- PPGCOM/UFPE | 1 Jornalismo
Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade
| PPGCOM/UFPE | ISSN 2526-2440 |
Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade
Mídia,
Poder e Democracia
Rubens Pinto Lyra
Meirelles, o Mercado e o Povo
E mais... e cidadania nº 14 | Agosto 2017
Embaixador Samuel Pinheiro
JORNALISMO E CIDADANIA
Expediente
Editor Geral | Heitor Rocha professor PPGCOM/UFPE
Editoração Gráfica | Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE
Editor Internacional | Marcos Costa Lima
Pós-Graduação em Ciência Política/UFPE
Articulistas |
PROSA REAL
Alexandre Zarate Maciel doutorando PPGCOM/UFPE
MÍDIA ALTERNATIVA
Xenya Bucchioni doutoranda PPGCOM/UFPE
NO BALANÇO DA REDE
Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE
JORNALISMO E POLÍTICA
Laís Ferreira mestranda PPGCOM/UFPE
JORNALISMO AMBIENTAL
Robério Daniel da Silva Coutinho mestre em Comunicação UFPE
PODER PLURAL
Rakel de Castro doutoranda PPGCOM/UFPE e UBI
CIDADANIA EM REDE
Nataly Queiroz doutoranda PPGCOM/UFPE
COMUNICAÇÃO PÚBLICA
Ana Paula Lucena doutoranda PPGCOM/UFPE
JORNALISMO INDEPENDENTE
Karolina Calado doutoranda PPGCOM/UFPE
MÍDIA FORA DO ARMÁRIO
Rui Caeiro mestre em Comunicação UFPE
MUDE O CANAL
Ticianne Perdigão doutoranda PPGCOM/UFPE
COMUNICAÇÃO NA WEB
Ana Célia de Sá Doutoranda em Comunicação UFPE
NA TELA DA TV
Mariana Banja mestranda em Comunicação UFPE
Alunos Voluntários | Lucyanna Maria de Souza Melo
Yago de Oliveira Mendes
José Tarisson Costa da Silva
Colaboradores |
Túlio Velho Barreto Fundação Joaquim Nabuco
Gustavo Ferreira da Costa Lima Pós-Graduação em Sociologia/UFPB
Luiz Lorenzo Núcleo de Rádios e TV Universitárias/UFPE
Ada Cristina Machado Silveira Professora da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
Antonio Jucá Filho Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ
Auríbio Farias Conceição Professor do Departamento de Letras e Humanidades – DLH/ UEPB
Leonardo Souza Ramos
Professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC –Minas Gerais e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Potências Médias (GPPM)
Rubens Pinto Lyra Professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas da UFPB
Editorial
Prosa Real
Opinião | João Ricardo Cumarú Silva
Opinião | Mariana Vazquez
Opinião | Tarisson Nawa
Comunicação na Web
Opinião |Giselle Cahú
Opinião | Francis Lacerda
Mídia Alternativa
Opinião | Marcos Costa Lima
Opinião | Rubens Pinto Lyra
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Índice
Jornalismo Ambiental Mídia Fora do Armário Opinião | Embaixador Samuel Pinheiro | 3 | 4 | 6 | 8 | 10 | 12 | 14 | 16 | 18 | 20 | 22 | 24 | 26 | 30 | 32 Arte da Capa: Designed by Freepik.com Acesse: facebook.com/ Jornalismoecidadania | issuu.com/revistajornalismoecidadania
Opinião | Mariana Yante
Por Heitor Rocha
Um fato na política brasileira tem desafiado a compreensão dos estudiosos e cidadãos de uma maneira geral: o pequeno número de manifestações de indignação contra o festival crescente de iniquidades cometidas pelo governo golpista como a compra de votos com emendas parlamentares, as ameaças aos deputados para evitar a admissibilidade da investigação das propinas recebidas pelos estafetas de Michel Temer e que viviam aquartelados no terceiro andar do Palácio da Alvorada, a formação de quadrilha e obstrução da justiça.
Nos regimes de normalidade democrática e funcionamento decente da mídia, as tentativas públicas de intimidar com o uso do aparelho do Estado ou cooptar através de vantagens pecuniárias a consciência das pessoas para adotarem determinadas posições são desmoralizadas e os efeitos pretendidos ridicularizados perante a opinião pública.
As concepções elitistas, certamente, podem apontar alguma deficiência moral ou até biológica na natureza da população brasileira para se prostrar inerte e passiva diante dos horrores anunciados para garantir os lucros dos grandes empresários, especialmente das multinacionais e do setor agrário-pecuário-extrativista exportador que, como faz há mais de 500 anos, não tem nenhuma preocupação com o mercado interno.
No entanto, como advertia Robert Park em 1910, quando o jornalismo não investiga, apura, contextualiza e interpreta os acontecimentos como os ocorridos na Comissão de Constituição e Justiça e no plenário do Congresso Nacional, apresentando-os como táticas do jogo político em analogia com o futebol, quando se discutia sobre o 433 ou 424, as maiores ignomínias são naturalizadas e legitimadas como procedimentos aceitáveis, porque a discussão não chega a uma definição da situação abordada diante do conjunto das normas morais existentes na sociedade e, consequentemente, a opinião pública é impedida de se formar e o funcionamento democrático das instituições fica inviabilizado.
Será que ainda é válido hoje, mais de cem anos depois de sua reflexão, este papel político e social que Park atribuía ao jornalismo de articular a conclusão da discussão (aquilo que Miquel Rodrigues Alsina classifica como sendo o que é reconhecido como de transcendência social) sobre os problemas abordados em consonância com os padrões ético-morais estabelecidos, para que a opinião pública possa ser formada e, assim, o funcionamento normal das instituições democráticas viabilizado?
Esta não é uma questão a ser esclarecida pela objetividade da teoria da verdade como correspondência perfeita entre a representação e a própria realidade, cuja presunção ideológica
positivista acreditava capaz de ter acesso privilegiado às leis de causa e efeito universais, portanto válidas para todas as pessoas, em todos os lugares e em todos os tempos.
Certamente, pode-se vislumbrar maior pertinência através da teoria consensual da verdade que, mesmo de forma provisória, efêmera e pós-convencional – como não poderia deixar de ser na perspectiva construtivista pragmática/interacionista simbólica – é capaz de construir um sentido para substituir o regime da força bruta da barbárie, ainda que sempre incompleto, conforme o processo de semiose concebido por Charles Peirce, mas suficiente para fundamentar o nível civilizatório possível através da constituição do estado de direito democrático como um dissenso consentido, um reformismo radical em busca da universalidade aproximativa para emancipação das tutelas e superação gradativa dos mecanismos de violência simbólica e dominação.
Desta maneira, se a instituição do jornalismo, desde meados do século XIX, passou a ser monopólio do grande capital com a indústria das notícias, sendo assim instrumento para a distorção sistemática da comunicação visando a exclusão dos temas e reivindicações da periferia da estrutura de poder em benefício dos interesses dos grupo que controlam o aparelho de estado e as grande corporações do mercado, também podemos verificar a impossibilidade de conquista de mudança social sem que esta tenha sido precedida de ampla discussão na mídia noticiosa.
Entendemos, por fim, que a grande mobilização que as forças progressistas devem articular é para conseguir garantir na pauta jornalística os argumentos e pleitos das movimentos sociais, povos indígenas, comunidades populares, intelectuais, artistas, professores, estudantes e demais setores da periferia à ideologia elitista estabelecida, para que se possa forma opinião, vontade política e poder comunicativo, com natureza material, para influir nas deliberações políticas e definir os rumos que a sociedade brasileira precisa seguir para superar gradativamente a estúpida desigualdade social e as violências praticadas contra a grande maioria do povo brasileiro, com o intuito de manter os privilégios da elite defendida por uma malta de 70 por cento de congressistas eleitos por 10 corporações.
Heitor Costa Lima da Rocha, Editor Geral da Revista Jornalismo e Cidadania, é professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.
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Editorial
Prosa Real
Livro-reportagem, jornalismo e contexto
Por Alexandre Zarate Maciel
O papel do livroreportagem na concepção dos editores
Dois editores de épocas diferentes, duas realidades para o livro-reportagem brasileiro. Fernando Mangarielo fundou a editora Alfa-Omega em 1973 e, em uma postura de crítica à ditadura militar, publicou os livros-reportagens pioneiros de Fernando Morais, A Ilha e Olga. Otávio Costa, editor da Companhia das Letras desde 2000, afirma que a editora, fundada em 1986, foi pioneira no país em criar modelos profissionais de contrato específicos com jornalistas como Ruy Castro e o próprio Fernando Morais para produzirem livros-reportagem exclusivos, como Chega de Saudade e Chatô. Entrevistados para a tese de doutorado do editor desta coluna, ambos teceram opiniões sobre o mercado editorial dos anos 1970 e o atual. Mangarielo descreve um modelo aproximado a uma “guerrilha” editorial que empreendeu naquela época para editar, publicar e divulgar livros que tratavam de temas proibidos. “A editora não abriu, ela ocupou um espaço vazio. E nos dedicamos às pessoas com espírito crítico. Eram jornalistas consolidados na imprensa diária”. Apesar da Alfa-Omega ter emplacado 265 mil exemplares de Olga e 125 mil com A Ilha, Mangarielo acredita que não era a vendagem do livro o fator motivador para os escritores da época. “Eram jornalistas engajados. Nunca nenhum se preocupou prioritariamente com o lucro”. Otávio Costa vê a experiência prévia na imprensa de um jornalista como uma das condições essenciais para adentrar no campo do livro-reportagem: “Entendo um livro-reportagem como a culminância, digamos, de um trabalho no jornalismo. Acho que requer, de fato, uma vasta experiência, porque escrever narrativa longa não é tão simples”.
Autor do mês: Fernando Morais
Omineiro de Mariana Fernando Gomes de Morais (1946) é um dos pioneiros do livro-reportagem no Brasil, tendo publicado, em 1970, pela Brasiliense, Transamazônica, assinado com Ricardo Gontijo. O livro é a reprodução da série de reportagens produzida pela dupla no jornal O Estado de S. Paulo, desmascarando o sonho de povoamento do Norte vendido pelo governo militar com a construção da estrada. Fernando Morais passou, além do Estadão, pelas redações de Veja, Jornal da Tarde e Folha de S.Paulo, tendo conquistado três prêmios Esso e quatro prêmios Abril. O jornalista também foi deputado estadual por oito anos e secretário de Cultura e de Educação do governo do Estado de São Paulo. Foi com A Ilha, publicado em 1976, pela Alfa-Omega, que Fernando Morais adquiriu notoriedade no mundo dos livros. Seu relato de viagem a Cuba esgotou sucessivas edições, incentivando-o a deixar as redações para viver do ofício de escritor. Olga, de 1985, ainda pela Alfa-Omega, trouxe à luz a história da militante comunista que foi muito mais do que apenas esposa de Luís Carlos Prestes. Já na Companhia das Letras, em 1994, publicou Chatô: o rei do Brasil, contando a história do magnata brasileiro das comunicações, responsável por trazer a televisão para o Brasil, Assis Chateaubriand. Em Corações Sujos, de 2000, aprofundou na imigração japonesa e no caso curioso e trágico de um grupo de japoneses que não aceitou que o Japão havia se rendido na Segunda Guerra Mundial, passando a liderar assassinatos e atentados contra outros conterrâneos. Na toca dos leões (2005) traz à tona os meandros do mundo da publicidade brasileira, focando a narrativa na história da W/Brasil e, particularmente, de um dos seus sócio-fundadores, Washington Olivetto. A expansão da aviação brasileira e a criação do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) são esmiuçados
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na biografia de Casimiro Montenegro Filho, no livro Montenegro, as aventuras do marechal que fez uma revolução nos céus do Brasil (2006). Depois, dedicou-se a narrar as peripécias do escritor Paulo Coelho, tendo inclusive acesso a seus diários secretos e descortinado o ser humano polêmico por trás do mito, em O mago (2008). E acabou voltando para a temática Cuba no seu livro mais recente, Os últimos soldados da Guerra Fria (2011). Com toques de narrativa de espionagem, a obra narra a história de espiões cubanos infiltrados por Fidel Castro em organizações anti-castristas de Miami. Há alguns anos, Fernando Morais prepara o que promete ser o seu último livro-reportagem, que contará a trajetória do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva do nascimento até o final do seu segundo governo.
Iluminando conceitos:
Flamarion Maués e as editoras de oposição
Em seus estudos sobre o mercado editorial, Flamarion Maués (2013, p. 10) percebe um “grande incremento” da indústria editorial brasileira a partir de meados dos anos 1970 e destaca o que ele chama de livros de oposição ao regime militar como um dos segmentos que mais se destacaram. Estão classificados neste critério não só os livros-reportagem e romances-reportagem, mas, também, depoimentos de exilados e ex-presos políticos. O pesquisador destaca que entre as editoras já estabelecidas engajaram-se nessa tendência a Civilização Brasileira, a Brasiliense, a Vozes e a Paz e Terra. Ao mesmo tempo, surgiram novas editoras com “propósito de publicar livros com claro caráter político”, entre as quais a Alfa-Omega e a Global. Como característica principal, as editoras de oposição, como classifica Maués (2013, p.15), não tinham como fins em si mesmas “a sua organização como empresa e o lucro que elas buscavam obter” e, sim, “a atuação política por meio da divulgação de ideias e opiniões cujos veículos eram os livros”. Comparando com o cenário de suposta abertura política que marcou a época, Maués (2013, p. 31) diz que estas editoras “são frutos de uma situação em que já se tornava possível, novamente, trazer a tona tais debates”.
Referências:
MAUÉS, Flamarion. Livros contra a ditadura: editoras de oposição no Brasil (1974-1984). São Paulo: Publisher Brasil, 2013.
MORAIS, Fernando. Corações sujos. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.
________, Fernando. Olga. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
________, Fernando. Chatô. São Paulo, Companhia das Letras, 1994.
________, Fernando; CONTIJO, Ricardo; CAMPOS, Roberto de Oliveira. Transamazônica. São Paulo: editora Brasiliense, 1970.
________, Fernando. A ilha. São Paulo: Editora AlfaOmega, 1978.
________, Fernando. Na toca dos leões. São Paulo, Planeta do Brasil, 2005.
________, Fernando. Montenegro. São Paulo, Planeta do Brasil, 2006.
________, Fernando. O mago. Planeta do Brasil, 2008.
________, Fernando. Os últimos soldados da guerra fria. São Paulo, Companhia das Letras, 2011.
Elaborada pelo professor do curso de Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz, Alexandre Zarate Maciel, que está cursando o doutorado em Comunicação na UFPE, a coluna Prosa Real traz, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, os principais autores, títulos e a visão do leitor.
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Opinião
A China e o reordenamento de poder no mundo
Por João Ricardo Cumarú Silva Alves
Nas últimas décadas, observamos uma reorganização de forças na balança de poder do sistema-mundo moderno, como preconizado por teóricos como Giovanni Arrighi e Immanuel Wallerstein. A realidade atual, nessa segunda década do século XXI, vem reforçando processos originários do século passado. Entre os principais está o deslocamento do centro do poder político e financeiro mundial para o Leste asiático, com forte influência da China. (em Adam Smith em Pequim, Giovanni Arrighi faz uma análise profunda do crescimento chinês e sua tomada de espaço no sistema mundial). Essa nova ascensão chinesa e a construção de suas relações com países do chamado Sul Global inserem-se dentro da dinâmica do capitalismo histórico.
Alguns especialistas afirmam que o que se popularizou como “ascensão” da China deve representar um retorno à normalidade histórica, e não ser considerada uma anomalia. O crescimento explosivo chinês marcou a segunda metade do século passado e início do século XXI, porém uma regressão histórica deixa clara a supremacia do país no continente asiático até meados do século XIX. Como bem afirma o professor Yan Xuetong (2011), os chineses interpretam sua “ascensão” como a recuperação do status internacional que a China perdeu e não como se estivessem obtendo algo novo; além de considerarem que não estão obtendo vantagem sobre os outros, e sim se trata de um processo justo.
Segundo Carvalho (2015), dois grandes eixos de
reflexão passaram a disputar a narrativa do século XXI. O primeiro sofre a influência da mentalidade originária da Guerra Fria, que vê a ascensão chinesa como uma ameaça para o mundo; enquanto que o outro eixo de reflexão entende que o renascimento econômico da China contribui para o fortalecimento de um mundo multipolar e mais pacífico
A importância da emergência da China parte justamente da redefinição das relações econômicas com os países asiáticos semiperiféricos e também com as grandes economias ocidentais. A reconfiguração de papeis da China como novo ator relevante para o equilíbrio de poder global e na ordem multilateral construída no pós-guerra sob a hegemonia dos Estados Unidos, fez com que as relações com as economias do centro e a expansão das empresas chinesas aos países periféricos, com destaque para os africanos e latino-americanos, levasse a uma reconfiguração produtiva global com impactos relevantes sobre a estrutura da economia-mundo (NOGUEIRA, 2008)
Apesar de ainda se encontrar numa posição de semiperiferia, a China avança a passos largos para alcançar um espaço central na economia-mundo, como mostram as iniciativas do Banco de Desenvolvimento Asiático, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD) do grupo BRICS, a inclusão do yuan na cesta de moedas globais do Fundo Monetário Internacional (FMI), a Nova Rota da Seda, entre outros aspectos desses avanços.
Diante de tantas transformações observadas nas últimas décadas, é importante refletir as consequên-
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cias estruturais do fenômeno chinês no sistema mundo. Há quase uma década, o mundo foi abalado pelo que ficou conhecido como a crise dos subprimes, em 2008, que, por sua vez, veio a reforçar os sinais do deslocamento do centro dinâmico de poder dos Estados Unidos para a Ásia, em especial a China. Nos anos que se seguiram à crise, criou-se um clima de receio com a possiblidade de uma desaceleração da economia chinesa, e a ameaça de um novo caos generalizado na economia mundial. Passou-se então a questionar a sustentação do modelo de crescimento do país, calcado no setor exportador, na manipulação do câmbio do yuan e investimentos em infraestrutura. Nesse sentido, o governo chinês sabia que precisava fazer ajustes para o futuro, notadamente nos setores vinculados ao drive-exportador agressivo e caminhar na direção de fortalecimento do mercado interno e das políticas de infraestrutura, sobretudo em áreas e regiões de menor capacidade de desenvolvimento. Apesar do alarde de parte da mídia ocidental de que o novo ritmo de crescimento chinês poderia desencadear uma nova crise global, o governo central da China já vinha elaborando uma reestruturação de sua economia, através da Assembleia Popular Nacional da China, como descrito no 12° Plano Quinquenal, em 2011.
Como resposta à crise, num primeiro momento, uma das medidas tomadas pelo governo foi um plano de gasto público na ordem de meio trilhão de dólares, com foco em investimentos em infraestrutura (MEDEIROS, 2010). Todavia, em tempos mais recentes, os dirigentes chineses têm tentado modificar o perfil da economia de um modelo focado nas exportações, em vigor desde os tempos de Deng Xiaoping, para uma economia dirigida pelo consumo interno. Por isso, o caminho traçado por muitos economistas é a transição do crescimento chinês para um ritmo mais lento e sustentável, além da flexibilização na determinação da taxa de câmbio do yuan e na tentativa de torná-lo mais confiável como moeda de reserva internacional (RODRIK, 2011). Essa nova fase da economia chinesa tem sido chamada do “novo normal” chinês, e inclui não somente um ritmo de crescimento menor, mas também uma grande reformulação nas diretrizes da política econômica do país. A intenção de privilegiar o setor de serviços, o aumento do orçamento militar e a reestruturação do setor das empresas públicas em favor da entrada de capital privado são algumas das reformas previstas pelo governo chinês.
Nos últimos anos, surgiram diversos fatores de incerteza frente à um caminho de avanços que acreditava-se estar sendo construído até então. Movimentos crescentes em oposição à globalização, o ritmo lento de recuperação econômica dos países afetados pela continuidade da crise de 2008 e seus efeitos negativos, eleições gerais em diversos países, conflitos en-
volvendo as grandes potências, difusão do terrorismo, a crise dos refugiados, o Brexit, o aumento da desigualdade econômica; todos esses foram fatores de incerteza que ganharam corpo e força em tempos recentes.
Sendo beneficiária da globalização e do atual sistema de relações internacionais, a China integra-se cada vez mais a ele e expande sua participação na governança global. A eleição do presidente norte-americano, Donald Trump, ferrenho defensor do protecionismo e com uma retórica do America first, veio a reforçar o protagonismo chinês na liderança de pensamento na economia global. Como afirma John Ross (2017) “o recuo para o beco sem saída do protecionismo representado por Trump e pelo Brexit é a derrota final de políticas econômicas que fracassaram em acelerar as economias do Ocidente e reduzir as desigualdades”.
Para além de questões ligadas à governança econômica global, a China também vem atuando em grandes desafios e problemáticas globais complexas, como o enfrentamento às mudanças do clima, vide o Acordo de Paris. Em uma época de constantes transformações e alguns retrocessos, cada vez mais é preciso estar atento à dinâmica do projeto chinês de desenvolvimento e suas implicações político-econômicas para o resto do mundo.
Referências:
MEDEIROS, Carlos Aguiar de. O ciclo recente de crescimento chinês e seus desafios. Observatório da economia global. Centro de Estudos de Conjuntura e Política Econômica (CECON), n. 3, Junho, 2010.
NOGUEIRA, Isabela. O lugar da China na economiamundo capitalista wallersteniana. Textos de Economia. UFSC, Santa Catarina, v. 11, n. 1, pp. 39-53, 2008.
RODRIK, Dani. Abrindo espaço para a China na economia mundial. In: Dossiê China. Cebrap 89, pp. 59-68, Março, 2011.
ROSS, John. Semanas que valem por décadas. China Hoje. Ano 2, n. 12, pp. 16-19, abr/mai, 2017.
YAFEI, He. Um balanço dos atuais desafios estratégicos mundiais. China Hoje. Ano 1, n. 6, pp.16-19, abr/mai, 2016.
João Ricardo Cumarú Silva Alves é Mestrando em Ciência Política pela UFPE e Pesquisador Associado do Instituto de Estudos da Ásia (IEASIA - UFPE).
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Opinião
O MERCOSUL entre autonomia e dependência
Por Mariana Vazquez
OMercosul nasceu em 26 de março de 1991, quando a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai assinaram na capital paraguaia, o Tratado de Assunção. Refletindo sobre estes mais de 25 anos de integração o bloco se mostra como uma geografia econômica, política e jurídico-institucional, e que têm procurado encarnar vários projetos antinômicos que disputam a hegemonia na América do Sul. A principal contradição, hoje como ontem, é entre um projeto de integração regional autônomo e um projeto de integração profundamente dependente.
Com esta antinomia como base expressam-se as nuances, tensões e contradições dos processos históricos que nunca são lineares. Em qualquer caso, apenas projetos regionais podem ser profundamente democráticos, enquanto buscam criar condições para o exercício efetivo da vontade popular, redução de fatores externos, alheios a ela.
A integração, nesta deriva regional, enfrenta desafios em vários níveis, dada a sua ancoragem nos projetos nacionais conjuntos, incluindo igualmente autonomia em seus princípios fundamentais e no âmago da política pública. Eles não são necessariamente convergentes ou complementares, como também não são as estruturas econômicas dos estados que formam ou dispõem de idéias que estão em jogo na unidade regional proposta.
Devemos refletir e até mesmo discutir a história recente da integração sul-americana, para construir uma doutrina de integração, enraizada nas mais nobres tradições de pensamento emancipador da América Latina, onde se nutrem novos projetos de unidade, num contexto global incerto, complexo e a transição para uma configuração que ainda é difícil de ser prevista.
Relatamos aqui esta história a partir da referência a três consensos, ou conjuntos de idéias e políticas que têm dominado o MERCOSUL em cada uma das suas diversas fases, sem desaparecer jamais a contradição fundamental e permanente entre esses dois projetos.
MERCOSUL e seu primeiro consenso: Assunção I
Portanto, o Mercosul surgiu no auge do neoliberalismo, esse conjunto de idéias que resultaram no assim chamado Consenso de Washington e das políticas que foram baseados nele: a desregulamentação dos mercados, a liberalização econômica indiscriminada, a privatização e assim por diante.
MERCOSUL foi constituído considerando principalmente o estabelecido pelo Tratado de Assunção (o seu programa de liberalização comercial), um bloqueio jurídico-institucional regional dessas políticas. Tanto a dimensão da economia política da integração, como no estritamente legal e institucional, foi tentada com algum sucesso para gerar um efeito encadeado das políticas econômicas implementadas no período, procurando a sua irreversibilidade.
Na verdade, a mudança de foco no sentido neoliberal de integração que no Cone Sul, nasceu em meados dos anos 80, a luz das novas democracias reintegradas, teve lugar um ano antes assinatura do Tratado de Assunção. Em 1990, Carlos Saúl Menem e Fernando Collor de Melo assinaram a Lei de Buenos Aires, que afundou a política, abrangente e orientada por Estados que começaram na década anterior.
No econômico-comercial, a integração com base nos princípios de gradualidade, simetria, equilíbrio intra-setorial e buscando a formação de um padrão de comércio intra-regional, enquanto, as discordâncias e o impacto social da redução tarifária progressiva, passaram bruscamente para uma linear e generalizada redução tarifária automática, em um período muito pequeno, sem qualquer consideração com as enormes assimetrias entre os Estados e no território ou impactos sociais, o que significaria abrir mão de uma integração gerenciada. A mudança “metodológica” da integração era apenas outro âmbito da abordagem e políticas do Consenso de Washington.
MERCOSUL O Consenso de Buenos Aires
Desde a chegada ao poder de governos populares nos Estados partes do bloco, no contexto de um processo que começa com Luiz Inácio Lula da Silva e Néstor Kirchner em 2003, o Mercosul deixou de ser conhecido apenas como uma pla -
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taforma comercial, para se tornar um espaço de acordo político na busca de maior grau de autonomia para a promoção das próprias políticas de desenvolvimento, e de um instrumento para fortalecer a democracia e ampliar direitos, buscando estabelecer um piso regional em princípio irreversível. Foram promovidas articulações políticas que procuraram reinventar princípios e práticas de solidariedade e ação coletiva a nível regional, digamos institucionalizadas.
Este foi um processo não linear, e as contradições inerentes a qualquer processo de mudança, mas com características bem definidas. Havia uma lógica comum, na qual o aprofundamento da democracia em todas as suas dimensões foi um dos principais pilares do projeto de integração, buscando a inclusão através de políticas públicas e através da participação em vários contextos institucionais, em linha com as profundas mudanças eles estavam a ter lugar a nível nacional. O MERCOSUL questionou os novos sujeitos sociais desde a criação de áreas para a participação de organizações e movimentos sociais e diálogo político com diversos setores da sociedade, excluídos na década anterior.
Esta mudança de época era uma referência paradigmática no Consenso de Buenos Aires, um documento assinado por Lula da Silva e Kirchner em 16 de outubro 2003, uma resposta contundente ao Consenso de Washington. Cada um dos seus pontos se plasmou na seguinte década em posições, propostas, políticas e novas instituições no MERCOSUL.
O artigo 1º do Consenso de Buenos Aires estabeleceu o direito dos povos ao desenvolvimento, que foi um dos princípios de organização política por excelência da nova etapa, tanto internamente como em nível regional e internacional. Desenvolvendo, um conceito de inestimável valor, tornou-se a base do discurso político, a definição de políticas públicas, estratégias de integração internacional a ser concebida por setores relevantes da liderança política e social regional como um eixo do projeto de integração.
A etapa do MERCOSUL que nasceu em 2003 não poderia deixar de refletir as profundas mudanças que ocorriam na região, nem as suas tensões e contradições. Destacamos aqui alguns elementos centrais desta fase.
Em primeiro lugar, como um sinal dos tempos, a compreensão histórica da liderança política, ou seja, dos Chefes de Estado, contemplando o valor estratégico da unidade regional proposta a partir de um olhar local. Em segundo lugar, deve notar-se como um elemento desta etapa, a adição e ranking de novas agendas e sujeitos
sociais no processo de integração regional. O MERCOSUL tornou-se muito mais complexo, denso e rico, incorporando novas dimensões e aspectos, especialmente ressaltadas nas políticas para a agricultura familiar, integração de produção, cooperativas, migração, direitos humanos, etc. Em terceiro lugar, devemos mencionar a transformação dos objetivos políticos de dimensões pré-existentes no senso, mas não na expansão dos direitos comerciais. Espaços institucionalizados de definições políticas conjuntas que nasceram na primeira década, por exemplo, os organismos responsáveis pela dimensão sócio-laboral do bloco. Em quarto lugar, o MERCOSUL criou durante esta fase instituições, metodologias e práticas de nova geração para promover a participação social no bloco. Várias das instituições criadas nesta nova etapa, especialmente nas reuniões especializadas, começaram a promover mecanismos de participação social. Em quinto lugar, é característica desta fase, a criação de um quadro institucional compatível com essas mudanças (por exemplo, o Parlamento do MERCOSUL, do Instituto Social do MERCOSUL, o Instituto de Políticas Públicas de Direitos Humanos). Em sexto lugar, a criação de mecanismos para abordar a questão das assimetrias entre os países, com o senso redistributivo, envolvendo pela primeira vez na história do bloco um elemento de apoio central ao projeto do Fundo para a Convergência Estrutural do MERCOSUL (FOCEM). Em sétimo lugar, a reafirmação de posições regionais no nível hemisférico, simbolizadas paradigmaticamente pela rejeição do projeto norte-americano de formação de uma Área de Livre Comércio da América. A “morte da ALCA” foi a condição de possibilidade da criação da União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) e da Comunidade da América Latina e Caraíbas (CELAC), anos mais tarde. Finalmente, uma etapa fundamental e também elemento chave, foi a ampliação à República Bolivariana da Venezuela e o Estado Plurinacional da Bolívia, em processo.
Mariana Vazquez é cientista política e professora da Universidade de Buenos Aires – UBA, foi coordenadora da Unidad de Apoyo a la Participación Social del MERCOSUR até 2016 e coordenadora geral da Casa Patria Grande “Presidente Néstor Carlos Kirchner” - Secretaría General de la Presidencia de la Nación Argentina (20112012).
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Opinião
O ensino superior e a presença indígena na universidade
Por Tarisson Nawa
Pela terceira vez, na 69ª edição da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), realizada em Belo Horizonte, na UFMG, a temática indígena entrou como pauta na atividade SBPC Afro e Indígena, cuja programação buscou tratar da invisibilidade da influência das línguas indígenas e africanas no português falado no Brasil.
Ainda que uma ação tímida, a proposta acena para um possível reconhecimento dos povos indígenas enquanto produtores de conhecimentos e que há muito foram silenciados no espaço acadêmico. Não apenas circunscrito a essa invisibilidade dos conhecimentos produzidos pelos povos originários, os indígenas ainda são minorias nos espaços de poder na academia, mesmo que as cotas étnico-raciais tenham possibilitado a entrada desses e de outros indivíduos que acionam outras sensibilidades e tencionam as estruturas de uma saber ocidental eurocêntrico.
Essa invisibilidade, na atualidade, não é produto apenas de uma sociedade que nega a existência indígena, mas está relacionada à progressão do sistema educacional universitário, o qual, desde suas origens, esteve voltado para grupos privilegiados. Além disso, a demora na implementação de políticas voltadas para os próprios índios em seus espaços de vivências contribuiu para a acentuação desse índice de invisibilidade.
As origens da universidade e o seu projeto
elitista
A história de invisibilidade indígena e a negação da existência de sociodiversidades no Brasil perpassa o Ensino Superior, cuja finalidade histórica inicial era servir aos interesses da corte brasileira, instalada aqui em 1808, com o objetivo de formar mão de obra administrativa qualificada para gerir a máquina estatal, como afirmou Sampaio (1991, p. 2): “No Brasil, a criação de instituições de ensino superior, seguindo esse modelo, buscava formar quadros profissionais para a administração dos negócios do Estado e para a descoberta de novas riquezas [...]”.
Ademais, a proposta de uma universidade brasileira que esteve voltada para uma elite e que servia à tecnização do Estado vigorou até o final do século XIX e início XX, período no qual a efervescência política aumentou e novas reformas nas propostas educacionais universitárias foram vislumbradas (SAMPAIO, 1991, p. 12).
Como destacou Coelho (2009) e Vasconcelos (2009), a estrutura colonial dominou por muito tempo, devido à falta de interesses em aplicar o ensino superior nacional. “A criação de universidades no Brasil revela considerável resistência tanto por parte de Portugal, como reflexo de sua política de colonização, como por parte de alguns brasileiros que não viam justificativa para a criação de uma instituição desse gênero no país, considerando muito mais adequado que as elites da época
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procurassem a Europa para fazer seus estudos superiores”.
Nesse sentido, a evolução tardia do ensino superior no Brasil esteve atrelada aos interesses de grupos dominantes, em cuja formação se sobressaia um ensino vinculado a ideologias liberais, conservadoras e positivistas (COELHO e VASCONCELOS, 2009), fazendo com que grupos menos favorecidos não encontrassem possibilidade de inserção nesses espaços.
A inserção do indígena na política educacional
As primeiras propostas estatais de educação escolar indígena, mesmo que de maneira escanteada, surgiram com a criação do SPI (Serviço de Proteção ao Índio), em 1910. Eram políticas marcadas pela lógica colonizadora de submissão tutelar do indígena (BERGAMASCHI; KURROSCHI, 2013) e também como produto de uma assimilação da identidade indígena em favor de uma consciência cívica de identidade nacional: tal proposta, assim como no período de educação jesuítica, visava sobretudo transformar o indígena numa massa amorfa mestiça.
Desde esse período, consideráveis conquistas foram importantes para modificar a política de ensino das escolas regulares e a inserção da temática sobre as populações autóctones nos currículos (Art. 26, § 4 da LDB/1996 e Lei 11.645/2008) e também atender à necessidade dos povos, com a educação diferenciada (Art. 78 e 79 da LDB).
Na esteira das mudanças desencadeadas pelo reconhecimento do indígena proposto pela Carta Magna de 1988, as mobilizações indigenistas provocaram a publicação da Lei nº 11.645/2008, que determina a obrigatoriedade do ensino da temática afro-brasileira e indígena nos currículos dos ensinos fundamental e médio e que possibilitou o reconhecimento de outras expressões socioculturais existentes no Brasil. A lei de cotas no Ensino Superior (Lei 12.711/2012) também apontou para o reconhecimento dessa população.
Todos esses mecanismos legais evidenciam considerável modificação no que diz respeito à educação das populações indígenas no país. Essas políticas, aos poucos, provocam modificações nas situações vivenciadas por esses povos e fez com que, atualmente, de acordo com o censo da educação superior de 2015 do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Anísio Teixeira), 32 mil índios estivessem cursando o nível superior em universidades
públicas e privadas. A presença indígena na universidade é uma realidade; o espaço que ocupam visa não somente inserir populações negadas aos seus direitos básicos de educação como também tencionar esses espaços com outras formas de pensar e entender o mundo, inserindo novas epistemologias; a presença indígena no espaço acadêmico visa também abrir brechas para a modificação de um ensino de cursos “tradicionais” que sempre estiveram voltados para uma elite, fazendo com que a efetivação da Lei nº 11.645/2008 seja ampliada; e, por fim, estar presente nos espaços de produção de saber favorece uma ampliação de conhecimentos que dialoguem não só com as vivências dos índios, mas também sirva para potencializar atividades realizadas em territórios indígenas, significando aprendizados para todos.
Referências:
BRASIL. Lei n° 11.645, de 10 de Março de 2008. Diário Oficial da União, Atos do Poder Legislativo, Brasília, DF, 11 de mar. 2008. Seção 1, p. 1. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei/2008/lei11645-10-marco-2008-572787-publicacaooriginal96087-pl.html>.
BRASIL. Lei n° 12.711 de 29 de Agosto de 2012. Diário Oficial da União, Atos do Poder Executivo, Brasília, DF, 29 ago. 2012. Disponível em: < http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/ l12711.htm>.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, Senado Federal. Disponível em: < http://www.senado.gov. br/atividade/const/con1988/con1988_06.06.2017/ CON1988.pdf>. Acesso em 24 de Agosto de 2017.
BRASIL. Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional. Brasília, Ministério da Educação, 1996.
COELHO, SINTIA SAID; VASCONCELOS, MARIA CELI CHAVES. A criação das instituições de ensino superior no Brasil: o desafio tardio na América Latina. In: Anais IX Colóquio Internacional sobre Gestão Universitária na América do Sul. Florianópolis, 2011.
SAMPAIO, H. Evolução do ensino superior brasileiro, 1808-1990. São Paulo: Nupes, 2008.
Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 11
Tarisson Nawa é graduando no curso de Jornalismo da Universidade Federal de Pernambuco
Comunicação na Web
Jornalismo, Sociedade e Internet
Por Ana Célia de Sá
Fragmentação noticiosa: narrativa fracionada da realidade social
O jornalismo vive o tempo presente, numa articulação social que adequa os acontecimentos do dia a dia de modo a mantê-los atuais. Para isso, recorta os eventos do contexto original e os acomoda ao modelo jornalístico de apresentação dos fatos cotidianos: a notícia. Assim, interpreta a realidade social presente e, a partir de uma narrativa efêmera e direta, concede ao público uma versão concentrada, dramatizada e sugestiva daquilo que os meios de comunicação e os seus profissionais consideram relevante à coletividade, conforme explica Gomis (1991).
A fragmentação episódica da realidade social faz parte do processo de construção do fato jornalístico. De acordo com Franciscato (2005), a profissionalização do jornalismo promoveu o desenvolvimento de técnicas mais apuradas de reconstrução de eventos na forma de relato noticioso, em constante con-
fronto com as temporalidades assumidas socialmente. A atividade institucionalizada age sob padrões de produção da notícia em larga escala, mediante o uso de critérios apoiados em suportes e organizações consolidados no plano coletivo.
“A atividade jornalística gera uma tensão ao produzir uma fragmentação discursiva dos eventos. Mas, ao mesmo tempo, a instituição jornalística apresenta-se como capaz de resolver cotidianamente esta tensão com seus recursos e ferramentas a fim de produzir uma ‘unidade’, a notícia, com um sentido de completude temporal (embora parcial). Isto ocorre porque a atividade executa um trabalho de fragmentação do evento (em termos temporais, mas não somente neste aspecto) para construir uma notícia enquanto um recorte com uma marcação temporal precisa, um sentido de início-fim do evento e sua localização num contexto temporal que é referência para seu público-leitor” (FRANCISCATO, 2005, p. 100).
Segundo Gomis (1991), o ordenamento dos fenômenos sociais em unidades noticiosas delimita a realidade bruta e reúne as suas versões mais significativas, de modo a atender às expectativas públicas
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e às necessidades técnicas do jornalismo, tais como ajustes ao espaço e ao tempo disponíveis. O autor reforça a ideia de que a notícia apresenta a realidade como ação concentrada em pílulas agrupadas nos noticiários, nas páginas impressas ou, analogamente, nos portais de internet. Neste procedimento, está intrincado um processo de fragmentação do real, que chega ao público em pequenas porções informativas, ou seja, períodos de interpretação do presente.
A fragmentação de eventos e a reconstrução deles em unidades noticiosas renovam os sentidos de contemporaneidade e novidade na agenda social, além de alimentarem a rotina produtiva das redações, da seleção à edição dos produtos midiáticos. A notícia como unidade informativa independente passa a referenciar o desenrolar dos acontecimentos de acordo com a evolução dos fatos e a veiculação de novos episódios noticiosos pelos meios de comunicação. Este modelo exige do público a necessidade de desfragmentar e conectar os eventos numa lógica associativa, cronológica ou valorativa.
“Sabemos que a notícia segmenta o fenômeno ocorrido e o transforma em fato. Ela, primeiro, o padroniza: o fenômeno deve virar uma unidade manufaturável, apta a ser trabalhada como produto. A totalidade do fenômeno só se torna possível por meio de cenas parciais ou pelo sistemático isolamento de outras cenas ou incidentes. Essas unidades manufaturadas (notícia) revelam-se obviamente heterogêneas, têm peso diferente, importância desigual. Ao remodelar realidades díspares, a informação as nivela em unidades breves que são, em seguida, remontadas (diagramadas) na página, na homepage, no espelho do noticiário da TV” (PEREIRA JUNIOR, 2006, p. 27-28. Grifo do autor).
Uma das críticas ao modelo fragmentador do jornalismo é justamente a remontagem das frações noticiosas da realidade. Ao analisar o discurso jornalístico em capas de jornais impressos de grande circulação no Brasil, Moretzsohn (2002, p. 96) observa: “Não raro se pretende estabelecer entre esses fragmentos um nexo que reforça o nonsense e provoca aquilo que em análise de discurso se define como ‘efeito de apagamento’, ocultando a materialidade do fato noticiado”. Esse efeito pode ser alcançado pela aproximação meramente estética de imagens semelhantes, numa ligação forçada entre assuntos de conteúdos díspares. A autora lembra, no entanto, outras formas de apresentação do mosaico jornalístico, a exemplo de critérios noticiosos e éticos, além do trabalho de interpretação do leitor.
Na internet, a produção da notícia em tempo real e em fluxo contínuo pode reordenar e evidenciar o conceito de fragmentação narrativa, já que a web possui natureza fragmentadora devido ao uso de hiperlinks e plataformas midiáticas variadas.
“Num esforço para parecer o mais atual possível, os veículos quebram as matérias e, freqüentemente, colocam o último desdobramento de uma história no topo. E as próximas informações virão em notas abaixo dessa” (FERRARI, 2006, p. 50). Feito de maneira excessiva, o fracionamento pode ocasionar perda do sentido geral do conteúdo para o usuário que não acompanhe todos os desdobramentos.
A cultura da instantaneidade induz fortemente à segmentação dos fatos como recurso mantenedor da novidade, ao mesmo tempo em que reforça a permanência de temas sociais na agenda midiática, numa renovação progressiva do ciclo de atualidade do discurso, dos ritmos produtivos, do vínculo com o “agora” e do aproveitamento do espaço simbolicamente ilimitado da web.
Os sucessivos relatos sobre um evento central podem detalhar fatos importantes, como também enunciar dados pouco relevantes na composição do conjunto informativo, numa ilusão de informações novas a todo instante. Como ferramenta para o aprofundamento e a qualificação da notícia, a fragmentação encontra brechas geradoras de efeitos positivos (atualização e detalhamento qualitativo dos fatos) e negativos (superexposição quantitativa de informações em detrimento da qualidade), a depender de como e com que finalidade as redações fracionam os seus produtos informativos, isto é, priorizando a qualidade da informação ou a produção meramente comercial.
Referências:
FERRARI, Pollyana. Jornalismo Digital. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2006. (Coleção Comunicação)
FRANCISCATO, Carlos Eduardo. A Fabricação do Presente: como o jornalismo reformulou a experiência do tempo nas sociedades ocidentais. São Cristóvão: Editora UFS; Aracaju: Fundação Oviêdo Teixeira, 2005.
GOMIS, Lorenzo. Teoría del Periodismo: cómo se forma el presente. Guanajuato: Paidós, 1991.
MORETZSOHN, Sylvia. Jornalismo em “tempo real”: o fetiche da velocidade. Rio de Janeiro: Revan, 2002.
PEREIRA JUNIOR, Luiz Costa. A apuração da notícia: métodos de investigação na imprensa. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 2006.
Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 13 Ana Célia de Sá é jornalista e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM-UFPE).
Opinião
O espaço da mulher na publicidade
Por Giselle Cahú
“Sucumbindo à reprodutibilidade, nossos corpos perdem suas profundezas e tornam-se superfícies, imagens de corpos – e corpos de imagem – num ciclo vicioso de reprodução e vulgarização de identidades” (Baitello Junior). Como este autor salienta em seu livro “A Era da Iconofagia: reflexões sobre a imagem, comunicação, mídia e cultura”, a nova sociedade não mais vive de pessoas, ela se sustenta de uma sequência infindável de imagens. Um dos produtos mais reprodutíveis, e que se sustenta justamente por meio dessa reprodução em larga escala, são as peças publicitárias. Dentro das agências, as mulheres não possuem espaço na criação. Segundo um levantamento realizada pelo jornal Meio&Mensagem em 2016, apenas 20% das equipes de criação são compostas por mulheres. Além disso, dados da agência Heads indicam que menos de 20% dos comerciais contribuem para a equidade de gênero no País. Há aí uma gigantesca crise cultural, estrutural e identitária.
A publicitária Bruna Bastos já passou por agências de publicidade e grandes empresas como o Shopping Recife, sendo atualmente Analista de Marketing na Flowup, uma startup do Porto Digital. Bruna, que sempre participou de fóruns, congressos e pesquisas sobre o tema, pautou seu TCC na representatividade de gênero dentro do mercado publicitário. Segundo ela, a representatividade feminina que vemos atualmente nas marcas e na associação delas [das marcas] ao politicamente correto segue as expectativas de mercado. “É muito mais para atender ao público consumidor, do que realmente o pensar ético. Justamente por que quem cria não faz parte desse meio, não faz parte das minorias, são em sua maioria homens. Faz pouco tempo que começamos a ver mulheres nos momentos de criação, é algo que está evoluindo aos poucos.” Diante do pouco espaço das mulheres no setor de criação publicitária, são os homens quem direcionam a forma como as mulheres são representadas e/ou como um produto pode atender ao público feminino. Bruna comenta sobre
uma das mudanças que ocorreram no foco da mulher como objeto de venda: “um exemplo que vi recentemente foi a Itaipava reposicionando a “mulher verão” dentro do comercial. Antes ela era o objeto principal da propaganda: atraente, desejada, “gostosa”, comparada à cerveja. Depois de verem que o público já não é plenamente masculino e que as mulheres exigem uma representatividade coerente, a Itaipava ainda utiliza uma garota propaganda, mas em processo de transição para atender melhor ao público, sem objetificação”. Contudo, algumas mudanças não são tão sutis e nem tão bem aceitas quanto outras. Bruna lembra a tentativa de boicote à marca de cosméticos Boticário, em 2015. Em sua campanha do dia dos namorados, casais homosexuais provocaram o público. “Estão representando todos os tipos de casais e isso deu muito o que falar. Foi uma questão de atender à minoria que consome e muito o produto deles, além de associar a marca a um momento que LGBTS estão em maior visibilidade. É um ponto dúbio aqui no Brasil, pois a marca ao mesmo tempo que agrada às minorias e começa a ser bem quista, acaba sendo “boicotada” por aqueles que não aprovam a visibilidade”, comenta a publicitária que afirma ser duas vezes minoria: mulher e bissexual. No que diz respeito a gênero há mudanças acontecendo em algumas marcas. “A C&A trabalhou na propaganda a desconstrução de estereótipos de gênero. No comercial eles realmente “brincaram” com as misturas de peças para todos, homens e mulheres, sem distinção de gênero. O ponto negativo foi que houve um erro nisso: as pessoas que foram procurar peças que seriam “unissex” viram que a C&A ainda estava dividindo peças por departamento”.
Para Bruna, o que mídia está expressando com esse novo redirecionamento nas formas de vender e consumir é o que está acontecendo na sociedade atual. “É uma representação do burburinho social, minorias e desconstrução de estereótipos de gênero são coisas que estão em constante discussão, ganhou visibilidade e as marcas adoraram para chamar atenção”. E completa dizendo que “uma marca não vai envolver
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seu nome em uma discussão se isso não trouxer algum benefício. Não têm essa benevolência toda em querer se associar a uma minoria só pra defender uma luta. Entretanto, de uma forma ou de outra, estão falando sobre e acabam divulgando, mostrando que a diversidade existe e deve ser respeitada”.
A visibilidade do movimento feminista aumentou e muito, potencializando mudanças. Uma grande parcela das mulheres têm conhecimento dos seus direitos e do seu espaço. A consequência disso é a exigência de que a representatividade se paute no que elas realmente são dentro da sociedade, ou o que querem ser, porque a conquista não terminou. Dessa forma, diz Bruna, a nossa voz é muito mais alta, muito mais exigente, e não engolimos algo que fale por nós. “Por isso o mercado publicitário acaba de certa forma buscando nos atender na medida em que houver interesse. Consumimos aquilo com que nos identificamos, se uma mulher se vê como forte, ela não vai comprar um produto direcionado para “mulheres frágeis”.
Segundo a psicóloga clínica especialista em psicomotricidade relacional Melissa Coutinho, identidade refere-se à maneira como nos reconhecemos e esse reconhecimento sofre interferência constante de um outro. “Somos seres em processo de formação contínuo. Nos formamos e nos transformamos todos os dias, enquanto resultado de todas as relações que estabelecemos ao longo de nossa vida. Dessa maneira, a nossa identidade vai sendo construída pelos valores, crenças, concepções de vida e de mundo que nos são transmitidas ao longo da existência”.
A sociedade na qual o indivíduo encontra-se inserido afeta o modo como ele se vê. Segundo afirma Melissa, a influência do outro em nossa vida se dá de forma referenciada: “Eu só existo porque o outro existe e este outro é a minha referência, influenciando no processo de construção do meu ser. É o processo de socialização que ajuda a definir o contorno do meu ser no mundo”, explica a psicóloga. Partindo dessas noções, Melissa observa que o que a mídia expressa serve como a representação desses vários outros que interferem positivamente ou negativamente sobre o indivíduo. “A mídia é esse espaço que define o que é realidade. Uma coisa passa ou não a existir se ela for ou não comunicada. A mídia transmite valores, sendo esta uma questão bastante delicada visto que são os valores que mobilizam e dão sentido às atitudes.”
Personagens femininas em peças publicitárias são bastante comuns desde sempre, uma
lembrança forte da associação da mulher à venda de produtos para o lar é o American Way of Life, uma reação para sanar a grande crise do sistema capitalista de produção dos Estados Unidos, em 1929, quando a presença delas ganha força acompanhando principalmente a venda de eletrodomésticos. Estereótipos femininos e regras de feminilidade vêm sendo culturalmente transmitidas. É fato que hoje a realidade é outra, muita coisa mudou, mas elas seguem utilizadas na mídia por sua força publicitária, por serem objeto de desejo e por seu poder de decisão em termos de consumo.
Segundo Melissa Coutinho, a imagem da mulher na mídia deveria ser mais representativa para a mulher real, sem a apelação para os estereótipos e um olhar retrógrado. “A mídia manipula e induz um ideal de beleza e até de estilo de vida inatingíveis, artificiais. Em geral, o reflexo disso é uma autoestima fragilizada e a busca insaciável e eterna por um modelo estereotipado de beleza, gerando comprometimento da própria saúde em nome desse ideal. Entretanto, podemos dizer que isso, infelizmente, não se restringe apenas à mídia, nos referirmos também à condição da mulher na sociedade e da própria condição de ser mulher”.
A maneira como o sujeito recebe as informações é de extrema importância em seu processo de construção da subjetividade, sua passividade ou sua atitude crítica diante da insistência da mídia em impossibilitar que sejam feitas reflexões. “Ela seduz, incutindo com mensagens subliminares a necessidade de satisfação imediata dos nossos desejos”, explica a psicóloga. Partindo da noção de que nos vemos no outro e a mídia é uma das expressões desse outro, podemos compreender que “sentir-se representado pela mídia perpassa pela ideia de acolhimento em relação às minhas ideias, cultura e valores”, pondera Melissa. Mas há uma ressalva feita por ela: “para que isso seja de fato significativo e tenha um impacto positivo, precisa estar atrelado à possibilidade de um olhar crítico, envolvido e interativo”.
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Giselle Cahú é graduanda do curso de jornalismo da UFPE.
Opinião
Nordeste Solar - uma região próspera!
Por Francis Lacerda
VISÃO PARADIGMÁTICA - As políticas públicas que visam ao desenvolvimento do Nordeste se lastram basicamente na captação e aumento da disponibilidade hídrica e na distribuição de bolsas para subsistência. Essas ações mostram-se insuficientes para promover o crescimento socioeconômico, mas têm remediado as crises que acontecem, no semiárido, ao surgimento de cada nova seca.
Uma estratégia assertiva para um futuro próspero de desenvolvimento sustentável é a promoção de uma economia socialmente justa e menos vulnerável aos efeitos das secas recorrentes associadas à variabilidade natural do clima, bem como, às suas alterações.
À medida que as temperaturas globais aumentam, o vapor d’água se torna mais abundante numa proporção de 7% para cada grau Celsius de aquecimento nos trópicos. Isso tem fortes implicações para o clima, pois o vapor d’água também causa efeito estufa. O gradual aquecimento da atmosfera implica na alteração de ciclos delicados do balanço climático nos quais as civilizações se desenvolveram ao longo de milênios. Tais ciclos incluem o desenvolvimento de processos de retroalimentação positiva, como por exemplo a alteração do albedo planetário
com o derretimento das geleiras continentais e da diminuição da cobertura do gelo marinho, os quais por sua vez, com a diminuição do albedo superficial, ocasionam maior absorção da radiação solar à superfície, que retroalimenta o aumento da temperatura do ar (PBMC, 2013). O resultado mais visível de um planeta mais quente é um oceano também mais quente. Assim, o hemisfério norte mais aquecido tem favorecido um posicionamento da Zona de Convergência Intertropical (principal fenômeno meteorológico indutor de chuvas do semiárido nordestino) mais ao norte da sua posição média, gerando secas recorrentes no semiárido do Nordeste do Brasil.
Os padrões climáticos atuais têm gerado extremos climáticos. Em maio de 2017, a ocorrência de chuvas intensas, combinadas com surtos de tempestades, afetou várias áreas do Agreste e Litoral de Pernambuco. Pancadas de chuva geraram inundações instantâneas em algumas bacias hidrográficas de Pernambuco e Alagoas. O fato é que uma escassez longa de chuvas vinha ocorrendo nessas mesmas áreas, juntamente com uma grande variação nos totais de chuva, ano a ano, gerando secas agrícolas e hidrológicas, por anos consecutivos. Esta alteração, ob -
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servada do ciclo hidrológico, está intrinsecamente ligada às alterações dos padrões de chuva e temperatura no planeta.
Os impactos significativos das mudanças climáticas exigem cortes substanciais e sustentados das emissões de gases de efeito estufa com vistas a combater as causas do aquecimento global, mas também é essencial um novo paradigma energético e econômico que apoie o desenvolvimento de sociedades mais adaptadas ao clima. Ações estratégicas podem ser adotadas e ampliadas para o convívio com as consequências das mudanças climáticas em curso, como por exemplo, desenvolver programas de reflorestamento, envolvendo todos os biomas, da Caatinga à Mata Atlântica, nas áreas rurais e urbanas, não exclusivamente pelo valor das florestas nativas para a estabilidade do clima e da biodiversidade, como também, pelo valor econômico que representam.
Aqui é importante lembrar que a região Nordeste do Brasil guarda um enorme potencial de energia solar, inexaurível, que, se incorporada à equação de desenvolvimento sustentável, econômico, ambiental e social, permitirá antever um novo paradigma de desenvolvimento, baseado na transformação da energia radiante solar em eletricidade (NOBRE 2011; LACERDA et al., 2015).
Recomenda-se, nesse contexto, um programa de estado apoiado nas mudanças da legislação que regulamenta a geração e a distribuição de energia elétrica, bem como o seu financiamento. Esse novo paradigma tem o potencial de transformar o atual modelo de desenvolvimento regional, pautado numa escassez - a água - e no uso predatório do seu bioma a Caatinga.
O FUTURO - Por outro lado, os padrões climáticos atuais, já fora do padrão “normal”, têm causado secas severas com sérios impactos na segurança hídrica. Há impactos por todos os lados, afetando a vida dos animais, das populações e do meio ambiente, como um todo.
Não menos importante é o efeito antrópico que tem transformado o ambiente de forma muito rápida, introduzindo quantidades significativas de carbono fóssil, nos oceanos e nos biomas, consumindo enormes volumes de água por meio de vários processos.
Esse cenário exige uma transformação radical, significativa e permanente na paisagem sócio-econômica-ambiental do Nordeste Semiárido. Uma ação significativa e sustentada no combate às causas do aquecimento global é o novo paradigma energético que apoia o desenvolvimento e respeita o clima. Para que tal possibilidade
de mudança possa ocorrer e a geração de energia limpa possa representar mais do que uma simples mudança da matriz energética local, é imprescindível que esta ação esteja associada a um programa de revegetação do Bioma Caatinga juntamente com o incentivo às práticas consorciadas de fotogeração e agricultura, todos lastreados num programa educacional consistente e abrangente.
Profunda é a transformação que percebemos no planeta terra hoje, uma realidade que é reflexo daquilo que somos na atualidade. Apresentar críticas, sugestões e aceitar os desafios dessa transformação é necessário e urgente. O Nordestino, guerreiro por natureza, deve ser confiante e curioso e buscar uma ação que seja transformadora da realidade atual, onde é visto como vítima do clima. Assim sendo, o Nordeste semiárido do Brasil deixará o imperativo da pobreza e da miséria para o imperativo da prosperidade e da abundância.
Referências:
LACERDA, F. F.; NOBRE, P.; SOBRAL, M. C.; LOPES, G. M. B.; CHAN, C. S. BRITO, E. Long term climate trends over Nordeste Brazil and Cape Verde. Journal of Earth Science & Climatic Change, 2015.
NOBRE, P. Mudanças Climáticas e desertificação: os desafios para o Estado Brasileiro. In: Desertificação e Mudanças Climáticas no Semiárido Brasileiro. Editores: R. C. C. Lima, A. M. B. Cavalcante e A. M. P. Marin, Instituto Nacional do Semiárido - INSA, pp 25-35, ISBN: 978-85-64265-02-8, 2011.
PBMC - PAINEL BRASILEIRO DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS. Contribuição do Grupo de Trabalho 1 ao Primeiro Relatório de Avaliação Nacional do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas. Sumário Executivo GT1. PBMC, Rio de Janeiro, Brasil.24 p, 2013.
Francis Lacerda é Climatóloga e Pesquisadora do Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA) desde 1996, Doutora em Engenharia Civil (UFPE), Mestra e Graduada em Meteorologia (UFPB). Foi fundadora do Laboratório de Meteorologia de PE, em 1990, sendo sua coordenadora até 2011. Hoje atua na área de Mudanças Climáticas do IPA e já publicou inúmeros artigos em períodos científicos nas áreas de meteorologia, climatologia e mudanças climáticas. Já representou PE em duas conferências globais do Clima da ONU, na Polônia e na Dinamarca, dentre outros eventos nacionais e mundiais.
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Mídia Alternativa
Jornalismo de oposição e resistência
Por Xenya Bucchioni
O jornalismo narrativo latino-americano resiste!
Se é verdade que o chamado new journalism ficou mundialmente conhecido pela associação à geração de escritores norte-americanos representada por Norman Mailer, Gay Talese e Truman Capote, também é fato que em terras latino-americanas a fusão de técnicas jornalísticas e literárias, também, tiveram representantes de peso. Gabriel Garcia Márquez, Eduardo Galeano, Rodolfo Walsh, José Martí, Lima Barreto, João Antônio. Seja qual tenha sido o tem -
po histórico, a América Latina desenvolveu uma tradição própria nesse terreno.
Não por acaso, boa parte da produção latina encontrou pouso em revistas e jornais alternativos já que uma de suas funções primordiais sempre foi, justamente, a de questionar os limites e as possibilidades da forma e do conteúdo jornalístico. Assim, é também sintomático atestar que a existência da Fundación Nuevo Periodismo Iberoamericano tenha sido capitaneada por ninguém menos do que Gabo, Gabriel García Márquez –com apoio direto do jornalista Jaime Abello. Fundada em 1995 na cidade de Cartagena das Índias a instituição foi estruturada para ser um pólo de pesquisa e inovação no jornalismo narrativo lati -
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no-americano.
De lá para cá, dada a quantidade de títulos de revistas que se dedicam a manter viva essa tradição, pode-se dizer que o jornalismo narrativo latino-americano resiste. Da mexicana-colombiana Gatopardo (2000) à peruana Etiqueta Negra (2001), da colombiana El Malpensante (1996) à chilena The Clinic (2001), da venezuelana Marcapasos (2007) à salvadorenha Séptimo Sentido (2008), as iniciativas continentais parecem seguir bem.
Em comum, essas iniciativas têm o fato de buscarem uma voz própria em meio a um jornalismo feito de regras de manuais, textos curtos e ditaduras do lead. Juntas, conformam um bloco emergente que se descola das iniciativas jornalísticas tradicionais até mesmo no universo digital. Ao privilegiar o formato longo, elas apostam em boas histórias em detrimento das fórmulas utilizadas quando o assunto é angariar atenção na web. Uma aposta que soa clichê, mas que traduz singelamente sobre o que, supostamente, deveria ser também o jornalismo.
Periódico do mês: Brecha, jornalismo independente de esquerda
Quando Brecha foi fundada, em outubro de 1985, a aposta em um novo periódico não parecia algo tão suicida como agora. Os uruguaios ainda mantinham firme e forte o hábito de leitura em papel e o país vivia a efervescência do pós-ditadura. As discussões sobre o futuro ganhavam dimensão pública, a esquerda se reestruturava e, aos poucos, os exilados retornavam ao Uruguai. O contexto favorecia como nunca o debate – um clima perfeito para a nova empreitada jornalística.
Afora todas as peculiaridades do momento de seu nascimento, Brecha chegava ao mundo com um plus: era herdeira da mítica Marcha – referência em imprensa de esquerda em toda a América Latina. Fundada em 1939, Marcha circulou pelo Uruguai até 1974. Por suas páginas, passaram boa parte da intelectualidade do país e de jornalistas, ainda hoje, prestigiados. Um dos nomes mais conhecidos pelas bandas brasileiras associado à essas empreitadas jornalísticas é o de Eduardo Galeano cuja formação como jornalista remete aos anos de Marcha. De sua herdeira – Brecha – Galeano foi um dos fundadores ao lado de outros nomes de peso do cenário do jornalismo uruguaio.
Com pouco mais de trinta anos na ativa, Brecha se metamorfoseou ao longo dos anos. No início, era basicamente um projeto coletivo de jornalistas. Desde 2012, no entanto, passou a funcionar no esquema de cooperativa – tanto a comissão di -
retiva quanto o diretor de jornalismo são eleitos por voto secreto, e para se candidatarem precisam do apoio de dois terços dos trabalhadores. Funcionários, revisores, telefonistas – todos os trabalhadores são cooperados e, portanto, participantes diretos de Brecha.
Embora o impacto da internet tenha abalado a tradicional versão impressa, as edições continuam de pé nas prateleiras. Na web, o leitor encontra material extra em dois formatos: aberto ou fechado para assinantes. Sinais dos tempos em que a presença digital segue sem um modelo de negócio capaz de dar conta da sobrevivência do meio. De todo modo, Brecha continua firme no seu propósito de dar voz às camadas marginalizadas da sociedade, assumindo o compromisso rumo a uma sociedade mais justa e igualitária. Afinal, como o próprio periódico assinala, ao rever a sua história, “poderá haver crises na imprensa de papel, mas nunca no papel que deve cumprir a imprensa”.
Dossiê temático: História da mídia regional
A hibridização de nossa cultura, as características peculiares das produções de mídia no país e as diferentes práticas comunicacionais representam uma vertente importante das pesquisas realizadas na Comunicação com ênfase nas temáticas regionais.
Foi pensando na riqueza temática e complexidade desses estudos que a Revista Brasileira de História da Mídia lançou um novo dossiê. Nele estão reunidos textos com enfoques variados acerca da mídia regional: da identidade cultural do gaúcho à história da imprensa no Mato Grosso do Sul; do centenário do Tribuna de Petrópolis, no Rio de Janeiro, à comunicação popular no Boletim Ferramenta, em Vitória, no Espírito Santo; do manuscrito feminino O Sonho, no Rio Grande do Norte, ao jornal Nicolau, no Paraná. Os olhares são múltiplos e recobrem um amplo espectro do mapa brasileiro para refletir a heterogeneidade comunicacional do país. Vale a leitura!
Escrita pela jornalista Xenya Bucchioni, doutoranda em Comunicação na UFPE e fundadora do Mezclador, estúdio de cultura contemporânea desenhado para realizar projetos de impacto social, a coluna Mídia Alternativa aborda a produção jornalística feita à margem dos veículos tradicionais. Mensalmente, o espaço apresentará um raio-x das publicações alternativas marcantes na história do jornalismo e do país, além de entrevistas e debates.
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Opinião
As Iniquidades de um País Chamado Brasil
Por Marcos Costa Lima
Recentemente, fui convidado para participar do excelente programa da Rádio Universitária FM/UFPE “Fora da Curva: Jornalismo, Crítica e Diversidade”, que tem por mote – um Programa que fala o que a maioria Cala. O título do programa na ocasião foi “Para onde vai o Dinheiro do País?”
O convite me fez debruçar sobre um conjunto de temas nacionais que impede o nosso País de alcançar o status de um País não apenas democrático, mas também inclusivo, com justiça social, sem pobreza e que permita que a grande maioria de sua população possa morar decentemente, enfrentar os problemas de saúde de forma adequada e não sofrer com as violências do cotidiano, que são muitas. Que possam, através de um ensino qualificado, ter familiaridade com um conhecimento que eleve e estimule a criatividade, que respeite a natureza e que problematize questões como racismo, direitos da mulher, da infância e da adolescência e onde a polícia e o Estado não entendam e atuem para estigmatizar os pobres como se fossem cidadãos de terceira classe e que não os criminalizem. Sabemos que estamos muito longe de ser um País com tal perfil e ainda mais hoje em dia, após a deposição da presidente Dilma Rousseff, legitimamente eleita. Passamos a viver num País onde o governo de plantão penaliza e discrimina trabalhadores, de uma forma abertamente antipopular. Desde que este grupo assumiu o poder no Brasil, não há dia em que não sofremos com a redução dos gastos sociais, ampliação da idade de aposentadoria, cortes de aumentos salariais já estabelecidos, violação da Consolidação das Leis do Trabalho.
O Brasil de Temer viu um ministro da Saúde afirmar que a Saúde Pública não é um direito universal e que prevê reduções de gastos no Sistema Único de Saúde. Viu o ministro das Cidades revogar a construção de 11.250 casas do Programa “Minha Casa Minha Vida”. Viu o ministro do Desenvolvimento dizer que cortará 10% dos gastos do “Programa Bolsa Família”. Viu o ministro da Educação, sem diálogo com o setor, cortar verbas essenciais da Educação, afetando bolsas, pesquisas e ameaçar o fechamento de algumas universidades federais e gerar o rumor de que o ensino superior no País será doravante pago. Viu ainda o partido político do ministro da Educação entrar na justiça contra as “ações afirmativas” do governo Dilma Roussef, como as cotas para os negros e alunos de baixa renda. Viu o todo poderoso ministro da Fazenda defender o aumento do tempo de contribuição para o INSS. Enfim, é um conjunto de medidas neoliberais que vão aprofundar
a recessão, o desemprego e a desnacionalização do País. Por estas razões, intitulo este um governo antinacional e anti-povo.
Como para fechar este pacote de violências, a Emenda 241 do Teto dos Gastos Públicos por 20 Anos, que não apenas irá reduzir os gastos sociais, mas retirar o impulso de crescimento da Nação. Por exemplo, se em 2016 o governo gastou R$100,00 (cem reais), em 2017, só poderá gastar os mesmos R$100,00 (cem reais) mais a inflação do ano. Como se o País deixasse de ter aumento populacional e como se as necessidades dos mais vulneráveis às carências básicas – esgoto, moradia, escola, universidade - fossem congeladas no tempo.
Não toquei ainda num tema sensível para o desenvolvimento futuro do Brasil que é o das mudanças nas regras do Pré-Sal, que previam uma alocação de parte dos lucros para saúde e educação, o que funcionaria como uma verdadeira alavanca de qualidade para o conjunto da sociedade brasileira. Pois bem, o projeto de lei de nº 4567/2016 retira a obrigação da Petrobrás de ser majoritária nos consórcios de exploração, após tantos anos de pesquisa científica – de gastos públicos – para sermos auto-suficientes em Petróleo.
São muitas as formas de ilícitos que assistimos a cada dia, seja pela evasão fiscal, quando grandes empresas e bancos deixam de pagar ao fisco, ou via evasão de divisas feitas por empresas multinacionais através dos mecanismos de subfaturamento das exportações. O Global Finance Integrity (GFI) (financiada pela Ford Foundation) diz em relatório intitulado Fuga de Capitais, os Fluxos Ilícitos e as Crises Macroeconômicas 1960-2012, que os fluxos financeiros ilícitos somaram, em média, US$ 14,7 bilhões por ano no período de 2000 a 2009. Entre 2010 a 2012, esses fluxos ilícitos aumentaram para uma média de US$ 33,7 bilhões por ano. Essas saídas de recursos representam cerca de 1,5% do PIB do Brasil nos dois períodos. Em termos da magnitude total do fenômeno, o país ocupa a sétima posição entre os países em desenvolvimento, todos os quais são afetados por estes mecanismos. A análise da GFI baseia-se em dados apresentados pelo Brasil ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial, os quais permitem a discriminação de saídas não registradas de recursos em vazamentos do balanço de pagamentos e super ou subfaturamento comercial. Há décadas, os vazamentos do balanço de pagamentos têm correspondido, de um modo geral, a cerca de 10 a 20% do total, o que significa que o faturamento indevido no fluxo de comércio
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é responsável por 80 a 90% da drenagem de capitais do país. O mesmo Relatório informa que têm verificado, há muitos anos, uma hesitação por parte do Brasil em atacar, efetivamente, problemas relacionados à fuga de capitais e a saídas ilícitas de recursos do país.
Mas não é apenas o fenômeno ultrajante da corrupção que torna o País fragilizado, são muito mais a negligência e conivência do Poder Público em cobrar as dívidas de quem deve ao fisco, à União. Somente os dez primeiros colocados da lista devem aos cofres públicos o equivalente a quase 10% de todas as dívidas desse tipo que o governo tem a receber. Juntas, estes empresas deviam em 2015 a bagatela de R$ 122,6 bilhões de um total de R$ 1,4 trilhão inscritos hoje na dívida ativa da União.
A maior devedora é a Vale do Rio Doce, que tem um total de R$ 41,9 bilhões em dívida. As 135 pessoas físicas e empresas que mais devem impostos federais no Brasil acumulam, juntas, uma dívida impressionante de R$ 272,1 bilhões. O montante cobriria, com folga de R$ 100 bilhões, o déficit fiscal do ano de 2016. Os setores que mais devem à União são bancos, mineradoras e de energia elétrica. Destes, 90% são grandes empresas. Mais que isso: dois terços dos valores devidos à União estão concentrados em 1% dos devedores. Os maiores devedores são a indústria (R$ 236,5 bilhões), o comércio (163,5 bilhões) e o sistema financeiro (R$ 89,3 bilhões). Também devem à União empresas de mídia (R$ 10,8 bilhões), educação (R$ 10,5 bilhões) e extrativismo (R$ 44,1 bilhões). Mais da metade dos valores é devido em SP (41,85%) e RJ (16,71%).
Pois bem, para além da conivência do Estado com as grandes empresas é necessário dizer que, neste País, os pobres pagam mais impostos que os ricos. Para quem recebe até 2 Salários Mínimos, são quase 200 dias de trabalho sobre os quais incidem o imposto. Para os ricos, a alíquota que deveria ser de 27,5% no imposto de renda, acaba onerando apenas 106 dias de trabalho ao ano.
Sabemos que a cobrança de impostos é um dos principais meios pelo qual os governos podem enfrentar a pobreza, a desigualdade, realizar os investimentos necessários de toda ordem - em transporte e estradas, Educação, Saúde, Habitação.
Ao mesmo tempo que o Estado não cobra dos grandes devedores, a Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) subiu para 48,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em maio de 2017, ante 47,4% em abril. Em dezembro de 2016, estava em 46,2% do PIB. A dívida do Governo Central, governos regionais e empresas estatais terminou o mês passado em R$ 3,075 trilhões. Os números foram divulgados pelo Banco Central.
Mas gostaria de concluir este breve artigo com uma questão que a meu juízo é uma das mais iníquas deste Brasil: trata-se da questão agrária. Em novembro de 2016 a ONG OXFAM publicou uma excelente pesquisa que dá conta do problema.
O informe se intitula: TERRENOS DA DESIGUALDADE. Terra, agricultura e desigualdades no Brasil rural
(https://www.oxfam.org.br/publicacoes/terrenos-da-desigualdade-terra-agricultura-e-desigualdade-no- brasil-rural). Ficamos sabendo através da OXFAM que das mais de 5 milhões de propriedades rurais no Brasil, em 2010, 56,1% são grandes propriedades e apenas 8,2% são minifúndios. As terras com mais de 2.500 ha representam 30,4% das terras e aquelas terras entre 1.000 e 2.500 ha são 14,5% do total. Ou seja, 44,9% da área rural agricultável no Brasil é controlada por apenas 0,9% de estabelecimentos.
Gráfico: Aumento do Número de Grandes Propriedades no Brasil
lectuais, Caio Prado Júnior, o gráfico acima dá conta do “sentido da colonização do País”, da manutenção dos privilégios.
Se tivemos uma modernidade, ela reproduz e atualiza o conceito de Prado Jr., que não se reduz apenas à economia, mas a uma estrutura política e social e uma matriz cultural de subordinação, de mandonismo, de patrimonialismo, de violência larvar, de autoritarismo, onde o rico pode tudo e aos pobres, aos trabalhadores, as agruras do sistema.
Somos um país rico, mas onde a acumulação é feita para muito poucos, o que está exposto na concentração de terras, de renda, do patrimônio. Enfim, no início do Século XXI estamos, lamentavelmente, regredindo. É mais do que tempo de refletirmos sobre estas iniquidades para superá-las, nos organizarmos para lança-las de uma vez por todas no passado, ou como diria o grande Guimarães Rosa, no cafundó do Judas.
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Marcos Costa Lima é professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Federal de Pernambuco e Coordenador do Instituto de Estudos da Ásia (IEÁSIA/UFPE).
Opinião
Mídia, Poder e Democracia
Por Rubens Pinto Lyra
Essa questão deveria merecer sempre a atenção prioritária de todos que compreendem a sua importância crucial para o regime democrático. Precisamos recuperar o tempo perdido, pois as ameaças a esse regime no Brasil, devidas, entre outras, ao recrudescimento do autoritarismo nos grandes meios de comunicação, exige uma reflexão permanente de todos que estão engajados na luta pelo aprimoramento das condições econômicas, sociais e políticas sob cuja égide vivemos.Há uma percepção de grande parte da população sobre as distorções praticadas pelo oligopólio midiático, especialmente pela mídia televisiva. Todavia, trata-se de uma percepção incompleta, que se atém apenas à superfície.
Com efeito, a ampla maioria dos cidadãos não percebe a extensão e a profundidade das restrições à liberdade de expressão. Nunca chegamos a um nível tão baixo de pluralismo e de liberdade de opinião na mídia, especialmente na televisiva, que contribui decisivamente para moldar a opinião do povo sobre os assuntos mais importantes relacionados com a vida social e política brasileira.
As práticas da grande imprensa brasileira se assemelham as de um regime totalitário, não existindo nenhum espaço para a divergência quando se trata de temas que são caros ao grande capital e ao governo que o representa, como, por exemplo, a reforma trabalhista e previdenciária, a operação Lava Jato e a lei de controle ao abuso de autoridade.
0 pouco espaço disponível não permite a análise de vários outros aspectos em que se materializa a escandalosa parcialidade do monopólio midiático, que não aborda ou não noticia assuntos relevantes, quando não lhe interessa fazê-lo. Limito-me, pois, a esse respeito, a lembrar atitude típica da Globo, quando deixou de anunciar um evento de repercussão nacional: a greve geral realizada no dia 21 de maio deste ano.
Contudo, o mais grave atentado ao pluralismo de idéias e opiniões é o que perpetra diariamente os grandes meios de comunica -
ção, através dos posicionamentos e comentários, invariavelmente tendenciosos, de seus apresentadores e repórteres sobre os temas acima mencionados, e do facciosismo extremado que se traduz em convidar para abordá-los única e exclusivamente os famosos “especialistas” que vivem, regra geral, de salários regiamente pagos pelas grandes empresas, ou de contratos com elas firmados.
Nunca – ou quase – são chamados para comentar estudiosos que se identificam com a postura crítica dos sindicatos, quando se trata das reformas governamentais, ou juristas que discordam das posições da grande mídia sobre temas considerados tabu.
É assim que as emissoras de TV deixaram passar em branco as declarações do Procurador Geral do Trabalho, Ronaldo Fleury, que qualificou a decantada Reforma Trabalhista de “uma fraude”, que por ele será questionada na Justiça, em função de, pelo menos, 14 pontos de duvidosa conformidade à Constituição. Por mais autoridade sobre essa ou outras matérias que tenha, não será convidado para analisá-las quem não for defensor incondicional do ponto de vista do mercado.
Mas é preciso atentar para o fato de que a atuação deletéria da imprensa em seu favor não se restringe ao endosso a propostas modificadoras da legislação vigente. Vai além, tendo avançado, nos últimos tempos, como nunca se vira antes, a pregação de comportamentos, de valores e de linguagem que buscam escamotear o domínio exercido pelo capital sobre os trabalhadores.
Disso é exemplo o empenho de toda a mídia em “dourar a pílula” quando chama o trabalhador de “funcionário”, ou de “colaborador”, jamais do que ele realmente é, em uma empresa privada: um trabalhador, ou um empregado desta. Não conheço sociedade capitalista cuja mídia tenha conseguido, como a nossa, universalizar a denominação eufemística de “funcionário”, logrando-a estender aos trabalhadores das fábricas e dos escritórios.
Por último, vale a pena um comentário sobre o programa “Criança Esperança”, da Rede
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Globo. Com ele, a mídia tenta construir uma visão de mundo que apresenta, alternativamente, a força de vontade, a iniciativa de caráter individual ou a generosidade de cada um como o único caminho para promover a justiça e a ampliação da cidadania. Para a Globo, nada de lutas coletivas, de iniciativas que visem melhorar a distribuição de renda, cobrando dos patrões a sua quota de “sacrifício” para a promoção de mais igualdade social, como, por exemplo, com o imposto sobre as grandes fortunas. Para a empresa dos irmãos Marinho, a melhor solução seria mesmo a de fazer caridade para ela, enquanto utiliza todos os artifícios, nem sempre ortodoxos, para não pagar os impostos devidos ao Estado, privando o erário público de milhões, ou de bilhões de reais, conforme demonstrou recentíssima reportagem da SBT.
Tudo que acabamos de expor torna imperiosa a mudança de estratégia das esquerdas, que precisam ampliar o leque de suas propostas, incorporando reivindicações relacionadas ao mundo da cultura, do direito e da política, como a democratização dos meios de comunicação - que, para mim, tem precedência em relação a todas as outras.
Enquanto não for assegurado, na mídia, o pluralismo de opiniões, que possibilita ao cidadão, especialmente ao trabalhador, formar livremente o seu juízo, e optar entre diferentes propostas de natureza política e ideológica, identificando os candidatos que representam os seus interesses, continuaremos a eleger um Parlamento largamente dominado pelo Capital. Nenhuma reforma política digna desse nome será eficaz se o cidadão for privado das condições, acima referidas, que tornam possível o exercício verdadeiramente soberano do voto.
A democratização dos meios de comunicação e a reforma política são conditio sine qua non para a construção de uma estratégia contra-hegemônica, que se forja na conquista de mentes e corações para o projeto mudancista. Somente o convencimento prévio da necessidade de mudança – não só na economia, mas também na política - com a assimilação de valores efetivamente democráticos - permite ao cidadão comum e às lideranças partidárias se libertarem do viés personalista e corporativo. Estariam, então, criadas as condições, não apenas para a vitória eleitoral, mas também para aquelas que elevam as classes subalternas à condição de efetivas dirigentes do processo político.
A construção dessa contra-hegemonia terá, necessariamente de encampar bandeiras de caráter mais amplo, conforme exposto, e de também realizar incansável trabalho de conscientização, ancorada em concepções e práticas democráticas inovadoras.
Pablo Iglesias, líder de Podemos, principal movimento de oposição na Espanha, que governa as suas maiores cidades, Madrid e Barcelona, valeu-se de uma boutade para indicar a necessidade de uma renovação profunda dos métodos e estratégias das forças políticas que se aglutinaram para mudar a fisionomia daquele país: “se queres acertar , não faças o que a esquerda faria”.
Com isso, Iglesias, cujo partido tem obtidos resultados eleitorais surpreendentes, quis dizer que é preciso inovar. E assim procedeu, evitando posições simplistas que cultivam oposições irredutíveis, quando aproximações e composições podem e devem ser feitas para a construção de uma alternativa viável para a esquerda.
Estejamos atentos às contribuições de Iglesias e de seu partido, pois conseguiram importantes vitorias eleitorais em uma conjuntura, até recentemente, muito desfavorável. Construíram uma alternativa de poder dotada de credibilidade, fazendo com que Podemos “permaneça aberto, seja capaz de renovar-se, reconhecendo em público os seus erros e prestando contas de forma transparente”.
Será a esquerda brasileira capaz de seguir o exemplo de Podemos, convocando os que a apóiam para discutir os seus descaminhos? Ou vamos persistir em erros históricos, alimentando maniqueísmos, conservando posturas autistas e nos limitando apenas às lutas sociais e corporativas?
Desprovida de ethos democrático, a esquerda não nos insere em nenhum túnel, que, ao final, nos permita enxergar a luz. Ou buscaremos caminhos que aglutinem - sem perder a coerência política e a substância ideológica - construindo, dessa forma, uma alternativa renovadora de poder? Essa é a questão.
Rubens Pinto Lyra é Doutor em Direito Público e Ciência Política (Université de Nancy, França) e Professor do Programa de Pós-Graduação Direitos Humanos, Políticas Públicas e Cidadania da UFPB. Email: rubelyra@uol.com.br
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Opinião
Direitos LGBTI no contexto dos BRICS
Por Mariana Yante
No final do mês de junho, a maior associação chinesa de indústria midiática lançou publicamente uma nova regulação acerca do banimento de alguns conteúdos online, incluindo “comportamentos sexuais anormais”. Esse conceito abarcaria vídeos e áudios com temáticas homossexuais, em quaisquer tipos de mídia – desde documentários e filmes, até vídeos educativos e desenhos animados.
O documento executivo, formalmente publicado a partir da China Netcasting Services Association (CNSA), como “Regras de Revisão do Conteúdo Audiovisual da Internet” proibiu que tal orientação sexual fosse veiculada, equiparando-a a conteúdos de abuso sexual, perversão sexual e incesto:
trar pares gays, e algumas organizações no país, como a Voice of the Gay manifestaram-se publicamente sobre o retrocesso que isso representa.
A remoção do homossexualismo da lista das doenças mentais ocorreu na China somente em 2001, quando a Organização Mundial de Saúde(OMS) o fez desde 1991, embora a descriminalização seja de 1997.
Dessa forma, ativistas apontam que, ainda que não se trate de um documento oficial, governamental, a resolução é legitimada pela própria CNSA, que tem poder de polícia (fiscalização e penalização administrativa), e reforça o preconceito que ainda existe na sociedade e nos espaços institucionais.
Infelizmente, o reconhecimento pelo Estado dos direitos LGBTI (Utiliza-se aqui o acrônimo Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transexuais e Transgêneros, embora reconhecemos que existem algumas variações e divergências sobre a sigla) ainda parece distante de consenso. Comparando a realidade chinesa com a dos outros países que compõem os BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) – aliança que promete ser uma das alternativas aos tradicionais laços de cooperação norte-sul –, o cenário é desolador.
-governamental chinesa, a Voice of the Gay , que atua na proteção dos direitos homossexuais, o boom da internet permitiu a homens e mulheres ter acesso à comunidade gay de maneira mais simplificada. Antes, mesmo na China, havia lugares específicos para encontrar eventualmente um(a) parceiro(a), ainda que existam muitos relatos de relações meramente idílicas.
Hoje, por exemplo, existem aplicativos como o Blued – um dos mais populares entre a comunidade chinesa para encon -
Na Índia, a Seção 377 do Código Penal criminaliza desde 1860 atividades sexuais “contra a ordem da natureza” (against the order of nature). Embora o Tribunal Superior de New Dehli tenha feito uma tentativa de admitir o sexo com consentimento entre dois adultos em julho de 2009, a Suprema Corte, em dezembro de 2013, entendeu que a questão era de competência do Parlamento.
Pouco depois, a Sociedade Indiana de Psiquiatria publicou uma nota replicada no início de janeiro de 2014 no Times of India, na qual afirmava que a homossexualidade não se tratava de doença mental. Apesar disso, a questão encontra resistên -
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cia mesmo dentro da comunidade médica de patologistas.
No caso da África do Sul, ainda que o país represente um modelo para o restante de seu continente – no qual países como Uganda e Gambia, por exemplo, têm legislações recentes de criminalização da homossexualidade e trinta e oito dos cinquenta e cinco Estados o fazem –, violações, sobretudo a direitos sexuais de lésbicas e transexuais, são reportadas frequentemente.
O movimento no país sul-africano pelo reconhecimento de direitos à comunidade LGBTI foi iniciado em 2006 pela Corte Constitucional, que determinou que o Poder Legislativo realizasse as mudanças legislativas necessárias para reconhecer a união homoafetiva em um determinado lapso temporal.
O protagonismo dos órgãos jurisdicionais no reconhecimento de direitos sexuais não é exclusivo da África do Sul, mas um fenômeno comum a outros países. No Brasil, a expressão “homoafetividade” foi alcunhada no âmbito do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul e teve seu reconhecimento difundido juntamente com os direitos previdenciários assegurados nas uniões afetivas pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), em março de 2006 (Resp. 238.715, Relator Min. Humberto Gomes de Barros).
Além disso, também não foi por meio do Poder Legislativo que, em maio de 2013, a Resolução nº 175, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), um órgão administrativo do Poder Judiciário, determinou que os cartórios de todo o Brasil sejam obrigados a registrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo.
Em contraste, o Congresso Nacional brasileiro, a partir do Projeto de Lei nº 6.583/13, vem tramitando o chamado “Estatuto da Família”, que essencialmente visa a restringir o conceito de unidade familiar e negar a concessão de direitos a famílias monoparentais ou LGBTT.
Em uma realidade aparentemente ainda mais assustadora que a indiana, a Rússia reforça uma política de intolerância à diversidade sexual não apenas no nível normativo. Recentemente, a organização Human Rights Watch reportou que dezenas de homens gays vêm sendo presos e torturados na região da Chechênia sob os
auspícios do governo local – que tem suporte do Kremlin. Alguns são devolvidos às suas famílias, que são encorajadas a assassiná-los para preservar sua honra, ao passo que outros desaparecem – o que tem provocado discussões sobre a existência de campos de concentração destinados a tais violações de direitos humanos.
Dez estados federados russos já possuíam leis que criminalizavam a “propaganda homossexual” quando, em junho de 2013, o Parlamento nacional aprovou o Código da Federação Russa sobre Ofensas Administrativas. O documento normativo foi votado e ratificado pelo Presidente Vladmir Putin sob o fundamento de resistência aos valores ocidentais do neoliberalismo e para promover valores tradicionais russos – um discurso muito similar ao invocado por diversos países africanos que aprovaram legislações homofóbicas.
Enquanto na China continental tem havido um aparente retrocesso no reconhecimento dos direitos das pessoas LGBTI, um julgado recente da corte de Taiwan (que está reunida à primeira sob o princípio de um país e dois regimes) colocou a província em caminho diverso. No último 24 de maio, o tribunal constitucional taiwanês reconheceu ser restritiva a interpretação de que o casamento entre duas pessoas apenas permitia a reunião entre sexos opostos, dando um prazo de dois anos para que o Parlamento promovesse as alterações normativas cabíveis.
A decisão afirmativa levou a comemorações nas ruas e manifestações nas redes sociais chinesas, embora haja registros de que boa parte do conteúdo foi censurado no âmbito dos órgãos midiáticos da China continental.
Diante de tamanhos contrastes, não somente dentro da China, mas também em um contexto tantas vezes tido como promissor para a cooperação Sul-Sul, como os BRICS o são, é lastimável concluir que as violações aos direitos LGBTI são, na verdade, algo mais partilhado que os efetivos avanços na proteção às minorias.
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Mariana Yante é doutoranda em Relações Internacionais na Universidade de Wuhan/China.
Jornalismo Ambiental
Sociedade, natureza e mudanças climáticas
Por Robério Daniel da Silva Coutinho
O agir socioambiental do nordestino atento à vegetação e ao clima
Numa ação iniciada junto ao povo empobrecido do NE, que, a princípio, pode até parecer uma aula prática de físico-química para agricultores, já que passaram a transformar metano em gás carbônico - substâncias danosas ao clima quando emitidas à atmosfera, sobretudo o metano, com 25 vezes maior capacidade de reter calor na atmosfera do que o CO² -, uma organização social, voltada à promoção da justiça e desenvolvimento social, vem agindo na busca da visibilidade pública, política, ambiental e socioeconômica da problemática da degradação humana e da natureza no interior de Pernambuco, Bahia e nos demais estados nordestinos.
Esta organização (Diaconia) tem estimulado famílias de diversas comunidades a refletir e a agir, mudando suas próprias realidades através da introdução da consciência de uma ecodignidade em seu cotidiano, a partir de ações práticas específicas em suas moradias. Com isso, tem problematizado sobre a preservação do Bioma Caatinga e chamando a atenção para a questão do clima em que vivem e as respectivas mudanças climáticas. Tudo isso através do manejo e usos adequados das fezes dos animais que são criados por eles e do resultado financeiro e ambiental que tal ação gera através da troca e produção da própria matriz energética usada nas suas casas e na fabricação de adubo e biofertilizante para a agricultura.
A mudança no paradigma ecológico e produtivo das famílias atendidas pela organização resulta da operacionalidade de uma tecnologia instalada nas moradias, chamada Biodigestor. Tal equipamento que tem mostrado todo esse potencial supradescrito foi implantado de forma pioneira pela Organização Não Governamental Diaconia em 2009, em parceria com o Projeto Dom Helder Câmara. O local escolhido para implantação do biodigestor foi uma comunidade de Afogados da Ingazeira (PE), no sertão do Pajeú, onde duas
famílias acreditaram na tecnologia. Nos anos seguintes, continuou sendo instalada em outras comunidades, estados e regiões diferentes do Brasil. Em uma iniciativa mais recente, a Diaconia construiu mais 395 biodigestores nos estados de Pernambuco, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Santa Catarina e do RS” (SILVA, 2017).
No geral, nas comunidades em que o biodigestor é instalado verifica-se uma consequente mudança socioeconômica e valorização ambiental das famílias beneficiadas. Tal mudança pode até ser considerada pequena, se levada em conta o seu alcance em relação à dimensão territorial ou populacional nordestina, do Brasil, ou mesmo planetária, mas isso não compromete a sua ampla potencialidade e condição transformadora para as famílias e comunidades que têm apostado nos biodigestores, que vêm usufruindo e acumulando benefícios socioeconômicos e ambiental provenientes dessa racionalidade e práxis da ecodignidade. Neste contexto, essa significativa mudança passou a chamar a atenção inclusive da própria mídia nacional, ampliando sua devida visibilidade na representação social da realidade, através de suas notícias jornalísticas.
Um caso mais recente advêm do portal brasileiro de notícias UOL. Em uma matéria do editorial Ciência e Saúde, faz referência logo no título, área noticiosa mais privilegiada da atenção do público, que as “Famílias de PE fazem gás de cozinha com esterco, e param de comprar botijão” (2017). A notícia ancora o benefício do Biodigestor para as centenas de famílias pelo viés economicista, ao noticiar que elas produzem tal matriz energética para usar nas casas ao invés de comprá-la: “Pelo menos 500 famílias nordestinas estão sem despesa com a compra de botijão de gás de cozinha depois que ganharam biodigestores em suas propriedades para produção de gás por meio de esterco de animais” (Ibidem.).
“Além de substituir o gás de cozinha, evitando esse custo, ainda pode-se fabricar adubo sólido e biofertilizante para as plantas” (SILVA, 2017). A publicação do UOL faz inclusive tal abordagem com contextualização, apesar de não ser o objetivo central da matéria. O uso desses materiais orgânicos fabricados da fermentação adequada das fezes dos animais na agricultura tem gerado alimentos mais saudáveis para o consumo próprio
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deles (até para venda) e sem custos adicionais com a aplicação de insumos químicos nas micro lavouras dessas famílias mais carentes.
Ademais, Silva (2017) ainda aponta para a possibilidade de se adaptar o uso do biodigestor para reduzir até a conta de energia elétrica com aquecedores de água de chuveiro e outros fins. No sertão, o clima semiárido costuma ser frio durante à noite e madrugada, apesar do calor no período diurno, o que faz todo sentido esquentar água para o banho.
Além da questão produtiva e econômica, o uso do biogestor gera vários benefícios socioambientais, com destaque para a preservação do Bioma Caatinga, um dos ecossistemas da Terra mais vulneráveis às mudanças do clima, conforme demonstrado em uma publicação da Revista Nature por pesquisadores ingleses e noruegueses. Outra promessa ambiental é resultante da adoção de práticas de mitigação das emissões de gases poluentes à atmosfera, seja através da redução da emissão de CO² derivada do fim da queima secular da Caatinga para uso doméstico, seja na redução da emissão de metano ao transformá-lo em gás carbônico, seja através da agroecologia com a produção de alimento sem química.
“A família que tem um biodigestor não precisa tirar lenha ou fazer carvão com as árvores da Caatinga para conzinha os alimentos, mudando uma prática secular dessa região, diminuindo o desmatamento da vegetação” (SILVA, 2017). Além disso, o referido técnico da ONG Diaconia realça que reduz-se a emissão de fuligem na residência, causada pela queima da lenha, e ainda diminui a emissão de CO² derivada dessa combustão. Além disso, ao transformar e usar o combustível que antes era esterco, que ficaria amontoado no curral, emitindo gás metano para a atmosfera, evita-se sua liberação ao ser queimado no fogão da casa das famílias.
O fato é que, independente da maior visibilidade pública e política dada ao Biodigestor propagado pela iniciativa da Diaconia, tem aumentado o número de famílias, comunidades, cidades, estados e regiões brasileiras que passaram a usar essa tecnologia diante dos notórios e significativos benefícios ambientais e produtivos, conforme descreveu Silva (Idibem). O site da Diaconia (http://www.diaconia.org.br/) disponibiliza gratuitamente a cartilha onde revela todas informações técnicas e ensina o passo a passo para a construção da referida tecnologia.
Essa experiência socioambiental e solidária, apesar de ser uma dentre algumas poucas espalhadas pelo mundo, mostra que, além dela ser vital e necessária diante dos desafios globais frente
à fome e às mudanças climáticas antrópicas e vigentes, ela é possível de ser concretizada e até ampliada. O fato mostra que é possível haver outra racionalidade humana através da consolidação de tais paradigmas socioambientais e político-econômicos, demandados por um saber e um agir transformador das práticas culturas tradicionais sobre a matriz energética usada e a agricultura praticada em direção a uma praxe sustentada e sustentável atrelada à preocupação ambiental sem desprezar a econômica, retroalimentando-se em favor de toda sociedade, sobretudo às populações empobrecidas.
Ademais, a experiência do biodigestor da ONG Diaconia pode apontar ainda para o fato de que o uso de tecnologias, por si só, jamais terá o condão de elevar as condições socioeconômicas das populações pobres e muito menos proteger a natureza, senão pela ótica e a ação solidária da sociedade em geral, derivada desta ética sustentada e sustentável.
Todavia, ainda assim, quando alcançada, como demonstrada através da profética e exitosa experiência socioambiental e política-econômica do biodigestor, mostra-se pertinente a reflexão crítica referente à epistemologia a cerca da divisa entre o agir local e o pensar global a título de sua eficácia como método de ação de governança e legislação para o enfrentamento de grandes temas e problemas mundiais, em especial sobre o clima e a fome global.
Referências:
SILVA, Jucier. Entrevista concedida a Robério Coutinho por e-mail. Recife, 5 ago. 2017;
UOL. Famílias de PE fazem gás de cozinha com esterco, e param de comprar botijão. Aliny Gama. Caruaru. 2017. Disponível em: em https://noticias.uol.com.br/ meio-ambiente/ultimas-noticias/redacao/2017/08/18/ agricultores-usam-esterco-para-produzir-gas-e-param-decomprar-botijao.htm. Acesso em: 18 de ago 2017.
Este espaço apresenta abordagens críticas e interdisciplinares relativas à produção da representação noticiosa da realidade social (jornalismo) sobre as mudanças climáticas e a sua influência na constituição do sentido social sobre a questão. É escrito pelo jornalista Robério Coutinho, mestre em Comunicação pela UFPE, com formação básica em Meteorologia pelo INPE/CPTEC, exassessor de imprensa do Laboratório de Meteorologia de PE, bolsista pesquisador da Rede Brasileira de Mudança Climática e autor de livros sobre o temática.
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Mídia Fora do Armário
Jornalismo e construções identitárias
Por Rui Caeiro
De acordo com Correia (2011), os processos de mediatização desempenham importante papel na constituição de um universo social comum (ou suficientemente semelhante). Só assim, na superação das subjetividades individualizadas, a expressão e interpretação das ações comunicacionais se tornam inteligíveis, possíveis. Esse processo contribui em grande medida para a orientação cognitiva dos sujeitos – baseada em representações sociais da realidade –, que assim aprendem, em maior ou menor grau, os objetivos e normas de comportamento expectáveis (para si e para o Outro) em determinado contexto. Essa importante função social apenas é possível por meio da tipificação. Tanto a construção de notícias como a sua compreensão dependem de ‘quadros de experiência’ – também apelidados de ‘tipificações’ e ‘frames’. Tais quadros funcionam como receitas para dar sentido aos acontecimentos com que nos deparamos: nada do que enfrentamos é entendido como completamente novo, mas na sua relação, na sua semelhança, com experiências já vividas. Assim, como nos diz Entman (1994, apud PORTO, 2004, p. 82), enquadrar pressupõe a seleção de “alguns aspectos de uma realidade percebida e fazê-los mais salientes em um texto comunicativo, de forma a promover uma definição particular do problema, uma interpretação causal, uma avaliação moral e/ou uma recomendação de tratamento para o item descrito”.
Desta forma, as notícias não apenas resultam de frames – em que ‘relevância’ é conceito central –, como se constituem elas mesmas enquanto tal, oferecendo definições da realidade e delimitando as compreensões possíveis sobre os fenômenos (TUCHMAN, 1983).
Esse aspeto é por demais evidente ao levarmos em conta as notícias produzidas sobre pessoas trans: a tipicidade que é trabalhada – resultante também de um repertório social, portanto histórico/cultural de conhecimento – é, invariavelmente, a de pessoas que são doentes, presas em corpos errados, que habitam exclusivamente, se não os consultórios médicos, a criminalidade (CAEIRO, 2016). Muito raramente escutadas, essas narrativas reforçam a institucionalização dos locais a que pertencem, bem como as expecta -
tivas gerais sobre/para suas vidas: afastadas dos locais de produção e do contato com a restante população – indivíduos estranhos, perigosos, indesejáveis. Um afastamento que muitas vezes nem mesmo para jornalistas/editores de jornais é motivo de reflexão, imersos que estão nessa atitude natural de conhecer esse mundo. Sendo característico do estilo jornalístico construir narrativas que sejam facilmente compreensíveis/ reconhecíveis para “cidadãos típicos”, assim se colocando na pré-disposição de refletir as tipificações e relevâncias consideradas dominantes (CORREIA, 2011, p.208), é necessário salientar a comodidade que a atitude de afastamento, não-reflexão, garante.
Se pensarmos que as notícias são construídas a partir de um universo de referência (por exemplo, notícias sobre política são elaboradas a partir das posições/sujeitos envolvidos no acontecimento), o acesso exclusivo a ‘fontes oficiais’ (medicina/polícia) nas matérias sobre transexualidade/travestilidade, bem como a incapacidade dos produtores de notícia reflectirem sobre transexualidade(s)/travestilidade(s) fora desses marcos (maioritariamente cissexistas) (CAEIRO, 2016, p.194-198), autoriza-nos a apontar a circularidade frame-notícia-frame que, neste assunto, constitui a mídia, contribuindo para a reprodução do satus quo.
As contribuições de Bourdieu serão interessantes para aprofundarmos a reprodução desta violência, tornada legitima: diz o autor que é “enquanto instrumentos estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento que os «sistemas simbólicos» cumprem a sua função política de instrumentos de imposição ou de legitimação da dominação, que contribuem para assegurar a dominação de uma classe sobre outra (violência simbólica) dando o reforço da sua própria força às relações de força que as fundamentam” (BOURDIEU, 1989, p. 11).
Quer isto dizer que as formas legítimas de conhecimento, tornadas possíveis através de sistemas simbólicos, não resultam apenas dos caminhos institucionalizados por que temos acesso à realidade, como são também determinantes na constituição desses caminhos por que seguimos – círculo de produção da realidade que
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alimenta a (re)produção de violência legítima. Nele, o capital político, necessário à intervenção na sociedade – e que é formado pelo conjunto de recursos/competências socialmente validadas – encontra-se concentrado nas mãos de poucos, ‘especialistas’, que assim têm entrada facilitada no campo de produção.
A nomeação e transformação de corporalidades/gêneros em perversidade e doença é indissociável da constituição desse campo de especialistas (cisgêneros), produtores de discursos que são disseminados e apropriados como verdadeiros pela maioria da restante população. Uma vez compreendido que a “produção de tomadas de posição depende do sistema das tomadas de posição propostas em concorrência” (BOURDIEU, 1989, p.178), quer dizer, dos termos em que a questão problemática é colocada, qual a realidade objectivada e quais as possibilidades de solução pensadas/pensáveis/dizíveis, a constatação de que o Jornalismo desempenha, na maioria das vezes, importante papel na perpetuação de silenciamentos/discursos constitutivos de violências mortais é inevitável.
Baseando-se nas reflexões de Schutz sobre o estatuto do observador social, Correia (2011, p. 210-211) traz algumas sugestões para a crítica/superação dessa postura no Jornalismo (e, acrescentamos, pertinentes para a Academia).
1) Abandonar a crença positivista da imparcialidade é exigência para o assumir da participação (privilegiada) do jornalista/acadêmico na construção da realidade social (e seus fenómenos, como a transexualidade/travestilidade). Compreender a impossibilidade de viver no mundo sem lhe tocar é premissa necessária à compreensão de que os sujeitos (inclusive jornalistas e acadêmicos) falam e atuam a partir de uma posição/situação social, histórica e cultural concreta, portanto, à rejeição de que uma realidade ‘em si’ a que especialistas têm acesso. 2) A percepção da responsabilidade no mundo, principalmente tendo em conta as posições de destaque que ocupa na (re)produção de conhecimentos, pode resultar numa maior reflexividade sobre aquilo que tal actor trabalha, buscando novos olhares e modos de chegar “aos significados que os agentes observados atribuem às suas acções. Para isso importa deixar as fontes do costume e manter uma perspectiva crítica relativamente às rotinas institucionalizadas” (CORREIA, 2011, p.2011). 3) Afirmando-se como observador-participante, tomando consciência das relações de poder em que está enredado, e de que não é possível abster-se, uma postura crítica de suspeita frente à mera reprodução pode ser cultivada – bem como
lhe poderão ser cobradas justificações eticamente fundamentadas de seu trabalho.
Essa é uma postura em que julgamos necessário insistir, mas sem que signifique o total depositar das esperanças de transformação social na subjetividade dos indivíduos (no Jornalismo/Academia). É necessário também, acreditamos, tecer estratégias mais combativas para a denúncia das exclusões que constituem esses campos ideológicos. É necessário também pensar políticas de ação direta que atuem, hoje, sobre os limites impostos à existência. O desafio não é a longo prazo, adiável, mas imediato, como, aliás, pessoas trans afirmam há bastante tempo. A disposição para ouvi-las será, necessariamente, ação inaugural na construção de outro mundo, um em que as possibilidades da guerra não-declarada (MOMBAÇA, 2016) acabar sejam minimamente reais.
Referências:
BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Lisboa: Difel, 1989.
CAEIRO, Rui. Transexualidade(s) e travestilidade(s) no Jornalismo: uma análise discursiva dos textos produzidos por Aqui PE e Jornal do Commercio. Dissertação de mestrado. Recife: Mestrado em Comunicação. Universidade Federal de Pernambuco, 2016. 282 p.
CORREIA, João Carlos. Alfred Schutz: algumas notas sobre uma Fenomenologia da Comunicação. In SANTOS, José; ALVES, Pedro; SERRA, Joaquim (Orgs). Filosofias da Comunicação. Covilhã: Livros LabCom/UBI, 2011. p. 187218.
MOMBAÇA, Jota. Rumo a uma redistribuição desobediente de gênero e anticolonial da violência! Fundação Bienal de São Paulo, 2016. Disponível em: <https://issuu.com/ amilcarpacker/docs/rumo_a_uma_redistribuic__a__o_ da_vi> Acesso em 7 de agosto 2017.
PORTO, Mauro P. Enquadramentos da Mídia e Política. In RUBIM, Antonio Albino Canelas (Org). Comunicação e Política: conceitos e abordagens. Salvador: EDUFBA, 2004. p.73-104.
TUCHMAN, Gaye. La producción de la noticia – estudio sobre la construcción de la realidad. Barcelona: Gustavo Gili, 1983.
Assinada pelo jornalista Rui Caeiro, mestre em Comunicação pela UFPE, a coluna ambiciona instigar reflexões que se debrucem sobre as relações que se estabelecem entre produção midiática/jornalística e a construção e vivência de identidades consideradas abjetas em nossa sociedade. O foco será em sexualidade e gênero.
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Opinião
Meirelles, o Mercado e o Povo
Por Embaixador
Samuel Pinheiro Guimarães
1. O Senhor Henrique Meirelles, Ministro da Fazenda, ex-presidente do Bank of Boston e, de 2012 a 2016, presidente do Conselho de Administração da J&F Investimentos (do Senhor Joesley Batista), de onde saiu para ocupar o Ministério da Fazenda, procura, à frente de uma equipe de economistas de linha neoliberal, implantar no Brasil, na Constituição e na legislação, uma série de reformas para criar um ambiente favorável aos investidores, favorável ao que
chamam de “Mercado”.
2. Estas “reformas” são, na realidade, um retrocesso econômico e político e estão trazendo, e trarão, sofrimento ao povo brasileiro e satisfação ao “Mercado”.
3. Enquanto atingem com seu Programa o povo brasileiro, e em especial os mais pobres, os trabalhadores e os excluídos, o debate político fica centrado na corrupção,
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Carlos BarretaWikipedia
desviando a atenção da classe média e dos moralistas, que o acompanham como a uma novela da Globo: de um lado os heróis: Meirelles, Parente, Moro, Dallagnol, do outro lado, os “bandidos”: Temer, Lula, o PT, o PMDB, etc.
4. Discute-se se o Presidente Michel Temer levou ou não “contribuições pessoais” e se foram 500 mil ou 20 milhões, a prazo; se o Senador Aécio Neves pediu ao Senhor Joesley Batista uma propina ou um empréstimo de 2 milhões de reais; se a J&F corrompeu a quantos e se deveriam seus proprietários ficar ou não livres de pena; se o Senhor Joesley Batista merecia o perdão; se o Senhor Sérgio Moro, juiz de primeira instância, é ou não a principal autoridade judiciária do Brasil, acima da Lei; se o Ministro Marco Aurélio é justo; se o Ministro Gilmar Mendes é imparcial etc etc etc.
5. O tema importante é a tentativa das classes hegemônicas brasileiras, aqueles que declararam ao Imposto de Renda ganharem mais de 160 salários mínimos por mês (cerca de 160 mil reais) e que são cerca de 74 mil pessoas.
6. Estes 74 mil que constituem, em seu conjunto, aquela entidade que os jornais e analistas chamam de “Mercado”, querem impor ao Brasil, sem ter nenhum mandato, um programa econômico que agravará radicalmente a concentração de renda e de riqueza e fragmentará a sociedade: é o programa do Mercado contra o Povo.
7. De um lado, o “Mercado”:
• os banqueiros (não os bancos);
• os rentistas;
• os grandes proprietários rurais;
• os grandes proprietários urbanos;
• os empresários exceto, cada vez mais, aqueles que se deram conta de que Henrique Meirelles é contra a indústria brasileira;
• os gestores de grandes fortunas privadas, às vezes modestos ex-professores universitários de economia;
• os proprietários dos meios de comunicação;
• os executivos brasileiros de megaempresas multinacionais;
• muitos economistas, vinculados, de uma forma ou de outra, a instituições do Mercado.
8. De outro lado, o Povo:
• os 14 milhões de desempregados;
• os 53 milhões de brasileiros que recebem o Bolsa Família, isto é, aqueles cuja renda mensal é inferior a 182 reais;
• os milhões de subempregados, que vivem de biscates e esmolas;
• os 47 milhões que ganham menos de um salário mínimo por mês;
• as dezenas de milhões que são isentos do imposto de renda por terem renda inferior a 2.500 reais por mês;
• os 61 milhões que estão inadimplentes com seus crediários;
• os mais de 11 milhões de habitantes de favelas;
• os 3 milhões de crianças fora da escola;
• os milhões de brasileiros sem remédios e sem hospital;
• os milhões de brasileiros que penam todos os dias nos transportes públicos, caros, deficientes e perigosos.
9. Henrique Meirelles e seu Programa são o obstáculo à retomada do desenvolvimento, à inclusão social e à democracia. O obstáculo não é a corrupção que distrai a atenção da catástrofe que está sendo consolidada na legislação através de um Congresso que representa principalmente empresários, banqueiros, proprietários rurais, rentistas, etc.
10. O Mercado agora deseja colocar um presidente de imagem limpa para que se implementem as reformas. Não importa quem as conduza. Agora se fala abertamente da adoção do parlamentarismo e de outras reformas políticas para consolidar o controle das classes hegemônicas sobre a sociedade brasileira.
11. É preciso lutar com todas as forças contra este Programa de Meirelles de “retrocessos” disfarçados e apresentados como reformas a “favor” do Povo e contra as reformas políticas que visam a perpetuar este Programa.
Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 31 Samuel Pinheiro Guimarães é Embaixador e foi Secretário Geral do Itamaraty (2003-2009) e Ministro de Assuntos Estratégicos (2009-2010).