Revista Jornalismo e Cidadania nº 13/2017

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Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 1
e cidadania
Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade | PPGCOM/UFPE | ISSN 2526-2440 | nº 13 | Julho 2017
Jornalismo
Revista
Eleições Britânicas
Suranjit Kumar Saha Utopia Mangue
Túlio Velho Barreto E mais... ano II

JORNALISMO E CIDADANIA

Expediente

Editor Geral | Heitor Rocha professor PPGCOM/UFPE

Editoração Gráfica | Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE

Editor

| Marcos Costa Lima Pós-Graduação em Ciência Política/UFPE

Articulistas |

PROSA REAL

Alexandre Zarate Maciel doutorando PPGCOM/UFPE

MÍDIA ALTERNATIVA

Xenya Bucchioni doutoranda PPGCOM/UFPE

NO BALANÇO DA REDE

Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE

JORNALISMO E POLÍTICA

Laís Ferreira mestranda PPGCOM/UFPE

JORNALISMO AMBIENTAL

Robério Daniel da Silva Coutinho mestre em Comunicação UFPE

PODER PLURAL

Rakel de Castro doutoranda PPGCOM/UFPE e UBI

CIDADANIA EM REDE

Nataly Queiroz doutoranda PPGCOM/UFPE

COMUNICAÇÃO PÚBLICA

Ana Paula Lucena doutoranda PPGCOM/UFPE

JORNALISMO INDEPENDENTE

Karolina Calado doutoranda PPGCOM/UFPE

MÍDIA FORA DO ARMÁRIO

Rui Caeiro mestre em Comunicação UFPE

MUDE O CANAL

Ticianne Perdigão doutoranda PPGCOM/UFPE

COMUNICAÇÃO NA WEB

Ana Célia de Sá Doutoranda em Comunicação UFPE

NA TELA DA TV

Mariana Banja mestranda em Comunicação UFPE

Bolsista e Aluno Voluntário |

Lucyanna Maria de Souza Melo

Yago de Oliveira Mendes

José Tarisson Costa da Silva

Colaboradores |

Túlio Velho Barreto Fundação Joaquim Nabuco

Gustavo Ferreira da Costa Lima Pós-Graduação em Sociologia/UFPB

Luiz Lorenzo Núcleo de Rádios e TV Universitárias/UFPE

Ada Cristina Machado Silveira Professora da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM

Antonio Jucá Filho Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ

Auríbio Farias Conceição Professor do Departamento de Letras e Humanidades – DLH/ UEPB

Leonardo Souza Ramos

Professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC –Minas Gerais e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Potências Médias (GPPM)

Rubens Pinto Lyra Professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas  da UFPB

Prosa Real

Opinião | Regina Perrusi

Opinião |

Opinião

Opinião

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Índice
Editorial
Eduardo Matos Oliveira Opinião | Tarisson Nawa Comunicação na Web
| Jean De Mulder Fuentes
| Suranjit Kumar Saha Opinião | Túlio Velho Barreto
| Rafael Cacau Botelho Opinião | Marcos Costa Lima Opinião | Rubens Pinto Lyra Opinião | Mariana Yante Jornalismo Ambiental Jornalismo Independente Comunicação Pública | 3 | 4 | 6 | 8 | 10 | 12 | 14 | 16 | 18 | 22 | 24 | 26 | 28 | 30 | 32 | 34 Arte da Capa: Designed by Freepik.com Acesse: facebook.com/ Jornalismoecidadania | issuu.com/revistajornalismoecidadania
Opinião
Internacional

Por Heitor Rocha

Aesperança de que o Ministério Público viesse a passar o país a limpo e estancar, verdadeiramente, a sangria que os donos do dinheiro impõem à nação, sobretudo levando em conta que a sua prerrogativa da investigação, ameaçada pela PEC 37, só tivesse sido mantida pelas manifestações populares de 2013 contra a intenção obscurantista e de patente obstrução da justiça dos congressistas, vai se desfazendo diante da cada vez mais escancarada disposição de atuar de forma seletiva e partidarizada.

Respaldado pela decisões questionáveis do Supremo Tribunal Federal e pela cobertura sensacionalista dos veículos de comunicação de massa, o Ministério Público concentra sua atuação no indisfarçável propósito de execrar o Partido dos trabalhadores e, especialmente, criminalizar Luiz Inácio Lula da Silva, favorito disparado nas pesquisas de intenção de voto para 2018, sem levar em conta o know how de corrupção incomparável dos partidos de direita tão bem construído desde a ditadura militar, quando não eram investigados pelos jornalistas, devido á censura, e pela oposição, sempre ameaçada de cassação.

Chega a ser ridículo os alegados indícios e esforços dos corruptores das grandes corporações pretendendo comprometer Lula com o tríplex e o sítio, sem a apresentação de prova concreta da sua propriedade dos imóveis, comparados às provas contundentes de aliados do golpe e do projeto de maldades conhecido de reformas neoliberais, como o comprovante de depósito da Odebrecht de milhões de dólares na conta pessoal do senador José Serra (PSDB/SP) na Suíça, de gravação do senador Aécio Neves (PSDB/MG) pedindo propina e indicando seu primo para recebe-la, o qual veio a ser gravado em vídeo, posteriormente, recebendo o dinheiro, bem como do presidente Temer pedindo recursos em favor do capitão Lima, depois responsável comprovado pela reforma no valor de 2 milhões de reais do apartamento da filha do invasor do Palácio do Planalto, entre outras escandalosas transações do atual desgoverno que infelicita o povo brasileiro.

Os grandes veículos de comunicação de massa, sobretudo a Globo, embora tenham recebido grande aporte de recursos da pirataria instalada no Palácio do Planalto e no Congresso Nacional, ensaiam uma tímida postura crítica em relação ao governante que apresenta o inigualável percentual de aprovação de 5%, em face do contrato de comunicação tácito que a mídia precisa manter com o público de que sempre defende o interesse coletivo e o bem-comum diante das investidas particulares. Contudo, esta posição é minimizada diante da urgência do calendário de reformas

para implantar o programa de benefícios para as elites e de malefícios para a esmagadora maioria da sociedade.

Também deve ser creditada a essa postura ambígua e dissimulada dos veículos de comunicação de massa o tratamento quase cínico com que são relatadas as indignidades de Michel Temer para intimidar com o poder do aparelho de Estado ou corromper com os recursos públicos o voto dos congressistas na apreciação da denúncia da Procuradoria Geral da União para que sejam investigadas as suas inquestionáveis evidências de corrupção. Estes expedientes repugnantes com o intuito de corromper decisões que dizem respeito ao futuro da nação são tratados nas coberturas da grande mídia como se fossem procedimentos normais e legítimos da política.

Concomitante aos horrores deste cenário político, verificam-se tentativas de criminalizar os protestos populares e uma efetiva e cruel repressão às manifestações em defesa dos interesses nacionais na legislação trabalhista, na seguridade e previdência social, nos direitos humanos no campo e nas cidades, na preservação da natureza e reestruturação fundiária, ou seja, reforma agrária, para incluir no sistema produtivo os milhões de trabalhadores rurais brasileiros sem terra, na ciência e na educação ameaçadas com cortes substanciais nos seus orçamentos, entre outras causas cívicas e patrióticas que merecem a mobilização solidária de nossa sociedade.

É neste contexto que a Revista Jornalismo e Cidadania nº 13 começa a circular, no seu segundo ano de publicações, reafirmando seu compromisso de discutir os temas e dar espaço às vozes que não recebem o espaço e tratamento adequado da grande mídia, praticamente monopolizada pelo grande capital. Nesta edição, apresentamos uma matéria especial de Túlio Velho Barreto sobre a importância do cenário musical e cultural do Manguebeat e de Josué de Castro e sua obra. No âmbito internacional, a revista aborda a eleição na Inglaterra, os direitos humanos na China, os delírios fascistas de Donald Trump, as perspectivas internacionais da crise ambiental e a oligarquia exercido pelas editoras internacionais que praticamente monopolizam e exploram o conhecimento científico, entre outros assuntos.

Heitor Costa Lima da Rocha, Editor Geral da Revista Jornalismo e Cidadania, é professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.

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Editorial

Prosa Real

Livro-reportagem, jornalismo e contexto

Questão do espaço é dilema jornalístico até no livro-reportagem

Reclamação comum entre os jornalistas, o espaço para a publicação de uma reportagem parece não ser, a princípio, uma preocupação para os autores de livros. Teoricamente eles teriam muito mais páginas e alguns até mesmo mais de um volume, como na série Ilusões Armadas, de Elio Gaspari, sobre a ditadura militar. No entanto, jornalistas escritores entrevistados por esse colunista relataram que se policiam bastante a respeito do número de páginas que o produto final vai ter. Mais uma vez, precisam lançar mão das heranças dos saberes jornalísticos adquiridos nas redações para equacionar a questão: saber reconhecer o que cortar e o que seria supostamente supérfluo. “Esticar muito a corda” é inaceitável em termos de narrativa e espaço no livro, na concepção da jornalista Daniela Arbex. Ela conta que ficou preocupada quando concluiu a redação do seu primeiro livro, Holocausto brasileiro, e percebeu que só tinha 130 páginas de texto digitados em um arquivo do Word: “Falei cara, que livro pequeno, fiquei angustiada com aquilo. E aí minha chefe falou para mim: ‘Dani, livro pra ser bom não precisa ser grande. Tem que passar o recado dele, então não preocupa’”. Como foi editor, o jornalista Laurentino Gomes pensa previamente no tamanho que o seu livro terá levando em conta vários elementos do produto final, o que ele considera um dos segredos do sucesso: “Então acho que tem que ter letras grandes. O espaçamento tem que ser bom, os parágrafos e os capítulos tem que ser curtos. A minha política é assim: eu escrevo capítulos que o leitor tem que acabar antes de dormir”. Livro-reportagem não pode ter 10 mil páginas, mas tem que ter o tamanho que precisa ter o conteúdo, segundo Fernando Morais: “Se eu fosse publicar todas as histórias que eu

levantei do Chatô, do Paulo Coelho, que são meus livros mais gordos, eu teria que fazer livros de 3 mil páginas. Em O Mago eu tinha mil e poucas páginas e eu matei 300. Já escritas”. Lira Neto complementa esse raciocínio concordando que a ausência da pressão do espaço é ilusória, pois mesmo com três livros para a biografia Getúlio, sobre o ex-presidente Getúlio Vargas, muitas informações ficaram de fora: “Você sabe que se cresce muito o volume ele se torna mercadologicamente inviável. Ao final temos um produto de mercado, com tudo o que isso significa”.

Autor do mês: João do Rio

Paulo Barreto ou João do Rio pode ser considerado o primeiro jornalista que percebe a importância de perpetuar o seu trabalho, espalhado na forma de crônicas-reportagens no jornal carioca Gazeta de Notícias e na revista Kosmos, publicações das primeiras décadas do século XX, no formato de livro. As obras Religiões do Rio (1906), Cinematógrafo (1909), A alma encantadora das ruas (1910), Vida vertiginosa (1911) e Os dias passam (1912) sintetizam, pelo olhar do repórter pioneiro, um Rio de Janeiro em ebulição. O próprio João do Rio explicava aos seus leitores o seu trabalho. Em prefácios como o do livro Vida vertiginosa, lançado originalmente em 1911, Paulo Barreto (2006, p. 5) alertava: “Este livro, como quantos venho publicando, tem a preocupação do momento. Talvez mais que os outros. O seu desejo ou a sua vaidade é trazer uma contribuição de análise à época contemporânea”. O jornalista acrescenta que sustenta o claro intuito, com a sua narrativa, de suscitar “um pouco de interesse histórico sob o mais curioso período de nossa vida social que é o da transformação atual de usos, costumes e ideias”. A principal técnica do jornalista era a do flâneur, o dândi que passeia a esmo pelas ruas, que procura até o lado obscuro da cidade, movido por curiosidade intensa. Em uma crônica do livro A alma encantadora das ruas, lançado em 1910, cha -

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mada A rua, João do Rio (2008, p. 31) explica ao leitor a raiz do seu método de investigação: “É preciso ter o espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes: a arte de flanar”.

Iluminando conceitos: Cremilda Medina e o signo

da relação

Sob a perspectiva dos procedimentos narrativos, destaque nos livros-reportagem, a professora Cremilda Medina (2003, p. 52) aponta que pesa para o leitor de uma narrativa o grau de identificação com os anônimos e suas histórias de vida: “De certa forma a ação coletiva da grande reportagem ganha em sedução quando quem a protagoniza são pessoas comuns que vivem a luta do cotidiano”. Medina (2007, p. 23) pondera que nos estudos das relações entre jornalismo e literatura leva-se mais em conta a questão do estilo do que a “prática relacional (signo de relação)”. Ao refletir sobre o trabalho dos jornalistas com as histórias de vida dos protagonistas sociais, Medina alerta: se o repórter, por decisão “técnica ou atrofia afetiva, descartar a viagem à subjetividade do outro”, vai resolver apenas “de forma tosca a trama da história de vida. Na maior parte das vezes, apelando para a frieza linguística da entrevista pergunta-resposta” (MEDINA, 2007, p.24). Medina (2014, p. 75) considera que o repórter deve entender a rua “como espaço de cruzamentos coletivos”. Portanto, consciente de que está inserido no mundo da vida, precisa perceber o cidadão que encara como personagem de um mundo de referência, como alguém que “narra na cultura que lhe dá identidade comunitária”. O repórter transita, assim, em um lócus “onde se mobilizam os sentidos para a observação e a escuta dos parceiros da contemporaneidade”. Para a pesquisadora, o jornalista deve reportar os “movimentos da cidadania” e estar atento ao “protagonismo dos sujeitos, o contexto coletivo em que estão inseridos, as raízes histórico-culturais que os particularizam”, constituindo “a arte de tecer o presente, em que se criam as narrativas da contemporaneidade” (MEDINA, 2014, p. 75).

Referências:

JOÃO DO RIO. A alma encantadora das ruas. São Paulo, Martin Claret, 2008.

JOÃO DO RIO. As religiões no Rio. Rio de Janeiro: José Olympio, 2015.

JOÃO DO RIO. Cinematógrafo. São Paulo: editora Academia Brasileira de Letras, 2009.

JOÃO DO RIO. Vida Vertiginosa. Paris: Guarnier, 1911. MEDINA, Cremilda. Jornalismo e signo da relação: a magia do cinema na roda do tempo. In: Revista Líbero, Ano X-nº19-Jun 2007.

________, Cremilda. A arte de tecer o presente: narrativa e cotidiano. Summus, 2003.

________, Cremilda. Atravessagem: reflexos e reflexões na memória de repórter. São Paulo: Summus, 2014.

Elaborada pelo professor do curso de Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz, Alexandre Zarate Maciel, que está cursando o doutorado em Comunicação na UFPE, a coluna Prosa Real traz, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, os principais autores, títulos e a visão do leitor.

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Opinião

SOS COUP IN BRAZIL: Press reports

Abandonei a profissão de jornalista em 2011, apos quase 22 anos de batente. Havia passado no Recife pelo Jornal do Commercio, Editora Abril, Editora Globo, assessorias de imprensa e finalmente pela minha própria assessoria de imprensa. Em cada uma de minhas passagens, consegui ver com olhos lúcidos o quanto que o jornalismo precisou ser sacrificado pelos interesses políticos e econômicos das conjunturas de cada momento.

Não foram experiências felizes, embora tenha aprendido muito com elas. Principalmente entendi que este campo não era para mim. Um campo de omissão de detalhes, um campo de arrumação de conteúdos para atingir alvos de interesse do veiculo, um campo em que caixinhas (como aquelas que a gente junta em casa com o dinheiro para as compras do dia-a-dia) servem para “adquirir” as aspas das matérias como eu mesma vi muitas vezes na Veja; um campo em que os editores chefes reúnem a redação para dar avisos de posição politica e editorial a ser cumprida

(sem discussão); campo em que a linha de separação do jornalismo da publicidade é tão borrada como aquela entre o sono e o despertar em dias de muito cansaço. Não deu pra mim... Preferi encontrar outros caminhos de atuação em beneficio dos seres, que não o do jornalismo.

Como já era instrutora de yoga, abracei esse mundo, mudei-me para a Inglaterra com a familia e assim vivi por anos, sem saudades do batente. No entanto, constantemente olhava a imprensa brasileira e a internacional. Em 2016, com o princípio do inferno no processo de Impeachment de Dilma Rousseff, meus amigos ingleses me perguntavam o que estava acontecendo no país, o que significavam aquelas massas nas ruas pedindo pelo impeachment. Explicava de acordo com o meu ponto de vista, sem contar com qualquer suporte de veículos internacionais que pudessem estruturar jornalisticamente a impressão de um movimento forjado pelas 6 famílias que controlam a imprensa do Brasil, um congresso literalmente comprado, um judiciário partidarizado e envolvido em corrupção e uma sociedade lobotizada. Como defender essa ideia absurda para eles sem qualquer anteparo da imprensa internacional? Eu também via meus amigos jornalistas no Brasil, confirmando a tese da imprensa brasileira de que o PT era sim o líder da quadrilha, que - se não roubou para fins pessoais - havia roubado para o partido. Diziam que a sociedade estava no comando e que era salutar ir às ruas, munido do poder que vem do povo... Eram tão claras essa ilusão e a manipulação.

Naquela fase, a BBC, The Guardian, Le Monde, Der Spiegel, NYTimes, RFI, El Pais, Deutsche Welle, CNN etc apenas reproduziam o discurso da imprensa brasileira. Não havia uma voz dissonante. Eu lia os blogs de guerrilha, mas ainda me sentia isolada, impotente, sem voz, destinada a sucumbir no fundo de um mar de posições ideológicas e políticas, desenhadas com precisão para implantar um golpe perfeito. Foi nesse momento que meu marido inglês quebrou a sua própria cordialidade britânica e me disse para ir à luta pelas mídias sociais como possível fosse. Já não havia dúvidas de que as mídias sociais no mundo todo eram o diferencial, ainda que na era da pós-verdade. Nesse momento nasce o SOS COUP IN BRAZIL no facebook, com o proposito de alertar para a ilegalidade e para o que estava por trás daquele processo contra Dilma no Congresso.

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Fonte: Mariano Ramos

Um grupo destinado a literalmente caçar as vozes na imprensa internacional que viam aquele momento infernal como o que de fato era: um “coup-d’etat”, ainda que sob o prenome de “soft” por se caracterizar como golpe sem violência explícita, assim como primeiro cunhou o termo a revista Der Spiegel. Esta foi a “expressão usada “kalt Putsch” (golpe a frio, ou “soft coup”), em inglês, “golpe branco” na nossa versão tradicional, para descrever, no ano passado, o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. ...E “isso ressonou em outros veículos de comunicação também em outros países”, como explica o jornalista Paulo Henrique Amorim. Era importante que as matérias fossem preferencialmente em inglês, mas também em francês, italiano, alemão e outras línguas de modo que se pudesse espalhar mais e mais a contraversão da imprensa hegemônica brasileira, dentro da comunidade internacional. No entanto, isso ainda era como procurar uma agulha no palheiro. Muito raro!

Uma dos primeiros posts que publiquei nesse grupo veio da Al Jazeera. Mais importante ainda foi a matéria do ganhador do prêmio Pulitzer Glenn Greenwald em abril de 2016 para a CNN. Ele dizia: “Eles saíram da ditadura apenas em 1985 e é realmente perturbador olhar para eles brincando com a democracia desse jeito”. Possivelmente não haveria mais nenhum post nesse grupo se não fosse o olhar e o poder de Glenn. Eu realmente não consigo pensar em nenhum outro nome ou organização da imprensa internacional mais capaz de mudar aquele cenário precário de apurações pobres, de incapacidade de reportar com olhos lúcidos e de repetição pífia de discurso dominante da mídia mainstream local. Só pode ter sido o Glenn quem abriu os olhos dos colegas correspondentes da Europa e EUA com base no Rio, SP e Brasília. Na época, eles citavam apenas a Globo, a Folha, o Estadão e nomes do mundo empresarial e político. Não dá para imaginar outro jornalista ou fato tão divisor de aguas como o de Glenn, dado que aquela realidade só começou a dar sinais de mudança depois dele. Dá assim pra dizer antes e depois de Glenn.

O Intercept, do Glenn, veio para se somar às trincheiras de luta pela informação livre e alternativa. Enquanto a inglesa Reuters se manteve pró golpe o tempo todo (e ate hoje), a árabe Al Jazeera, a venezuelana Telesur e a Sputnik russa sempre estiveram contra o golpe desde o primeiro momento, com matérias de rua bem pontuais, entrevistas importantes e análises criticas. Por razoes óbvias geopolíticas e outras que não discutirei aqui.

A partir daí, comecei a ver primeiro a BBC curiosa, mais atenta e ousando pensar por si. Ainda que poucas vozes estrangeiras tenham sido capazes de ver essa questão de modo profundo, El Pais, The Guardian e NYTimes abriram mais os seus olhos nas apurações. No New York Times, Glenn publicou uma matéria re-

velando os super poderes da Globo, que foi vigorosamente contestada pela família Marinho, mas se manteve firme e se tornou outro suporte robusto nessa luta. Muitas outras matérias vieram a se somar nesse grupo que agora passa a se chamar SOS COUP IN BRAZIL: PRESS REPORTS. O grupo começou a crescer, com membros adicionando amigos no facebook. Publicam-se posts de outros grupos internacionais pela democracia no Brasil, cartas desses grupos a políticos internacionais, pedindo que eles se manifestassem contra o golpe, posts de shows de artistas na Europa e USA, opondo-se publicamente contra o golpe, posts de blogs brasileiros já traduzindo importantes matérias internacionais. Nesse momento, noto que a sociedade brasileira precisava e já estava começando (como até agora se encontra) a se interessar timidamente para além de Isto é, Veja, Globo etc.

Em termos de membros, esse grupo é pequeno ainda hoje, composto por não mais que 356 pessoas. Mas o numero de posts de matérias da imprensa internacional é bem expressivo em termos de quantidade e qualidade, com atualização instantânea e participação intensa de membros. O grupo é publico, mas não é aberto e talvez reúna hoje a melhor e maior coleção de posts da imprensa estrangeira. Achei necessário filtrar a participação de membros de modo que não se perdesse tempo em convencer ou combater ninguém, mas em multiplicar a visão da imprensa internacional que fosse critica e inteligente. Já há inúmeros blogs de guerrilha, tentando abrir os olhos do Brasil para esse golpe que ainda hoje se aprofunda e, infelizmente, parece que deve seguir.

Seria tema para um segundo artigo, mas - grosso modo - obviamente o Intercept é um dos veículos que mais se destacam nesses posts. A imprensa internacional ainda não é unanime contra o golpe de estado em curso no Brasil. No entanto, mais e mais encontram-se boas matérias no El País (Brasil), RFI(Brasil), DW(Brasil), The Guardian, NYTimes, Le Monde, Financial Times etc. Esse grupo precisa crescer. Sinto que quanto mais se tem acesso a essa informação de qualidade crítica, quanto mais se compartilham essas matérias internacionais e quanto mais se buscam nessas matérias uma fonte alternativa à imprensa local mais se luta por democracia, respeito às conquistas sociais e às diferenças múltiplas de gênero, de cor, de opção sexual etc, mais se defendem paz e justiça social e mais verdadeiramente se combatem corrupção, arbitrariedades e desmandos de poder.

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Regina Perrusi Padaman Rintchen é jornalista e editora do SOS COUP IN BRAZIL: Press reports.

Opinião

As Perspectivas Políticas da Crise Ambiental Internacional

Àmedida que as alterações climáticas, o derretimento de geleiras e falta de água se agravam e se tornam cada vez mais um problema global, surgem diferentes discursos para justificar e resolver a situação. Esse artigo se propõe a analisar as principais retóricas que pretendem explicar e propor saídas para a crise ecológica. Naturalmente, considerando que o conhecimento na área ainda está sendo formado, há uma disputa por espaço não só no ambiente acadêmico, mas também nos principais meios de comunicação. São discutidas três principais perspectivas a respeito dos problemas ambientais: a primeira é a corrente que nega a relação entre a ação humana e o aquecimento global; em seguida, será trazida a posição daqueles que reconhecem o impacto da sociedade moderna nos problemas contemporâneos, mas acreditam que o avanço tecnológico pode resolver a situação; por fim, há teóricos que questionam se a abordagem puramente técnico-científica é capaz de encontrar saídas definitivas, visto que ela mesma seria a causa principal das mazelas ambientais.

Atualmente, a ideia de que a relação entre o efeito estufa e a ação do homem é apenas uma falácia ganha força política, em especial, após a eleição de Donald Trump nos Estados Unidos. Apesar de serem minoria, essa corrente é composta não apenas por seguidores de teorias da conspiração, mas também por membros da comunidade científica. Nesse caso, aproveita-se da impossibilidade do método científico em provar uma relação causal com absoluta certeza para questionar evidências que são robustas. Segundo Karl Popper (2012), uma hipótese nunca é confirmada de modo definitivo, mas está sempre sujeita a novas validações. Porém, isso não significa que não seja possível obter um razoável grau de certeza em relação a fenômenos naturais e sociais. Aqueles que negam a participação da atividade humana no efeito estufa argumentam que o aquecimento do planeta é um fenômeno que já aconteceria de qualquer forma, mesmo que não tivesse havido a emissão de carbono na atmosfera por meio do desenvolvimento industrial. A sutile -

za do argumento é a dificuldade de obter evidências para corroborar ou rejeitar essa conjectura, uma vez que os experimentos naturais necessitam de um grupo de controle e outro de tratamento, e o planeta terra é único. Não é possível observar a variação da temperatura da terra com e sem a emissão de gases poluentes, por isso a dificuldade em mensurar o efeito da ação humana nas mudanças climáticas.

Entretanto, além das pesquisas em âmbito global, há uma série de evidências que podem ser coletadas em âmbito regional e local que comprovam o efeito das sociedades industriais nas alterações ambientais vivenciadas nos últimos tempos. A maior parte da comunidade científica e dos líderes mundiais aceitam essa versão, porém há divergências a respeito de como lidar com o problema. O establishment político e econômico acredita que o mercado e a própria iniciativa privada representam a forma mais eficiente de encontrar uma solução para a crise ecológica. Para eles, o próprio desenvolvimento tecnológico associado ao interesse econômico vai engendrar saídas, abarcando desde problemas como a dessalinização de águas até ideias mais extremas como a necessidade de encontrar um novo planeta para continuar a civilização humana. Há uma tentativa de manter a premissa do crescimento econômico infinito como pressuposto para haver justiça social, desde que a produção econômica seja reestruturada em bases não poluentes. Em outras palavras, surge a ideia do “crescimento verde”, que atualmente figura entre as bases das recomendações do Banco Mundial (2012). Ademais, nos fóruns internacionais, há o predomínio de soluções vinculadas à lógica de mercado, como foi o caso dos créditos de carbono.

Por outro lado, há teóricos que questionam a possibilidade de resolver a crise ambiental por meio da inovação tecnológica, visto que foi o próprio processo de desenvolvimento econômico alinhado ao avanço tecnológico para alimentar uma sociedade de consumo de massa que nos trouxe até o momento atual (STENGERS, 2009, p. 19). Como pode aquilo

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que foi a causa do problema também ser a solução? Dentro desta literatura, há uma reflexão sobre a distinção tradicionalmente feita entre homem e natureza. Questiona-se a ideia de que todo o planeta terra está à disposição para ser explorado irrestritamente pelos seres humanos, que seriam algo separado do resto da biosfera. Portanto, nesta visão, seria necessária uma completa mudança de paradigma, e não apenas a tentativa de reduzir a emissão de gases poluentes sem interferir no padrão de consumo das sociedades industriais.

A Europa, por exemplo, tem nas suas diretrizes econômicas a tentativa de criar uma sociedade do conhecimento (BONGARDT; TORRES, 2012), em que a produção interna seja pautada pela criação intelectual, patentes e outras atividades não poluentes. No entanto, os países europeus continuam importando os produtos eletrônicos fabricados na China, com matriz de carvão, a fim de evitar o aumento dos preços. Por conseguinte, os países do centro do sistema capitalista tentam reestruturar a sua produção interna para evitar a emissão de gases do efeito estufa, porém continuam consumindo tudo que é fabricado sem nenhum controle ambiental na periferia do sistema. Ou seja, a ideia do crescimento verde é uma forma do establishment “entregar os anéis para salvar os dedos”, uma vez que a lógica de mercado, que sustenta um consumo desenfreado, continua intacta (WANNER, 2015), sem que haja uma reflexão mais profunda a respeito das desigualdades estruturais do capitalismo. Faz-se urgente a proteção do meio ambiente não através de um preço de mercado, mas sim pelo valor em si daquilo que é fundamental para a existência da vida. A literatura que teoriza a respeito da impossibilidade de separação entre a ecologia e economia (GEORGESCU-ROEGEN, 1971) discute a inevitabilidade da redução do padrão de consumo e do decrescimento econômico para encontrar soluções ambientais que não sejam meros paliativos.

Tempos atrás, talvez, os questionamentos a respeito do crescimento econômico infinito parecessem improváveis de se tornarem uma agenda política efetiva, mas atualmente são as tentativas de resolver os problemas ambientais através da lógica de mercado que se tornam cada vez mais utópicas.

Em relação às diferentes visões políticas apresentadas, a questão se agrava porque à medida que os efeitos negativos se tornam mais visíveis e catastróficos, aqueles que estão nos centros de poder político e econômico tendem

a migrar para perspectivas mais radicais, tanto em termos do negacionismo como em busca de soluções puramente técnico-científicas, uma vez que o custo de reverter a situação se torna cada vez mais elevado. Além do mais, se nossos líderes políticos e as elites econômicas acreditarem na possibilidade de salvação através de uma espaçonave para algum lugar fora da terra, qual o incentivo que eles terão para buscar soluções que envolvam o resto do planeta?

Ao fim da linha, quando a lógica de mercado se mostra sem possibilidades para resolver o problema, ainda é possível encontrar formas para lucrar com a situação. Por exemplo, atualmente já estão sendo vendidos abrigos dentro de montanhas totalmente revestidos e equipados para resistir a cenários apocalípticos com objetivo de atrair milionários e bilionários preocupados com o futuro (BBC BRASIL, 2017).

Referências:

BBC BRASIL. Os abrigos para o fim do mundo construídos para os super-ricos. 2017. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/geral-38809611>

BONGARDT, A.; TORRES, F.. Lisbon Strategy. In: JONES, E.; MENON, A.; WEATHERILL, S. The Oxford Handbook of European Union. Oxford: Oxford University Press, 2012.

GEORGESCU - ROEGEN, Nicholas. The Entropy Law and the Economic Process. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1971.

STENGERS, I. In Catastrophic Times: Resisting the Coming barbarism. Paris: Open Humanity Press, 2009.

POPPER, Karl. [1935] The Logic of Scientific Discovery. Londres: Routledge, 2002.

WANNER, T. The New “Passive Revolution” of the Green Economy and Growth Discourse: Maintaining the “Sustainable Development” of Neoliberal Capitalism. New Political Economy, vol. 20, n. 1, 2015.

WORLD BANK. Inclusive Green Growth: The Pathway to Sustainable Development. Washington DC, 2012.

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Eduardo Matos Oliveira é Mestre e doutorando em Ciência Política e Relações Internacionais na Universidade Federal de Pernambuco.

Opinião

Estereótipos e a folclorização do indígena no imaginário brasileiro

Desde o primeiro contato com os portugueses na costa brasileira, em 1500, o indígena passou a ser representado em imagens na Europa para concretizar o fascínio secreto da alteridade – tornar conhecível o outro considerado selvagem, incivilizado e exótico. No entanto, ao mesmo tempo em que o consumo de imagens do chamado primitivo se tornou recorrente, os discursos a esse respeito ultrapassaram séculos de contato entre índios e não índios, gerando estereótipos que condenam ou folclorizam o indígena e suas expressões socioculturais.

A veiculação dessas representações, isto é, a reprodução de imagens que produzem significados e que geram, nesse sentido, sentimentos baseados no senso comum nos leitores que as consomem (HALL, 2016, p. 140) mantêm uma lógica dominante de estigmatização e negação de direitos das populações autóctones saqueadas pelos ditos “civilizados”. É a partir disso que questiona-se, no intuito de saber as consequências desses regimes de representações para a vida dos povos indígenas: em qual momento histórico a veiculação de imagens indígenas surgiu? Na atualidade, o aparecimento dessas imagens tem alguma relação com aquelas veiculadas no passado? Quais os interesses por trás dessas imagens ou a quem interessa a folclorização e estereótipos do indígena e a permanência de imagens do passado?

Rebater o discurso apresentado pelos grupos dominantes – existentes tanto no âmbito do Estado, como no Congresso Nacional com a bancada do agrobusiness e religiosa, quanto pelos grandes grupos do capital, oriundos da esfera privada, mas que mantém relações estreitas com o Estado – é um meio pelo qual se busca garantir o reconhecimento e o respeito aos povos indígenas que há mais de cinco séculos ressignificam suas expressões socioculturais afirmando suas identidades

indígenas e que, mobilizados, continuam lutando pelas reivindicações de seus direitos constitucionais, ainda que reiteradas vezes ocorram as violências simbólicas e físicas por parte daqueles que deveriam resguardá-los, como versa a Constituição Federal. (Art. 231 e 232 CF/1988).

Os discursos do passado e do presente se cruzam

Os primeiros discursos sobre os indígenas surgiram logo após o relato de Pero Vaz de Caminha na irônica descoberta “por acaso” e “acidental” do Brasil, que, segundo Oliveira (2016, p. 46-47), abriu brechas para o exotismo: o novo mundo que se encontrara fora da Europa! Ainda no período colonial, por meio de crônicas, relatos de viagens, cartas e tratados, as imagens e narrativas sobre os povos primeiros foram reiteradas, como no precursor livro Duas viagens ao Brasil (1557), do alemão Hans Staden, considerado a primeira obra escrita sobre o Brasil (http://www.cienciahoje.org.br/ revista/materia/id/546/n/nus,_ferozes_e_ canibais), e cuja narrativa gerou grande repercussão na Europa por o autor relatar a suposta história que viveu em meio a um povo “canibal”, “bárbaro”, “selvagem” e “incivilizado”: os Tupinambá.

Cabe destacar que muitas dessas narrativas e imagens bastante conhecidas no século XVI são, em sua grande maioria, resultados de releituras de documentos e relatos coloniais: alguém que fazia o relato, outra que escrevia, um que traduzia e, por fim, alguém que desenhava. As imagens e narrativas sobre a suposta selvageria, incivilidade e barbárie eram recorrentes nos trabalhos de Theodore de Bry (1592), belga cuja principal obra retratou o ritual antropofágico Tupinambá baseado na obra de Staden; Johannes Stradanus, por meio de América (1580); Albert Ekhout, na obra Mulher Tapuia (1641); dentre tantas outras daquele pe -

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ríodo.

No século XIX, na busca pela construção de uma identidade nacional, a temática indígena e o significado inerente do período anterior foi retomada, como evidenciou Edson Silva:

Também os diversos grupos étnicos são chamados de tribos e, assim, pensados como primitivos, atrasados, ou ainda imortalizados pela literatura romântica do século XIX, como nos livros de José de Alencar, nos quais são apresentados índios belos e ingênuos ou valentes guerreiros e ameaçadores canibais, ou seja, bárbaros, bons selvagens ou heróis.

Ao longo dos anos essas imagens e discursos foram reproduzidos nos livros didáticos sem um amplo debate e olhar crítico (FERREIRA, 2016 apud SILVA e SILVA, 2016, p. 113). Consequentemente, essas imagens foram cristalizadas nos imaginários dos leitores, favorecendo uma estreita vinculação entre os relatos dos cronistas com as imagens de agora acionadas, que, muitas vezes, encontram espaço e grande acolhimento em outros meios de produção de significados, como por exemplo, a mídia.

Na atualidade, a escola – enquanto local de formação humanística, ética, social e política – e os meios de comunicação de massa – com sua função educadora e socializadora – seriam os atores primordiais para desmistificação e superação de equívocos, preconceitos e desinformações. Entretanto, quando a escola, por meio de práticas de educação, folcloriza o indígena e o reduz a atributos inerentes à sua forma de vida (usar cocar, pintar-se, etc), ela reproduz ou favorece estereótipos e características essencializadoras, deixando de agir como meio potencializador de mudança em uma sociedade pautada na negação dos direitos dos povos indígenas.

Sendo o Brasil, pois, um país constituído por várias vivências e expressões socioculturais, isto é, um país formado a partir de sociodiversidades, quando os meios de comunicação, principais responsáveis pela ligação entre o acontecimento no mundo e as imagens que as pessoas têm na cabeça acerca dos acontecimentos (TRAQUINA, 2005, p.15), deixam de representar criticamente essas experiências socioculturais, eles negam as sociodiversidades e mantêm, assim, uma lógica de

dominação sociopolítica de uma cultura sobre a outra.

Observa-se que o repertório da representação sobre o indígena não mudou, permanece o mesmo e vinculado a discursos do passado. As vozes presentes nos textos e imagens produzidos sobre o indígena projetam o invasor europeu e, consequentemente, seu discurso para o presente; permanece, ainda, no imaginário brasileiro a ideia do índio exótico, nu e pintado, bárbaro e incivilizado, que usa cocar e vive na selva, desconhecendo-se ou omitindo situações de vivências indígenas em contextos urbanos. Passados mais de 500 anos de uma colonização pautada pela escravidão indígena, perseguição às crenças e expressões socioculturais, aniquilamento das línguas e miscigenação forçada, são veiculadas imagens que não correspondem ao modo de vida de grande parte dos mais de 300 povos indígenas brasileiros. No intuito de desvincular essas imagens e discursos retrógrados que não correspondem a essas populações, torna-se urgente a necessidade da leitura crítica desses discursos tanto no âmbito da escola, quanto nos produtos culturais jornalísticos (notícias) veiculados pelos meios de comunicação de massa. Se a escola não faz a sua parte, a mídia, como meio socializador e produtor de significados, poderia fazer?

Referências:

HALL, Stuart. Cultura e representação. Rio de Janeiro: Ed. PUC-Rio, Apicuri, 2016.

OLIVEIRA, João Pacheco de. O nascimento do Brasil e outros ensaios: “pacificação”, regime tutelar e formação de alteridades. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2016.

SILVA, Edson; SILVA, Maria da Penha da. A temática indígena na sala de aula: reflexões para o ensino a partir da Lei 11.645/2008. 2ª ed. Recife, Edufpe, 2016.

TRAQUINA, Nelson. Teorias do jornalismo. A tribo jornalística: uma comunidade interpretativa transnacional. Florianópolis, : Insular, 2005.

Tarisson

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Nawa é graduando no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco

Comunicação na Web

Jornalismo, Sociedade e Internet

Hipertexto e aprofundamento da notícia na web

Ohipertexto é uma das marcas da web. O recurso permite ao usuário ordenar conteúdos de acordo com a preferência dele, em fomento à leitura não linear. Além da liberdade concedida ao internauta, a leitura associativa promove o recorte e a mixagem temporais desprendidos de nexos cronológicos e históricos, abrindo novas possibilidades de compreensão do tempo social. Do ponto de vista do webjornalismo, o hipertexto, apoiado por bancos de dados, também contribui

para o aprofundamento noticioso, foco deste artigo.

Os nós e elos associativos da internet potencializam o hipertexto com o uso de links, capazes de formar grandes teias informativas em diferentes níveis de acesso. O sistema de dados hipermidiáticos institui variados percursos de leitura e distintas formas de entendimento dos fatos, quebrando a distribuição linear de “um para muitos”. Este contexto desafia o webjornalismo a organizar roteiros que mantenham a coerência e a coesão das notícias, inclusive com uso de plataformas distintas – multimidialidade.

“O webjornalista, cada vez mais, tem visão alargada de como trabalhar com as mídias digitais. Ele sabe que agora não basta escrever sua reportagem, é imprescindível arrolar links de outras versões da mesma história, por exemplo, de outras fontes,

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Fonte: Pixabay

ou de fontes originais, é preciso colocar formas de aprofundamento do tema ali mesmo, na sua matéria, pois quanto mais possibilidades oferecer, mais garantia se tem de que o leitor ficará satisfeito e voltará outras vezes” (PRADO, 2011, p. 55).

O aprofundamento ao qual Prado faz menção pode ser obtido pelo entrelaçamento de dados “linkados” e indexados, de forma a construir conteúdos, ao mesmo tempo, independentes e complementados por materiais com publicação mais antiga, em um estímulo ao jornalismo de memória. Os blocos informativos dispostos em portais de notícias podem criar uma rede de dados hipermidiáticos capazes de detalhar e aprofundar os eventos sociais, construindo produtos aliados aos conceitos jornalísticos de qualidade, adequados à identidade digital.

Canavilhas (2007) apresenta um modelo condizente a esta realidade, nomeado pirâmide deitada, em contraste à tradicional pirâmide invertida, na qual o jornalista organiza a notícia por graus decrescentes de importância, em um roteiro definido pelo profissional. Segundo o autor, a organização fixa e unilateral da pirâmide invertida vai de encontro à liberdade proposta pela não linearidade alcançada com os links especialmente em gêneros distintos do padrão “Últimas Notícias”. “Usar a técnica da pirâmide invertida na web é cercear o webjornalismo de uma das suas potencialidades mais interessantes: a adopção de uma arquitectura noticiosa aberta e de livre navegação” (CANAVILHAS, 2007, p. 30).

Na pirâmide deitada, a notícia fechada dá lugar a uma rede interligada de textos e outros elementos multimidiáticos organizados em camadas horizontais sucessivas, com maior quantidade e variedade de informações a cada nível de aprofundamento. A técnica oferece ao leitor a oportunidade de seguir apenas um eixo de leitura ou navegar livremente pela notícia em busca de dados mais aprofundados (CANAVILHAS, 2007).

Quatro são os níveis de leitura da pirâmide deitada: 1) a Unidade Base (lead) responde ao essencial – o que, quando, quem e onde. Este texto pode ser uma notícia de última hora que pode ou não evoluir para um formato mais elaborado; 2) o Nível de Explicação complementa a informação essencial sobre o acontecimento ao responder ao porquê e ao como dos fatos; 3) o Nível de Contextualização oferece mais informações sobre cada questão básica, por meio de texto, vídeo, som ou infografia animada; e 4) o Nível de Exploração liga a notícia aos arquivos da publicação ou externos (CANAVILHAS, 2007).

Viabilizada pelo espaço virtual simbolicamente ilimitado, a arquitetura da pirâmide deitada lança pistas positivas sobre maneiras de aprofundar a notícia mediante a reformulação de práticas profis -

sionais direcionadas à potencialização dos recursos digitais da web, sem perder de vista os fundamentos do jornalismo e o compromisso com a qualidade da informação. Por outro lado, o modelo de Canavilhas esbarra na noção de aceleração de ritmos produtivos presente ao cotidiano das redações on-line. Isso se dá porque a concretização de uma estrutura noticiosa deste tipo demanda tempo e dedicação, por isso aproxima-se de gêneros jornalísticos diferenciados.

Ainda assim, a prática da pirâmide deitada não precisa ser encarada como um antagonismo ao esquema da pirâmide invertida, já que os nós hipermidiáticos provam ser possível a formatação da leitura não linear também no clássico modelo jornalístico, numa postura evolutiva, e não dissociativa, da organização noticiosa. Talvez este seja um motivo pelo qual diversos autores ainda defendam a manutenção da pirâmide invertida no jornalismo factual.

Independentemente do modelo noticioso adotado, um produto hipermidiático de boa qualidade exige um bom roteiro para entrelaçar os links, constituir um discurso coerente e comunicar bem. Ele deve pensar as possibilidades de uso da mídia e cativar o público: “Mais que cativar, o roteiro da hipermídia pode e deve ser um instrumento potencial de educação para a mídia” (CANAN, 2012, p. 144). Ao incentivar a liberdade do internauta para um usufruto mais complexo e plural dos conteúdos midiáticos formatados na web, o jornalismo contribui para a construção de um conhecimento cada vez mais consistente e duradouro.

Referências:

CANAN, Adriane. A não linearidade do jornalismo digital. IN: FERRARI, Pollyana (Org.). Hipertexto, Hipermídia: as novas ferramentas da comunicação digital. 2. ed. São Paulo: Contexto, 2012.

CANAVILHAS, João. Webjornalismo: da pirâmide invertida à pirâmide deitada. IN: BARBOSA, Suzana (Org.). Jornalismo Digital de Terceira Geração. Covilhã: LabCom – Universidade da Beira Interior, 2007. [e-book]. Disponível em: <http:// www.livroslabcom.ubi.pt/pdfs/20110824-barbosa_ suzana_jornalismo_digital_terceira_geracao.pdf>. Acesso em: 08 set. 2013.

PRADO, Magaly. Webjornalismo. Rio de Janeiro: LTC, 2011.

Ana Célia de Sá é jornalista e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM-UFPE).

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Opinião

A mercantilizaç ão das editoras do conhecimento cientifico

De acordo com os rankings internacionais, a produção do conhecimento cientifico das mais reconhecidas e reputadas universidades está no centro do sistema acadêmico mundial e não nos países periféricos ou do sul, ou seja, está concentrada nos países mais ricos e desenvolvidos. Isto não é apenas uma casualidade e um reflexo do modo eurocêntrico da reprodução das instituições. De fato, os grandes centros universitários mais prestigiosos do mundo situam-se nos países desenvolvidos, salvo pouquíssimas exceções em alguns países emergentes tais como as Universidades da China (Pekin, Tsinghua, Shangai), Korea, Africa do Sul, rankeadas nas seguintes posições: os lugares 35, 38, 62, 104 e 148, respectivamente de acordo com o Ranking QS The Top Universities 20152016, e as universidades de Brasil, Mexico e Chile nos lugares 121, 122 e 137 no mesmo ranking.

No tocante às revistas cientificas reconhecidas internacionalmente nas mais diversas áreas do conhecimento, acontece algo similar. Antes da globalização, e da era da conectividade global, as publicações cientificas se concentravam em editoras universitárias sem fins de lucro, as quais eram administradas pela comunidade acadêmica através de acadêmicos respeitados nos mais diversos campos disciplinares.

Com o advento da hiper conectividade, uma espécie de anarquia, com a falta de regras e normas, está invadindo a comunidade científica (Altbacht, 2012). Havendo mais de 250 milhões de estudantes no mundo, em mais de 23 mil universidades, o ensino superior passou a figurar aos olhos das empresas como um seg-

mento aberto ao lucro.

Uma pequena porção dessas instituições de ensino superior estão nos rankings internacionais, os que medem a produção da pesquisa conformando um grupo de elite acadêmica. Em torno destas instituições universitárias, as agencias acreditadoras internacionais da qualidade do ensino operam de acordo com padrões chamados “de classe mundial”. O jogo da competição, assim, se fortalece agora na produção do conhecimento.

Os quatro grandes grupos editoriais mais importantes do mundo são de editores científicos, os quais vendem, especialmente, ao mundo universitário, o acesso ao conhecimento por meio de base de dados. Estes quatro grandes grupos editorias são: Pearson e Willey-Blackwell (Reino Unido), Springer (Alemanha) e Elsevier (Estados Unidos e Holanda). Como amostra, a multinacional de meios de comunicação Thomson Reuters vendeu na bolsa as suas ações vinculadas à produção acadêmica e cientifica por 3.200 milhões de dólares. Ver em http://www.expansion.com/empresas/tecnologia/2016/07/11/5783ccaf468aebba148b45c6. html. As editoras antes mencionadas são importantes, entre outras coisas, porque elas são o meio usados pelos pesquisadores das universidades para a publicação periódica de artigos reconhecidos a nível mundial. Outro exemplo: Elsevier e Thomson Reuters são donos de Scopus e Web of Science, as bases de dados de alto impacto na produção científica, o que leva a uma cadeia perversa sobre o ranking das universidades. Estes grupos editoriais representam verdadeiros oligopólios

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para a comunidade acadêmica internacional. As negociações com os compradores destas bases de dados é por “pacotes”, e quanto maior for a quantidade de dados comprados nestas bases, menor é o preço por subscrição a revistas individuais. Só a França paga mais de 30 milhões de euros por ano a Elsevier pelo seu pacote de revistas cientificas.

RandySchekman, biólogo norteamericano e premio Nobel de Medicina 2013, escreveu “Eu sou um cientista. O meu é um mundo profissional, onde grandes coisas são alcançados pela humanidade. Mas é marcado por incentivos inadequados. Os sistemas vigentes de reputação pessoal e progressão na carreira significa que as maiores recompensas são muitas vezes o mais marcante para o emprego, não para a melhor ciência.... Todos sabemos o que os incentivos distorcidos fizeram, a partir dos sistemas financeiro e bancário. Os incentivos oferecidos para meus colegas profissionais exigem a publicação em revistas de prestígio, principalmente Nature, Cell e Science. Supõe-se que estas publicações de luxo são o sinônimo da qualidade, publicando apenas as melhores pesquisas. As comissões responsáveis pelo financiamento e nomeações usam frequentemente o local de publicação como um indicador da qualidade do trabalho científico. Por isso, aparecer nessas publicações, muitas vezes, acarreta subsídios e cátedras. Mas a reputação das grandes revistas só é garantida até certo ponto..”. (http://www.cs.trinity.edu/rjensen/temp/AccounticsDamn.htm)

Essas revistas promovem suas marcas de forma agressiva para levar à venda de mais assinaturas como maneira de encorajar maiores investigações. Como estilistas que criam “bolsas ou roupas de edição limitada”, eles sabem que a escassez aumenta a demanda, de modo que artificialmente restringem o número de itens que eles aceitam. Essas marcas exclusivas são comercializadas através de um esquema chamado “fator de impacto”, uma pontuação dada a cada revista que mede o número de vezes que o trabalho de investigação é citado posteriormente em outros artigos. A teoria é que os melhores artigos são citados com mais frequência, para que as melhores publicações possam obter a maior pontuação.

O mesmo agrega R. Schekman: “É comum que muitas revistas estejam incentivando aos acadêmicos pelo fator de impacto que possuam. Mas, como a pontuação da publicação é uma média, diz pouco sobre a qualidade de qualquer investigação particular. Além disso, as citações estão relacionadas à qualidade, às vezes, mas não sempre. Um artigo muito citado pode ser porque é um bom trabalho científico, ou porque é impressionante, provocador ou errado”. Assim, as revistas são levadas a aceitar artigos de alto impacto, sem especificar o motivo do grande número de citações que obtiveram. Além disso, como esse impacto está dado pelas publicações do centro e não da periferia, a maior parte das

vezes, o sistema tende a perpetuar iniquidades, fato demonstrado por pesquisadores do Canadá quando evidenciaram que, no campo das ciências sociais, três dos grandes grupos editoriais científicos internacionais (Elsevier, Taylor & Francis e Wiley-Blackwell) somaram no ano de 2013 o equivalente a 50% dos artigos publicados no mundo inteiro. Relevante também é o fato da Geographies of world´s Knowledge ter mostrado que, no ano 2011, Estados Unidos e Reino Unido publicaram conjuntamente um numero maior de revistas indexadas de que a soma de todo o resto do mundo.

Uma reação frente aos altos preços que as bibliotecas têm de pagar levou ao desenvolvimento do chamado “movimento de acesso aberto” (open Access). Esta é uma iniciativa para criar novas revistas com o objetivo de oferecer um acesso mais barato ou de livre acesso ao conhecimento.

Outro problema dramático é que o número de revistas e artigos aumenta vertiginosamente e isso desafia o sistema tradicional de arbitragem para revisão por pares. Neste contexto, é cada vez mais difícil encontrar avaliadores de artigos que tenham capacidade e sensibilidade suficiente para executar esta tarefa, bem como editores de revistas talentosos. Ambas as atividades, apesar da sua importância, são atividades que exigem muito tempo, e elas não são adequadamente remuneradas. Além disso, essas tarefas de revisão e avaliação, a maior parte das vezes, são realizadas anonimamente com o único objetivo de contribuir para a ciência e a disseminação do conhecimento. “Hegemonia cultural”? Certamente, mais as vozes da comunidade acadêmica internacional e dos estudantes estão se levantado, de forma cada vez mais forte, para mudar o atual esquema da mercantilização do conhecimento cientifico, por outras formas mais participativas e inclusivas.

Referências:

Altbach G. Philip.Anarchy, Commercialism, and “Publish or Perish”. INTERNATIONAL HIGHER EDUCATION, No. 67, Spring, 2012 Pages 5-7.

Flick, Corinne.Geographies of world´s Knowledge. London, 2011.

Ranking QS The Top Universities 2015-2016 (https:// www.topuniversities.com/university-rankings/bricsrankings/2015#sorting=rank+country=+stars=false +search).

Jean De Mulder Fuentes é Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco, UFPE.

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Opinião

Jeremy Corbyn e a Eleição Parlamentar Britânica de 2017

Quando Theresa May convocou eleições antecipadas no dia 18 de Abril, e que acabou acontecendo no dia 8 de Junho, ela estava totalmente convicta de que venceria o processo eleitoral de forma esmagadora. As pesquisas estavam dando aos Conservadores uma vantagem de 15% sobre o Partido Trabalhista, e a maioria dos comentadores políticos parecia acreditar que o Partido Trabalhista estava em um declínio terminal. Mas, na tarde de 9 de junho, ficou claro que os conservadores tiveram sua maioria na Câmara dos Comuns diminuida em 13 lugares e o Partido Trabalhista ampliava em 30 lugares, atingindo seu recorde, elevando o número de deputados de 232 Para 262. O que Jeremy Corbyn fez pelo Partido Trabalhista foi algo simplesmente notável. Ele realizou a campanha quase sozinho enquanto a maioria dos deputados trabalhistas se escondia e dizia abertamente que o Partido Trabalhista perderia as eleições de forma desastrosa. Se os deputados trabalhistas tivessem apoiado abertamente Corbyn, o Reino Unido teria agora um governo trabalhista no dia 9 de junho. Este foi o preço que o país pagou pelo fato de os deputados trabalhistas não terem respeitado a vontade da associação de base do Partido. Agora, Theresa May permanecerá como Primeira Ministra com base no apoio do Partido democrático Unionista da Irlanda do Norte, provavelmente o partido mais reacionário da Europa, que representa apenas os protestantes da Irlanda do Norte e que caminha de forma agressiva sobre os sentimentos dos católicos. Que pena.

Corbyn foi eleito primeiramente como líder do Partido Trabalhista em setembro de 2015, com 59,5% dos votos dados pelos membros da base na primeira rodada e apesar da forte oposição dos deputados trabalhistas que sustentaram uma campanha de desdém, além da demonização contra ele feita pela Imprensa de direita na Inglaterra. Esse tipo de vitória convincente no primeiro turno é sem precedentes nas eleições de liderança do Partido Trabalhista. Na última eleição de liderança do partido em setembro de 2010, Ed Miliband garantiu apenas 34,3% dos

votos no primeiro turno.

A candidatura de Corbyn também provocou uma onda de novos membros afiliados que se juntaram ao partido, muitos dos quais eram jovens que nunca antes haviam se envolvido em ativismo político sob qualquer forma. No entanto, em vez de aceitar o apoio irresistível dos membros da base para Corbyn, a maioria dos deputados trabalhistas (172 de um total de 232) graciosamente aprovou uma moção de falta de confiança contra ele em 28 de junho de 2016. Isso precipitou uma nova Eleição de liderança no Partido Trabalhista, que teve lugar em 24 de setembro de 2016, na qual Corbyn ganhou novamente com uma participação ainda maior de votos ou 61,8%. Mesmo após essa vitória definitiva, a maioria dos deputados trabalhistas continuou declarando a sua desaprovação ao líder em inúmeras plataformas públicas.

O que estamos testemunhando no cenário político do Partido Trabalhista britânico hoje são dois níveis de alienação no processo de representação, uma dupla fratura na conectividade da confiança das lideranças parlamentares com sua base. Os deputados eleitos do partido não parecem representar a vontade dos membros de base e, por sua vez, não se sentem aptos a apoiar o líder que demonstrou claramente em duas ocasiões distintas que ele é aquele que incorpora essa vontade. Esta dupla fratura começou a acontecer durante o longo período de domínio do Partido Conservador entre 1979 e 1997, primeiro sob o comando de Margaret Thatcher, que havia introduzido uma forma feroz e predatória de capitalismo na política britânica, e depois sob John Major. Toda uma geração de eleitores jovens com menos de 40 anos não tinha visto nada além do governo do Partido Conservador e não tinha memória do que uma ausência da política tão longa do Partido Trabalhista poderia significar na prática. Sob a pressão da constante propaganda capitalista da imprensa de direita e repetidas derrotas do Partido Trabalhista nas eleições, uma crença parece ter sido estabelecida, no seio de uma seção da liderança do Partido Trabalhista, que o partido

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jamais conseguiria ganhar uma eleição lutando por uma plataforma de justiça social, igualdade e tributação progressiva, capaz de dar sustentação ao estado de bem-estar social. Isso representou uma erosão da fé no princípio central do socialismo em que o partido foi fundado. Imediatamente após o final da Segunda Guerra Mundial, o Partido Trabalhista sob a liderança de Clément Attlee ganhou as eleições e formou o primeiro governo do pós-guerra da Grã-Bretanha. Numa época em que a economia britânica estava quase em falência sob a pressão de ter de combater uma guerra que durou cinco anos, o partido teve a coragem de estabelecer um Serviço Nacional de Saúde, que até hoje oferece cuidados de saúde gratuitos e de igual qualidade para todos os cidadãos ricos e pobres, um programa de habitação social que oferece habitação gratuita a todas as famílias que não podem pagar e abriram a educação universitária gratuita para todas as classes de homens e mulheres jovens, fornecendo subsídios a todos os estudantes que obtivessem a admissão em uma universidade. O partido na época não viu a necessidade de se esconder atrás da desculpa padrão das altas e ricas camadas da sociedade, para quem “a economia não pode pagar isso”. O fato do Partido Trabalhista ter começado a perder a fé em seu fundamental princípio de justiça social esteve, provavelmente, entre as piores regressões na cultura política do século XX.

Foi naquela atmosfera de desesperança na classe trabalhadora na Grã-Bretanha que uma figura relativamente nova no movimento trabalhista chamado Tony Blair passou a ser eleito como líder do Partido Trabalhista, em 21 de julho de 1994, e que acabou por derrotar uma figura que há muito liderava o Partido com base nos princípios esquerdistas do partido, John Prescott. A trajetória da carreira política de Blair apresentou um caso não muito incomum de uma pessoa que, em seus primeiros anos de consciência política, detém as visões socialistas, mesmo marxistas, mas que se desloca gradualmente para o extremo oposto do espectro político, para terminar defendendo as idéias opostas de predadores capitalistas, que, em conteúdo ideológico, se não em detalhes práticos, não está longe do fascismo. Estas são as pessoas que representam a maior ameaça à política de justiça social, igualdade e dignidade humana, tornando-se tão dolorosamente evidente durante o período de primeiro ministro de Blair (1997-2007). Mesmo antes de se tornar o primeiro-ministro, ele havia sinalizado para uma ruptura com a tradição socialista de seu

partido ao chamá-lo por um novo nome, New Labor. Durante seus anos como primeiro ministro, ele reposicionou firmemente seu partido à direita do espectro político, às vezes mais à direita do que o Partido Conservador. O dano duradouro para as perspectivas políticas de médio e longo prazo da esquerda foi feito pela engenharia social que ele praticou para alcançar seu objetivo exclusivo de ganhar eleições. Ele levou sua mensagem através de todos os seus discursos e meios de que era impossível ganhar uma eleição na Grã-Bretanha, concentrando-se na justiça social e na igualdade e que as pessoas sempre votariam por um partido que promete oportunidades de crescer, de enriquecer, por mais ilusório que isto seja. Ele rompeu a política trabalhista tradicional de construir uma aliança com as classes mais pobres e médias dos desempregados, trabalhadores manuais, trabalhadores profissionais e pequenas empresas e substituiu tudo isso por uma nova aliança de classes médias e aquelas mais ricas. E também se certificou de que apenas aqueles que demonstrassem compromisso com essa nova reconstrução política seriam selecionados como candidatos à eleição para o parlamento. A chegada de Corbyn como líder do Partido Trabalhista e seu brilhante desempenho na eleição de 8 de junho, acabou por fazer surgir uma nova esperança depois de muitos anos sem que a esquerda na Grã-Bretanha, a verdadeira esquerda, e não a esquerda falsa de Blair, pudesse novamente formar um governo em um futuro não muito distante, o que começará a reconstruir uma sociedade baseada na justiça social, na igualdade e na dignidade humana. Para isso, ele terá que ser um pouco mais implacável e um pouco menos gentil e começar, no seio do PartidoTrabalhista, um processo capaz de desequilibrar os deputados da facção Tony Blair e escolher novos candidatos ao parlamento vinculados e comprometidos com os autênticos princípios determinantes do Trabalhismo nos círculos eleitorais. Isso precisa ser realizado antes da nova eleição, que acontecerá muito mais cedo do que Teresa May desejaria.

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Suranjit Kumar Saha é Professor Sênior na Universidade de Swansea, País de Gales/Reino Unido, e Professor Visitante na Universidade Federal de Pernambuco.

Opinião

Vale revisitar a história e a utopia mangue

Em 1994, eram lançados dois álbuns que fariam história no Brasil, mas também lá fora: os seminais Da Lama ao Caos, de Chico Science & Nação Zumbi (Chaos/Sony Music), e Samba Esquema Noise, do mundo livre s/a (Banguela Records/Warner Music). Depois deles, nunca mais a música brasileira foi, nem será, a mesma. Tampouco o Recife, então rebatizada de Manguetown. Não por acaso, Da Lama ao Caos é apontado como um dos mais importantes álbuns da música brasileira.

Na verdade, quando os dois álbuns foram lançados, a chamada “cena Mangue” já tinha gerado um punhado de bandas e pelo menos um manifesto, o “Caranguejo com Cérebros”, redigido por Fred Zeroquatro, líder do mundo livre s/a, originalmente um release para divulgar as ideias que tanto agitavam a cidade desde o Pina até o Alto José do Pinho. Ou o inverso.

Mas, um ano antes, os “mangueboys” já tinham enfrentado a estrada - literalmente - em direção ao Sudeste, embalados pelos ecos da primeira edição do festival Abril Pro Rock. Impressionaram públicos e alguns executivos de grandes gravadoras, que toparam transformar aquela estranha batida (beat) em bits, mas também em som analógico, pois vivíamos a transição entre os dois formatos (LP e CD).

O jornalista e DJ Renato L., então conhecido como o “ministro da informação” da Manguetown, costuma lembrar o dia em que, no início dos anos 1990, um eufórico Chico Science relatou o encontro que tivera com o pessoal do Lamento Negro, grupo percussivo ligado à organização não-governamental Daruê Malungo. Logo, Science estava chamando de “Mangue” o groove que começara a fazer com os “malungos”. E na agora Seattle brasileira - no passado também provincianamente chamada de Veneza brasileira, sobretudo por sua elite - Science, Zeroquatro, Renato L., Mabuse, entre outros, já estavam contaminados por ideias e desejos de criar uma “cena”, algo coletivo, e não apenas fazer música ou pura agitação cultural.

Mas a cena tinha que ser tão rica e diversificada quanto os manguezais da cidade, arriscava Zeroquatro. Assim, ainda que intuitivamente, surgia o conceito que faltava para dar conteúdo à “cena”. E com uma antena parabólica enfiada na lama, pois a Internet e a TV a cabo apenas engatinhavam entre nós, tinha início a desobstrução de rios e canais da Manguetown, aliás, suas veias e artérias.

Embora Chico Science já tivesse escrito “Cidade” (Da Lama ao Caos, 1994) e Etnia (Afrociberdelia, 1996), e todos cantassem “Quando a Maré Encher”, da banda Eddie, os “mangueboys” ainda não tinham “descoberto” Josué de Castro e os “homens caranguejos”. Isto é, como descreveu Josué de Castro em seu romance Homens e Caranguejos, que agora completa 50 anos, aqueles “seres humanos feitos da carne de caranguejos, pensando e sentindo como caranguejos. Seres anfíbios - habitantes da terra e da água, meio homens e meio bichos”. Teria sido o jornalista José Teles, autor do livro Do Frevo ao Manguebeat (Editora 34, 2000), quem pavimentou a ponte entre os que se referiam ao mangue e aos “caranguejos com cérebros” e a obra de Josué de Castro povoada de “homens caranguejos”. Assim, Science e Zeroquatro, em especial o primeiro, perceberam que um passo à frente e ninguém estaria mais no mesmo lugar. E os primeiros álbuns lançados em 1994 deram o norte definitivo à andada dos “mangueboys” e das “manguegirls”.

Linha evolutiva

Em 1966, Caetano Veloso, em depoimento à Revista Civilização Brasileira, se referiu à necessária “retomada da linha evolutiva da música popular brasileira”. Para ele, tal processo deveria ter como base a criação de algo que tomasse como ponto de partida a Bossa Nova, dos anos 1950-60. Já nos 1960, caberia ao Tropicalismo, portanto, assumir essa tarefa. Mas, como escreveu o garanhuense nascido nos Estados Unidos Arto Lindsay, diferentemente da Bossa Nova

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- que pode ser encarada como resultado da fusão do samba carioca, que teve seu ritmo desacelerado na batida do violão de João Gilberto, com o Jazz norte-americano, mas não tanto no violonista e cantor baiano e sim em seus antecessores -, o Tropicalismo resultaria em colagem de ideias e imagens contemporâneas, a partir do uso da guitarra elétrica, e na releitura de ritmos populares, entre eles o samba, e até o bolero, e não na fusão de alguns desses ritmos ou estilos com o rock, por exemplo.

É relevante ressaltar uma observação feita pelo compositor e cantor norte- americano Bob Dylan, em seu livro Crônicas, de 2004, no que deveria ser o primeiro volume de suas memórias, a propósito do fato de ele estar se afastando do universo folk ou dando-lhe uma feição mais rock and roll. E, assim, fazer as pedras rolarem, insatisfeito, quem sabe, com as respostas sopradas pelos ventos às suas inquietações... Com efeito, a certa altura dos anos 1960, lembra Dylan, “artistas latinos também estavam quebrando regras. Artistas como João Gilberto, Roberto Menescal e Carlos Lyra estavam libertando-se do samba infestado de percussão e criando uma nova forma de música brasileira com modulações melódicas. Eles a chamavam de bossa nova”. E completa explicando a alquimia que, ele, Dylan, entende ter criado no hemisfério norte ao mesmo tempo da criação da Bossa Nova: “Quanto a mim, o que fiz para me libertar foi pegar modulações simples do folk e colocar imagens e atitudes novas, usar fraseados que capturavam a atenção e metáforas combinadas com um novo conjunto de costumes que evoluíam para algo diferente, que não fora ouvido antes”. Caetano Veloso faz referência a essas observações do “bardo judeu romântico de Minnesota” na música “A Bossa Nova é Foda”, que abre o seu último álbum, Abraçaço.

Hoje, quiçá dando sentido à afirmação de Caetano Veloso, talvez possamos considerar que, assim como na economia, também na música nossos anos de 1980 foram quase totalmente perdidos. De fato, enquanto as rádios FMs proliferavam no País com uma MPB pasteurizada e o rock brasileiro reproduzia com 10 anos de atraso a “new wave” londrina, sem acrescentar-lhe muita coisa, musicalmente Caetano Veloso e Gilberto Gil desperdiçavam os seus talentos compondo para trilha sonora de novelas globais e só

gerariam um álbum realmente importante no cabalístico ano de 1993, o Tropicália 2. Enquanto isso, o marginalizado e mais insistentemente tropicalista Tom Zé já havia sido redescoberto pelo olhar estrangeiro, no caso David Byrne, ex-líder do Talking Heads. E Arrigo Barnabé e a Banda Sabor de Veneno e Itamar Assumpção e a Isca de Polícia mostravam que, pelo menos musicalmente, para a geração seguinte a de Caetano e Gil nem tudo estava totalmente perdido.

Mas, a exemplo da Bossa Nova, o Manguebit (ou Manguebeat – termos que até hoje estão em seus discursos, na mídia e nos estudos acadêmicos, e encerram três das ideias mais caras à cena recifense: o mangue, a batida musical e o uso de novas tecnologias), fez novas fusões, e não apenas colagens. Nele, fundiram-se a música pernambucana (maracatu, ciranda, embolada, coco e outros ritmos) e a black music norte-americana (funk, soul, rap...) e o velho e bom rock britânico. E assim como a Bossa Nova influenciou o Jazz, o Manguebit tem feito o mesmo com o rock e outros ritmos. Para tanto, bastou a lama dos mangues, com seus seres anfíbios, miséria e fome, e sua riquíssima biodiversidade, segundo a visão de Josué de Castro. De fato, Da Lama ao Caos nada mais é do que isso. Já Samba Esquema Noise vai um pouco além, pois acrescentou ainda uma pitada do punk londrino, Jorge Ben (assim, sem o Jor) e o som de um inusitado cavaquinho.

Portanto, na era - que se denominava apressadamente de - pós-vinil, foram tais discos que deram nova dimensão à ideia de “álbum” como algo conceitual, sobretudo porque têm influenciado a produção musical desde então. Assim, colocam-se, sem favor algum, ao lado de clássicos como Chega de Saudade (João Gilberto, 1958), Afro Sambas (Baden Powell e Vinícius de Moraes, 1966), Panis et Circense (Vários, 1969), Acabou Chorare (Novos Baianos, 1972), Ou não (Walter Franco, 1973), A Tábua de Esmeralda (Jorge Ben, 1974), Joia e Qualquer Coisa (Caetano, 1975), Minas e Gerais (Milton Nascimento, 1975 e 1976), a trilogia Refazenda, Refavela e Realce (Gil, 1975, 1977 e 1979), Estudando o Samba (Tom Zé, 1976), Clara Crocodilo (Arrigo Barnabé, 1980) e beleléu leléu eu (Itamar Assumpção, 1980), para citar alguns anteriores aos dois.

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Utopia e História

Ouvir os discos Da Lama ao Caos e Samba Esquema Noise, e o mesmo pode-se dizer de Afrocibederlia e Aguentando a Ôia, ambos de 1996 - e lê-los - é fundamental para entender a utopia mangue. Ou seja, desobstruir veias e artérias do Recife, seus manguezais, rios e canais, e revitalizar a diversidade daqueles estuários, pelo menos no campo das ideias e dos desejos. Pois, como já dizia Renato L, na - agora rebatizadaManguetown: “de monocultura, basta a da cana-de-açúcar”. Desde então, o surgimento de inúmeras e diversificadas bandas, músicos, cantores e cantoras com discos gerados e paridos a partir da cadeia produtiva estabelecida no Recife são exemplos de que os “homens caranguejos” retratados por Josué de Castro, então condenados a morrer atolados nos mangues, saltaram da lama e dos caritós e ganharam o Brasil e o mundo. É por isso, aliás, que mais de 20 anos depois do lançamento dos álbuns de estreia das duas bandas, podemos revisitar a utopia, que, como se vê, já é História.

Josué de Castro e os “homens caranguejos” ou “caranguejos com cérebros”. Voltemos novamente a 1993, ano que correspondia ao 20º ano da morte do cientista pernambucano Josué de Castro (1908-1973). Naquela ocasião, ainda sem terem estreado em discos, as bandas Chico Science & Nação Zumbi e mundo livre s/a encaravam o então inevitável percurso Recife-São Paulo atrás de alguém disposto a “bancar” seus primeiros álbuns. Passados mais de 20 anos daquela viagem e no quinquagésimo aniversário de Homens e Caranguejos é relevante destacar a influência da obra de Josué de Castro, sobretudo o seu único romance, sobre o que os “caranguejos com cérebros” começavam a aprontar. Assim, logo se verá que esta pode ser tomada como importante base conceitual do manguebeat / manguebit, além de mostrar a riqueza e a persistência da obra de Josué de Castro e o fato de que poucos trataram de maneira tão própria e precisa o Recife, sua geografia física e humana, e sua cultura, como ele e os “mangueboys”.

Nos anos 2000, os estudos pioneiros de Josué de Castro sobre a fome - tema que em sua época era tabu no meio acadêmico - foram e vêm sendo objeto de novas edições e leituras. Também ganharam novo impulso,

sobretudo do ponto de vista político, a partir das iniciativas dos governos do ex-presidente Lula para erradicar a fome e a miséria no País. Mas, até a reedição do clássico Geografia da Fome (1946) e do romance Homens e Caranguejos, pela Civilização Brasileira, em 2001, foi mesmo na chamada “cena mangue” que eles começaram a tornar à superfície com mais vigor. E, para que se tenha uma ideia da influência de Josué de Castro sobre os “mangueboys”, deve-se começar lendo o “Prefácio um tanto gordo para um romance um tanto magro”, de Homens e Caranguejos, e o manifesto “Caranguejos com Cérebros”, do Manguebit, encartado no álbum Da Lama aos Caos (1994), de Chico Science e Nação Zumbi. De fato, a estrutura e o conteúdo do manifesto parecem contidos no Prefácio. Ou seja, “Mangue, o conceito; Manguetown, a cidade; Mangue, a cena”.

Mas não é só. Para uma medida mais exata dessa influência, pode-se cotejar “Rios, Pontes e Overdrives”, também gravada no primeiro álbum do mundo livre s/a, Samba Esquema Noise, que ressalta as “impressionantes esculturas de lama” e percorre longo itinerário pela periferia de Recife (“É Macaxeira, Imbiribeira, Bom Pastor, é o Ibura, Ipsep/... Santo Amaro, Madalena.../... é Brasilit, Beberibe, CDU/ Capibaribe e o Centrão”) com o trecho do Prefácio, no qual Josué de Castro afirma que “o fenômeno da fome se revelou a [seus] olhos nos mangues do Capibaribe, nos bairros miseráveis da cidade do Recife: Afogados, Pina, Santo Amaro, Ilha do Leite”.

Pode-se comparar também “Antene-se” (“Recife, cidade do mangue/ Incrustada na lama dos manguezais/ Onde estão os homens caranguejos ...”), “Da Lama ao Caos” (“O sol queimou, queimou a alma do rio/ Eu vi um chié andando devagar/ Vi um aratu pra lá e pra cá/ Vi um caranguejo andando pro sul/ Saiu do mangue, virou gabiru/ Oh, Josué, eu nunca vi tamanha desgraça ...”) e “Risoflora” (“Eu sou um caranguejo e estou de andada ...”) com o que Josué de Castro escreveu para explicar que não foi na Sorbonne que tomou conhecimento daquele fenômeno, mas na “lama dos mangues do Recife, fervilhando de caranguejos e povoada de seres humanos feitos de carne de caranguejos, pensando e sentindo como caranguejos”.

Embora a temática do Prefácio esteja mais nítida nos trabalhos de Science, em especial

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nos dois primeiros discos, é possível observá-la também no já citado “Samba Esquema Noise”, do mundo livre s/a. Por exemplo, “Cidade Estuário” (“Maternidade, diversidade, salinidade/ Fertilidade, produtividade/ Recife, Cidade, Estuário/ Recife, Cidade, És tu .../ Água salobra, desova e criação/ Matéria orgânica, troca e produção’”) refere-se à formação natural da cidade, tema tratado assim por Josué de Castro no Prefácio: “Os mangues iam assim apoderando-se da vida de toda aquela gente [...]. Estas estranhas plantas que, em eras geológicas passadas, se tinham apoderado [dessa] fossa pantanosa onde hoje assenta a cidade do Recife [...]. Na verdade, foram os mangues [...], em grande parte, os seus criadores”.

Essa mesma ideia está expressa em Um Ensaio de Geografia Urbana: a cidade do Recife, de 1954, só reeditado em 2014, pela Massangana, em que Josué de Castro afirma o seguinte: “Chama-se mangue, mangal ou manguezal a um tipo especial de associação vegetal tipicamente anfíbia, que prolifera nos solos de transição entre os tratos de verdadeira terra firme e os ocupados permanentemente pela água - nas regiões equatório-tropicais do mundo.”

Voltando à música, lembro que em “Afrociberdelia”, segundo disco de Chico Science & Nação Zumbi, há ainda três músicas sobre o tema: “Corpo de Lama” (“se o asfalto é meu amigo eu caminho/ como aquele grupo de caranguejos/ ouvindo as músicas do trovão/... fiquei apenas pensando/... há muitos meninos correndo em mangues distantes...”), “Cidadão do Mundo” (“é o zum zum zum da capital/ só tem caranguejo esperto/ saindo desse manguezal/ eu pulei, eu pulei/ corria no coice macio/ encontrei o cidadão do mundo/ no manguezal da beira do rio/ Josué! ...”), que é uma referência explícita a Josué de Castro - “sou um homem interessado no espetáculo do mundo”, dizia ele - e, por último, a emblemática “Manguetown”, espécie de hino às avessas do Recife (“estou enfiado na lama/ é um bairro sujo/ onde os urubus têm asas/ e eu não tenho asas/ mas estou aqui em minha casa/... vou pintando, segurando as paredes do mangue do meu quintal/ manguetown/ andando por entre becos/ andando em coletivos/ ninguém foge ao cheiro sujo/ da lama da manguetown/ ... ninguém foge à vida suja dos dias da manguetown”).

Tais versos podem ser entendidos, en -

fim, como uma releitura do Prefácio e do próprio romance, na medida em que Josué de Castro já caracterizara os “homens caranguejos” (“caranguejos com cérebros”) e seu cotidiano como “seres anfíbios habitantes da terra e da água, meio homens e meio bichos. Alimentados na infância com caldo de caranguejo: este leite de lama. Seres humanos que se faziam assim irmãos de leite dos caranguejos. Que aprendiam a engatinhar e a andar com os caranguejos da lama e que depois de terem bebido na infância este leite de lama, de se terem enlambuzado com o caldo grosso da lama dos mangues, de se terem impregnado do seu cheiro de terra podre e de maresia, nunca mais se podiam libertar dessa crosta de lama que os tornava tão parecidos com os caranguejos, seus irmãos”. Não à toa, ele próprio chamou esse livro de memórias de “o romance do ciclo do caranguejo”.

Mas o ciclo foi abalado pela urbanização, que feriu os manguezais do Recife e suas veias (os rios). Tal fato não escapou ao mundo livre s/a. Em Samba Esquema Noise, pode-se ouvir “Sob o Calçamento”, em que Fred Zeroquatro retrata o processo que levou à obstrução das veias (“Terra por si só/ não vira asfalto/ ... Onde há calçamento/ pode crer que havia Mangue”). No longínquo ano de 1954, no já citado Um Ensaio de Geografia Urbana, Josué de Castro antecipava essa visão ao ressaltar que o mangue se constitui no “componente preponderante do revestimento vegetal que recobria primitivamente a área hoje ocupada pela cidade do Recife.”

Nos anos seguintes, enquanto a Nação Zumbi, mesmo após a morte de Science, manteve diálogo com a obra de Josué de Castro, o que é visível na revisitação de “Quando a Maré Encher” e na nova “Caranguejo da Praia das Virtudes”, do disco S.AMB.A. (2000), o mundo livre s/a diversificou sua temática a partir do segundo disco, Guentando a Ôia. De toda forma, a influência de Josué de Castro já se mostrara decisiva na desobstrução das veias da cidade, ainda que o objeto usado para isso, uma antena parabólica, tenha sido enfiada na lama por “mangueboys” e “manguegirls”.

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 21
Túlio Velho Barreto é pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco - FUNDAJ.

Opinião

Orgulho e Preconceito

Aaté então improvável vitória de Donald Trump nas eleições estadunidenses ascendeu o alerta à comunidade internacional. Trump não é apenas um outsider político, é antes um outsider do Partido Republicano. Sem ponderação em suas propostas, o magnata do entretenimento soube utilizar seu perfil de showman para apresentar uma preocupante proposta particular.

O discurso que o levou a indicação do Partido Republicano foi uma retórica anti-imigrante, anti-muçulmana, antirracional, nacionalista e isolacionista. De maneira habilidosa, Trump assumiu sem compromisso o discurso em favor do trabalhador e antiglobalização. Apresentou uma agenda de valores culturais fora de certo consenso liberal e conservador, além de capturar a crítica progressiva da economia neoliberal, especialmente a crítica da globalização.

De uma só vez, se credenciou como um candidato fora do establishment político tão desgastado nas democracias ocidentais. E no discurso de vitimização dos Estados Unidos culpou estrangeiros e imigrantes. Porém, tudo isso não seria possível, contudo, se seu discurso não encontrasse ressonância em uma parcela importante do eleitorado dos EUA: uma classe média em declínio social. São as pessoas deixadas para trás com a globalização e a desindustrialização de seu país. Desde os anos 80 que os EUA vem desmontando sua indústria e se recolocando em país com baixo custo de mão-de-obra. Começou no México e América Central e hoje está na China e Índia.

Donald Trump não teve vergonha de ser patrono dos losers (perdedores) americanos. Embora ainda não sejam definitivos, dados ratificam essa ideia: metade dos eleitores de Trump parou de estudar antes ou durante o ensino médio. Menos de um quinto tem diploma universitário.

No campo da política internacional, afirmou que iria fazer uma Política Externa para “sacudir a ferrugem” e que duraria por “várias gerações” e isso ficou claro quando usou o mote de sua campanha presidencial de tornar os EUA gigante novamente (do inglês Make America Great Again, que, na era virtual das redes sociais, era replicada pela hashtag #MAGA) ou ainda de colocar a América em Primeiro Lugar (America First).

Usou toda sua verborragia agressiva durante a campanha. Afirmou que, para combater a Guerra ao Terror, torturaria os detidos e mataria intencionalmente as famílias dos terroristas ou ainda que Barack Obama e, por consequência, Hilary Clinton foram literalmente criadores do auto-intitulado Estado Islâmico (ISIS).

No campo da economia, não hesitou em assumir o contraditório discurso em defesa dos trabalhadores americanos e do mercado financeiro. Criticou os acordos de livre comércio pois eram os causadores do desemprego dos cidadãos estadunidenses, bem como ainda criticou abertamente as medidas de salvaguardas adotadas pelo ex-presidente Obama na crise financeira de 2008.

O que Trump não contou aos seu eleitorado é que o welfare state dos EUA está em pedaços: a santidade de como é vista a propriedade privada, a ideologia do estado mínimo, a fraqueza dos sindicatos, a falta de um partido trabalhista e o estabelecimento de uma forma de capitalismo sem limites. Mas isso foi ignorado por Trump ao atribuir às forças externas as causas da insegurança econômica dos EUA.

A crise financeira de 2008 igualmente ainda não conseguiu a aguardada recuperação econômica. Muito além das medidas adotadas ou não pelo governo dos EUA, o que está em jogo é o atual modelo de capitalismo que se consolidou, do qual só há uma ideia na formulação de políticas. O que se discute hoje são falhas no investimento tanto do setor público como do privado. Tais investimentos não impulsionam a produtividade e afetam sua distribuição da renda. Hoje as empresas financiadas não investem nas áreas de produtividade. Não fazem prospecção em crescimento futuro ou a invenção de novos produtos úteis. Há um determinismo de destinação dos recursos aos acionistas ou ainda acumular dinheiro em vez de aumentar os salários ou investir. Isso teve início nos anos 80 e não parou mais. As compras de ações são feitas para impulsionar os preços das próprias ações, as suas opções acionárias e o pagamento dos executivos.

Trump se comprometeu em reduzir impostos sobre rendimento, para liberar recursos da elite norte-americana e, assim, investir na economia interna. O magnata, todavia, usa a realidade

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de 40 anos atrás que simplesmente transporta para os dias de hoje. Isso porque, até a década de 80, os salários mantiveram a produtividade das empresas. Como os salários não conseguiram acompanhar os custos de vida, a dívida pessoal aumentou para cobrir as dívidas adquiridas. O aumento no endividamento pessoal deu, então, vida a novos tipos de instrumentos financeiros que retroalimentam a economia cada vez mais financiada. O crescimento do tamanho da intermediação financeira como porcentagem do PIB superou o crescimento no resto da economia.

Essa lógica do capital global ainda teve impacto prejudicial no papel que o Estado pode desempenhar no crescimento econômico. As correntes econômicas dominantes procuram minimizar o papel do Estado nas relações econômicas e ainda fez crer que essa atuação é maléfica.

Após a sua posse como presidente dos Estados Unidos uma série de derrotas foram impostas ao “candidato Donald Trump” e deram uma nova roupagem ao “presidente Donald Trump”. Com um quadro institucional estável e forte, os Estados Unidos forçaram o magnata a um caminho mais ponderado. O que se torna mais assustador é notar que o próprio Donald Trump acreditou no produto que ofereceu aos estadunidenses durante a campanha. Reconheceu que governar não era como esperava. “Pensei que seria mais fácil. É diferente de comandar uma empresa, aqui você precisa de coração, nos negócios, não”, confessou.

Suas derrotas começaram ainda nos 100 primeiros dias: 1) as propostas anti-imigração foram suspensas pelo judiciário por duas vezes; 2) o Muro que dividiria os EUA com o México enfrenta dificuldades legais, financeiras e ambientais; 3) a comissão para combater o “islamismo radical” não foi criada e permanece as medidas do governo Obama; 4) a saída da Parceria Transpacífico, o TPP, só fortalece a influência chinesa no comercio internacional e transforma em natimorto o acordo que só entrará (ou entraria) em 2018; 5) a China já não é a vilã manipuladora do câmbio, mas uma parceira importante na crise da Coréia do Norte.

Seus críticos igualmente não o pouparam. Chamam Trump de presidente narcisista e que, após sofrer derrotas constrangedoras, aceita com relutância posições mainstream. Já outros afirmam que Trump é infantil: não tem capacidade de se controlar e ataca críticos pelo Twitter. Desconhece fatos básicos de governança, de relacionamento com líderes estrangeiros e com homens dos mercados globais e, por isso, sua gestão ganhou o jocoso apelido de governança por meio de id (governance by id.).

Mas não se pode dizer que a realidade venceu por completo o magnata. O patriotismo econômico começa a ganhar contornos preocupantes. Trump prepara um plano de infraestrutura de 1 bilhão de dólares, em grande medida destinado à indústria bélica. Promover uma desregulação financeira comparável à da época de Reagan e Thatcher. Quando ordenou o ataque na Síria no início de abril teve apoio do Secretário Geral da, antes obsoleta e agora importante aliada, OTAN. Trump tirou os EUA da COP Paris e afirmou que romperá as relações diplomáticas reestabelecidas com Cuba.

Quando candidato, Trump afirmou que faria uma Política Externa por gerações. Mas a Doutrina Trump até agora é não ter doutrina. É simplesmente arregimentar pessoas capazes de refinar o programa de ideologia e política que eventualmente carregará seu nome. Tudo isso coloca o mundo em atenção. Em havendo um agravamento da crise política e/ou econômica ou um atentado terrorista, a reação do presidente dos EUA é imprevisível. É preciso lembrar que, na Política Externa americana, nada une as pessoas por trás do líder de forma mais rápida, reflexiva ou confiável do que a guerra. Não por coincidência que, desde 1989, há uma guerra para que cada um dos presidentes dos EUA possa chamar de sua. À época, sob a presidência de George Bush, pai de George W. Bush, os americanos atacaram o Panamá. Igualmente preocupante é a completa desconsideração de Trump aos direitos humanos tanto interna como externamente.

O orgulho de um retorno dos Estados Unidos gigante favoreceu o preconceito às claras na figura do atual presidente. Com a China despontando internacionalmente retomam os debates de quando ocorrerá a queda do poder Americano. A mudança na hegemonia é um fenômeno de longo prazo e essa discussão vem desde as Crises do Petróleo na década de 70. O fato é que o século XXI não será “americano” como foi o século XX. A vitória de um presidente do século XIX é só mais um indício.

Rafael Cacau Botelho é pesquisador do Instituto de Estudos da Ásia (IEÁSIA/UFPE); membro da Associação Latino-Americana de Ciência Política (ALACIP); mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE); especialista em Direito Público pelo Centro Universitário Maurício de Nassau; e Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

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Opinião

Interesses predatórios do Parlamento Brasileiro aceleram a Pilhagem Amazônica

Ter um Congresso nacional que trabalha em ritmo acelerado pela desintegração do País, seja na legislação trabalhista, seja na previdência social e em outras esferas relevantes, merece uma reflexão atenta dos eleitores brasileiros. Pois bem, no dia 16 de maio de 2017, a Câmara dos Deputados aprovou uma mudança nos limites da Floresta Nacional do Jamanxim (FLONA), no sudeste do Pará. A Medida Provisória 756, que altera limites de áreas de preservação ambiental no Pará e também em Santa Catarina, seguiu para votação no Senado.

A Floresta situada a 1.600 km da capital Belém, entre os municípios de Itaituba e Trairão, é um santuário de 1.300 mil hectares onde vivem muitas espécies nativas da Amazônia. O lugar foi demarcado através de decreto assinado pelo presidente Lula em 2006, mas sempre sofreu a ameaça da exploração predatória pela proximidade da estrada Cuiabá-Santarém. A região tem sido palco de frequentes conflitos fundiários, de atividades ilegais de extração de madeira e minérios, associadas à grilagem de terra e à ausência de regramento ambiental, com reflexos na escalada da criminalidade e da violência. A FLONA

do Jamanxim localiza-se em área que concentra as maiores taxas de desmatamento ilegal em unidades de conservação federais (68,48% de todo o desmatamento ilegal nas unidades de conservação federais na Amazônia). Somente a FLONA do Jamanxim representa 37,7% da taxa total de desmatamento (dados PRODES 2016 preliminar).

Pela proposta aprovada na Câmara, um trecho de 3.067,4 km² da Floresta, que corresponde a 24% de sua extensão segundo levantamento do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), seria transformado em uma área de proteção ambiental - a “Apa do Jamanxim”.

A negociação para a redução da proteção dessas áreas ocorreu visando tornar viável o licenciamento da ferrovia Ferrogrão, que pretende o escoamento da produção de grãos do Mato Grosso pelo porto de Miritituba, no Pará. O governo propôs apenas a desafetação de 860 hectares do Jamanxim, por onde passaria a ferrovia. Mas a frente parlamentar agropecuária viu a oportunidade de condicionar essa alteração de Unidade de Conservação à redução de proteção da parte ocupada da Floresta Jamanxim. Fica eviden -

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Fonte: Portal Amazônia

te nas emendas o que os parlamentares querem: ampliar a área para a pecuária e soja. É importante esclarecer que as Apas são um tipo mais brando de unidade de conservação, pois podem ter suas terras ocupadas e exploradas, enquanto as florestas nacionais só podem ser habitadas por famílias que já viviam na região antes da criação da unidade, utilizadas de forma sustentável e para fins científicos.

Para os especialistas, as alterações propostas pelo governo e pelo Congresso vão na direção do estímulo às invasões, o desmatamento nas Unidades de Conservação de todo o país.

O Ministério do Meio Ambiente, com base em estudos e pareceres técnicos do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), emitiu uma nota se manifestando contra a MP 756. Segundo o ministério, caso a proposta fosse aprovada no Senado, o MMA iria recomendar o veto da presidência, com base no levantamento do ICMBio.

É importante assinalar que desde 2016, o desmatamento da Amazônia voltou a subir, tendo alcançado 7.989 km2, o que representa um aumento de 29% em relação ao ano anterior.

O presidente Michel Temer, que havia prometido vetar o projeto caso aprovado pelo Congresso, acabou voltando atrás e, cumprindo promessa feita à bancada ruralista paraense, enviou ao Congresso no dia 13 de julho, um projeto de lei (PL) que retira 349 mil hectares ou 27% da Floresta Nacional do Jamanxim, no sudoeste do Pará. O objetivo é legalizar grileiros e posseiros dentro da área.

É sabido por todos que um dos principais problemas ambientais no Brasil, mas há outros muito graves, é o desmatamento ilegal e predatório. Por um lado as Madereiras que se instalam na região para cortar e vender troncos de árvores nobres. Por outro, os fazendeiros que provocam queimadas na floresta para ampliação de áreas de cultivo, sobretudo de soja e pecuária. Estes dois problemas preocupam cientistas, ambientalistas e cidadãos do país e do mundo, pela violência com que o capitalismo, suas multinacionais, o agrobusiness, com a complacência, senão com o estímulo de estados nacionais têm sido coniventes com a pilhagem do planeta, o que tem provocado desequilíbrios estruturais no ecossistema de uma região, que não apenas coloca em risco a floresta, mas o regime de chuvas, o aquecimento do clima em escala global.

A recente medida nefasta do Sr. Temer representa ainda um retrocesso nos esforços que o governo brasileiro vinha fazendo, até o Governo Dilma, para cumprir com os compromissos que

assumiu sob o Acordo de Paris, de combater o aquecimento global, por meio de metas de redução de emissões nas quais a luta contra o desmatamento e a valorização da floresta em pé têm importância central.

De acordo com o relatório do World Wildlife Fund, em 2014 “a humanidade está atualmente usando os recursos da Terra 50% mais rápido do que estes podem ser reabastecidos. Nos Estados Unidos, essa taxa é de quase 60%. E o pior, a evidência sugere que temos apenas anos, e não décadas, para restaurar o equilíbrio antes de transformar os sistemas naturais do planeta em ciclos irreversíveis que irão causar desastres em vastas partes da natureza e na vida de bilhões de pessoas ao redor do mundo. O livro de Klein This Changes Everything, que aconselho leitura a todos aqueles preocupados com a devastação do nosso habitat, aponta evidências e oferece um diagnóstico e uma estratégia para responder aos imensos desafios que temos pela frente. A causa fundamental desta crise ambiental, segundo a autora, está enraizada no capitalismo, na “mentalidade extrativista”, do lucro fácil e imediatista, sem atenção para as consequencias, mas também no padrão de consumo que adotamos e que começa a apontar seus efeitos perversos. Muitos cientistas que têm estudado seriamente o problema concordam com o diagnóstico feito por Klein sobre os efeitos do aquecimento: aumento do nível do mar, inundando centenas de grandes cidades costeiras; aquecimento dos oceanos, o abastecimento reduzido de água doce; padrões de agricultura radicalmente transformados; temperaturas muito altas em grandes cidades; alteração dos regimes de chuva e de tempestades. Ou seja, os efeitos são sistêmicos e o problema está em que um grande número de pessoas não acredita que o fenômeno já começou e que precisa de medidas duras para combatê-lo.

O Brasil poderia dar um exemplo ao mundo no combate ao aquecimento global, até por que é um país privilegiado em termos de recursos naturais. Mas a sua política atual caminha a passos largos como incentivador do desastre.

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Marcos Costa Lima é professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Federal de Pernambuco e Coordenador do Instituto de Estudos da Ásia (IEÁSIA/UFPE).

Opinião

Papas Kiril e Francisco: Comparando a ficção com a realidade

Quando da eleição do sucessor de Bento XVI, o mundo foi surpreendido pela escolha de um cardeal argentino, que tem tudo a ver com o perfil mudancista do atual Papa. Desde o início de seu Pontificado, Francisco vem se destacando pelo seu espírito reformista, traduzido em posicionamentos inovadores. Não obstante, há uma insuficiente compreensão de que a escolha de um Papa com o perfil do atual Pontífice não é, essencialmente, fruto do seu carisma, inspiração divina, ou do acaso. Nem de lance adredemente calculado, de quem entroniza um papa moderno apenas para legitimar-se perante os seus milhões de fieis.

Ao contrário, tal escolha expressa – e ao mesmo tempo, reforça – uma nova correlação de forças no âmbito da Igreja Católica, na perspectiva da consolidação de outra hegemonia. Esta, contudo, diferentemente do que ocorre em instituições leigas – só tem chances de efetivar-se se, não somente operar uma síntese dialética (político-ideológica) dos contrários, mas também obter respaldo em um aspecto que é peculiar àquela instituição: os valores do Evangelho, que a todos unifica.

Assim, o consenso reformista é alcançado quando o perfil de um prelado favorável a mudança se combina com o daquele que se destaca pelo fervor de suas convicções e práticas cristãs, que lembrem, tanto quanto possível, a de um santo. Essa combinação virtuosa permite o salto qualitativo, gerador de uma nova hegemonia.

Dessa forma, essa multissecular instituição demonstra, mais uma vez, capacidade de absorver os anseios de renovação, provenientes de seus milhões de fieis, conditio sine qua non de sua própria sobrevivência. Nesse sentido, a evocação de uma obra de ficção, de autoria do notável escritor australiano, Morris West, As sandálias do pescador, escrita em 1963, é, sob todos os aspectos, reveladora. Ela ajuda a compreender como o comportamento do Papa Francisco constitui uma projeção daquele vivido nos anos sessenta, por Kiril

Lakota, principal personagem do best seller de West – protagonizado no cinema pelo famoso ator Anthony Quinn. Posições frequentemente submersas e alimentadas por um fogo de monturo que, por vezes, encontra forças para fazê-las vir à tona.

Kiril era um prelado ucraniano, nomeado cardeal in pectore (secretamente) pelo papa, quando cumpria condenação a trabalhos forçados em um campo de concentração do regime stalinista. Tão logo libertado, os seus pares, com a morte do então Papa Pio XII, o escolheram para ocupar o trono de Pedro. São impressionantes as semelhanças entre Kiril e Francisco. Ambos, outsiders, praticamente desconhecidos fora da Cúria Romana, foram eleitos, surpreendendo a todos, para suceder papas conservadores, em momentos em que a Igreja Católica precisava aproximar-se do “comum dos mortais”. Com efeito, a primeira característica do Papa Francisco é a sua simplicidade e seu poder de comunicação, conforme demonstrado nos gestos simbólicos que praticou, quebrando o protocolo e misturando-se às massas. Já Kiril, o papa ucraniano, ostentava o mesmo comportamento. Uma das cenas mais marcantes do filme sobre esse papa mostra que, tão logo eleito sucessor de Pedro, escapa secretamente da residência papal para passear anônimo nas ruas de Roma, buscando, nos contatos com o homem do povo, quebrar o isolamento imposto pela hierarquia do Vaticano. Diferença abissal de comportamento – os de Kiril e de Francisco – comparados com seus antecessores, os aristocráticos Papas Pio XII e Bento XVI!

Contudo, por importante que seja a quebra do formalismo realizada por esses Papas, as similitudes, no plano das ideias, são ainda mais notáveis e prenhes de consequências práticas. Por exemplo, a posição assumida por Francisco, ao aceitar como verdadeira a teoria da evolução. Claro, compatibilizando tal aceitação com a crença em um Deus criador do mundo e dos homens. O papa da obra de ficção de Morris West também simpatizava com a supracitada teoria. E isto, há mais de

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cinquenta anos atrás, quando reinava, inconteste, a teoria criacionista!

No livro de Morris West, esse teólogo chamava-se Telémond, pseudônimo dado ao famoso padre canadense e, também, paleontólogo de renome, Teillard de Chardin. Vendo sua obra hostilizada pela Igreja e impedido por ela de divulgá-la, Télémond é vitimado por um ataque cardíaco e morre. O Papa Kiril, arrasado, não teve condições de se contrapor a decisão contra ele tomada pela Congregação do Santo Ofício. Nesse mesmo diapasão, se situa a amizade que une o Papa Francisco ao teólogo brasileiro Frei Beto, um dos principais expoentes mundiais da Teologia da Libertação e, também, amigo pessoal de Fidel Castro. Da mesma linha de pensamento de Leonardo Boff, punido pelo Cardeal Ratzinger, antes de se tornar Bento XVI, com um “silêncio obsequioso” pelo período de um ano, durante o qual ficou impedido de professar as suas ideias, inclusive de publicar.

Mas foi no domínio das relações internacionais que o Papa fictício Kiril Lakota mais demonstrou coragem no enfrentamento das forças conservadoras que lhe eram hostis, assumindo posição firmemente contrária à corrida armamentista. Em plena Guerra Fria, estabeleceu intensa interlocução com seu antigo algoz Kamenev – que havia se tornado, entrementes, Primeiro Ministro da União Soviética. Pode, assim, intermediar secretamente, com pleno êxito, o diálogo entre as duas superpotências atômicas da época– a União Soviética e os Estados Unidos, além da China – evitando que se concretizasse a ameaça de deflagração da Terceira Guerra Mundial.

Mais uma vez, impressiona a analogia entre a atuação do personagem de ficção de Morris West e a do papa argentino. Com efeito, a iniciativa de maior impacto político até agora tomada por Francisco foi precisamente a de aproximar dois antagonistas: Cuba, identificada com o modelo soviético de sociedade e de regime político, com o seu desafeto histórico: os Estados Unidos.

Essa aproximação espetacular não produziu o fim do bloqueio de cinquenta anos à ilha caribenha, mas desencadeou um processo que conduzirá ao seu término, caso os esforços em prol da paz venham a conquistar a hegemonia no âmbito internacional. Trump poderá, contudo, a curto prazo, vir a ser um importante obstáculo à essa perspectiva.

No que se refere às questões econômicas e

à crítica à atual ordem social injusta, as posições do Pontífice fictício de Morris West, Kiril Lakota, e as do Papa Francisco são muito próximas. Kiril e Franciso elegeram como alvos prediletos de sua reflexão a crítica à suntuosidade e ao artificialismo da Igreja e, especialmente, ao universo fortemente hierarquizado e burocrático do Vaticano.

Nesse último aspecto, o papa russo foi adiante – ainda mais, se se considera que suas propostas foram formuladas há mais de cinquenta anos. Nas cenas finais do filme protagonizado por Antony Quinn, já referido, ele condiciona a sua investidura no cargo ao apoio – que finalmente lhe é dado – à sua disposição de distribuir os bens que confere riqueza à Igreja às “massas famintas”.

Posicionamento que nunca foi assumido por outros papas, em que pese iniciativa corajosa de Francisco, com vistas à reestruturação do Banco do Vaticano e a reconsideração dos objetivos pelos quais ele atua. Mas o atual papa avançou, como nenhum outro Pontífice, em um aspecto essencial: a luta por uma ordem econômica e social compatível com os ideais de justiça e de igualdade, negada pela busca desmedida do lucro, que constitui a mola mestra da organização econômica submetida à ordem do capital. Com isso, Francisco tornou-se a mais importante liderança mundial crítica do establisment, preenchendo o vazio ideológico derivado do esmaecimento das propostas de esquerda

Concluímos que, de fato, o perfil do papa ucraniano se projeta no do argentino, sendo impressionantes as afinidades, quando não, a coincidência de comportamentos e de propósitos. Contra Francisco pesa a idade avançada, que pode levá-lo à renúncia antes de consolidar o processo de reforma que empreende. Mas as sementes que agora lança tem grandes chances de vingar tendo em vista que o notório esclerosamento da Igreja somente pode ser combatido com propostas que objetivam reformá-la, para que se torne mais tolerante, mais democrática e socialmente engajada.

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Rubens Pinto Lyra é Doutor em Direito Público e Ciência Política (Université de Nancy, França) e Professor do Programa de Pós-Graduação Direitos Humanos, Políticas Públicas e Cidadania da UFPB.
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Opinião

Liu Xiaobo e menos Direitos Humanos na China

Omês de julho representou uma grande perda para o enfrentamento às violações de Direitos Humanos na China, principalmente no que concerne à liberdade de pensamento e de expressão. O intelectual e ex-professor de Literatura da Beijing Normal University, Liu Xiaobo, faleceu em um hospital de custódia em Shenyang, na Província de Liaoning, no último dia 13 de julho, de câncer de fígado. Liu Xiaobo era um conhecido ativista asiático, preso algumas vezes em razão de seu envolvimento com campanhas pela democracia e por reformas, que culminaram em alguns incidentes, como o massacre da Praça Tiananmen, em 1991. Na ocasião, o militante regressou de seu período como pesquisador visitante na Universidade de Columbia para participar dos protestos e negociar um desdobramento pacífico para o episódio.

Algumas organizações ocidentais de Direitos Humanos, como a Human Rights Watch, reportaram que países como o Canadá e a França ofereceram

tratamento médico ao ativista, tendo havido, inclusive, um encontro entre o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Zeid Ra’ad al-Hussein, com oficiais do governo chinês para discutir a questão em 30 de junho. Ao final, dois médicos estrangeiros ainda tiveram a oportunidade de acompanhar o enfermo in loco nos seus últimos dias de vida.

Ele cumpria uma condenação a onze anos de prisão e dois anos de privação de seus direitos políticos, imposta no final de 2009 por incitamento à subversão do poder estatal – um crime inserido na reforma do Código Penal do país em 1997. Além de ter sido preso outras vezes, por exemplo, por haver se envolvido em protestos contra a política estatal em face do não reconhecimento governamental do então Dalai Lama no Tibete (entre 1996 e 1999), e ter conquistado, em 2010, o Prêmio Nobel da Paz. Liu também se notabilizou por seu trabalho na direção da revista Democratic China, na década de noventa.

Embora o episódio da morte de Liu Xiaobo não

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tenha recebido nenhuma atenção da mídia doméstica chinesa (ao contrário do que ocorreu em Taiwan), nos últimos anos algumas notícias que encontramos dizem respeito ao suposto financiamento do ativista pelos Estados Unidos, a partir do National Endowment for Democracy, um fundo estadunidense para dar suporte a iniciativas democráticas ao redor do globo. Trata-se, de fato, de uma organização não-governamental, que ganhou autonomia em relação ao Congresso do país apenas na década de noventa –após muitos anos de vinculação direta ao governo estadunidense.

De acordo com o periódico China Daily, em matéria publicada em 2010, após alguns levantes contra a prisão de Liu, este provocara desafetos dentro da própria comunidade pró-democracia na China, devido à sua suposta arrogância e aliança com os Estados Unidos. A reportagem refere-se, também, à “Carta 08” – um documento elaborado por Liu Xiaobo e outros ativistas para invocar reestruturações políticas. Outras fontes sobre o militante, como a China Economic Net, atribuem a ele declarações acerca da natureza “totalmente fraca em termos físicos e psicológicos” da população chinesa, bem como que esta não teria criatividade.

Em um amplo contraste com essas informações veiculadas sobre a suposta visão de Liu acerca do povo chinês, a Carta 08 afirma como escopo principal que a sociedade chinesa que compartilhe um senso de crise, responsabilidade e missão, “sem distinção entre o governo e o público, e a despeito do status”, participe ativamente e promova uma transformação.

Outros dispositivos do documento apregoam uma educação que abranja valores universais e direitos civis, bem como que “estabeleça consciência civil e promova a virtude civil de servir à sociedade”, a promoção do desenvolvimento sustentável e a construção de um sistema de seguridade social universal.

Algumas dessas declarações embasaram as acusações de que Liu Xiaobo fora além da liberdade de expressão e se converteu em um criminoso, na medida em que tentava incitar a população chinesa contra a ordem constitucional e as instituições estabelecidas no país asiático.

É importante salientar, por outro lado, que o manifesto também postula alguns valores relacionados à economia de mercado, como a proteção à propriedade privada, com a eliminação dos monopólios estatais, a inserção de mecanismos de competitividade e fomento às atividades bancárias privadas – algumas reformas que, na prática, já vêm sendo progressivamente implementadas pelo Estado.

No discurso de recebimento do Nobel, lido sem a evidente presença do homenageado, Liu Xiaobo salientara, contudo, que via progressos na agenda

de Direitos Humanos na China, não apenas com a assinatura de documentos internacionais que representavam compromissos importantes, mas também na sua experiência pessoal de encarceramento. Ele salientou que a mudança constitucional ocorrida em 2004 para positivar o comprometimento normativo em respeitar e garantir os Direitos Humanos deveria corresponder, além disso, à promoção de um Estado de Direito.

Depois da sua morte, algumas notícias breves, como as veiculadas pelo Global Times, um boletim diário de notícias internacionais gerenciado pelo Partido Comunista, retrataram Liu Xiaobo como um inimigo do povo chinês em razão de sua subversão; como alguém que se “afastou da sociedade chinesa e se transformou em um agitador político e oponente”.

Sua esposa, a ativista e poeta Liu Xia, vinha sendo mantida em custódia domiciliar desde outubro de 2010, com controle sobre seus movimentos e comunicações, de forma que ambos não puderam comparecer à premiação do Nobel. Na realidade, seu monitoramento em tempo integral foi atribuído ao destaque que o aprisionamento de Liu Xiaobo teve no final da década anterior. Na época, a escritora utilizou-se do Twitter para reportar que, logo após o anúncio do prêmio, seu telefone foi desativado e ela ficou detida em sua residência.

Liu Xia casou-se com o militante em 1996, quando ele estava preso, e desde então as comunicações de ambos se notabilizaram por mesclar resistência a declarações afetivas, desde a poesia. Segundo Liu Xia, os poemas eram um meio de comunicação das almas de ambos, e a ela Liu Xiaobo dedicou as últimas linhas de seus escritos, já no hospital.

Após a morte de Liu Xiaobo, o oficial do governo chinês Zhang Qingyang liberou uma nota de imprensa, anunciando que Liu Xia estava livre, embora não tenhamos encontrado notícias sobre eventual comunicação ou aparição pública que tenha feito após os cerimoniais de cremação de seu marido. Em 2013, a poeta, ao comparecer à audiência criminal do seu irmão, gritou à saída que qualquer comentário oficial sobre sua liberdade era mentiroso.

Recentemente, a China – sobretudo sob a presidência de Xi Jinping – tem fortalecido sua retórica de compromisso com os Direitos Humanos, tomando, inclusive, uma posição de protagonismo em agendas como o aquecimento global. Resta, agora, observar quando a retórica vai ser superada por práticas efetivas.

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 29
Mariana Yante é doutoranda em Relações Internacionais na Universidade de Wuhan/China.

Jornalismo Ambiental

Sociedade, natureza e mudanças climáticas

Por Robério Daniel da Silva Coutinho

Paraísos litorâneos e suas ameaças socioambientais aos moradores e à natureza

Itamaracá e Itapissuma, dois municípios vizinhos no litoral Norte pernambucano, ligados pela precária Ponte Presidente Vargas e outros problemas de infraestrutura e político-econômicos, visibilizados com frequência pela mídia, sobretudo em tempo de festa e de veraneio, carecem de problematização noticiosa também sobre o prisma socioambiental. E isso se faz necessário diante das amplas e frequentes ameaças, desafios e oportunidades enfrentadas cotidianamente pelas pessoas e por todo o ecossistema desses locais, degradados significativamente.

Problemas dessa natureza nos 184 quilômetros do litoral de PE foi objeto de uma matéria do Jornal do Commercio (2016) logo no 1º dia deste ano, onde Itamaracá ganhou notoriedade. Mas, assim como nas demais cidades, o destaque dado foi sob a ótica dos prejuízos para os negócios e sobretudo aos turistas frente à controversa realidade entre belas praias e o volume de lixo. Em síntese, foi mostrado que os paraísos turísticos viram “lixões a céu aberto”.

Contudo, apesar dessa pertinente problematização, a questão da degradação ambiental nestes patrimônios naturais acontece o ano inteiro e não se limita ao abandono da natureza pelo homem. Ocorrem inclusive prejuízos diários para o próprio ser humano, sendo a população local a parcela mais afetada pelos problemas socioambientais causados por turistas e pelos nativos em função da falta de educação ambiental, de políticas públicas e de cidadania, que afeta todo o ecossistema local, carecendo, portanto, de ampla visibilidade pública e política.

Neste contexto, faz-se necessário que a mídia capte tal questão e a represente noticiosamente com frequência e com conteúdo critico e pertinente à realidade enfrentada pela maioria dos grupos sociais desses locais - características técnicas, profissional e éticas do fazer jornalístico. Urge pautar

jornalisticamente a questão socioambiental do litoral sob a ótica dos moradores. Estes, que enfrentam todo dia uma gama de problemas decorrentes e que podem transformá-los para o bem ou para o mal a depender da conscientização cidadã e ambiental, sendo eles e gestores públicos, outros agentes sociais envolvidos e a mídia indispensáveis neste processo.

Os benefícios dessa união são imensuráveis para a construção do bem viver das comunidades e da natureza em geral, que já é exuberante nestes locais litorâneos, mas degradada pela ação humana irracional derivada, por exemplo, da elevadíssima produção/consumo irresponsável de bens fabricados e o descarte inadequado destes resíduos sólidos. Imaginem esse “lixo” (pet, latinhas, pilhas, baterias e outros) não mais largados nas ruas em tempo de chuva como ocorre e sem causarem os transtornos consequentes a todos, mas sendo reutilizados e gerando renda?

Tal desejo ainda utópico e outros benefícios começam a ocorrer na comunidade de Salinas/Chie em Itamaracá (SILVA, 2017), após dois anos de trabalho de conscientização socioambiental e empreendedorismo dos moradores, realizado por várias mãos, mentes e corações de atores sociais de dentro e de fora da localidade, e com um pouco e pontual apoio governamental.

Salinas, em Itamaracá, assim como em várias comunidades de cidades litorâneas do Estado, que são isoladas e afastadas das faixas de praias, como em Ferro Velho na cidade vizinha de Itapissuma, convivem com inúmeros problemas socioambientais decorrentes da urbanização não planejada e da ocupação imobiliária bem predatória. Para a necessária promoção da cidadania dos moradores dessas localidades, é preciso a superação da falta sistemática de políticas públicas (saúde, educação, segurança e etc.). Este adverso cenário, que não auxilia no empoderamento social das pessoas para buscarem a superação de tantos problemas, amplia os riscos e desafios à vida humana e não humana (fauna, flora, recursos naturais e etc.).

A fim de contribuir na transformação social dessas comunidades e na vida dos moradores em busca de justiça através do estímulo a um exercício de cidadania racional e com protagonismo socioambiental, várias pastorais e outros organismos sociais ligados à Arquidiocese de Olinda e Recife

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(AOR) têm atuado em conjunto nesta questão desde 2015. A ação consiste, dentre outros fins, fazer com que a própria população possa perceber as potencialidades econômicas e de cidadania através do respectivo engajamento na preservação da natureza.

O Projeto Cidadania e Justiça Social nas Comunidades (PCJSC) foi construído durante um ano inteiro, em 2014, com a participação conjunta desses grupos e com a atuação de líderes locais das duas cidades, onde todos participaram de oficinas. Fora definidas as comunidades de Salinas e Ferro Velho e alguns temas para serem tratados nos anos de 2015 a 2017, como a educação ambiental e o empreendedorismo de moradores a partir de especificidades naturais. Desde então, o trabalho está sendo conduzido inclusive por moradores eleitos coordenadores, representando o projeto na comunidade e a comunidade no projeto. Eles têm sido preparados também para se tornarem líderes e para que continuem atuando firme após o final do projeto

Desde o início até hoje, o trabalho tem fortalecido a implementação de boas práticas de conservação socioambiental e de negócios correlacionados, derivados da coleta seletiva e da reciclagem de resíduos sólidos, bem como na confecção e venda de artesanatos e na formação para práticas de ecoturismo. Para Valença (2017), a ação tem contribuído substancialmente na conscientização dos envolvidos de que a preservação do meio ambiente nestas localidades representa a garantia da sobrevivência dos próprios moradores, já que a maioria é formada por pescadores e marisqueiras, dependendo eles, portanto, do local preservado para trabalharem.

Além disso, os moradores envolvidos, número que tem crescido, passaram a vislumbrar novos horizontes de geração de renda com o reaproveitamento de materiais encontrados no ambiente antropizado e na natureza (escama de peixe, conchas, garrafas pet, tampas de garrafas, jornal e etc.) para a fabricação do artesanato. Oportunidade de negócios com o ecoturismo através da promoção de trilha para turistas, por exemplo, também tem sido vislumbrada pela maioria.

“Já comprei muita coisa com a reciclagem. Hoje ganho minha renda entre o trabalho na maré e catando latinhas” (SANTOS, 2017). A autora desta declaração, pescadora em Itamaracá há quase 50 anos, passou a classificar como lixo só o que não pode ser reciclado. O resíduo sólido começou a ser visto como “não lixo” nestas comunidades. Silva (2017), por exemplo, passou a ampliar a sua coleta na Ilha para outros tipos de materiais, além de latinhas, pois mudou seu paradigma a respeito, classificando como um grande negócio e que contribui

com a natureza. Até óleo de cozinha usado nas casas nas comunidades passou a ser entregue a uma cooperativa que devolve a eles sabão fabricado com este óleo. A ação ainda consiste na coleta seletiva dentro das casas e entrega desses materiais a outra cooperativa, gerando renda para todos envolvidos. Apesar dos resultados e da oportunidade da melhoria das cooperativas e da coleta seletiva, da diminuição do descarte errado do lixo, da ampliação da geração de renda e da evolução nas práticas de preservação ambiental nessas comunidades, a iniciativa corre risco de parar depois da conclusão do projeto desenvolvido pelas pastorais sociais da AOR, sob a responsabilidade do padre Hélio Nascimento. A falta de apoio do poder público para dar continuidade, leia-se as gestões municipais de Itamaracá e de Itapissuma, mesmo elas já acionadas por gestores do projeto, é um desafio real (VALENÇA, 2017). O descrédito dos moradores no poder público é um outro elemento complicador para a busca de soluções, além da invisibilidade midiática sobre tais resultados e desafios, reduzindo a percepção e problematização pública da questão.

Referências:

Jornal do Commercio. O bom e o ruim do litoral pernambucano. Recife. 2016;

SANTOS, Maria do Carmo dos. Maria do Carmo dos Santos: depoimento (set. 2017). Entrevistador Marcos Macedo. Itamaracá. AOR, 2017. 1 arquivo .mp3 ((4,25min.). Entrevista concedida PCJSC da AOR;

SILVA, Renata Conceição da. Renata Conceição da Silva: depoimento (set. 2017). Entrevistador Marcos Macedo. Itamaracá. AOR, 2017. 1 arquivo .mp3 (6,2 min.). Entrevista concedida ao PCJSC da AOR;

VALENÇA. Luciana Soares. Luciana Soares Valença: depoimento (set. 2017). Entrevistador Robério Coutinho. Recife. UFPE, 2017. 8 arquivos .mp3 (8 mim.). Entrevista concedida ao PPGCOM/UFPE.

Este espaço apresenta abordagens críticas e interdisciplinares relativas à produção da representação noticiosa da realidade social (jornalismo) sobre as mudanças climáticas e a sua influência na constituição do sentido social sobre a questão. É escrito pelo jornalista Robério Coutinho, mestre em Comunicação pela UFPE, com formação básica em Meteorologia pelo INPE/CPTEC, exassessor de imprensa do Laboratório de Meteorologia de PE, bolsista pesquisador da Rede Brasileira de Mudança Climática e autor de livros sobre o temática.

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Jornalismo Independente

Jornalismo e financiamento coletivo

Sons e gestos que alfabetizam

Oassunto abordado na coluna Jornalismo Independente deste mês é um pouco diferente, trazendo à tona a questão do analfabetismo e relatando o exemplo de uma ação bem-sucedida na comunidade de catadores de materiais recicláveis, no bairro da Torre, Zona Norte do Recife.

O analfabetismo ainda é um problema grave a ser combatido. Hoje, no Brasil, 12,9 milhões de pessoas não sabem ler ou escrever, de acordo com os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad-IBGE). Da população com 15 anos ou mais, 8% não são alfabetizados. Mediante esse cenário, a alfabetização na fase adulta é interpretada como um sonho inalcançável para milhares de jovens e adultos brasileiros. No entanto, para os catadores de materiais recicláveis do bairro da Torre, aprender a ler e a escrever se tornou uma realidade. Os profissionais da estratégia “Sons e gestos que alfabetizam” provaram que é possível se alfabetizar, inclusive, em um curto período de tempo.

De modo não convencional, essa estratégia (SGA) dialógica e diferenciada de construir o aprendizado trabalha com o saber e o contexto de cada educando, através de sons e gestos relacionados a objetos e seres. O f é de panela de pressão e não de faca, e o z é de abelha e não de zebra, cada qual remontando a um som ou um gesto familiar ao universo do aluno. “O que a estratégia vem trazendo é a consciência fonológica, que trabalha em cima da abstração dentro de uma questão mnemônica, que é onde você vai buscar ‘aquela imagem’. Quando você evoca ‘aquela’ simbologia em sua memória, você não esquece”, ressaltou a fonoaudióloga e facilitadora dos “Sons e gestos que alfabetizam” Andréa Coelho. Nos SGA, além do corpo em movimento, da audição e da memória, são utilizadas de forma agregadora, como recursos didáticos, tampinhas de garrafas com imagens, distribuídas para todos os alunos.

Associado ao curso de agente de segregação e

coleta de resíduos sólidos do PRONATEC (Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego), esse processo de alfabetização foi muito além na vida dos catadores, permitindo que, no período de três meses, alunos desenvolvessem habilidades como leitura, escrita e até a construção de poemas. De acordo com as alunas Lenice Silva e Edileuza Santos, no social, tal aprendizado significou a possibilidade de reconhecer ônibus na via urbana, citações bíblicas significativas para alunos cristãos e até a possibilidade de trabalhar, a partir do momento em que determinados alunos conseguiram uma melhor forma de lidar com o dinheiro e troco em atividades informais extras, como a venda de alimentos.

Ana Luíza, supervisora de cursos do Pronatec, conta como tudo começou. Ao levar o curso já mencionado para aquela comunidade, um dos professores relatou sua dificuldade em repassar o conteúdo porque 50% dos alunos não sabiam ler e escrever. Assustada com aquele panorama, a supervisora procurou ajuda externa, pois o Pronatec não previa alfabetização, mesmo para comunidades específicas. Logo, orientou que o professor mudasse a estratégia didática, procurasse utilizar slides, vídeos, visita técnica, entre outros, já que os alunos não iram conseguir acompanhar o conteúdo de livros e apostilas. A ajuda veio intermediada pela assistente social Silda Villar do CRAS/ Cordeiro que a apresentou a Adriana Teixeira, fonoaudióloga e idealizadora dos “Sons e Gestos que alfabetizam”.

Cientes de que mais do que ser alfabetizados, os alunos tinham urgência, caso contrário, não conseguiriam absorver o necessário conteúdo daquele curso, o processo foi iniciado. Durante os três meses que se seguiram, três turmas foram formadas, sendo a divisão feita baseada no nível de alfabetização dos alunos: os que não sabiam ler, os que sabiam ler e os que precisariam ter uma maior autonomia no processo de leitura e escrita. Desse modo, todas as terças e quintas, durante 2h, após o ensino técnico, os alunos que necessitavam de letramento eram separados dos demais para desenvolver as habilidades de leitura e escrita. Como resultado,

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“os que não sabiam absolutamente nada já conseguem ler e escrever palavras simples”, ressalta Adriana Teixeira.

Resistentes, inicialmente, mas cedendo ao ensino proposto pelos “Sons e gestos que alfabetizam” aos poucos, os alunos foram desenvolvendo o aprendizado gradualmente. Na sala do CEPAS (Centro de Ensino Popular e Assistencial Social do Recife Santa Paula Frassinetti), onde as aulas acontecem, a facilitadora Marta Gonçalves, orgulhosa do seu papel mediador, mostra as atividades escritas que os alunos foram capazes de produzir durante o período em que estiveram abertos ao ensino oferecido por aqueles profissionais. Ela ressalta o diferencial daquele modelo de alfabetização, ao trabalhar os gêneros textuais, a exemplo de poemas ou biografias a partir do repertório do próprio aluno, seja no que diz respeito ao curso em si, ao fazer referência a questões de trabalho como é caso da coleta seletiva até questões mais pessoais como a identificação/ligação com coisas que estão ao seu redor: a cooperativa, a ponte do bairro da Torre, o bueiro do bairro da Torre, entre outros.

O aprendizado na comunidade de catadores que tem dado tão certo encontra-se, nesse momento, ameaçado. Desde junho, o curso foi encerrado porque atingiu sua carga horária máxima – 160h e, incrivelmente, não há perspectiva de retomada. O motivo se deve a uma estratégia do Governo Federal que prioriza investir em determinados setores em detrimentos de outros. “O Governo Federal faz o repasse financeiro para as instituições e, hoje, no estado (PE), quem recebeu uma grande parcela de cursos foi a secretaria estadual, mas para o MedioTec (oferta de cursos para quem já está cursando o Ensino Médio), não tem nada que seja destinado ao público adulto e muito menos para alfabetizá-lo”, colocou Ana Luíza. A supervisora acrescenta que por uma questão de menor custo, o Governo tem incentivado o Ensino à Distância, o qual se torna problemático ao contexto dos catadores, pois sua maioria não possui nem celular com internet e, muitos deles, nem mesmo celular. “Se o meu aluno não tem um aparelho celular – comenta Ana Luíza -, como é que ele vai fazer um curso à distância?” Ao problematizar essa discussão, a fonoaudióloga Adriana Teixeira enfatiza: “Mesmo que tenha uma pessoa que possa emprestar a ele um computador, como ele fará as atividades sem saber ler?”

Com a inatividade do Pronatec no CEPAS, a alfabetização também é descontinuada, porque

apesar de ser um trabalho voluntário do grupo dos “Sons e gestos que alfabetizam”, os alunos por perderem o auxílio financeiro de R$ 10 por dia de frequência, não conseguem se comprometer a frequentar as aulas. Ana Luíza enfatiza que essa ajuda é necessária porque o trabalho dos catadores é pautado no imediatismo, já que trabalham para comer.

Efetivamente, o curso naquela comunidade deu certo. Ao visitar o CEPAS, os alunos, orgulhosos, começam a contar as transformações positivas após a apropriação dos códigos de leitura e escrita. Eles mantiveram uma alta frequência e o índice de evasão foi baixíssimo, justificado por motivos de cunho social. A comunidade, esperançosa, aguarda que a alfabetização e o curso do Pronatec possam voltar e que o aprendizado seja continuado. Ana Luíza diz que há perspectiva de implantação do PROEJA (Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos). Para que isso aconteça é necessário haver autorização do MEC junto a Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica do Ministério da Educação (SETEC). A supervisora do Pronatec ainda deseja que seja criada uma nova modalidade de ensino de alfabetização no Pronatec, que possa contemplar esse lado invisível, mas existente em nosso país: o analfabetismo. “Por que não ter – questionou -, dentro das 49 modalidades, um curso destinado a alfabetização rápida?”

A educação é um direito garantido na constituição de 1988 (Art. 205) e seu não acesso resulta em exclusão e grandes dificuldades relacionadas ao exercício da cidadania, ao desenvolvimento pessoal e a mobilidade social. Iniciativas que dão certo devem ser estimulados pelo Estado. A omissão na oferta acarreta em menos direitos: incentivo ao trabalho informal, não desenvolvimento de uma consciência política e limitação do ir e vir dos indivíduos não alfabetizados.

Karolina Calado é doutoranda do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. Nesta coluna, proponho uma discussão acerca das questões que envolvem a economia política dos meios de comunicação, especialmente a partir da internet e dos modelos de financiamento coletivo.

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 33

Comunicação Pública

Informação, diálogo e participação

Entrevista Margot Dourado

A Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (ALEPE) é um órgão que representa o Poder Legislativo de Pernambuco e que, em breve, retomará a TV ALEPE com uma grade de programação marcada pela diversidade de temas de interesse público. A jornalista e superintendente da SCOM, Margot Dourado, conversou com a Revista Jornalismo e Cidadania a respeito da TV e sobre o trabalho de comunicação da entidade.

JeC - Como está organizada a estrutura de comunicação da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco (ALEPE) para atender as três principais funções da entidade (Representar o povo; Legislar; e Fiscalizar o Poder Executivo e o uso dos recursos públicos)?

A Superintendência de Comunicação Social (SCOM) da Alepe é subdividida em três departamentos: Impresso, Rádio e TV. A equipe do Departamento de Impresso é responsável pela produção das notícias do Diário Oficial do Poder Legislativo, assim como das matérias para o site da Alepe e para a publicação mensal Tribuna Parlamentar. Também fazem parte do setor a equipe de Mídias Digitais, que administra os perfis oficiais da Alepe no Facebook e Twitter, e a Gerência de Fotogra-

fia, responsável pelo registro do dia a dia das atividades parlamentares e ainda pelo gerenciamento do perfil da Alepe no Instagram. A cobertura das atividades parlamentares também é realizada pelos repórteres do Departamento de Rádio, que alimentam a página da Rádio Alepe no site, com notícias em áudio sobre o Legislativo. A equipe também produz programas especiais com matérias sobre temas atuais de interesse público alinhados com a atividade da Assembleia. O Departamento de TV está atualmente envolvido na construção do novo canal de TV da Alepe, cujo processo está em fase de finalização. A SCOM ainda é composta por profissionais que gerenciam as ações publicitárias da Alepe e a assessoria de imprensa institucional da Casa.

JeC - Nos dias atuais, encontramos muitos pernambucanos que têm pouca noção sobre o que é a ALEPE, qual o papel dos deputados estaduais e ainda desconhecem a Constituição do Estado de Pernambuco. De que forma a Superintendência de Comunicação (SCOM) vem trabalhando para reverter essa realidade?

A SCOM vem procurando ampliar os canais de comunicação da Assembleia Legislativa por meio da reformulação de rotinas de trabalho do setor e da criação

JORNALISMO E CIDADANIA | 34

de novos produtos jornalísticos. Em 2015, a Superintendência passou a adotar nova linguagem nos perfis da Alepe nas redes sociais. A medida gerou um aumento considerável do número de seguidores no Facebook e no Twitter e abriu um canal de diálogo permanente com o público. Nesse mesmo ano, a SCOM também aplicou novo projeto gráfico e nova linha editorial para o Tribuna Parlamentar. Produzida pela equipe de repórteres do Departamento de Impresso, a publicação mensal traz matérias especiais sobre assuntos de grande interesse público, alinhados com a atuação parlamentar. Além de estar disponível para download no site da Alepe, o Tribuna Parlamentar é distribuído mensalmente em organizações da sociedade civil, escolas e faculdades, bibliotecas, e demais órgãos públicos do Estado. Novos programas ainda foram criados pelo Departamento de Rádio. Além do Alepe Notícias, que traz um resumo das atividades parlamentares do dia, o setor também produz o programa semanal Assembleia Geral, que aborda temas como política, cultura e direitos humanos de uma maneira ampla. Todas as matérias estão disponíveis para download no site da Alepe (www. alepe.pe.gov.br).

JeC - Você acredita que o trabalho de comunicação da Assembleia Legislativa de Pernambuco vem contribuindo para a educação política do cidadão pernambucano? Quais são as iniciativas com esse propósito?

Por meio das matérias publicadas diariamente nos veículos de comunicação da Alepe, o cidadão pode acompanhar de perto a atuação dos parlamentares, informando-se sobre os projetos de lei apresentados, as reuniões e audiências públicas propostas, e os discursos dos deputados durante as Reuniões Plenárias. Nosso propósito é dar transparência às ações do Poder Legislativo para que a sociedade tenha direito ao exercício pleno da cidadania.

JeC - A Superintendência de Comunicação da ALEPE tem critérios para a produção de conteúdo? Como os assuntos são determinados para conciliar as demandas da Assembleia e do cidadão?

A SCOM faz a cobertura completa das ações parlamentares institucionais, como Reuniões Plenárias, reuniões e visitas técnicas de Comissões Parlamentares, audiências públicas e Sessões Solenes. Os referidos eventos trazem repercussão direta na vida do cidadão e estão voltados a temas diversos, seja na área de segurança, educação, saúde, cultura, cidadania, infraestrutura, entre outros. Acompanhar a cobertura dessas atividades traz informações importantes e que podem beneficiar diretamente a vida das pessoas.

JeC - Os órgãos públicos, nas esferas municipal, estadual e federal, demonstram dificuldades em se comu-

nicar com a população. Qual a sua posição a respeito?

Uma boa comunicação é feita com base numa sólida estrutura de trabalho e na relação de transparência e confiança entre o setor e a diretoria do órgão ao qual ele está vinculado – fatores que encontramos na Superintendência de Comunicação da Alepe e que facilitam o processo de comunicação com o público.

JeC - A Assembleia Legislativa de Pernambuco garantiu o seu canal próprio em TV aberta, por meio de convênio com a Câmara Federal. Como pensam a retomada da TV ALEPE para que se torne mais atrativa à população?

O Departamento de TV da Alepe possui projeto que inclui uma grade de programação marcada pela pluralidade de temas de interesse público. A intenção da equipe é oferecer programas que destaquem não apenas a atividade parlamentar, mas que também abordem questões relacionadas ao dia a dia da população, como segurança pública, saúde, cultura e educação.

JeC - De que maneira o cidadão pode dialogar/participar da criação e discussão dos projetos nas comissões com os deputados?

As Comissões Parlamentares e os gabinetes parlamentares possuem um canal aberto de diálogo com a população, que pode sugerir, presencialmente ou por meio da Ouvidoria da Alepe, a realização de audiências públicas e a elaboração de projetos de lei. Os contatos da Ouvidoria são (81) 3183-2211 e ouvidoria@alepe. pe.gov.br, e os gabinetes parlamentares estão instalados no edifício João Negromonte Filho, na Rua da União, nº 397.

Margot Dourado, formada em Jornalismo (UFPE), com MBA em Gestão Financeira (FGV) e especialização em Social e Public Communication (LSE, University of London). Trabalhou no Jornal do Commercio por oito anos nas editorias de Suplementos, Turismo, Informática e Cultura. Atualmente, é superintendente de Comunicação Social da Assembleia Legislativa do Estado de Pernambuco.

Ana Paula Lucena é professora da Faculdade Senac Pernambuco, membro do Fórum Pernambucano de Comunicação (FOPECOM) e doutoranda do PPGCOM/UFPE. A coluna é um espaço que aborda questões relativas a como órgãos públicos e entidades de movimentos sociais vêm se comunicando com a sociedade.

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