestruturação do Estado brasileiro com o retorno da pauta econômica da década de 1990, mercantilizando o patrimônio nacional para o capital estrangeiro, como o fim do monopólio da Petrobras para extração de petróleo, ou a venda irrestrita de terras a corporações e grupos empresariais descompromissados com a nação e a sociedade, a aprovação da Lei da Terceirização, ataques a Previdência Social e a promoção da austeridade são mecanismos que conglomerados industriais e bancos privados recorrem para manter suas altas taxas de lucro. Tivemos um interlúdio relativamente estável destas políticas após o último governo executivo nacional do PSDB, que coincidiu também com o fim de gestões similares noutros países latino-americanos, e sucessivamente às hegemonias neoliberais nos poderes executivos sucederam-se governos de centro-esquerda que faziam contraposição às mazelas trazidas pela promessa de modernização pós-Guerra Fria. A distribuição de renda aumentou, assim como o acesso à educação superior, moradias e atendimentos de saúde, entretanto, sem tocar em características estruturais de cada país,
sem comprometer demasiadamente os interesses de classes dominantes respectivas a cada um (SANKEY, 2016). Todo este processo testemunhado não apenas no Brasil, mas nos nossos conterrâneos latino-americanos, compõe o fim de um ciclo e faz parte da ofensiva neoliberal pós-consenso de Washington, perpetrada pelo empresariado nacional e estrangeiro para aumentar o máximo possível seus lucros em balanços anuais. E contra essa frente, o Pensamento Econômico brasileiro é de suma importância. Portanto, digo aqui que não é apenas fundamental a revisitação aos nossos intelectuais do Pensamento Econômico, é também necessário revisitar a Teoria da Dependência, por duas razões: desde a Queda do Muro de Berlim em 1989, o discurso neoliberal de Fim da História se faz presente, e os ataques a todo Pensamento Econômico divergente se fazem constantes, na mídia e na intelectualidade. Portanto, olhar para nossos autores do passado é tanto uma ação afirmativa do que desejamos para a economia brasileira, como uma luta contra discursos e práticas políticas imperialistas.
Referências: FURTADO, Celso. Formação econômica do Brasil. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. MARINI, Ruy Mauro. Sobre a Dialética da dependência. In: STEDILE, João Pedro; TRASPADINI, Roberta. Ruy Mauro Marini. 1° ed. São Paulo: Expressão Popular, 2005. PRADO JR., Caio. História e Desenvolvimento: a contribuição da historiografia para a teoria e prática do desenvolvimento brasileiro. 2ª ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1978. _______. A revolução brasileira; a questão agrária no Brasil. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. SANKEY, Kyla. What happened to the Pink Tide?. Disponível em: https://www.jacobinmag.com/2016/07/pink-tide-latinamerica-chavez-morales-capitalism-socialism/. Acessado em 23/05/2017. SODRÉ, Nelson Werneck. Formação Histórica do Brasil. 13ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.
Ciro Barreto Moreira é mestrando no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.
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Opinião
O Arquiteto/Urbanista ainda não acordou para as graves questões do Ambiente Por Maria de Jesus de Britto Leite
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m Outubro de 2016 aconteceu a reunião do Habitat III, onde uma Nova Agenda Urbana foi aprovada para que repensemos como devemos planejar, administrar e viver em nossas cidades, em todo o Planeta, numa tentativa de torná-las mais responsáveis e inclusivas, nos próximos anos. A III Conferência procura construir possibilidade de novos caminhos para a realidade das cidades sob uma ótica que olha para a realidade ambiental do Planeta. Entretanto, também se preocupa com as questões de desenvolvimento e o trata pelo prisma da sustentabilidade, esta palavra que é tão falada e tão pouco praticada. Três princípios nortearam a Conferência: 1) não deixar qualquer cidade para trás (em seu desenvolvimento); 2) promover as economias urbanas sustentáveis e inclusivas; 3) fomentar a sustentabilidade ambiental. O que resultou deste grande Encontro foram diretrizes de planejamento que buscam o compromisso pela economia das energias planetárias, a saber: a) acesso a moradia; b) água potável e cidades saneadas; c) garantia de nutricão e atenção à saúde familiar como um todo; d) Educação e cultura; e) acesso às tecnologias de comunicação. A pergunta que se faz é como aliar esses “direitos” à necessidade de economizar as reservas materiais e energéticas, não gastando o que já
está se extinguindo, não poluindo, não aumentando a temperatura do Planeta? Foi com essa interrogação que aconteceu também em Quito uma outra alternativa ao Habitat III, o Fórum por um Habitat Alternativo. Um grupo de pensadores fez uma grita para que a humanidade percebesse que o Habitat III estava jogando desejos no ar e não se comprometendo em nada com a sua concretização. Assim, uma das declarações do Fórum Alternativo dizia: Os maus da Cidade não são produto da fatalidade nem da sustentabilidade do território e do Planeta. Nem tampouco da desigualdade social, da injustiça espacial ou da pobreza crescente nas regiões urbanizadas. Há causas e agentes (em grande parte globalizados) responsáveis. As organizações internacionais não representam os povos, mas os governos e as multinacionais. Não assumem os propósitos que lhe foram atribuídos quando foram criados. O Habitat não se compromete com nada. O Fórum reclama - com razão - que essas grandes reuniões dos organismos internacionais criam muitos princípios mas não estabelecem nem como, nem quem se responsabiliza com a sua concretização. Ao mesmo tempo, é preciso salientar que nem a Conferencia da ONU nem mesmo o Fórum Alternativo apresentam condições para que a busca pela vida digna das pessoas seja concertada com
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um Planeta que sofre a emergência de não mais poder oferecer uma vida saudável para ninguém, caso siga sendo tratado como agora. Como garantir água potável para todos, saneamento básico para todos, se não houver mais água suficiente daqui a 30 ou 50 anos? Como falar em habitação para todos desvinculada de um modo respeitoso dos usos dos recursos naturais? Como falar em ambiente sustentável construindo edifícios que agridem não só o meio urbano, mas o ambiente como um todo, desde a extração dos materiais construtivos até às escolhas tipológicas e dos sistemas construtivos? Se por um lado, o Fórum Alternativo reclama pelo direito de todos e denuncia a hipocrisia dos organismos internacionais frente à questão como urbanização e falta de moradia, por outro, a questão primeira, aquela da vida do Planeta, ainda é tocada muito superficialmente. Situação tão grave e urgente ainda é tratada “como se fosse ficção”. E no entanto não há desculpas para continuarmos ignorando isso, porque muitas pesquisas sérias vêm sendo divulgadas: o derretimento das geleiras; as secas prolongadas mais do que o que historicamente se tem notícia; a estiagem em regiões de alto índice de humidade térmica, como é o caso do Recife; o aquecimento dos oceanos; os efeitos do ataque à floresta amazônica, são apenas alguns da longa lista de estudos que vêm sendo feitos por cientistas respeitados de todo o mundo. Essas questões estão permeando as preocupações do Instituto de Estudos Avançados da UFPE, tornando próximas (integradas) pelo menos três de suas linhas de pesquisa: O Futuro da Educação, O Futuro do Ambiente e A Cidade no Futuro. Primeiro, está claro que, sem um programa maciço de educação ambiental desde a fase mais tenra das crianças na Escola, não vamos conseguir construir uma consciência ecológica que forme cuidadores do Planeta; segundo, a reunião acontecida em Outubro de 2016, no Instituto Futuro sobre o Futuro do Ambiente orienta-nos a pensar que nada poderá mudar se não houver uma mudança comportamental que desfaça os modos de fazer e de viver que estão detonando as possibilidades de se parar com o risco maior: a morte da vida no Planeta. Por fim, A Cidade (mas também o Campo) precisa de profissionais engajados nessa luta para barrar a destruição das condições de vida da Terra. Mas como podemos contar com esse perfil de profissionais se essa questão não faz parte das diretrizes curriculares nem dos projetos pedagógicos dos Cursos de Arquitetura? Se continua-
mos orientando nossos alunos a trabalharem os materiais e os sistemas construtivos de forma não investigativa sobre procedência, impactos ambientais da extração dos materiais, ou sobre os impactos ambientais dos sistemas construtivos ofertados pelo mercado? Se continuamos apenas a considerar (caolhos que estamos sendo!) o custo financeiro desses materiais e objetos construtivos, por um lado, e por outro, suas potencialidades plásticas? Como podemos contar com esse perfil de profissionais se as organizações de premiacão e os meios de divulgação da arquitetura e do urbanismo não abraçam essa urgente causa em favor do Planeta e de nós mesmos? Neste ano de 2017, algumas notícias de sites e revistas especializadas em arquitetura e urbanismo vêm saudando obras megalômanas, descontextualizadas. O termo “sustentabilidade” é gasto das maneiras mais esdrúxulas sem de fato corresponder ao motivo ambiental para o qual foi adotado na Eco 93. Raros são os projetos divulgados que saem fora desse mesmismo no qual a Arquitetura, seus formadores e seus divulgadores se encontram. Exemplo disso são as premiações que pouco, quase nada, levam em conta o impacto ambiental das construções e das ações urbanísticas como um dos princípios para as escolhas dos melhores projetos. É preciso acordarmos para a realidade urgente da qual estamos fazendo tudo para não lembrar, ou como se isso não fosse verdade ou ainda como se fosse algo muito distante de nós. A responsabilidade do Arquiteto e Urbanista é enorme! Tudo o que se constrói no espaço urbano tem impacto imediato nas condições ambientais e já não se trata mais de ficarmos pensando apenas na sombra que deixamos de desfrutar, ou em aberturas que direcionem os ventos para amenizar nossas casas, apartamentos, salas de trabalho. Trata-se de pensar que precisamos projetar e dar condições para que as nossas construções contribuam para que a poluição não embace a luz do sol; que contribuam para que possamos ter garantidos os direitos ao vento, as temperaturas amenas!
Maria de Jesus de Britto Leite é professora do Curso de Graduação em Arquitetura e Urbansimo e do Curso de Pós-Graducao em Desenvolvimento Urbano e Coordenadora do Instituto Futuro da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE.
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Opinião
A nova conjuntura: tarefas e perspectivas Por Rubens Pinto Lyra
A despeito do grande apoio popular às operações contra a corrupção, a exemplo da Lava Jato, existe uma tomada de consciência crescente em relação à politização da Justiça, que tem coonestado práticas, consideradas por seus críticos ilegais e arbitrárias, como as de Sérgio Moro e outros magistrados. Mesmo se esse novo panorama tira do isolamento a esquerda, as dificuldades são de monta para se dar um passo adiante na democracia brasileira, fortalecendo os mecanismos de aprimoramento do controle dos poderes judiciais e ministeriais. O grande desafio, hoje, para os partidos e movimentos populares, é sua capacidade de assumir, para valer, teses que conferem centralidade à questão democrática, como a reforma política – através de plebiscito, e não do arremedo ora forjado pelo Congresso Nacional - e o controle democrático dos órgãos da Justiça. Trata-se, não apenas de encampar essas “bandeiras”, mas inseri-las nas plataformas de luta e nas reivindicações de todas as organizações da sociedade civil interessadas no avanço da democracia do Brasil. É, também, indispensável realizar incansável trabalho de conscientização para demonstrar que somente a construção de uma contra-hegemonia, ancorada em concepções e práticas democráticas, pode preparar o terreno para as mudanças políticas de que o Brasil necessita. Pablo Iglesias, líder do principal movimento de oposição na Espanha, Podemos, valeu-se de uma boutade para indicar a necessidade de renovação profunda dos metódos e estratégias das forças políticas que se aglutinaram para mudar a fisionomia política daquele país: se quieres acertar, no hagas lo que la izquierda haría” (2014, p.10). Mutatis mutandis, esse mesmo lema precisa ser assumido pelos partidos e movimentos que, no Brasil procuram construir alternativas programáticas e políticas para as políticas de terra arrasada promovidas pelo governo oriundo do golpe parlamentar.
Essa necessidade de inovar, em relação a muito do que fazia a esquerda, deve se traduzir, em nosso país, no combate ao corporativismo sindical, partidário e associativo – inclusive no âmbito institucional - por ela solidamente construído e defendido. E, inversamente, na construção de plataforma que agregue os mais amplos setores da sociedade, com propostas factíveis de caráter social e politicamente inovador, na efetiva democratização dos partidos e sindicatos e na capacidade destes de transigir e compor alianças inovadoras. Mas deve, sobretudo, conferir centralidade à consolidação da democracia, não se podendo permanecer leniente em relação ao autoritarismo da esquerda, tanto no plano interno quanto internacional. A nova esquerda deverá realçar a importância da institucionalidade democrática, historicamente desprezada pela “esquerda tradicional’ (uma “ilusão da burguesia”, dizia-se). O que significa também compreender os meios para sua renovação: defender a constituição de 1988 e aprimorar o Estado de Direito, oxigenando-o com a participação popular autônoma na administração pública e com órgãos e mecanismos que garantam o seu efetivo controle e transparência. É preciso, contudo, escoimar da democracia participativa o seu viés corporativo, por vezes associado ao basismo, de que resultou efetiva, mas deformada consciência democrática e resultados ambivalentes. Foi o que ocorreu com a democratização das universidades brasileiras: produziu inegável, mas problemático avanço em relação à estrutura autoritária anteriormente vigente, pois tornou a instituição universitária refém das corporações de docentes, ser vidores técnico-administrativos e estudantes. Da mesma forma, com as instituições do sistema de Justiça. O Ministério Público vem escolhendo, no Rio Grande do Norte, o seu ouvidor com a participação de todos os seus membros, mas excluindo-se quaisquer componentes externos à corporação. Fica,
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portanto, o titular da ouvidoria desprovido de legitimação social para o exercício de seu múnus. Confirma-se, assim, os aspectos mais deletérios da democratização corporativista. Considerada o nec plus ultra da práxis participativa, ela alicerçou, na década de oitenta do século passado, a criação das entidades mais democráticas da sociedade civil. Mas agora, tornou-se bandeira incondicionalmente (e seletivamente) assumida pela mídia conser vadora - como no caso da escolha do Procurador Geral da República que nega legitimidade à participação política do Poder Executivo na sua nomeação. Suprema ironia! Adversária figadal da democracia direta, por oportunismo, agora ela a apóia, no âmbito institucional, na sua modalidade corporativa - assim como o establisment que representa - por favorecer os setores hegemônicos do Parquet, com os quais se identifica. Um projeto de Nação, indispensável à nossa alforria, somente pode ser pensado com idéias, valores e políticas públicas antagônicas aos vigentes, tendo como pressuposto a construção de uma contra-hegemonia, a ser concretizada com atores sociais capazes de fornecer os ingredientes necessários à sua efetiva implementação. A experiência da Espanha, que conseguiu fazer com que os cidadãos “indignados” daquele país, voltassem a acreditar na política, revertendo uma conjuntura política profundamente desfavorável à esquerda, mostra que é possível “asaltar los cielos”. Para tanto, é necessário certa dose de voluntarismo, pois que “da pura inteligência nunca brotou nada de inteligível, nem nada de razoável da razão pura”. Não obstante, existem pré-requisitos objetivos para a construção de uma alternativa política dotada de credibilidade: que os cidadãos aprendan a exigir que sus partidos estén permanentemente abiertos, sean capazes de renovarse, reconozcan em público sus errores y rindan contas de forma transparente” (TORREBLANCA, 2015, p. 20). No Brasil, a mesma démarche teria que ser estendida aos sindicatos e movimentos sociais. Contudo, para se contrapor ao pessimismo da razão, será preciso grande otimismo de vontade para achar que essa autocrítica será efetiva em terras tupiniquins. O que ameaça prevalecer, ao contrário, é a consagração do maniqueísmo, caso se con-
firme o augúrio (ou o agouro?) do Governador do Maranhão, Flávio Dino (PC do B), também ex-juiz federal: “ a dinâmica que se desenha é entre o Partido da Lava Jato e o lulismo” (FOLHA DE SÃO PAULO. Painel, 2017). Também a esse respeito, temos o que aprender da experiência espanhola Para ser auténtica, la democracia requiere un debate público de qualidad. Pero existe uma diferencia muy obvia entre politizar el debate publico, que es algo positivo, y polarizar, que es forzar divisions binárias e simplistas entre posiciones incompatibles entre sí (TORREBLANCA, 2015, p.18). Para finalizar, trazemos à colação breve e lúcida análise de Alves, referente a importância da luta pela democratização do Estado. Ele lembra que “a esquerda dele manteve-se distante, desconhecendo seu território pantanoso e sinuoso”. E acrescenta que “faltou “a virtú da hegemonia cultural, deixada à mercê da mídia oligárquica que imbeciliza o povo brasileiro” (2016, p. 157). Hegemonia que, para ser alcançada, depende da conscientização da importância crucial da democratização dos meios de comunicação, sem a qual não existe democracia. Vamos persistir nesses erros históricos, alimentando maniqueísmos, conser vando posturas autistas e nos limitando apenas às lutas sociais e corporativas? Desprovidas do ethos democrático, elas não nos inserem em nenhum túnel que, ao final, nos permita enxergar a luz. Referências: ALVES, Giovanni (2016). A pulsão golpista da miséria política brasileira. In: PRONER, Carol (orgs). A resistência ao golpe de 2015.Bauru: Canal 6 Editora. FOLHA DE SÃO PAULO. Painel. Efeito dominó da delação da Odebrecht dá força à tese de que Lula deve ser candidato “da política”. São Paulo: 16.4.2017. IGLESIAS, Pablo (2014). Disputar la democracia: política para tiempos de crisis. Madrid: Ediciones Akal. TORREBLANCA, José Ignacio (2015). ASSALTAR LOS CIELOS Podemos o la política después de la crisis. Barcelona: Penguin Radon House Grupo Editorial.
Rubens Pinto Lyra é Doutor em Direito Público e Ciência Política (Université de Nancy, França) e Professor do Programa de Pós-Graduação Direitos Humanos, Políticas Públicas e Cidadania da UFPB. Email: rubelyra@uol.com.br
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Mídia Fora do Armário Jornalismo e construções identitárias Por Rui Caeiro
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ois eventos marcam, de forma inegável, a entrada dos anos 80 nos anais da história do Brasil (e do seu movimento LGBT): a redemocratização do país e a eclosão da epidemia do HIV-Aids. É no segundo que nos detemos. Rapidamente apelidada de ‘peste gay’ pela mídia norte-americana, as notícias chegam ao Brasil antes mesmo da doença. Essa população, já anteriormente identificada com a promiscuidade, marginalidade e doença – cabe lembrar que foi apenas em 1990 que a Organização Mundial de Saúde deixou de classificar a homossexualidade como uma doença –, é então constituída como grupo de risco e responsabilizada pela nova doença. Assim, a mídia funcionou, em um primeiro (e demorado) momento, como reforço da imagem de ameaça e morte já vinculado a homossexuais. Ainda assim, acreditamos que é necessário reconhecer, como faz Fausto Neto (1999, p. 21), a importante influência da mídia na organização e resposta à doença, e isso não apenas pela “competência de anunciabilidade e visibilidade da Aids, mas também, ao mesmo tempo, pelo fato de os processos de construção de inteligibilidade sobre a Aids dependerem gradativamente das práticas das mídias e dos seus respectivos efeitos de sentido”. Tal como o HIV-Aids, também as identidades de gênero não normativas entraram de forma mais alargada na discussão pública através de mídia. Foi em 1952, no jornal The New York Daily News, que Christine Jorgesen ganha repercussão mundial. A norte-americana, não aceitando o gênero que ao nascer lhe foi imposto, viaja para a Dinamarca em 51, onde recebe tratamento hormonal e realiza procedimentos cirúrgicos (remoção de testículos e pênis e criação de lábios vaginais). Regressando aos Estados Unidos, ganha espaço em variados espaços midiáticos. A sua vida é apresentada como a incrível história de um ex-militar transformado em uma mulher provocante, tornando-se assim, através da espetacularização, fonte de audiências e, consequentemente, lucro. Ainda que Christine tenha procurado impor sua narrativa e usar esses espaços para seu próprio proveito, é necessário pontuar que “os jornalistas procuravam as «falhas» na sua feminilidade, enquanto buscavam descobrir seus traços masculinos. Da mesma forma, a
imprensa queria saber até onde ela era um homem homossexual extremamente afeminado ou um caso de intersexualidade. Sua sexualidade também era fundamental para as matérias feitas sobre o tema. Ela estava namorando? Era virgem? Que tipo de homem poderia se interessar afetivamente por ela? E em todos estes debates, mantinha-se, como até hoje, o insistente hábito de chamá-la no masculino” (LEITE JR. 2008, p.137). Apesar desse nada ingênuo investimento em Christine, e não ignorando os exotificantes discursos patológicos que sobre ela circulavam, é, como no caso anterior, necessário reconhecer o papel central que a mídia desempenhou na visibilização e consequente discussão da transexualidade, apresentando outras possibilidades de existência, inclusive para aqueles/as que as procuravam viver. Outro caso: 1978, Lampião da Esquina. Esse jornal é identificado, não raras vezes, como vetor fundamental na formação da luta LGBT brasileira. Composto por um conselho editorial de intelectuais com considerável peso na vida cultural brasileira – o que lhe conferia uma legitimidade diferenciada de anteriores jornais com foco na homossexualidade –, os sujeitos homossexuais não eram retratados como vítimas, dominados pelo desejo e incapazes de realização pessoal. Era um material que se propunha a atingir toda a sociedade, não apenas o ‘gueto gay’, com variadas temáticas consideradas de ‘minorias’ (respeitantes, por exemplo, ao movimento feminista, negro, indígena, carcerário, ambiental, etc.). A fala de Alexandre Ribondi, militante do grupo Beijo Livre de Brasília, deixa perceber o papel fundamental que durante três anos, até ao seu fim em 81, o jornal desempenhou: “Quando o Lampião deixa de existir, os grupos deixaram de existir e os que existiam, nós não tínhamos como saber deles! Desta forma, era como se não existissem. Eles não tinham efeito, não tinham importância (SIMÕES; FACCHINI, 2009, p.111). Se observarmos os casos citados, talvez seja possível afirmar que o contraditório é o terreno por excelência do Jornalismo. Devemos, claro, manter uma postura (auto)crítica, céptica até, defenderão alguns, sobre a pluralidade que cabe nessa instituição. Em países, como o Brasil, onde a maioria dos grandes grupos de mídia é controla-
Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 27
da por poucos grandes grupos empresariais – veiculados a um projeto de sociedade neoliberal –, e onde não existe uma entidade pública e transparente para a regulamentação da comunicação social, essa postura é premissa obrigatória. Tendo isso em conta, gostaríamos que o contraditório a que aqui nos referimos fosse entendido de forma mais abrangente: não apenas em relação aos materiais produzidos, mas enquanto característica estruturante do Jornalismo, dos sujeitos, valores, processos e efeitos, múltiplos (hoje cada vez mais), que não permitem identificar essa atividade/profissão com um molde fixo e universal. Pensar o jornalismo é pensar a sociedade em que ele é desenvolvido. Ou seja, os mundos que constrói, as posições que assume (explicita ou implicitamente), apenas são possíveis dentro de um contexto social histórico. As compressões do que seja (in)justo, os conflitos sociais que sejam tachados de (i)legítimos, são culturalmente fundamentadas, ou seja, nunca finais ou homogêneas, ainda que os setores privilegiados, com maior poder social, sempre tenham maior capacidade de atuação, alcance e influência nessas construções. Assim, se for necessário focar atenção em um ponto desse, aqui simplificado, círculo (sociedade-jornalismo-sociedade-jornalismo), diremos que o(s) jornalismo(s) não é, em primeiro lugar, força que molda a sociedade, mas o reflexo das forças que a moldam. Apesar disso, ou talvez por causa disso mesmo, é sempre possível nele encontrar – mesmo que seja necessário ir além do reflexo – o contraditório (e a contrariedade), a pluralidade de vidas e discursos que circulam no(s) jornalismo(s), porque existem na sociedade, sobre os mais variados temas. Provisoriamente, é assim que aqui o gostaríamos de considerar: uma ferramenta, idealmente em favor da horizontalidade das relações sociais, mas que não raras vezes é comprometido com a sua verticalização. Para terminar, é sobre essa horizontalidade que gostaríamos de insistir, apresentando, para isso, aquilo que consideramos serem bons exemplos do uso dessa sedutora ferramenta: NLucon (www.nlucon.com): Da responsabilidade do jornalista Neto Lucon, que conta já com uma década de trabalho voltado à diversidade sexual e de gênero, o site, independente e de actualização diária, traz, principalmente, de maneira humanizada, pautas referentes à comunidade de pessoas trans. Sin Etiquetas (http://sinetiquetas.org/): Sediada no Perú, redigida em espanhol, a Sin Etiquetas é um coletivo independente de jornalistas, colaborando com ativistas e cidadãos em geral, que trabalha informação voltada à população LGBTIQ
na América Latina. A missão, como descrita no site, é “informar, investigar, denunciar y explicar lo que afronta la comunidad en la región con el ideal de abandonar las etiquetas, erradicar la discriminación, frenar la homofobia y exponer sus vivencias, retos y sueños. Transadvocate Brasil (http://brazil.transadvocate.com/): Independente, recém-criada, a publicação é clara na sua proposta: “O TransAdvocate é notícia investigativa e comentada com pés no chão na perspectiva trans. […] não reproduzimos as notícias de outras fontes de mídia, mas relatamos sua descoberta através de trabalho de investigação e verificação de fatos. Especificamente, o TransAdvocate foca-se na verificação de dados de mídia e desinformação que ganha repercussão social. […] Não estamos a serviço de ninguém, estamos a serviço da verdade e da necessidade de trazer a verdade sobre as notícias que afetam nossa comunidade à luz do dia.”. O projeto, ainda que diferente, surge no seguimento da homônima norte-americana http://transadvocate.com/. P.s: Em 2016, a Agência Pública mapeou as iniciativas independentes de jornalismo no Brasil. Dentre o trabalho do coletivo e as sugestões do público – mais de 100 em conjunto –, apenas uma publicação com foco específico em sexualidades/ gêneros não-normativos foi apontada – a Revista Geni, entretanto encerrada (mas que ainda pode ser consultada – incentivamos – em http://revistageni.org/). Refletir sobre esse (suposto) vazio editorial é urgente.
Referências: FAUSTO NETO, Antônio. Comunicação & Mídia impressa: estudo sobre a Aids. São Paulo: Hacker Editores, 1999. LEITE JR, Jorge. Nossos corpos também: sexo, gênero e a invenção das categorias “travesti” e “transexual” no discurso científico. Tese de doutorado. São Paulo: Doutorado em Ciências Sociais. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2008. p. 230. SIMÕES, Júlio Assis; FACCHINI, Regina. Na trilha do arco-íris: do movimento homossexual ao LGBT. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2009. Assinada pelo jornalista Rui Caeiro, mestre em Comunicação pela UFPE, a coluna ambiciona instigar reflexões que se debrucem sobre as relações que se estabelecem entre produção midiática/jornalística e a construção e vivência de identidades consideradas abjetas em nossa sociedade. O foco será em sexualidade e gênero.