Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 1
Jornalismo e cidadania nº 19 | Janeiro 2018
| ISSN 2526-2440 |
Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade | PPGCOM/UFPE
Prosa Real
Crítica ou Resenha?
Comunicação na Web
Gatekeeper ou Gatewatcher:
E mais...
JORNALISMO E CIDADANIA | 2
Expediente
Arte da Capa: Designed by Freepik.com
Editor Geral | Heitor Rocha professor PPGCOM/UFPE
Alunos Voluntários | Lucyanna Maria de Souza Melo Yago de Oliveira Mendes José Tarisson Costa da Silva
Editor Executivo | Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE
Colaboradores |
Editor Internacional | Marcos Costa Lima Pós-Graduação em Ciência Política/UFPE
Alfredo Vizeu Professor PPGCOM - UFPE
Articulistas |
Túlio Velho Barreto Fundação Joaquim Nabuco
PROSA REAL Alexandre Zarate Maciel doutorando PPGCOM/UFPE
Gustavo Ferreira da Costa Lima Pós-Graduação em Sociologia/UFPB
MÍDIA ALTERNATIVA Xenya Bucchioni doutoranda PPGCOM/UFPE
Luiz Lorenzo Núcleo de Rádios e TV Universitárias/UFPE Ada Cristina Machado Silveira Professora da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM
NO BALANÇO DA REDE Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE
Antonio Jucá Filho Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ
JORNALISMO E POLÍTICA Laís Ferreira mestranda PPGCOM/UFPE
Auríbio Farias Conceição Professor do Departamento de Letras e Humanidades – DLH/ UEPB
JORNALISMO AMBIENTAL Robério Daniel da Silva Coutinho mestre em Comunicação UFPE
Leonardo Souza Ramos Professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC –Minas Gerais e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Potências Médias (GPPM)
PODER PLURAL Rakel de Castro doutoranda PPGCOM/UFPE e UBI
COMUNICAÇÃO PÚBLICA Ana Paula Lucena doutoranda PPGCOM/UFPE JORNALISMO INDEPENDENTE Karolina Calado doutoranda PPGCOM/UFPE MÍDIA FORA DO ARMÁRIO Rui Caeiro mestre em Comunicação UFPE MUDE O CANAL Ticianne Perdigão doutoranda PPGCOM/UFPE
Índice
CIDADANIA EM REDE Nataly Queiroz doutoranda PPGCOM/UFPE
Rubens Pinto Lyra Professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas da UFPB
Editorial
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Prosa Real
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Comunicação na Web
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Opinião |Marcelo Xavier
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Opinião | Pedro de Souza
| 10
Opinião | Marcos Costa Lima
| 14
Mídia Fora do Armário
| 16
Opinião | Rubens Pinto Lyra
| 18
Opinião | Denise Galvani
| 20
No Balanço da Rede
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COMUNICAÇÃO NA WEB Ana Célia de Sá Doutoranda em Comunicação UFPE NA TELA DA TV Mariana Banja mestranda em Comunicação UFPE
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Editorial Por Heitor Rocha
O
carnaval 2018 expressou com eloquência toda a vocação para a alegria do povo brasileiro, especialmente evidenciada na espontaneidade das manifestações de rua que aconteceram em quase todos os estados. Na programação oficial também ficou patente a consistente preocupação com a crítica à situação política, social e econômica, com denúncias das ameaças do programa neoliberal e suas reformas que visam precarizar a vida da maioria absoluta da população para garantir a taxa de lucro do capital e sua acumulação e concentração pelos donos do dinheiro extremamente minoritários no conjunto da sociedade. Neste sentido, merece destaque o desfile da Escola Paraíso do Tuiuti, que descreveu com maestria a cruel realidade nacional, inclusive com a ilustração do caráter vampiresco que vem sendo assumido pela presidência da república. Nesta festa generalizada, pode-se identificar, além da alegria contagiante, a disposição de trabalho dos cidadãos mais pobres que se dispõem a acompanhar o percurso dos blocos carregando pesados fardos de bebidas para vender aos foliões e tirar alguns trocados buscando garantir a sobrevivência. Desta maneira, o carnaval ilustra de forma clara características da identidade cultural brasileira que têm uma consistente contribuição a dar aos outros povos do mundo, especialmente aqueles do hemisfério norte que monopolizam quase toda a riqueza do planeta, mas vivem em situação de miséria cultural e moral em decorrência do radicalismo de uma doutrina individualista radical que cultiva o egoísmo e o desprezo pelos semelhantes em nome da procura incessante por dinheiro e poder. Um exemplo claro desta doença social (ou sociopatia) são os constantes assassinatos que acontecem sistematicamente nos colégios norte-americanos, como o que ocorreu agora matando 17 pessoas. A competição estimulada pela fantástica publicidade midiática da indústria cultural capitalista assume uma dimensão fantasmagórica induzindo os jovens a condenarem suas vidas a uma luta mortal para se tornar o “ven-
cedor” e fazer do resto do mundo perdedor, ocultando que o resultado dessa cruzada pelo bezerro de ouro é a mais completa solidão e infelicidade, pois, afinal, como advertia Vinícius de Moraes, “é impossível ser feliz sozinho”. Outro campo em que se evidencia a monstruosidade da doutrina do individualismo e da economia natural, como denunciava John Dewey há quase cem anos, é o da construção de conhecimento, da ciência, onde a disputa impede a ampliação da estrutura cognitiva através da abertura ao intercâmbio na dimensão social com os argumentos e posicionamentos contrários às pretensões de validade que articulamos sobre as coisas e estados de coisas do mundo objetivo, sobre a legitimidade ou ilegitimidade das relações interpessoais do mundo social ou sobre as vivências pessoais do mundo subjetivo. A intolerância e os discursos de ódio inviabilizam a convivência com os pensamentos discordantes e isolam as pessoas mesmo nas redes sociais, através das bolhas dos adeptos do pensamento único, reprimindo e estigmatizando a diversidade da vida e menosprezando a necessidade de se respeitar democraticamente o direito radical à alteridade dos outros de pensarem de forma diametralmente oposta a nossa sobre qualquer assunto. Passada a festa, resta-nos a expectativa de que a catarse coletiva do carnaval contribua para fortalecer a solidariedade na consciência política para que as eleições possam renovar moralmente a composição do Congresso Nacional e da Presidência da República de maneira a contemplar um projeto progressista para o País.
Heitor Costa Lima da Rocha, Editor Geral da Revista Jornalismo e Cidadania, é professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.
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Prosa Real
Livro-reportagem, jornalismo e contexto Por Alexandre Zarate Maciel
Livros-reportagem na imprensa: crítica ou resenha?
J
ornalistas escritores de livros-reportagem entrevistados para a tese de doutorado do autor desta coluna foram unânimes em se queixar do fato de não haver uma análise crítica na imprensa, apenas resenhas ou resumos da obra, encarada como um produto. Para Fernando Morais, a ausência de uma crítica mais sistemática dos livros na imprensa é consequência, principalmente, do fim do jornalismo cultural analítico, que antes era mais comum nos jornais diários, alguns com clássicos cadernos de análise de literatura. Mas, na sua opinião, o perfil desse crítico deveria ser de alguém com “a experiência completa do jornalismo, reportagem, edição e fechamento”. Alguém que foi “repórter, copidesque, pauteiro, chefe de reportagem” seria o profissional mais capacitado, pois saberia das dificuldades e dos truques do ofício. Segundo lembra Ruy Castro, nos Estados Unidos, onde o mercado para os livros-reportagem, sejam biografias ou livros de reconstituição histórica, está consolidado há anos, é comum a figura do jornalista que faz a análise crítica dos lançamentos de não ficção na imprensa. “O crítico não está ali só para repetir o que você falou, fazer um resumo do seu livro. Ele está aí para discutir a qualidade das suas informações”. Assim, segundo Ruy Castro, esse crítico abalizado também conhece o biografado, pois, antes de criticar o novo livro, “leu outros quatro ou cinco livros” sobre o mesmo personagem. O modelo norte-americano de análise dos pares também foi elogiado por Adriana Carranca, que lembrou da existência de dois tipos de cobertura de livros no New York Times. Um deles é um caderno que trata apenas de aspectos como o lançamento, bastidores da escrita e resenha de uma nova obra, como é mais comum no Brasil. Outra editoria, Writting, trata das minúcias da escrita e as
formas de narrativa, inclusive de livros de não ficção. Já Zuenir Ventura recorda-se dos cadernos culturais nos quais trabalhavam críticos importantes, como Antonio Candido, Otto Maria Carpeaux e Alceu Amoroso Lima. Ele acredita que a resenha do livro-reportagem, forma mais comum de menção do produto na imprensa diária atual, ser ve apenas como um trailer para o leitor da obra. Autores do mês: Jornalistas escritores do Nordeste e o olhar histórico
Convém lembrar que temas históricos sempre fizeram parte do interesse dos jornalistas brasileiros que se dedicaram a pesquisar e escrever livros. O repórter cearense Glauco Carneiro (1938) trabalhou em O Cruzeiro, O Globo, O Jornal e Manchete e escreveu livros-reportagem e biografias como História das revoluções brasileiras (1965), O revolucionário Siqueira Campos (1966) e A face final de Vargas (com Lourival Fontes, 1966). Outros jornalistas nordestinos ajudaram a trazer para
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o campo do livro assuntos ligados ao Nordeste mais profundo. O repórter e colecionador de arte pernambucano radicado na Bahia Odorico Tavares (1912-1980) reuniu suas reportagens para a revista O Cruzeiro em Bahia, imagens da terra e do povo (1951), com ilustrações do artista plástico Car ybé. Antes, pela mesma revista, havia viajado pela região de Canudos acompanhado do fotógrafo Pierre Verger (1902-1996), cujo relato transformou no livro Canudos: cinquenta anos depois (1947). Cearense do Crato, Nertan Macêdo (1929) foi redator do Diario de Pernambuco e Jornal do Commercio, biografou o Capitão Virgulino Ferreira Lampião (1962) e Antônio Conselheiro (1969), além de ter publicado diversos outros livros sobre o cangaço e o universo nordestino, como Sinhô Pereira: o comandante de Lampião (1975) e O clã de Santa Quitéria (1967). O jornalista e escritor Rui Facó (19131963), nascido em Beberibe, Ceará, deixou a obra póstuma de referência, publicada no ano de sua morte, Cangaceiros e fanáticos: gênese e lutas. Pouco lembradas atualmente, as obras desses jornalistas escritores podem ser resgatadas para novas releituras apenas a partir de sebos. Iluminando conceitos: O “real” e o ficcional na análise de Rogério Borges A questão sobre o “real” e o ficcional no jornalismo também deve passar pela cabeça do jornalista que se dedica a escrever livros-reportagem. Para o pesquisador Rogério Borges (2013, p. 128), o jornalismo institui um “sistema de significação para dar sentido discursivo aos fatos do mundo que narra”. Mas, justamente pelo fato de ser apoiado no discurso, “seria ilógico pensá-lo fora dessa significação, com todas as especificações a ela inerentes”. Entendendo, portanto, o discurso jornalístico como uma “continuidade da realidade, ele fraqueja igualmente nessa concepção, estando também ele inundado de construções múltiplas que retiram sua ideia de ‘verdade absoluta’ e o aproximam do que costuma se designar de ficção”. Ora, se a ficção for considerada uma “realidade possível, mas não verificável”, como conclui o pesquisador, a análise dos discursos proferidos tanto pela história quanto pelo jornalismo apresenta o registro incômodo “de que eles também retratam uma leitura possível da realidade, não ela em essência”. Não está errado, portanto, ponderar que o discurso jornalístico “ficcionaliza” a realida-
de, com “menos liberdade que a literatura”. Assim, no que Borges (2013, p. 243) considera jornalismo literário, o autor dispõe de “mais condições e tempo para a apuração das informações” e é capaz, portanto, de fazer “leituras mais aprofundadas e críticas do que ouve dos relatos testemunhais”, que, por si, carregam profundos “valores subjetivos naquilo que narram”. Mais do que apenas coletar e editar declarações das fontes, o jornalista teria condições, também, de ampliar a sua compreensão sobre os personagens com a “obser vação atenta de comportamentos, gestos, olhares e até a inclusão de pausas e silêncios, aliadas à interpretação desses sinais no entrevistado e em seu contexto”.
Referências: BORGES, Rogério. Jornalismo literário: teoria e análise do discurso. Florianópolis: Insular, 2013. CARNEIRO, Glauco. História das revoluções brasileiras. São Paulo: Edições O Cruzeiro, 1965. _______. O revolucionário Siqueira Campos. São Paulo: Record, 1966. FACÓ, Rui. Cangaceiros e fanáticos: gênese e lutas. São Paulo: Civilização Brasileira, 1963. MACÊDO, Nertan. Capitão Virgulino Ferreira Lampião. São Paulo: Edições O Cruzeiro, 1962. TAVARES, Odorico. Bahia, imagens da terra do povo. Rio de Janeiro: José Olympio, 1951. ________. Canudos: cinquenta anos depois. Bahia: Conselho Estadual de Cultura, 1993. ________. Antonio Conselheiro. São Paulo: Record, 1969. ________. Sinhô Pereira: o comandante de Lampião. São Paulo: Artenova, 1975. ________. O clã de Santa Quitéria. Rio de Janeiro: Renes,1967. Elaborada pelo professor do curso de Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz, Alexandre Zarate Maciel, que está cursando o doutorado em Comunicação na UFPE, a coluna Prosa Real traz, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, os principais autores, títulos e a visão do leitor.
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Comunicação na Web Jornalismo, Sociedade e Internet Por Ana Célia de Sá
Gatekeeping e gatewatching
O
termo gatekeeper está vinculado ao jornalismo, desde 1950, quando o pesquisador David Manning White publicou um estudo cuja finalidade foi examinar como um gatekeeper (“porteiro”) controla o seu gate (“portão”), ou seja, como as notícias são selecionadas. A pesquisa deu ao jornalista o protagonismo no processo de seleção das notícias, indicando que a escolha é subjetiva e baseada no conjunto de experiências, atitudes e expectativas do profissional (WHITE, 1999). Para identificar o papel do gatekeeper na comunicação de massa, White (1999) realizou um estudo de caso no qual avaliou o trabalho de um editor telegráfico, nomeado “Mr. Gates”, que estava na casa dos 40 anos de idade e com aproximadamente 25 anos de experiência como jornalista. Esse profissional atuava em um jornal matutino, com tiragem aproximada de 30 mil exemplares, numa cidade do Midwest (Estados Unidos) de 100 mil habitantes, altamente industriali-
zada. A função dele era a de selecionar notícias nacionais e internacionais para o jornal a partir de material fornecido telegraficamente pelas agências de notícias Associated Press (AP), United Press (UP) e International News Service (INS), além de revisar e dar títulos aos artigos. Vale salientar que Mr. Gates era o último gatekeeper do jornal, por isso tinha grande importância. O interesse da pesquisa centrou-se no material descartado por Mr. Gates, que foi avaliado a partir das justificativas indicadas pelo próprio jornalista. O período de análise foi de 6 a 13 de fevereiro de 1949, quando o editor recebeu aproximadamente 12.400 polegadas de notícias das agências AP, UP e INS. Desse total, utilizou 1.297 polegadas de coluna, isto é, um décimo. A pesquisa identificou 56 enunciados para recusa das notícias, divididos em duas categorias principais: rejeição devido à pouca importância do incidente e seleção a partir de muitos relatos sobre um mesmo assunto. No processo de escolha, ficaram evidentes a subjetividade do editor e a relevância da questão espacial do jornal. Após uma análise geral, o estudo concentrou-se na atuação de Mr. Gates em um dia específico: 9 de fevereiro de 1949. As principais inferências foram: 1)
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predomínio de notícias (recebidas e publicadas) de interesse humano motivadas pelo julgamento do cardeal Mindszenty, que teve grande repercussão. Mesmo assim, percebeu-se a subjetividade de Mr. Gates nas escolhas; 2) o segundo maior papel foi das notícias políticas, numa indicação de preferência de Mr. Gates, já que este tipo de artigo ficou em quinto lugar entre os despachos recebidos; 3) foram recebidas 33 notícias de crimes (quarto lugar entre os despachos), mas o jornal publicou somente uma coluna de cinco polegadas sobre esse tema na primeira página e nas páginas interiores, apontando que Mr. Gates não gostava de notícias de crimes. Vale ressaltar, no entanto, que não houve nenhuma grande história naquele dia. No plano geral, o estudo de White (1999) evidenciou os seguintes padrões de escolha do editor: em notícias de temas similares, advindas de agências concorrentes, houve preferência por textos conservadores; o sensacionalismo e a insinuação foram evitados; houve predileção por textos mais interpretativos. Além disso, a escolha de notícias por categoria aparentemente não aconteceu de forma consciente; a tomada de decisão por assunto também poderia vir de superiores e de outros gatekeepers; e a comunicação de notícias foi subjetiva. O modelo de gatekeeping lançou um olhar centrado no jornalista, deixando de lado as interferências ligadas à vida social e profissional, à estrutura empresarial e às relações de poder que permeiam a comunicação, ângulos considerados por outros teóricos em seus respectivos estudos. Críticas à parte, este artigo fixa-se na perspectiva monopolista sobre o profissional, lançada por White (1999), para fazer um contraponto com o gatewatching (BRUNS, 2011), termo contemporâneo aplicado ao jornalismo participativo na web. Segundo Bruns (2011), o gatewatching tem sido impulsionado principalmente pelos processos colaborativos entre jornalistas e audiências para produção de conteúdos informativos na Web 2.0 e pelo aumento da quantidade de canais de divulgação de notícias na internet, a exemplo de sites, blogs e redes sociais on-line. Este cenário faz do jornalista uma espécie de curador do material disponibilizado na rede por empresas de comunicação e cidadãos comuns, ao mesmo tempo em que também é observado. Assim, a intervenção do jornalista na seleção de notícias serve mais a um direcionamento profissional da agenda social diária. “Uma necessidade de intervenção editorial a fim de direcionar as audiências potenciais de notícias para as matérias que se considerarem mais importantes ainda existe, talvez, porém esta necessidade pode ser atendida atualmente não pela exclusão de todas aquelas matérias noticiosas que caírem abaixo de um determinado nível de importância estabelecido pelo editor, como se pratica através de gatekeeping, mas simplesmente pelo destaque especial dado àquelas matérias consi-
deradas mais importantes entre todas as matérias no espaço atual enormemente ampliado para as notícias” (BRUNS, 2011, p. 123. Grifo do autor). O perfil ativo do sujeito digital, que busca dinamismo, personalização e novas experiências comunicativas, facilita a interatividade e a participação junto à mídia institucionalizada. O acesso a Sistemas de Gerenciamento de Conteúdos e a equipamentos de gravação e edição audiovisuais também auxilia na quebra do monopólio do saber noticioso, pois elimina barreiras técnicas que, no passado, impediam a publicação independente. As percepções de espaço simbolicamente ilimitado e tempo real da web também contribuem para o fortalecimento do gatewatching porque tornam o processo de seleção mais maleável do que na mídia tradicional – quando a teoria do gatekeeper foi lançada, havia uma escassez espacial do jornal impresso e uma limitação temporal do jornalismo de rádio e televisão, exigindo uma seleção mais radical das notícias. A elasticidade da internet, entretanto, mudou isso drasticamente, apesar de uma maior quantidade de notícias não representar uma melhor qualidade. É possível inclusive perceber um excesso informativo na rede, o que fortifica a figura do gatewatcher como um guia em meio ao “caos” virtual. Ao pensar nas características do ciberespaço e do internauta, vê-se que os preceitos do gatekeeping perderam lugar de destaque. O sistema de gatewatching aparece como uma possibilidade de renovação do jornalismo convencional/industrial mais condizente com o panorama digital on-line, mas é preciso manter paradigmas do jornalismo profissional, tais como apuração precisa, interpretação dos fatos, credibilidade e ética, para fortificar o papel social do jornalista.
Referências: BRUNS, Axel. Gatekeeping, Gatewatching, Realimentação em Tempo Real: novos desafios para o Jornalismo. Brazilian Journalism Research, Brasília, v. 7, n. 2, p. 119-140, 2011. Disponível em: <https:// bjr.sbpjor.org.br/bjr/article/view/342/315>. Acesso em: 16 jan. 2018. WHITE, David Manning. O gatekeeper: uma análise de caso na selecção de notícias. IN: TRAQUINA, Nelson (Org.). Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. 2. ed. Lisboa: Vega, 1999.
Ana Célia de Sá é jornalista e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM-UFPE).
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Opinião Bolsonaro e o Senso Comum Por Marcelo Xavier
N
ão é novidade que o Deputado Federal Jair Bolsonaro dispara petardos de cunho preconceituoso de tempos em tempos contra homossexuais, negros, mulheres etc. Aliás, sua trajetória política fora construída empunhando bandeiras tipicamente reacionárias. Seus eleitores as compartilham, apóiam, vibram com seus atos e manifestações, quando não se excitam. Na eleição de 2014 parecia que sua carreira atingira o clímax, pois logrou o posto de terceiro deputado federal mais bem votado do país e o primeiro no estado Rio de Janeiro, deixando para trás com sobra os demais concorrentes. Sua força de mobilização é tamanha que foi capaz de eleger um filho deputado estadual e anteriormente outro para a Câmara Municipal da capital carioca. Em menos de quatro anos o parlamentar logra expandir sua influência para além do eleitorado fluminense e se transforma em um candidato forte para as eleições presidenciais deste ano. A sua retórica não mudou, aliás, se tornou até mais aguda em muitos casos. Então o que pavimento essa ascensão
meteórica? De uma forma geral, após quase 30 anos e 6 eleições presidenciais da Nova República, a democracia forjada sob a tutela da ditadura militar mostra seu esgotamento. Primeiro, o arranjo político-eleitoral que vigora desde então, o chamado presidencialismo de coalizão, criou um falso ambiente democrático. Faz-se acreditar que houve uma transição em relação ao regime autoritário anterior, mas em verdade houve um prolongamento institucional cuja expressão máxima foi a Lei de Anistia de 1979, posteriormente ratificada pelo STF (O Ministro do Supremo Tribunal Federal, Eros Grau, julgou improcedente a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental impetrada pelo Conselho Federal da OAB (ADPF 153) que pedia a exclusão da Lei de Anistia do ordenamento jurídico brasileira por colidir frontalmente com a Constituição de 1988). Em segundo lugar, a falta de maioria legislativa por parte dos presidentes eleitos, obriga o executivo a realizar pactos e alianças onde o instrumento de barganha é o orçamento público. A consequên-
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cia é a explosão de casos de corrupção com o dinheiro público que contamina a confiança da população no funcionamento do sistema político. Por último, a economia brasileira está imersa numa profunda crise desde os anos 80 quando o PIB cresceu apenas 2,5% em média até 2010. Apesar do relativo avanço da última década, inclusive com redução bastante acentuada da taxa de desemprego, houve apenas um ciclo breve de crescimento conjuntural, mas nenhuma transformação radical na estrutura socioeconômica. Esses três elementos mostram dimensões da crise brasileira, cuja não solução ou pelo menos a percepção de que nada muda cria um sentimento de desesperança e medo generalizados. A corrupção, o desemprego e violência herdada do período ditatorial abrem espaço para discursos fáceis e apelativos. O primeiro foi Collor, que tinha como bandeira a caça aos marajás do serviço público e agora aparece Jair Bolsonaro. A matéria-prima dos seus mais 450 mil votos em 2014 é o senso comum, aquele conjunto de ideias forjadas na simples observação dos acontecimentos sem apego ao rigor da verdade material. Encontra-se disperso pelo conjunto da população, alicerçando a maioria das opiniões, inclusive preconceitos e demais formas de discriminação. Se somarmos a isso os fortes apelos junto a grupos religiosos conservadores e aos saudosos dos tempos da ditadura militar, temos a base eleitoral cativa de candidatos com o perfil “bolsonárico”. Dado o contexto político de corrupção esgarçada, um discurso salvacionista que busca defender o retorno a períodos supostamente de moralidade ganha eco e bodes expiatórios são apontados ora como causa, ora como conseqüência da “degradação”. Os alvos preferências são sempre o gay, a mulher, negros, religiões de matriz africana entre outros. Analisado de forma isolada, Bolsonaro é apenas um porta-voz do preconceito e discriminação arraigados no corpo da sociedade, habilmente capitalizados na forma de votos. Ele não faz nada de espetacular, mas consegue com suas tiradas malignas despertar as opiniões do senso comum e convertê-las em munição política. O tema corrupção ganha espaço no discurso fácil do deputado, pois explica de forma muito simples todos os problemas, sejam econômicos ou políticos. Não há conexões com os processos que formataram a realidade atual nem a necessidade de provas fáticas para tal. Basta combater a corrupção com firmeza e patriotismo que se suprimem os problemas. É corrente também taxá-lo de fascista e comparar suas atitudes com figuras totalitárias como
Hitler e Mussolini. Apontam principalmente que a postura agressiva e favorável ao uso da violência como instrumento político pode sacrificar a balzaquiana democracia brasileira, semelhante aos ditadores citados. Até por que ambos ascenderam ao poder pela via eleitoral, depois a golpearam e apearam o poder para si. O dilema aberto pela figura de Bolsonaro é distinto: não há uma clara oposição entre democracia e ditadura no Brasil; a democracia brasileira é uma extensão da ditadura civil-militar, cujo desdobramento mais crítico é a mitificação de uma personalidade totalmente entusiasta do regime de exceção. Não houve uma ruptura entre os dois períodos, mas apenas uma transição lenta, gradual e segura. Por outro lado, a fotografia do momento atual pode indicar as preferências recentes do eleitorado brasileiro. Conforme estudo publicado pelo Observatório de Elite Políticas e Sociais do Brasil da Universidade Federal do Paraná (UFPR), desde 2006 a proporção dos congressistas da direita vem crescendo ao passo que os demais espectros políticos ideológicos decrescem. Antes, da redemocratização até o pleito de 2002 aproximadamente, os parlamentares de direita se reduziram bastante, refletindo inclusive o distanciamento temporal dos laços direitos com o regime militar. Ainda de acordo com estudo, caminha-se para uma convergência (ou confronto) nas próximas eleições entre a direita e as outras posições político-ideológicas. O prognóstico para o futuro é de que haverá um “endireitamento” da composição político-partidária no Brasil em 2018, onde demandas ultraconservadoras tendem a ganhar espaços cada vez maiores e mais retrocessos sejam introduzidos em diversas áreas. Até recentemente eram obstadas, apesar das muitas concessões feitas pelos governos petistas. Mas, num universo de fundamentalismos religiosos que avançam e diante da falta de um horizonte de futuro, às vezes, busca-se a saída no retorno ao passado.
Referências: CERVI, EMERSON. A evolução das bancadas de direita no Brasil: uma análise da Câmara dos Deputados (1945-2014). Newsletter. Observatório de elites políticas e sociais do Brasil. NUSP/UFPR, v.1, n. 1, outubro. p.1-8
Marcelo Xavier é doutorando em Ciência Política na Universidade Federal de Pernambuco.
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Opinião
A última oportunidade para a Europa? Por Pedro de Souza
O
partido social-democrata alemão acaba de aprovar, por escassa maioria, a abertura de negociações formais com os cristãos democratas de Merkel para a formação de um novo governo de união. O primeiro secretário dos sociais democratas, Martin Schultz, foi obrigado a essa acrobacia política – tinha optado por ficar na posição depois das últimas eleições, cujos resultados foram bastante negativos para o seu partido – para salvar o possível: novas eleições significariam talvez uma derrota ainda maior, e a deslocação do sistema político alemão, com consequências imprevisíveis. A sombra do AfD, o partido populista de direita xenófoba e conservadora, paira sobre a política alemã, tal como a do FN na França e do UKIP no Reino Unido. A chanceler Angela Merkel sairá desse processo extremamente enfraquecida, e Martin Schultz, apesar de ter obtido certamente garantias da parte de Merkel, não deixa de ser o grande perdedor das eleições alemãs, em linha com as derrotas da esquerda moderada, a esquerda dos partidos reféns de um sistema que os implica na gestão de um capitalismo financeirizado e especulativo, cada vez mais longe das preocu-
pações e das aspirações da população. A Alemanha fica assim tributária das ideias de Emmanuel Macron para relançar a Europa, relançar que abre o acordo firmado entre Merkel e Schultz. Com a Itália enfrentando uma situação econômica e financeira muito frágil e eleições complicadas a 4 de março, a Espanha às voltas com a questão catalã, e o Reino Unido em pleno imbróglio do Brexit, Macron vai ter de dar provas de grande criatividade para dar um rumo à União. E nem toda a sua criatividade será suficiente. O maior problema de Macron é o da sua credibilidade pessoal e política: afinal a França é dirigida por um presidente inexperiente e sem que um partido sólido o apoie. Por mais solidários que Merkel, em fim de reino, e Schultz sejam, o cenário na Europa é de decadência das instituições democráticas, e de retraimento da noção de soberania dos Estados, e consequente crispação nacionalista: qualquer ação mais afirmativa enfrentará ceticismo e resistência por parte dos 26 outros estados da União. Por outro lado se as ideias de desenvolvimento europeu “à la carte” de Macron podem permitir avanços em certas áreas, e entre alguns países, esses avanços serão tantas mais macha-
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dadas nos laços dos países que deles não participarem, numa União que se desfaz entre países onde o salário mínimo bate nos 2.000 euros e outros onde mal ultrapassa os 200. Nesse quadro a eleição de Mário Centeno, o ministro das Finanças português, para presidir o Eurogrupo (o areópago dos ministros das Finanças dos países que adotaram o euro) pode não ser indiferente. Como se sabe Centeno é membro de um governo que chegou ao poder mediante uma campanha claramente antiausteritária, nitidamente oposta à política alemã de contenção orçamental que se tem revelado mortal para o crescimento e a criação de emprego na Europa. Recebido com extremas reticências no Eurogrupo, escaldado com a experiência grega e temeroso em relação às perspectivas de um governo português socialista minoritário e apoiado pelos partidos comunista e bloco de esquerda - duas organizações esquerdistas e anti-europeias - Centeno acabou conquistando a aprovação de boa parte dos seus colegas. A política econômica que vem implantando em Portugal tem obtido resultados muito favoráveis, tanto do ponto de vista do crescimento, quanto de emprego e, pasme-se, do equilíbrio orçamental: nesse capítulo Portugal pode se gabar de hoje dar lições a muitos dos seus parceiros do euro. É claro que, independentemente da sua competência, que é reconhecida por todos, Centeno tem gozado de um concurso de circunstâncias bastante favorável, que não importa desenvolver aqui. Mas essas boas notícias, embora provenientes de uma economia marginal, representam uma brisa de ar fresco, numa região carente de esperança. Ao que parece Centeno não foi ainda assim a primeira escolha dos seus colegas e acabou sendo eleito por abandono do seu colega espanhol, que preferiria esperar por uma vaga de vice-presidente do Banco Central Europeu. Seja como for, e por mais limitado que seja o poder de fogo do presidente do Eurogrupo, a escolha do dirigente de um país do sul da Europa, muito endividado e recém-saído de um programa de reajuste, é certamente um sinal de que haverá pelo menos mais flexibilidade na aplicação das receitas dos credores, já que instituições como o FMI reconheceram haver cometido sérios erros de apreciação no desenho das políticas impostas aos países em dificuldades. Isto mesmo levando em conta que o FMI diz uma coisa e o seu contrário, conforme as suas conveniências, num curto lapso de tempo. Haverá mais flexibilidade, e talvez uma inflexão nas políticas de salários baixos, legis-
lação social permissiva, e dumping fiscal, dos países pobres da Europa de Leste, políticas que não parecem permitir a esses países se integrar plenamente na União, criando pelo contrário zonas de fricção permanente com os países mais desenvolvidos, que os acusam de dumping social e fiscal. Ora se a União nem é capaz de resolver essa questão internamente, não há que esperar que consiga, nem num futuro distante, pôr termo, ou pelo menos atenuar, o problema da imigração dos países de África e Oriente Médio para a Europa, problema que vem agravando a divisão intra-europeia leste/oeste, que se sobrepõe aos reflexos da crise da dívida, que tendem a se polarizar entre norte e sul. Se efetivamente se reunirem essas condições, ou seja, coligação do SPD e CDU na Alemanha, estabilidade na França, um governo que não seja de ruptura na Itália e crescimento econômico ainda que tíbio no conjunto do continente, não é impossível que Macron consiga relançar a Europa, e até facilitar uma inversão do Brexit, que a cada dia levanta mais clara oposição por parte dos ingleses ativos. Para isso é necessário que saiba dosar a ambição com uma extrema prudência e respeito pela diversidade das culturas dos povos, combatendo a devastação do capitalismo especulativo, dissolvente do tecido social, e as forças centrípetas dos populismos, insuflados pela globalizalização da informação e a indignação frustradora das redes sociais. E a sua habilidade terá de estar ao nível da sua responsabilidade, pois é possível que se trate da última chance para a União Europeia, pelo menos tal como a conhecemos. Num contexto internacional que conjuga uma nova forma de guerra fria com a incerteza que se acumula sobre o império americano, a instabilidade na Europa poderia se revelar um fator de risco altamente incandescente. Por outro lado, face às incógnitas de uma China que se advinha primeira potência mundial, a experiência multicultural europeia poderá ajudar a abrir perspectivas entre as várias vertentes da luta da civilização e da barbárie de que mais nenhum continente parece estar a salvo.
Pedro de Souza é pesquisador, editor e exsuperintendente executivo do Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento.
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Opinião
Quem já ouviu falar de Wangari Maathai? Por Marcos Costa Lima
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ós brasileiros estamos acostumados a povoar nosso imaginário por celebridades Ocidentais, sejam elas pintores, músicos, atores de cinema, intelectuais, escritores, políticos, sejam europeus e hoje, sobretudo, dos Estados Unidos da América. Faz parte de nossa herança colonizada. O que é bom vem de fora e em geral deve ser branco. Pois bem, é por isso que faço a pergunta: - Quem já ouviu falar de Wangari Maathai? Trata-se de uma mulher negra, originária do Kenya e que recebeu em 2004 o Prêmio Nobel da Paz por seu trabalho, fundadora que foi do Green Belt Movement - Existe um documentário feito sobre o Projeto e sua liderança, intitulado Taking Root: the vision of Wangari Maathai, um filme produzido por Lisa Merton e Alan Dater – http://takingrootfilm.com. Mas até receber o Prêmio, viveu momentos difíceis, momentos de opressão em seu país. A Republica do Quênia é um país fundador da Comunidade da África do Leste (EAC) e que tem Nairobi como sua capital e principal cidade, situada na linha do Equador. O território do Quênia estabelece seus limites com a Tanzania, ao Sul e Sudeste , Uganda a Oeste, o Sudão do Sul para o Nordeste, Etiópia ao Norte e Somália também a Nordeste. É um país populoso com aproximadamente 48 milhões de habitantes e com um território de 581,309 km2. Com um Clima tropical quente e úmido, o Quênia é banhado pelo Oceano Índico. Seus principais produtos, sobretudo após a colonização inglesa, são o café e o chá. Na sua região Oeste o país é banhado pelo Lago Victória, o maior lago de água fresca em terra tropical no mundo. A exploração européia do país foi iniciada no século XIX, tendo o Império Britânico estabelecido em 1895 o seu Protetorado no Quênia e que só em 1920 foi transformado em Colônia. A independência do Kenya foi obtida em dezembro de 1963 e só em agosto de 2010, após um referendum, adotou-se uma nova constituição. A divisão política interna criou 47 condados autônomos com governadores eleitos. A economia do país é o maior produto Interno Bruto entre os países da África central e do leste. Sua capital, Nairobi, é considerada como um hub comercial, de finanças, comunicação e transportes, sendo a agricultura o maior empregador, sobretudo nas expor-
tações de chá e café, mais recentemente também flores para a Europa. Além da agricultura e do setor florestal, tem pesca abundante e mineração. Do ponto de vista político, entre 1952 e 1959, ainda sob domínio britânico, o Quênia viveu um estado de emergência com o Levante dos Mau Mau (SCULLIN, 2017), também conhecidos como o “Kenya Land and Freedom Army”, que fez parte do processo de descolonização, liderado pelo grupo étnico KiKuyus que lutavam pela independência do país. A guerra gerou 100.000 mortos do lado africano e 320.000 prisioneiros entre civis e rebeldes, sendo que muitos prisioneiros foram torturados e cerca de 1.000 entre eles executados . Wangari Maathai, nascida em 1940, viveu um bom período de sua vida sobre domínio britânico . Sua família, ligada à terra, pertencia à etnia Kikuyu, o grupo étnico mais poderoso do país Em 1956, conclui a escola primária e foi admitida em um colégio de freiras católicas, onde termina o secundário em 1959, quando recebeu uma bolsa da Fundação Joseph P. Kennedy Jr. e, com outros trezentos quenianos, pôde prosseguir seus estudos nos Estados Unidos a partir de setembro de 1960. Obteve seu mestrado em 1966 em biologia na Universidade de Pittsburgh. Estes seis anos nos Estados Unidos, segundo ela, mudaram sua vida, um período onde os movimentos sociais pelos direitos humanos eram muito ativos naquele país. Wangari, de volta dos EUA, passou um período como pesquisadora em Munique, na Alemanha e em seguida, conclui seu doutorado na Universidade de Nairobi, em 1971. Foi a primeira mulher na África Central e Oriental a receber o grau de doutora naquela universidade, na qual passa a lecionar. Professora Maathai fez parte ativa no Conselho Nacional de Mulheres do Quênia (1976-1981) e dirigiu a mesma instituição (1981–1987). Em 1976, introduziu a idéia de consolidar no país as comunidades baseadas no plantio de árvores, o que deu lugar a um amplo movimento de base, intitulado o Green Belt Movement (GBM) em 1977, cujos focos centrais eram a redução da pobreza e a conservação do meio ambiente através do plantio de árvores. Com a fundação do Movimento Green Belt, Maathai lançou-se em uma campanha ao longo da vida para pôr fim à catástrofe ambiental que ocorria
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no Quênia, e a organização de mulheres para lutarem pelo direito de todas as pessoas viverem uma vida saudável e sustentável . No belo filme que registro no início deste artigo, e que recomendo vivamente, relata-se, inclusive, que quando do levante Mau Mau, que se refugiavam nos bosques e matas, o governo inglês comete um verdadeiro crime ambiental, queimando as florestas para desalojar os rebeldes. Ainda no filme, o episódio em que, sabendo que o ditador Daniel Moi (1979-2002), com o auxílio do Banco Mundial e outras Organizações Internacionais iriam financiar um prédio de mais de trinta andares na área do principal parque de Nairobi, Wangari escreve para várias autoridades, nos Estados Unidos da América e no Reino Unido, lhes perguntando o que fariam se os governos de seus países resolvessem por fazer o mesmo no Central Park e no Hyde Park (Protestou com poucas mulheres contra a demolição do Nairobi’s Uhuru Park. Os planejadores do governo desenvolveram um complexo de negócios com 62 andares e uma estátua gigantesca à entrada do Presidente Arap Moi. O projeto era acompanhado por unidades residenciais de luxo, criando um bairro para as classes dominantes - The People Speak Radio. 31 Oct 2006.) O resultado foi que o ditador acabou não recebendo os recursos, o que provocou a ira do governo e do parlamento do País contra ela, que perdeu o cargo que tinha na Universidade. A partir de então, sua luta recrudesceu e, de um projeto aparentemente simples, o de plantar árvores, deu sentido e esperança a muitas mulheres que viviam da lavoura e do pequeno criatório. Mas ela também pensou, a partir desta organização, que as mulheres poderiam lutar contra todas as violações de seus modos de vida. Culturalmente, havia uma imensa dependência das mulheres do patriarcado. O fato de restaurar os recursos naturais com uma abordagem simples, a princípio não chamou a atenção dos poderosos: fazer canteiros de mudas de árvores de toda a sorte e então plantá-las. Segundo ela, “mulheres que começam a plantar árvores em suas terras influenciam seus vizinhos. Os vizinhos acabam por serem influenciados. Então nós vemos o governo reagir”. Ao longo da experiência, que representou o empoderamento destas camponesas pobres, Maathai atingiu vários objetivos: organização cooperativa, planejamento familiar, nutrição. E uma coisa que ela relata no filme citado, “não temer os poderosos, e sempre usar as táticas da serpente (estratégia) e da pomba (aparentar docilidade)”. O Green Belt Movement educou milhares de mulheres de baixa-renda sobre conservação de florestas, gerando diretamente mais de 3000 empregos (“Wangari Muta Maathai.” Encyclopedia of World Biography. Encyclopedia.com. 2004). Wangary Maathai enfrentou muitos dos problemas cívicos do Quênia, e mergulhou em um ativismo
político, que lhe custou muitas prisões e ameaças de morte, mas que também lhe garantiu prestigio e respeitabilidade internacional, quando, em 1986, recebe o internacional Right Livelihood Award. Ainda em 1986, the Green Belt Movement estabeleceu a Rede Pan-Africana Green Belt, no sentido de expandir sua abordagem de conservação ambiental e construção de comunidade através do continente. Em 1997, o movimento já estava operando em 30 países Africanos, inclusive nos Estados Unidos e gerando renda para mais de 80.000 pessoas (NIVOLA, 2008). Não há espaço para dizer muito mais, mas registrar que o reconhecimento do sucesso deste belíssimo trabalho acabou por acontecer, na forma de uma respeitabilidade internacional, por sua luta pela democracia, direitos humanos dos mais pobres e conservação ambiental. Nas Nações Unidas, serviu na Comissão de Governança Global e na Comissão sobre o Futuro. Foi eleita para o parlamento do Quênia (2002-2007) onde serviu como Ministra Assistente para o meio Ambiente e Recursos Naturais. Em 2006, recebeu o Nobel Women’s Initiative. Reconhecendo sua profunda dedicação ao meio ambiente, a Secretaria Geral das Nações Unidas a nomeou como Mensageira da Paz em dezembro de 2009. Em 2010, foi nomeada para o Grupo de Defesa dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio: um painel de líderes políticos, empresários e ativistas que tem por meta galvanizar o apoio mundial para a consecução dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODMs). Também em 2010, a professora Maathai tornou-se uma administradora do Karura Forest Environmental Education Trust, criado para salvaguardar a terra pública, a favor da qual lutou por mais de vinte anos. No mesmo ano, em parceria com a Universidade de Nairobi, fundou o Instituto Wangari Maathai para Estudos Ambientais e de Paz (WMI), que reune pesquisa acadêmica sobre uso da terra, silvicultura, agricultura, conflitos e estudos da paz. Wangari Maathai faleceu em setembro de 2011 aos 71 anos de idade, vitima de câncer. Concluo com duas de suas valiosas frases: “Levei muito tempo para entender a relação entre árvore e água”. “Cultura é sabedoria armazenada”. “Ainda negamos quem somos, ainda negamos nossas raízes”.
Referências: NIVOLA, Claire A. Planting the Trees of Kenya: The Story of Wangari Maathai. New York: Farrar, Straus, and Giroux, 2008. SCULLIN, Joshua. The Mau Mau Insurrection: The Failed Rebellion That Freed Kenya (2017). History Undergraduate Theses. 29. https://digitalcommons.tacoma.uw.edu/history_ theses/29
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Mídia Fora do Armário Jornalismo e construções identitárias Por Rui Caeiro
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o passado dia 17 de janeiro, Donald Trump fez uso de sua conta no Twitter para criar os “Fake News Awards”, prêmios atribuídos aos meios de comunicação que considerou serem os mais corruptos e desonestos em 2017. A criação da cerimônia não surpreendeu, levados em conta os constantes ataques que o atual presidente dos Estados Unidos da América tem, desde sua eleição, dirigido à imprensa. As críticas à parcialidade (inclusive distorção) da mídia não são novas: no Brasil, pelo menos desde a tomada de posse de Michel Temer, elas têm surgido com mais consistência dos movimentos sociais organizados, que denunciam o alinhamento aos interesses econômicos e ideológicos dominantes, conservadores. Por compreender que é a credibilidade dessa instituição que está em jogo, e por ser nela que se constrói, também, a qualidade e representação de nossas democracias, gostaria de propor algumas reflexões sobre a construção de conhecimentos e apontar algumas condicionantes estruturais que moldam essa produção no Jornalismo. Ao final, levanto alguns questionamentos que, acredito, podem ajudar a pensar caminhos para uma profissão, e sociedade, mais comprometida com o combate às desigualdades sociais. A construção de conhecimento é relacional. Recupero a formulação marxista: “[pessoas] fazem a história, mas apenas sob as condições que lhes são dadas” (HALL, 2011, p. 24). Rejeitando a defesa de
que indivíduos são completamente submissos às condições materiais, sociais e culturais em que nascem, incapazes de escaparem a essa hereditariedade e se afirmarem autores da história e de si, reconheço que toda a produção de conhecimento, toda a ação no mundo, é condicionada pelo trato com os outros. Não é apenas o passado que nos dá a base sobre a qual nos firmamos para vivenciar o presente – é também o futuro que nos impele a agir, a imaginar, a recriar e a lutar pelo ainda-não-concretizado. Ou seja, se as condições herdadas delimitam o nosso “fazer história”, são essas mesmas condições não nos dão a base para pensar o presente e buscar o futuro. É a tomada de consciência da existência histórica que possibilita a percepção de que a realidade é construída. Que no passado – ou até mesmo no presente, em outras localizações geográficas – a vida, e o que lhe diz respeito, teve – ou tem – outras formas. Se assim é, se pudermos compreender que a produção humana, as condições em que se dá, não é natural, outras formas de produção poderão ser pensadas. Um horizonte de questionamentos, ressignificações e lutas se expande. Para além de relacional, a construção do conhecimento é contextualizada. É então pertinente questionarmo-nos: como conhecemos? Porque conhecemos? Talvez mais importante, o que não conhecemos, e porquê? Na obra História da Sexualidade, A vontade de saber, Foucault desenvolve
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a ideia de que o conhecimento é construído, principalmente, por instituições (Ciência, Medicina, Igreja, Mídia, etc.) que têm o objetivo de controlar e administrar os sujeitos através da incitação aos discursos (mas dentro dos moldes definidos por tais instituições). É nesta linha que proponho olhar o Jornalismo, suas funções e métodos. Ao defende que o Jornalismo, através dos discursos que produz, contribui para a construção social da realidade, pretendo destacar que essa função não se constitui automaticamente, isolada, exclusivamente através de um conjunto de regras éticas e metodológicas institucionalizadas, mas antes numa relação intersubjetiva – com os outros –, que envolve jornalistas (enquanto sujeitos, dotadas/os de subjetividade), lógica organizacional da empresa (com as relações de poder e ideológicas especificas que a compõem), conjunto de valores culturais, conhecimentos e crenças sociais que compõem a sociedade em que está inserida e, não menos importante, a audiência, o público consumidor, sem o qual a instituição ‘Jornalismo’ não existiria. Deixa-se assim antever a complexidade da produção jornalística, irredutível à fórmula ‘comprometimento com a verdade dos fatos, com a objetividade da notícia e com a fidelidade ao real”. O Jornalismo produz então um ‘mundo possível’. “O mundo possível é o mundo narrativo construído pelo sujeito enunciador a partir dos outros dois mundos” (ALSINA, 2009 apud CABRAL; VIZEU; ROCHA, 2013, p.151), a saber, o ‘mundo real’ e o ‘mundo de referência’ – este último diz respeito aos tratamentos do acontecimento, por parte de jornalistas, que são elaborados a partir da cultura profissional. Tendo em conta esta construção, consideramos pertinente a problematização do método jornalístico. ‘A verdade dos fatos’ é a verdade de quem? Que objetividade noticiosa é essa que seleciona, recorta, reinterpreta, tipifica e hierarquiza discursos? Como podemos falar de ‘fidelidade ao real’ quando o real é múltiplo e contraditório? Serra (2003, p. 343) afirma que “a «objectividade» – a naturalidade, a neutralidade e a evidência – das notícias tem de ser questionada, para chegarmos à conclusão de que, ao serem produzidas por um certo tipo de instituições, a partir de certos critérios de relevância, visando determinados objectivos, elas nos dão acesso não ao mundo “real” mas apenas a «um mundo possível»”. Devemo-nos perguntar, acredito, porque alguns mundos são possíveis de ser construídos, e, portanto, reconhecidos publicamente, jornalisticamente, enquanto outros não. Talvez a figura do/a jornalista, por demasiado tempo, tenha sido colocada em extremos super-
ficiais: ora como totalmente subserviente aos poderes econômicos e ideológicos dominantes na sociedade, ora percebido como poder-resistência, verdadeiro defensor da liberdade e da democracia. Talvez a sua ação não seja nem tão autônoma nem tão subserviente. Concordando que em sociedades (como a nossa) em que “o grosso da população não tem acesso direto nem poder sobre as decisões centrais que afetam as suas vidas, onde a política oficial e opinião estão concentradas e a opinião popular está dispersa” (HALL et al., 1999, p.234), o Jornalismo ocupa uma posição central ao procurar respostas. Para as encontrar, a formulação de perguntas é essencial. Essa seria, resumimos, a função de jornalistas: questionar. Não apenas os seus interlocutores, mas a si mesmos/as. Perguntar-se o porquê de perguntar. Desconstruir respostas e problematizar questões. Não tomar para si o poder de dar respostas, apresentando-se como objetivos/as e superiores às seduções do que é terreno, mas antes contribuir para a disseminação dessa forma de construção de conhecimento: a problematização, a desconstrução de respostas, a reflexividade, o incentivo de juízo crítico, a autonomia de procurar, pensar e desnaturalizar os dispositivos e normas que regulam a(s) vida(s). Referências: CABRAL, Águeda; VIZEU, Alfredo; ROCHA, Heitor. As novas rotinas de produção de sentido no telejornalismos: a Realidade Expandida na perspectiva construtivista. In PORCELLO, Flávio; VIZEU, Alfredo; COUTINHO, Iluska (Orgs.). Telejornalismo: nas ruas e nas telas. Florianópolis: Insular, 2013, v.2. p. 149-168. FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I, A vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1999. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Rio de Janeiro: DP&A, 2011. HALL, Stuart et al. «A produção social das notícias: O mugging nos media». In TRAQUINA, N. (Org). Jornalismo: Questões, Teorias e «Estórias». Lisboa: Veja, 1999. p.224-248 SERRA, João P. Informação e sentido: O estatuto epistemológico da informação. Covilhã: Universidade da Beira Interior, 2003.
Assinada pelo jornalista Rui Caeiro, mestre em Comunicação pela UFPE, a coluna ambiciona instigar reflexões que se debrucem sobre as relações que se estabelecem entre produção midiática/jornalística e a construção e vivência de identidades consideradas abjetas em nossa sociedade. O foco será em sexualidade e gênero.
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Opinião
Maquiavel: precursor da democracia moderna Por Rubens Pinto Lyra
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história testemunha grandes injustiças feitas a personagens notáveis que, nos mais diversos domínios da criação humana, foram esquecidos, caluniados ou viram sua contribuição ao progresso cientifico e cultural deturpada, ou reduzida à sua mínima expressão. O caso de Maquiavel (1469-1527) é exemplar. O pensador italiano – apesar da sua grandeza - ficou conhecido pela posteridade (salvo nos círculos acadêmicos) através do epíteto maquiavélico ou do substantivo maquiavelismo, que significam perfídia e traição, utilizadas para a manutenção no poder. Destarte, pretende-se que ele tenha sido partidário do uso gratuito da violência, quando apenas entendia – o que era perfeitamente cabível na época - que todos os meios usados para garantir a preser vação do Estado e a estabilidade social eram válidos. Mais grave: na Academia, a maioria dos “cientistas políticos”, por desconhecimento ou perfil conser vador, o conhecem apenas como defensor do governo absolutista, quando ele só o aceitava como legitimo em circunstância históricas excepcionais. Ampla e profunda é a contribuição daquele que é considerado o fundador da Ciência Política. Primeiramente, ele secularizou o estudo da política, conferindo-o objetividade científica, ao afastar as explicações religiosas das análises dos fatos ocorridos na vida social. Com efeito, Maquiavel foi o primeiro pen-
sador a ter uma visão distinta daquela que concebia a divisão da sociedade como natural, criada por Deus, com classes supostamente complementares e harmônicas entre si, onde cada uma delas concorreria para a realização do “bem comum”. Assim, no capítulo IX de O Príncipe - sua obra mais conhecida - constata que, em todas as sociedades, existem forças opostas “e isto nasce do fato de que o povo não deseja ser governado e oprimido pelos Grandes e estes desejam governar e oprimir o povo” (1979, p.39). Considerar que a sociedade é dividida em classes antagônicas e que esse antagonismo é fruto da opressão, representa análise de vanguarda, de uma lucidez ofuscante, especialmente se comparada com a visão teológica do poder, solidamente estabelecida, à época, nos séculos XV e XVI. Para o pensador florentino, a oposição entre nobres e plebeus - modernamente compreendida como luta de classes - expressa conflitos sociais que são legítimos e, mais do que isto, constituem o motor da vida social. Ele via no entrechoque dos contrários o exercício consciente da cidadania, a fonte geradora da estabilidade e do progresso social. Nas suas palavras “Todas as leis para proteger a liberdade nascem da desunião, como prova o que aconteceu em Roma, onde durante os trezentos anos ou mais que transcorreram entre os Tarquinios e os Gracos, as desordens havidas produziram
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poucos exilados, e mais raramente fizeram correr sangue. Ao contrário, fizeram nascer leis e regulamentos favoráveis à liberdade de todos” (1994,31). Além de considerar positivamente os conflitos para a paz social, Maquiavel destaca o seu relevante papel no aperfeiçoamento da legislação, ao ressaltar, na Roma antiga, a criação de novos institutos que incorporam as conquistas da população, conferindo-lhe mais instrumentos para conter a ambição desmedida dos poderosos. É assim que ele se refere, pioneiramente, à democracia participativa, exaltando, como uma conquista da plebe, a criação do tribunato romano, pois “o povo”, dessa maneira, “assegurou participação no governo” (1994,32). Portanto, para Maquiavel, o regime republicano, garantidor de direitos e de liberdades, necessita incorporar o reconhecimento efetivo do contraditório, do diferente, daquelas forças sociais que não estão necessariamente dispostas a comungar com os valores sociais dominantes. A crítica do Mestre de Florença desconstrói os mitos sobre os quais se baseou a concepção de sociedade de classes sociais, veiculada pela Igreja, mas que continuam sendo aceitos por todas as correntes conser vadoras, sejam elas democráticas, sejam autoritárias. Confrontemos as concepções de Maquiavel, aqui expostas, com a adoção, pelo governo Temer, como símbolo de sua gestão, do lema positivista “Ordem e Progresso”. Nesse caso, o “progresso” é apresentado em uma relação estática com a “ordem” que se confunde com statu quo e com o seu arcabouço legal, dissociado da dinâmica que o gera. Para Maquiavel, trata-se do contrário: o progresso deriva da desordem, assim como a união da desunião, a liberdade da tirania. Assim, só é legítima a ordem derivada do conflito, da luta dos contrários, do qual resulta novo ethos, novas leis e nova convivência social. Sem dúvida, tem razão Claude Lefort, um dos mais respeitados estudiosos de Maquiavel, quando afirma que suas análises, profundamente atuais, “impedem o leitor de limitar a sua interpretação à história de Roma. Ela o obriga a verificar sua aplicação no Estado moderno e se interrogar sobre o discurso político de seu tempo” (LEFORT, 1986, 475). Para Maquiavel, a luta entre as classes antagônicas não produz necessariamente avanços sociais. Para que isso ocorra, ela deve sempre “expressar-se através de mecanismos legais,
sob pena de destruírem o tecido social” (BIGNOT TO, 1991, 95). Portanto, não basta que ocorra o conflito para que haja progresso. Ele tem que ser administrado competentemente pelo Príncipe (governante), que atuará, não como mediador neutro, nem juiz imparcial, mas se opondo, pela força das leis, à ação destruidora dos desejos particularistas. Na interpretação do mais reputado estudioso, no Brasil, de Maquiavel, Newton Bignotto, é em um regime de leis que ele pensa quando refere-se à república: “a sociedade justa é, portanto, a dos conflitos, mas, sobretudo, a que em seus excessos é capaz de encontrar uma solução pública para o conflito de seus cidadãos” (1991, p. 95). Nesse diapasão, vale a pena refletir sobre a confiança de Maquiavel na capacidade de discernimento do povo, que, para ele, não necessita da tutela dos Grandes ou de vanguardas para exercer sua cidadania. “Se o povo se engana, os discursos em praça pública existem precisamente para retificar as suas idéias: basta que um homem levante a sua voz para demonstrar com um discurso o engano do mesmo. Pois o Overdade e admite com facilidade quando alguém de sua confiança sabe indicá-la” (MAQUIAVEL, 1994,32). Maquiavel foi um pensador revolucionário porque demoliu os mitos relacionados com sociedades constituídas com base em uma suposta harmonia social. Pode assim, delinear as funções do moderno Estado Democrático, entendido, não como promotor do bem comum - que não existe - mas como árbitro dos antagonismos de classe, cuja dinâmica, enaltecida por ele, constitui a mola propulsora da práxis democrática contemporânea. Referências: BIGNOTTO, Newton. Maquiavel republicano. São Paulo, Ed. Loyola, 1991. 225 p. MAQUIAVEL, Nicolau. Comentários sobre a primeira década de Tito Livio. Brasília, Ed. UnB, 1994, 490 p. ___________. O Príncipe. São Paulo: Abril Cultural, Coleção Os Grandes Pensadores, 1999. 240 p. LEFORT, Claude. Le travail de l’oeuvre. Maquiavel. Paris: Gallimard, 1986. 784 p. Rubens Pinto Lyra é Doutor em Direito Público e Ciência Política.
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Opinião
Crise Econômica e Proteção Social Por Denise Galvani
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ste artigo faz um exercício simples de obser vação de dados a respeito de investimentos em Proteção Social em grandes economias, e mobiliza a teoria mais recente que sustenta a relevância dos investimentos públicos na área, mesmo em situações de crise e especialmente nos países em desenvolvimento. 1 Crise e Proteção Social A recuperação da economia mundial no pós-crise de 2008 é um fenômeno ainda em progresso, e divide opiniões quanto ao futuro. As autoridades econômicas vivem um “dissenso, beirando a paralisia” quanto à direção dos esforços necessários para evitar crises semelhantes no futuro ou minorar seus impactos (PECK et al, 2012). Um símbolo desse dissenso são as contradições flagrantes em recomendações e relatórios do Fundo Monetário Internacional acerca da lenta recuperação da economia mundial desde a crise. Em 2014, o Fundo reforçou a recomendação de consolidação fiscal para o equacionamento das dívidas europeias, mas já reconhecia que a austeridade não estava emprestando ao setor privado o dinamismo esperado (VIDAL, 2015). Em 2016, economistas do departamento de pesquisa órgão reconheceram que “aspectos da agenda neoliberal não tiveram o sucesso esperado”, referindo-se ao fraco desempenho econômico da economia global nas últimas décadas (OSTRY et al., 2016). O breve estudo apresentado aqui trata de um aspecto específico da política econômica dos Estados: as redes de Proteção Social, que tornam as sociedades mais resilientes a choques econômicos e, conforme argumenta-se aqui, favorecem o desenvolvimento no longo prazo. Essa agenda tem relação com o atual debate sobre austeridade e regulamentação financeira, já que os sistemas públicos de seguridade social costumam ser alvos preferenciais de cortes de gastos e os sistemas privados mostram-se crescentemente vulneráveis a turbulências financeiras (ANTOLÍN; STEWART,
2009). Baseado nessa constatação, este artigo pretende apresentar brevemente alguns pontos do debate acadêmico e político sobre Proteção Social, no atual contexto de revisão de diretrizes macroeconômicas na maior parte do mundo. 2 Proteção Social e IDH Desde o final dos anos 1990, vem se formando um consenso internacional acerca da necessidade de sistemas de Proteção Social universais, capazes de efetivamente garantir a proteção das classes médias contra choques econômicos e erradicar a pobreza crônica. Esse entendimento foi consolidado pelo “piso de Proteção Social”, recomendação feita pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2012; e também em nota conceitual lançada conjuntamente pela OIT e Banco Mundial, conferindo ao assunto espaço prioritário na agenda das organizações até 2030 (ILO e WORLD BANK, 2015). O marco conceitual da OIT/Banco Mundial reconhece a importância do financiamento público das redes de Proteção Social, urgindo aos governos encontrarem fontes sustentáveis de arrecadação para assegurar a cobertura dos mais pobres, que têm pouca capacidade de contribuição com fundos públicos ou privados. Também no caso das sociedades que já estruturaram mecanismos privados de segurança social, vem ganhando força a ideia de que é necessária maior ação do Estado na regulação do mercado de fundos de pensão, bem como no estímulo a esquemas de fiscalização e controle social (EBBINGHAUS; WISS, 2011). Logo à primeira vista, o exame das médias do investimento público em Proteção Social demonstra a centralidade desse mecanismo nas regiões do mundo de maior desenvolvimento humano. As despesas totais (incluindo gastos com previdência e saúde) chegam a 27,1% do PIB nos países da Europa Ocidental e 17% na América do Norte, enquanto correspondem a menos de 5% dos PIBs nacionais na
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África Subsaariana e na média da Ásia/Pacífico (Fonte: OIT, Social Security Extension). Os dados nacionais das 19 maiores economias do mundo (os Estados que compõem o G20, junto com a União Europeia), corroboram este padrão: países mais desenvolvidos investem mais em programas de Proteção Social. Foram confrontadas as médias de investimento bruto em Proteção Social desde 1990, com o último valor do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) disponibilizado pelo PNUD, e encontrou-se uma correlação não desprezível (r=0,69) entre essas variáveis. Dentre as grandes economias mundiais, as que mais investiram em Proteção Social nos últimos 20 anos são também as que hoje têm maior índice de desenvolvimento humano. A situação do Brasil (investimento da ordem de 17% do PIB e IDH de 0,755) e da Coreia do Sul (6,23% do PIB e IDH de 0,898) são os casos deviantes do padrão, e merecem uma análise breve. Ainda que os gastos com Proteção Social sejam relativamente baixos na Coreia do Sul, o país praticamente triplicou essa rubrica como proporção do PIB desde os anos 1990, e vem diversificando sua cesta de programas (HAN, 2012). No caso do Brasil, pesam considerações sobre a desigualdade de renda e de acesso ao trabalho formal, que culminaram com o desenvolvimento de um Estado de Bem-Estar “truncado”, restrito às camadas mais privilegiadas da população (LINDERT et al., 2006). Dentre os casos típicos da correlação investimento em Proteção Social X Desenvolvimento Humano, a situação da Índia também merece atenção. Mesmo com o alto ritmo de crescimento econômico experimentado nas últimas duas décadas, os indicadores sociais indianos não evoluíram tanto quanto em outros países em desenvolvimento. Estudo de DRÈZE e SEN (2013) atesta que, na comparação da evolução de indicadores sociais, a Índia se sai pior que países mais pobres do Sudeste Asiático. O incremento da Proteção Social do país, que opera com a menor proporção de investimento entre os 19 países obser vados (2,39% do PIB em 2012), coloca-se como um desafio. Naturalmente, outros fatores têm relação com a trajetória dos níveis de desenvolvimento humano. Mas a teoria apresentada a seguir indica que a Proteção Social tem papel indispensável na redução da pobreza e na elevação dos padrões de vida nos países em desenvolvimento.
3 Proteção Social e combate à pobreza nos países em desenvolvimento Mesmo com a progressiva ampliação dos marcos legais da Proteção Social, ao longo do século XX, estima-se que 73% da população mundial não está adequadamente coberta por programas de segurança social. A maior parte das pessoas descobertas são crianças, idosos e adultos desempregados, mas há um contingente expressivo de 800 milhões de “working poor” (ILO, 2014) – pessoas que têm ocupação profissional, mas não tem rendimentos suficientes para cotizar um fundo de pensão contributivo, público ou privado. Os sistemas tradicionais de Seguridade social exigem contribuição, do empregado ou do empregador, como regra de acesso a benefícios. Embora várias deficiências de implementação concorram para a baixa cobertura desses programs, bastam duas características típicas das sociedades em desenvolvimento para torná-los, em larga medida, insuficientes: o trabalho informal e a incidência de pobreza crônica. Apenas recentemente, após os anos 2000, a institucionalização de programas não-contributivos e focalizados na população mais pobre vêm obtendo avanços significativos na cobertura da Proteção Social em países em desenvolvimento. A princípio, a agenda de segurança social nos países em desenvolvimento era indiferente a essas particularidades. A expectativa era de que as redes de segurança social naturalmente atingiriam a totalidade da população, como consequência do crescimento econômico e da absorção de trabalhadores pelo mercado de trabalho formal. No entanto, essa promessa não se concretizou, e um conceito mais amplo de Proteção Social precisou ser adotado para a extensão significativa das redes de segurança (GROSH et al., 2008). A literatura classifica esse conceito ampliado como “proteção social transformativa” (DEVEREUX; SABATES-WHEELER, 2004), “proteção social desenvolvimentista” (BARRIENTOS; HULME, 2008), ou, hoje, simplesmente, Proteção Social. A Figura 1 ilustra as repercussões que a Proteção Social universalizada pode gerar nos países em desenvolvimento, de acordo com evidências coletadas e teoria produzida pela literatura na área. Nota-se que os efeitos esperados da Proteção Social no contexto dos países em desenvolvimento superam o objetivo imediato de
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prevenção de choques econômicos e alívio da pobreza. A literatura é prolífica em apontar desdobramentos, como a promoção de um padrão de crescimento econômico mais inclusivo (e.g. SAMSOM, 2009; LEHMANN, 2009); a elevação do estoque de capital humano (HANLON et al., 2010) e das capacidades da população (NUSSBAUM, 2011); e, em uma zona de impacto mais ampla e subjetiva, dinâmicas de empoderamento individual e social (EYBEN et al., 2008; SOARES; SILVA, 2010). 4 Por que investir em Proteção Social, mesmo durante a crise Este artigo buscou mobilizar referências teóricas e alguns dados sobre Proteção Social. O objetivo do texto não é apresentar conclusões definitivas, mas argumentos em favor da ideia de que o investimento público em Proteção Social é muito importante para o equilíbrio socioeconômico, particularmente em momentos de crise e no caso de países em desenvolvimento.
É relevante o fato de que um consenso em torno da necessidade de universalizar a cobertura da Proteção Social foi construído no âmbito da OIT e estendido a organizações internacionais que têm por missão apoiar o desenvolvimento de longo prazo, como o Banco Mundial. Nas articulações dessas instituições junto a foruns que debatem os caminhos para a retomada do crescimento, como o G20, espera-se que o tema da Proteção Social esteja mais em evidência. Nos países em desenvolvimento, parece seguro afirmar que o Estado, também por meio de programas de Proteção Social, tem um papel considerável a desempenhar nos esforços para a erradicação da pobreza. Nas próximas reformas econômicas, a fim de superar crises e evitar novas turbulências, seria importante que os debates em torno da dicotomia austeridade X estímulo fiscal levassem em conta também a centralidade da Proteção Social nos modelos de desenvolvimento já conhecidos.
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Referências: ANTOLÍN, Pablo e STEWART, Fiona. 2009. Private Pensions and Policy Responses to the Financial and Economic Crisis. OECD Working Papers on Insurance and Private Pensions, No. 36, OECD. BARRIENTOS, Armando, e HULME, David. 2008. Social Protection for the Poor and Poorest in Developing Countries: Reflections on a Quiet Revolution. BWPI Working Paper 30. Brooks World Poverty Institute, University of Manchester. D E V E R E U X , Stephen, e SABATESWHEEER, Rachel. 2004. Transformative Social Protection. IDS Working Paper 232. Brighton: Institute of Development Studies (IDS). Outubro de 2004. DRÈZE, Jean e SEN, Amartya. 2013. An Uncertain Glory: India and its Contradictions. E-book, Penguin Books. EBBINGHAUS, Bernhard e WISS, Tobias. 2011. Taming Pension Fund Capitalism in Europe: Collective and State Regulation in Times of Crisis. European Review of Labour and Research, vol. 17, no. 1, pp. 15-28, fevereiro de 2011. EYBEN, Rosalind, KABEER, Naila e CORNWALL, Andrea. 2008. Conceptualising empowerment and the implications for pro poor growth: A paper for the DAC Poverty Network. Brighton, Institute of Development Studies, setembro de 2008.
HULME, David. 2010. Just Give Money to the Poor: the Development Revolution from the Global South. Sterling: Kumarian Press. ILO. 2014. World Social Protection Report 2014/15: Building Economic Recovery, Inclusive Development and Social Justice. Geneva: International Labor Organization. ILO e WORLD BANK. 2015. A Shared Mission for Universal Social Protection: Concept Note. Joint Statement: International Labor Organization e World Bank, Junho de 2015. LEHMANN, Christian. 2009. “Do CCT Programmes have a Pro-poor Spillover Effect?” IPC-IG One Pager, No 98, Brasília: International Policy Centre for Inclusive Growth, United Nations Development Programme (IPC-IG/UNDP). LINDERT, Kathy, SKOUFIAS, Emmanuel e SHAPIRO, Joseph. 2006. Redistributing Income to the Poor and the Rich: Public Transfers in Latin America and the Caribbean. Social Safety Net Primer Series, Discussion Paper No 0605. The World Bank. Agosto de 2006. NUSSBAUM, 2011. Creating Capabilities: The Human Development Approach. Cambridge: Harvard University Press. OSTRY, Jonathan D., LOUNGANI, Prakash e FURCERI, Davide. 2016. Neoliberalism: Oversold? Finance & Development June 2016, Vol. 53, No. 2, pp 38-41. PECK, Jamie, THEODORE, Nick e BRENNER, Neil 2009. Mal Estar no Pós-Neoliberalismo. Novos Estudos, março 2012. Tradução de Alexandre Barbosa de Douza e Maria Cristina Vidal Borba, de artigo original publicado em Antipode, vol. 41, n.S1, 2009. SOARES, Fabio V. E SILVA, Elydia. 2010. Conditional Cash Transfer Programmes and Gender Vulnerabilities: Case Studies of Brazil, Chile and Colombia. IPC-IG Working Paper, N 69. Brasília: International Policy Centre for Inclusive Growth, United Nations Development Programme (IPCIG/UNDP). VIDAL, Gregorio. 2015. Estados Unidos, Europa, Asia, América Latina: la Crisis va y se generaliza. México, D.F.: Maporrua.
GROSH, Margaret, NINNO, Carlo del, TESLIUC, Emil e OUERGHI, Azedine. 2008. For Protection and Promotion: the Design and Implementation of Effective Safety Nets. Washington: The World Bank. HAN, Sangmi. Republic of Korea: Updating and Improving the Social Protection Index. Consultant Technical Assistance Consultant´s Report for the Asian Development Bank (ADB) 44152. Agosto de 2012. HANLON, Joseph, BARRIENTOS, Armando e
Denise Galvani é doutoranda no Programa de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco. O trabalho completo está disponível em: https://goo.gl/ ywxhWo.
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No Balanço da Rede Jornalismo em tempos conectados Por Ivo Henrique Dantas
Era uma vez (por todas?) a aldeia global
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ivemos em um mundo marcado por novos traços de territorialidade, redefinidos pela expansão dos meios de comunicação. Desde a implan-
tação dos veículos de massa, como a TV e o rádio, culminando no desenvolvimento da Web como a conhecemos atualmente, a atuação dos seres humanos, antes restrita aos espaços de lugares (CASTELLS, 2011), aqueles acessados apenas por nossos corpos, foi expandida para um espaço de fluxo contínuo, que nos permite estar em mais de um lugar ao mesmo tempo. Vejamos.
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Enquanto escrevo este texto encontro-me em um espaço físico, determinado por meu escritório, computadores e livros. Ao disponibilizar esta revista com o caro leitor, nos encontramos em um espaço virtual, de fluxos, que permite ir além do meu alcance corporal, nos permite entrar em contato através do ciberespaço, através dos fluxos informacionais. Assim, somos capazes de ir além de questões espaciais e – até – temporais. Ora, com tais mudanças na sociedade em rede não faltaram autores prontos para nos levar a crer que estava dado o último passo para a promessa da chamada Aldeia Global de McLuhan. Através das redes, estaríamos todos conectadas. Desde os recantos mais longínquos até as megalópoles. O que McLuhan não previu é que a rede mundial de computadores não se trata de apenas 1 rede. Não estamos todos automaticamente conectados. Tratam-se de incontáveis redes, dinâmicas, flexíveis, como nos lembra Levy (2011). Nesse sentido, lembramos que as limitações impostas às redes advém da própria razão da sua existência, como nós conectados por interesses em comum (MARTINO, 2014). Ou seja, mesmo que superemos a territorialidade contínua e física dos espaços de lugares, ainda ficamos com outros critérios de formação das redes. Seja baseada em relações familiares, de interesses políticos, econômicos, culturais... em comum, a rede sempre terá como limitador o fato de ser criada tendo como base um mínimo de organização no caos. Aí que entram os novos limites da territorialidade. Se não mais baseada – apenas – nos espaços de lugares, agora na forma como ocupamos o ciberespaço. Vejamos o caso do Facebook, maior ferramenta de rede social em atividade no ocidente. Pariser (2012) nos mostra como as formas de filtragem realizadas pela ferramenta impactam no consumo de informação de grande parte da população. Salientemos, ainda, que o Facebook possibilita a existência de diversas redes sociais, não se tratando o mesmo uma rede social em si. As redes sociais digitais exis-
tem por interesses em comum, que acabam limitando sua expansão. Apesar de ser alardeada há mais de duas décadas, a fragmentação da esfera pública ganhou novos contornos com o crescimento do Facebook e Google, culminando na eleição de Trump e na votação do Brexit, no Reino Unido. Em ambos os casos, as bolhas silenciaram opiniões que não chegaram ao grande público por meio dos veículos tradicionais de mídia. Por fim, lembramos ainda que o acesso à web é, em grande medida, reprodutor de desigualdades sociais e econômicas. Seja pela condição tecnológica designada pelos equipamentos ou largura de banda de conexão, seja ainda pela educação para utilizar as possibilidades do ambiente digital, estamos longe de um acesso universal, condição para a Aldeia Global. Assim, nos resta decretar – esperamos que de uma vez por todas – a falácia das previsões de McLuhan, certos de que as características intrínsecas às redes sociais, a forma como a internet foi ocupada por empresas e governos e as limitações socioeconômicas impossibilitam a aldeia global. Continuamos vivendo em microcosmos, sejam eles determinados por limites físicos ou virtuais.
Referências: PARISER, Eli. O Filtro Invisível: o que a internet está escondendo de você. Rio de Janeiro: Zahar, 2012. MARTINO, L. M. S. Teoria das Mídias Digitais. Petrópolis: Vozes, 2014. CASTELLS, M. A Sociedade em Rede. São Paulo: Paz e Terra, 2011.
Escrita pelo jornalista Ivo Henrique Dantas, doutorando em Comunicação na UFPE, a coluna No Balanço da Rede aborda o cenário das mídias digitais, com foco no debate acerca dos impactos na produção jornalística voltada para o meio online e o papel do webjornalismo na construção social da realidade.