Jornalismo e Cidadania 26

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Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 1

Jornalismo e cidadania nº 26 | Setembro e Outubro 2018

| ISSN 2526-2440 |

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade | PPGCOM/UFPE

OPINIÁO

Noticiabilidade e África

COMUNICAÇÃO NA WEB

Facebook como fonte de informação

E mais...


JORNALISMO E CIDADANIA | 2

Expediente Editor Geral | Heitor Rocha professor PPGCOM/UFPE

Alunos Voluntários | Lucyanna Maria de Souza Melo Yago de Oliveira Mendes José Tarisson Costa da Silva

Editor Executivo | Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE

Colaboradores |

Editor Internacional | Marcos Costa Lima Pós-Graduação em Ciência Política/UFPE

Alfredo Vizeu Professor PPGCOM - UFPE

Revisão | Laís Ferreira / Bruno Marinho Mestre em Comunicação / Mestrando em Comunica;áo

Túlio Velho Barreto Fundação Joaquim Nabuco

Articulistas |

Gustavo Ferreira da Costa Lima Pós-Graduação em Sociologia/UFPB

PROSA REAL Alexandre Zarate Maciel Doutor em Comunicação

Luiz Lorenzo Núcleo de Rádios e TV Universitárias/UFPE Ada Cristina Machado Silveira Professora da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM

MÍDIA ALTERNATIVA Xenya Bucchioni Doutora PPGCOM/UFPE

Antonio Jucá Filho Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ

NO BALANÇO DA REDE Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE

Auríbio Farias Conceição Professor do Departamento de Letras e Humanidades – DLH/ UEPB

JORNALISMO E POLÍTICA Laís Ferreira Mestre em Comunicação

Leonardo Souza Ramos Professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC –Minas Gerais e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Potências Médias (GPPM)

JORNALISMO AMBIENTAL Robério Daniel da Silva Coutinho mestre em Comunicação UFPE

CIDADANIA EM REDE Nataly Queiroz Doutora em Comunicação JORNALISMO INDEPENDENTE Karolina Calado doutoranda PPGCOM/UFPE MÍDIA FORA DO ARMÁRIO Rui Caeiro Mestre em Comunicação MUDE O CANAL Ticianne Perdigão doutoranda PPGCOM/UFPE COMUNICAÇÃO NA WEB Ana Célia de Sá Doutoranda em Comunicação UFPE NA TELA DA TV Mariana Banja Mestre em Comunicação

Índice

PODER PLURAL Rakel de Castro Doutora PPGCOM/UFPE e UBI

Rubens Pinto Lyra Professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas da UFPB

Editorial

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Prosa Real

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Comunicação na Web

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Opinião | Lucas da Silva e Walter Buske

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Opinião | Ana Polessa e Rafaella Rabello

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Opinião | Gregorio Vidal

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Opinião | Camilo Soares

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Opinião | Francisco Dominguez

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Opinião | Flávio Teixeira

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Opinião |Marcos Costa Lima

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Opinião |Caio Galvão

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Opinião |Rubens Pinto Lyra

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Editorial Por Heitor Rocha

O

entendimento reducionista do exercício da cidadania como a mera participação periódica no processo eleitoral, sem conceber a importância do envolvimento do cidadão na construção dos significados que definem a política de formação das identidades e da hierarquia de valores atribuídos aos grupos sociais, não permite reconhecer na discussão pública articulada pela mídia noticiosa o espaço em que a política pode produzir eticamente consensos capazes de diminuir os potenciais de conflito e violência, por um lado, ou de multiplicar a estigmatização e os mecanismos de dominação que ameaçam com efeitos anômicos a ordem institucional, ao estabelecerem uma cisão intransponível conflagrando a espécie humana, por outro. Este posicionamento hobbesiano individualista, que isola a pessoa numa idealização da competição agonística pelo poder entre vencedor e perdedor, caracteriza o modelo normativo liberal que tem a democracia apenas como a igualdade no jogo político disputado exclusivamente pelas elites para sequestrar os recursos públicos para satisfação de seus interesses particulares poderosos, o que representa uma forma de legitimação do patrimonialismo, ou seja, a não distinção dos âmbitos público e privado. Diante do retrocesso que o resultado da eleição presidencial de 2018 já começou a acarretar para o País, é preciso destacar a importância da mobilização dos setores democráticos, nacionalistas e populares para preservar o Estado de Direito concebido pela Constituição de 1988, por mais precário que este esteja, como forma de evitar o aprofundamento das desigualdades e injustiças sociais, através das propaladas “reformas” trabalhista, previdenciária, entre outras iniciativas que visam perpetuar os privilégios das elites, bem como para deter as ameaças autoritárias aos direitos civis, como a autonomia docente de professores, e humanos das pessoas das classes subalternas marginalizadas e até já tidas como alvo a ser exterminado por atiradores de elite, como confessou o governador eleito do Rio de Janeiro, estranhamente um “juiz de direito” concursado. Parece que o Brasil pretende preservar, indeterminadamente, as contradições e desigualdades do regime escravocrata, dividindo a nação entre os supercidadãos das elites e seus “intelectuais orgânicos” – na verdade também jagunços dos donos do dinheiro e do mercado, como os feitores e capitães do mato – e os subcidadãos assalariados e biscateiros condenados à sobrevivência em condições precárias e sem reconhecimento sequer dos seus direitos humanos. O presidente eleito reafirmou em entrevista recente a sua “juridicamente bem fundamentada” noção de direitos humanos, revelando que este é um direito “para a gente e gente como a gente” e indicando que o destino da outra metade da população é o presídio, um lugar que tem

que ser ruim para que não se deseje ser condenado a viver lá. A sua compreensão só vai até a avaliação moral e penal do transgressor, sem pressupor nenhuma estratégia de ressocialização para o apenado nem sequer levar em conta, como qualquer pessoa politicamente responsável precisaria fazer, mesmo não sendo um estadista, o perigo concreto de o condenado por pequenos delitos vir a ser cooptado coercitivamente pelo crime organizado que domina os presídios. Este fantasma da barbárie que paira sobre o país já teve oportunidade, em algumas situações, de ser superado ou pelo menos minimizado. Na época da “abolição” da escravidão, Joaquim Nabuco defendia a reforma agrária como imprescindível para dar alternativa econômica para os escravos libertos. Não foi ouvido. Getúlio Vargas liderou um esforço de modernização do Brasil através do nacional-desenvolvimentismo, criando uma infraestrutura para industrialização, e foi levado à ingovernabilidade por Carlos Lacerda, Roberto Marinho, políticos da UDN, militares formados na doutrina da segurança nacional elaborada pela escola superior de guerra dos EUA como estratégia durante a guerra fria – que superou a doutrina francesa de que a ameaça inimiga estava no estrangeiro, para assumir a posição de que o inimigo era interno e era tipificado como todo aquele que contestasse o capitalismo e a supremacia do mercado – e, evidentemente, pelas multinacionais e o governo norte-americano, com o financiamento e articulação de uma conspiração através de várias entidades como IBAD, CAMDE, IPES, entre outras, que funcionavam como hoje o MBL e o Vem para a Rua, entidades também financiadas pelos EUA. Com o seu suicídio e a carta testamento, Getúlio conseguiu adiar o golpe de 1954 para 1964, período em que Juscelino Kubitschek e João Goulart mantiveram o projeto nacional-desenvolvimentista com inquestionáveis progressos para o Brasil. Da mesma maneira, o nacional-desenvolvimentismo retomado pelos governos de Luiz Inácio da Silva e Dilma Rousseff também foi frustrado pelo golpismo neoliberal, para garantir os privilégios das elites e das corporações multinacionais. Neste contexto, mais do que nunca, é necessário manter a luta pelo Estado de Direito Democrático, pelos interesses nacionais e pela inclusão social dos setores excluídos, cobrando na discussão pública articulada pela instituição jornalística ética e decência.

Heitor Costa Lima da Rocha, Editor Geral da Revista Jornalismo e Cidadania, é professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.


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Prosa Real

Livro-reportagem, jornalismo e contexto Por Alexandre Zarate Maciel

D

epoimentos dos escritores e editores, a análise dos raros estudos do estado da arte sobre o assunto e a perspectiva da teoria construcionista interacionista permitem afastar certas conclusões totalizantes que podem cercar o universo do livro-reportagem. O jornalismo vivencia, sim, tempos de fragmentação informativa em todas suas formas midiáticas, sobretudo na internet e nas redes sociais. A crise do suporte impresso é persistente, global e de difícil resolução em um país de já tradicionais índices baixos de leitura. As turbulências econômicas ceifaram das redações muitos repórteres veteranos e especializados. Escassearam os recursos para as outrora mais comuns grandes reportagens publicadas em séries ou cadernos especiais. É simplista dizer que o livro-reportagem é o único oásis da plenitude da reportagem no jornalismo contemporâneo. Porém, o foco na visão múltipla, contextualizada e interpretativa dos acontecimentos é uma das suas características mais notáveis como produto. Em meio a um cenário de revisão dos sentidos do jornalismo como marco de referência principal para a comunidade interpretativa, o livro-reportagem fortalece o valor da instituição. A postura ética, o compromisso social, a formação acadêmica e prática nas redações de certos repórteres interessados em promover o jornalismo como forma de conhecimento podem superar, com os dribles da criatividade, os limites aprisionadores de tempo, espaço ou linhas editoriais. A voz dos autores: um campo com características diferentes Ao serem entrevistados para uma tese de doutorado, escritores como Fernando Morais,

Ruy Castro, Zuenir Ventura, Caco Barcellos, Daniela Arbex, entre outros, estabeleceram diferenças entre o modo de produção de um livro-reportagem e a rotina de uma redação jornalística. Uma das principais diferenças apontadas é o menor peso da carga hierárquica dos editores-chefe, diretores de redação e mesmo das linhas político-ideológicas de um veículo de imprensa. Enquanto a redação oferece tanto pressões quanto proteções corporativas, o livro é um desafio mais pessoal de organização de tempo e astúcia jornalística para distender e tensionar as práticas adquiridas. O fato de a reputação do jornalista estar em jogo de forma mais evidente quando assina um livro-reportagem representa um peso íntimo, que pode explodir em pesadelos, crises de ansiedade, medo do erro, temor da recepção da

Divulgação

Livro-reportagem: foco na visão contextualizada, múltipla e interpretativa


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obra e até na busca de ajuda de psicólogos. Temos, então, um olhar mais aproximado do historiador? É preciso cuidado com essa fronteira porosa, de trocas, no entanto com diferenças. Ambos os profissionais fazem amplas pesquisas de campo, analisam os fatos na perspectiva mais contemporânea do que factual, cotejam fontes documentais e orais do passado, porém o jornalismo está em busca do singular, podendo atingir até o particular estético. É o repórter, com suas lentes marcadas por várias influências, que procura revelações nas mesmas fontes históricas, o que muitas vezes gera atenção a detalhes que podem não interessar aos historiadores mais tradicionais. Ele está menos centrado na macro-história e na análise conjuntural — busca o cotidiano. Porém, é preciso tomar cuidado com o pitoresco, o reducionismo, a visão caricata e simplificada dos acontecimentos contemporâneos. Elemento crucial na teoria construtivista interacionista, a questão da organização do tempo e do espaço no processo de apuração, seleção e redação jornalística presente em um livro também foi bastante abordada pelos entrevistados. A exigência de prazos em uma editora é mais distendida, diferente da redação. No entanto, os compartimentos íntimos, subjetivos, de pressão do escritor podem oprimir. O prazo combinado com uma editora para todo o trabalho de pós-produção de um livro-reportagem e para seu posterior lançamento costuma assustar mais quando vai chegando ao final. Atrasar um livro significa quebrar toda uma lógica de produção editorial. Como um maratonista, metáfora utilizada por um dos entrevistados, o jornalista conta com bastante tempo para apurar e escrever um livro-reportagem. Mas pode sair exausto, principalmente quando se pensa em uma carreira de escritor que produz um livro após o outro.

com as redações enquanto experimentam o formato livro e suas opções de um jornalismo mais extensivo e plural. Revistas como Piauí e Brasileiros e experiências de longas reportagens em agências de internet como a Pública ainda permitem a prática de textos apurados com tempo, abertos a um leque amplo de vozes, que ocupam mais espaço e tratam com contexto aprofundado os acontecimentos não factuais. Embora fosse mais comum no passado, em jornais de referência como Jornal do Brasil, Jornal da Tarde e O Estado de S. Paulo e em revistas como Realidade e O Cruzeiro, ou nos formatos clássicos do Globo Repórter e na subversão do Profissão Repórter, negar a existência da grande reportagem na mídia atual e mesmo o interesse do leitor por textos apurados e preparados com esmero é um tanto apressado e temeroso. Portanto, mais do que uma ruptura dos cânones da profissão, o livro-reportagem representa outro território para os jornalistas com experiência e empenho de encarar a complexa empreitada de sua realização. Eles podem exercitar e tensionar as possibilidades interpretativas e narrativas consolidadas historicamente nas redações. Quando falam na condição de escritores, louvam o fato de não terem mais que elaborar um produto para o próximo minuto, hora, dia, semana ou mês. Assim, contam com tempo para toda apuração documental e oral e para o trabalhoso processo de seleção e organização das informações em forma de uma narrativa clara, acessível e sedutora.

Referências:

Refletindo sobre a prática: consciência das verdades provisórias

MACIEL, Alexandre Zarate. Narradores do contemporâneo: jornalistas escritores e o livro-reportagem no Brasil. Recife, 2018. Tese (Doutorado em Comunicação)-Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Os jornalistas conscientes do papel social da profissão podem tentar superar a visão da teoria da verdade como correspondência pelo paradigma construtivista da teoria consensual da verdade. Assim, para esses profissionais, as noções de verdade e razão deixam de ser absolutas para serem encaradas como provisórias e passíveis de transformação de acordo com as mudanças vividas pelas pessoas que compõem a comunidade interpretativa. Vários repórteres, aliás, mantêm seus vínculos

Elaborada pelo professor doutor do curso de Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz, Alexandre Zarate Maciel, a coluna Prosa Real traz, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, os principais autores, títulos e a visão do leitor.


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Comunicação na Web Jornalismo, Sociedade e Internet

Pixabay

Por Ana Célia de Sá

O Facebook como fonte de informação jornalística

A

s plataformas de redes sociais na web têm impulsionado processos interativos e participativos entre usuários e produtores de conteúdo midiático profissionais. Martino (2015, p. 58) explica que “[...] o princípio de uma rede social é a natureza relacional de sua composição, definida por vínculos fluidos, flexíveis, e pelas várias dinâmicas dessas relações”. Isso possibilita maior horizontalidade entre os participantes, fomentando novas formas de construir e difundir informações, que se tornam mais coletivizadas e multidirecionais. “A mediação pelo computador gerou uma série de elementos complexificadores dos processos de comunicação. Por exemplo, modificou a estrutura da comunicação interpessoal, permitindo o surgimento de conversações assíncronas, mantidas pelo software entre um grande número de pessoas, gerando gran-

des fóruns públicos de discussão. Também concedeu maior poder aos usuários, permitindo que cada um consiga amplificar suas mensagens para grandes audiências participativas” (RECUERO, 2014, p. 408, 409). No Facebook, um dos principais sites de redes sociais da atualidade, não é diferente. A apropriação de ferramentas computacionais pelos atores permite estruturar as conexões (interações e laços) que constituem as redes sociais, nos planos micro e macro, dando função social à tecnologia. Assim, o processo comunicacional ganha nova roupagem com base na participação, na convergência, na multiplicidade de olhares, na cultura do tempo real, entre outros aspectos suscitados pela Web 2.0. Cria-se um espaço de sociabilidades diversas mediadas pelo computador. Nesse cenário interativo e participativo do Facebook, o internauta reconfigura seu papel de receptor de conteúdo e também assume posição de produtor da informação, com diferentes níveis de alcance. Amparado por recursos técnicos, que viabilizam a produção e a difusão de material escrito, fotográfico e


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audiovisual, o usuário parte para a “ação” e alimenta perfis, grupos e páginas (fanpages) com conteúdos próprios. Essa força produtiva — normalmente motivada por perspectivas sociais, e não necessariamente financeiras — tem sido observada e, por vezes, apropriada pelo jornalismo profissional, também presente nesse ambiente social on-line. Não raro, fanpages e, até mesmo, portais jornalísticos externos ao Facebook publicam conteúdos gerados por usuários não profissionais, tornados fontes de informação de modo consciente ou não. A participação de cidadãos em eventos públicos de grande impacto social pode ilustrar essa situação. Em 2011, os movimentos de ocupação urbana ocorridos em países da África (rebeliões contra regimes autoritaristas, nomeadas por Primavera Árabe), Europa (protestos contra as medidas de austeridade perante a crise econômica) e América (manifestações estudantis em prol da educação pública, no Chile, e Occupy Wall Street, nos Estados Unidos) mostraram o ímpeto e a ascensão do “usuário fonte”. Boa parte da imprensa internacional aglutinou material produzido e difundido por usuários de redes sociais conectadas, com destaque para Twitter e Facebook, à cobertura profissional dos veículos de comunicação. Esse procedimento partiu tanto das empresas de mídia, que buscaram a informação nas redes, quanto do público, que acionou a imprensa por meio dos comentários em perfis e páginas jornalísticas e do uso de hashtags. Isso ampliou o raio de atuação do jornalismo, nem sempre presente aos eventos, e aproximou as matérias à realidade do público, o qual demanda uma inclusão mais ativa. Pode-se citar também a onda de protestos urbanos alastrada pelo Brasil, no ano de 2013, especialmente nos meses de junho e julho. As ações começaram no Estado de São Paulo, com manifestações organizadas pelo Movimento Passe Livre contra o aumento de R$ 0,20 nas tarifas de ônibus locais — o reajuste foi derrubado após dias de protestos. Nas semanas seguintes, porém, a pauta de manifestações foi ampliada a favor de outras causas sociais, como melhorias no sistema de transporte público, na infraestrutura urbana, nos serviços de saúde, na educação e na segurança, além do repúdio à corrupção. Os atos ultrapassaram os limites de São Paulo e expandiram-se por estados de todas as regiões do Brasil. No dia 20 de junho de 2013, foi registrada uma manifestação popular nacional, que mobilizou mais de 1,5 milhão de pessoas somente nesse dia (MANIFESTAÇÕES..., 2013). Mais uma vez, o uso das redes sociais conectadas foi essencial para a difusão de informações e a organização dos protestos, particularmente via Facebook, sem, contudo, eliminar a articulação presencial dos manifestos. E a imprensa,

que chegou a ser hostilizada nas ruas durante os protestos, novamente bebeu da fonte popular de informações on-line para expandir sua cobertura. A popularização de smartphones, equipados com câmeras e preparados para uso de internet móvel e seus aplicativos, permite que as pessoas postem em plataformas de redes sociais aquilo que veem e fazem em tempo real, enfocando o factual. Essa dinâmica articula-se com o fazer jornalístico na web, apoiado pela digitalização, pela velocidade, pela atualização em fluxo contínuo, pela interatividade e pela participação do internauta. Cabe ao jornalismo, entretanto, identificar aquilo que tem potencial noticioso, com base em princípios profissionais. Isso porque o ciberespaço comumente mescla as dimensões pública e privada em um grande emaranhado informativo, especialmente em plataformas de redes sociais, e nem tudo que é difundido nesse ambiente é de interesse coletivo. Por isso, é preciso acionar valores-notícia e critérios de noticiabilidade que fundamentem a produção de boa qualidade, junto com a interpretação e os padrões de estruturação e edição textuais. Além disso, o comunicador profissional precisa seguir (ou, se necessário, atualizar) rotinas de trabalho que promovam o uso responsável do material encontrado nas redes sociais. Isso inclui a apuração criteriosa dos conteúdos difundidos em perfis, comunidades e/ou páginas de redes sociais e a opção por fontes confiáveis. Em tempos de disseminação de fake news na web, o jornalismo precisa solidificar a sua credibilidade junto à sociedade e manter o seu diferencial para uma produção séria e comprometida com as causas coletivas.

Referências: MANIFESTAÇÕES pelo Brasil. G1, Rio de Janeiro, 20 jun. 2013. Brasil. Disponível em: <http://g1.globo. com/brasil/protestos-2013/infografico/platb/>. Acesso em: 20 jun. 2013. MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria das Mídias Digitais: linguagens, ambientes, redes. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2015. RECUERO, Raquel. Redes Sociais. IN: CITELLI, Adilson et al. (Orgs). Dicionário de Comunicação: escolas, teorias e autores. São Paulo: Contexto, 2014.

Ana Célia de Sá é jornalista e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM-UFPE).


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Opinião

Noticiabilidade e África como periferia do mundo Por Lucas Felipe da Silva e Walter Emílio Buske

N

otada por Bauman como uma concepção ordenadora através da linguagem e dos projetos de poder, a modernidade se expressa em todos os âmbitos da vida social em sociedades ocidentais e estabelece espaços ordenados onde a desordem é soberana. Tais espaços são o centro e as periferias, respectivamente. Nesse contexto, o jornalismo opera como agente do projeto modernizador ao exercer poder tomando discursos sobre periferia ao mesmo tempo em que age de forma ambígua discursivamente. Fundamentada nas reflexões do sociólogo e filósofo polonês, a pesquisadora Ada Silveira (2009) analisa como se dão os processos de cobertura jornalística das periferias dentro dos conceitos de ambiguidade e identifica, a partir da noticiabilidade, um enquadramento ambivalente às periferias. O projeto referido age com a premissa de que se faz necessário ordenar, por meio de definições estáticas, as forças múltiplas nas quais se manifesta a vida ambivalente, ou seja, a vida desordenada. As periferias seriam assim um espaço dúbio aos olhos da cultura profissional do jornalismo de referência, viciada em caracterizar favelas e fronteiras como espaços tomados pelo caos e pelo desordenamento. Porém, mesmo com tratamentos iguais, existem identidades específicas para diferentes locais periféricos, mas que, por sua característica ambígua frente à modernidade, compartilham uma identidade relacionada ao caos e ao desordenamento. O estudo da mídia impressa tanto no tema das fronteiras internacionais brasileiras quanto no das favelas metropolitanas reitera a afirmação de que a prática jornalística está viciada em alguns assuntos recorrentes, como violência urbana, contravenções legais, tráfico de drogas e de armas, e imersa em discussões de defesa e segurança nacional. O numeroso noticiamento sobre incidências de crimes de descaminho, nessas periferias, toma os espaços periféricos como periferia particular do Estadonação. Atenta-se que os acontecimentos noticiados sobre fronteiras ainda possuem articulações com interesses de outras regiões, especialmente metropolitanas, e fazem parecer que os habitantes desse espaço vivem e são coniventes com o desvio da ordem. As diferenciações e correlação entre centro e periferia podem ser atribuídas nos mais diversos âmbitos de região. Nesse sentido, entendemos que, devido a fatores históricos, econômicos e sociais, a África estaria colocada para a política e o jornalismo internacional como a periferia do mundo, e alertamos para a estigmatização do continente africano. Especialmente a região da África

Subsaariana, que estaria — por meio da preocupação com a segurança global, redes petrolíferas e as novas potencialidades produtivas — se inserindo concretamente no sistema-mundo (SILVA; ROSA, JUNIOR; MOREIRA, 2005). A mídia de referência brasileira e grandes agências de notícias tradicionais criam um semblante de corrupção e pobreza nos países africanos, tal qual fazem no Brasil com as favelas e fronteiras. Acreditamos que os vícios de noticiabilidade para essa “periferia mundial” estão atrelados a temas recorrentes que se divergem ou se aliam na construção dos discursos que a marginalizam. São eles: corrupção, pobreza generalizada e belezas naturais fantásticas. A exemplo do tratamento nacional sobre a África, destacamos, em maio de 2013, a manchete da BBC “Brasil perdoa quase US$ 900 milhões em dívidas de países africanos”, relatando as negociações brasileiras com países africanos para perdão de dívida como forma de estreitar relações com o continente. Durante a análise da cobertura do acordo entre as nações, que também focalizou veículos como a Carta Capital, Estadão, Portal R7, Globo News e O Globo, percebeu-se que apenas para o primeiro veículo citado realmente importou a benéfica cooperação SulSul. Imersas em um contexto nacional que antecedeu as chamadas Jornadas de Junho, constrói-se a imagem da então presidente Dilma como uma viajante despreocupada com seu povo que apoia regimes ditatoriais do outro lado do Atlântico. Além disso, os veículos se valem da tentativa de deslegitimar os estados africanos por meio da ligação dos mesmos à corrupção excessiva, ao mesmo tempo em que destacam sua miséria coletiva, que consequentemente poderia ser associada aos sistemas de desvio de dinheiro, na interpretação do leitor. Por meio dos modos de ver nos termos estabelecidos pelo Estado-nação sobre periferias, desenrola-se um rígido agendamento que se encontra desconectado da realidade cotidiana das populações periféricas, comprometendo a compreensão e rejeitando informações que não conferem com sua identidade própria. O que a prática jornalística hegemônica tem feito é basicamente atuar como ferramenta de dominação quando se pretende objetiva, de modo a estabelecer um ser construído a partir da cosmovisão colonizada que aponta o que há de negativo na ambivalência da realidade social. Portanto, reiteramos que, ao tomar por dado os posicionamentos do poder instituído pelo projeto da modernidade e alinhar-se com esse, o jornalista reproduz esse mecanismo de dominação a partir da construção de


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juízos e de entraves estabelecidos pela noticiabilidade a diferentes cosmovisões. Como consequências desse jornalismo alarmista, enquanto a mídia nacional cria aqui uma identidade de terra sem Estado para as fronteiras e periferias, fazendo com que a população das demais regiões do país sinta falta de políticas de Estado para sanar essas problemáticas, no contexto da política internacional a criação de identidades depreciativas para países ou regiões resulta em cobranças feitas aos formuladores de política externa. Dentre essas exigências, podem estar a posição de não envolvimento de países do centro ou semiperiferias com tais nações periféricas e, consequentemente, o maior isolamento das mesmas. Ademais, essa prática incorpora um imaginário predatório à memória e ao patrimônio multicultural em que não se faz entender o contexto e reiteram-se ações contra a integração cultural e econômica, contrariando expectativas de cidadãos regionais de terem sua visibilidade respeitada. Fruto dessa autocrítica do campo, assim como afirmou Silveira (2016), nota-se a emergência de novas ferramentas e veículos de comunicação que buscam a formação de novas formas de autoconhecimento para substituir os antigos vínculos no contexto da globalização. Percebemos exemplos como a AfricaCheck, que, segundo seu site oficial, é “uma organização não partidária que existe para promover a precisão e a honestidade no debate público e na mídia na África”. Uma equipe de jornalistas faz a checagem de informações de assuntos referentes a países africanos, não para evidenciar falhas de profissionais, mas sim para melhorar a exatidão do debate político, já que afeta as decisões das pessoas e influi nas leis e nas políticas dos governos. A agência começou a ser idealizada no ano de 2002, porém só foi concretizada em 2012. Desde então, trabalha com o apontamento de informações inverídicas sobre países como Quênia, Nigéria, África do Sul, entre outros. A crítica à agenda jornalística relacionada à marginalização do continente africano pode se dirigir tantos aos conglomerados midiáticos quanto ao jornalista da editoria internacional, até mesmo às agências internacionais, que, segundo João Batista Natali (2004), pensam em um cliente abstrato ao dirigirem seu texto e historicamente deixaram o profissional do jornalismo refém ao falar sobre o mundo. É necessário entender que não existem mais justificativas para informações parciais sobre o vizinho periférico, ainda mais com a vantagem da internet, que, segundo Natali, permite que a margem da superinformação cresça de maneira extraordinária. Ademais, a luta contra o discurso estigmatizador se dá pelos periódicos e agências de notícias virtuais independentes e locais, os quais podem passar a ser fontes para jornais tradicionais.

Referências: AFRICACHECK, AfricaChek, Disponível em: <https://africacheck. org/>. Acesso em 2 de julho de 2018. AFP. Brasil perdoa 900 milhões de dólares em dívidas de países africanos. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/ politica/brasil-perdoa-900-milhoes-de-dolares-em-dividas-de-paisesafricanos-1807.html>. Acesso em 16 de setembro de 2018. BRASIL, BBC. Brasil perdoa quase US$ 900 milhões em dívidas de países africanos. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/ noticias/2013/05/130520_perdao_africa_mdb>. Acesso em 16 de setembro de 2018. CASADO, José. Com anistia, Brasil beneficia países africanos acusados de corrupção. Disponível em: <https://oglobo.globo.com/ mundo/com-anistia-brasil-beneficia-paises-africanos-acusados-decorrupcao-9345651>. Acesso em 16 de setembro de 2018. ERRO, Carlos Bajo. Contra os Rumores: checagem de fatos. Disponível em: <https://brasil.elpais.com/brasil/2016/08/05/ internacional/1470407464_242211.html>. MOURA, Rafael Moraes. Perdão às dívidas de países africanos soma US$ 717 mi. Disponível em: <http://economia.estadao.com.br/ noticias/geral,perdao-as-dividas-de-paises-africanos-soma-us-717mi-imp-,1055694>. Acesso em 16 de setembro de 2018. NEWS, Globo. Perdão da dívida de países africanos gera questionamentos e dúvidas. Disponível em: <http://g1.globo.com/ globo-news/noticia/2013/08/perdao-da-divida-de-paises-africanosgera-questionamentos-e-duvidas.html>. Acesso em 16 de setembro de 2018. R7. Brasil perdoa quase R$ 2 bilhões em dívidas de países africanos. Disponível em: <https://noticias.r7.com/brasil/brasil-perdoa-quaser-2-bilhoes-em-dividas-de-paises-africanosnbsp-25052013>. Acesso em 16 de setembro de 2018. SILVA. Vania R. A.; ROSA, Isaac G. G. F.; JUNIOR, João G.; MOREIRA, Marianna F.; ÁFRICA E A GEOGRAFIA DO SUBDESENVOLVIMENTO: UMA ANÁLISE DE SUAS DIFERENTES FORMAS DE INSERÇÃO NO “SISTEMAMUNDO”. X Encontro de Geógrafos da América Latina. USP, 2005. Disponível em: <http://www.observatoriogeograficoamericalatina. org.mx/egal10/Geografiasocioeconomica/Geografiaeconomica/43. pdf>. SILVEIRA, A. C. M. Ambivalência e cobertura jornalística de periferias. In: SILVEIRA, A. C. M.; GUIMARAES, I. P. (Orgs.) Conexões transfronteiriças: Mídia, noticiabilidade e ambivalência. Foz do Iguaçu: EdUnila, 2016. p. 25-43. Disponível em: <https://www.unila.edu.br/sites/default/files/files/livro_ conexoes_transfronteiricas.pdf>. Acesso em 20 dez. 2016.

Lucas Felipe da Silva é graduando no Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e integrante do Grupo de Pesquisa Comunicação, Identidade e Fronteiras. Walter Emílio Buske é graduando de Relações Internacionais da Universidade Federal de Santa Maria.


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Opinião

O Brasil que você não vê: Fake News e a narrativa jornalística Por Ana Carolina Estorani Polessa e Rafaella Prata Rabello

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om o período eleitoral no Brasil no segundo semestre de 2018, acompanhamos a protagonização das notícias falsas (“Fake News”) no epicentro dos debates entre candidatos e seus eleitores. Pretendemos aqui compreender, a partir de estudos recentes, qual a estrutura dessas notícias, que, eventualmente, levaria uma pessoa a compartilhar tais informações, nos levando a questionar o que as tornaria mais propensas a ser repassadas. No Jornalismo digital, temos informações interconectadas, hipertextos, que “ao utilizar nós ou elos associativos (os chamados links) consegue moldar a rede hipertextual, permitindo que o leitor decida e avance sua leitura do modo que quiser (FERRARI, 2012, p. 44). Mas foi a partir do final da década de 1980 que acessamos materiais multimídia, tecnologia que engloba som, imagem e movimento. Posteriormente, criou-se a hipermídia, uma tecnologia que engloba hipertextos e recursos multimídia. Sendo assim, adotamos como referência desta pesquisa o software Whatsapp, usado em smartphones para troca de mensagens de texto instantaneamente, além de vídeos, fotos e áudios através de uma conexão à internet. O número de usuários ativos do aplicativo Whatsapp, segundo a startup Opinion Box, seria utilizado diariamente por 89% dos usuários de smartphones no país (estimativa de 2016 feita a partir de levantamento realizado com 1.895 internautas brasileiros). Atualmente, calcula-se que tenham 120 milhões de usuários ativos somente no Brasil (FOLHA; 2018), número superior ao da estimativa do IBGE de 2016 de que seríamos 116 milhões de brasileiros online, evidenciando-se como um dos meios mais utilizados para difusão desse tipo de “informação”. Posteriormente, traçamos um paralelo referente à leitura e ao tempo de leitura. De acordo com o jornal Estadão em 2016, 44% da população brasileira não lê e 30% nunca comprou um livro. No que tange à leitura online, Studart (2001)

aponta que os usuários de sites têm uma “concentração na tela de 30s, mesmo tempo dos comerciais de T V. Dependendo do design do site, cada tela tem em média 2 parágrafos, no máximo. As notícias precisam ter, no máximo, 4 parágrafos, estourando 6” (p. 16). Por último, levamos em consideração uma análise feita pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) com 216.000 notícias que circulam na rede social Twitter entre 2006 e 2017. Tal estudo defende que as novas tecnologias sociais “facilitam o rápido compartilhamento de informações e cascatas de informações em larga escala, podendo propiciar a disseminação de informações errôneas (ou seja, informações imprecisas ou enganosas)” (VOSOUGH et al. 2018), chegando a uma importante obser vação: “os rumores são inerentemente sociais e envolvem o compartilhamento de reivindicações entre as pessoas. A notícia, por outro lado, é uma afirmação com reivindicações, seja ela compartilhada ou não.” (VOSOUGH et al. 2018). Mesmo desconsiderando os robôs (ou bots), o trabalho conclui que as “notícias falsas ainda se espalham mais, mais rápido, mais profundamente e de forma mais ampla do que a verdade em todas as categorias de informações. O que a pesquisa demonstra é que as chances de uma notícia falsa ser repassada são de 70%, pelo simples fato de serem inesperadas e possuírem um fator social de integração em sociedade, demonstrando que uma pessoa sabe certa informação. (VOSOUGH et al. 2018, FOLHA; 2018). A notícia se aproxima do relato oral dos fatos, fora da sequência temporal, valorizando o aspecto mais importante de um evento na forma de lead com as circunstâncias de tempo, lugar, modo, causa, finalidade e instrumento. No jornalismo, o lide (ou lead) é uma técnica do texto jornalístico e refere-se ao primeiro parágrafo, sendo assim considerada a parte mais importante de uma notícia com o intuito de apresentar as ideias centrais de uma notícia justamente para prender a atenção de um lei-


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tor, respondendo a 6 perguntas básicas: o quê, quem, quando, onde, como e por quê? A técnica de construção usada na notícia online é conhecida como “pirâmide invertida”, iniciando o texto com os dados mais importantes antes das demais informações. Canavilhas (2006) estabelece um diagrama com 4 níveis de informação no que conceitua como “pirâmide deitada”: unidade de base (lead essencial) referente a “o que, quando, quem, onde”, o nível de explicação que complementa a informação tratando-se do “por que e como”, a contextualização que trata de mais informações em diferentes formatos (como vídeo, som ou infográficos) e, por fim, o nível de exploração que trata da ligação ao arquivo da publicação e/ou externos. Esses levantamentos nos fizeram perceber que parte significativa das notícias falsas que circulam pelas redes sociais usaria das técnicas semelhantes ao modelo de Canavilhas (2006). Por si só, este é um debate espinhoso, que vai além de frear a difusão das notícias falsas, mas também trata de não censurar a liberdade de expressão. Atualmente, não há uma legislação no Brasil especificamente para o tema, mas existem 3 projetos que tramitam Congresso Nacional de acordo com Alex Tarja, do portal UOL (2018): o projeto de lei 473/2017 que propõe a “alteração ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal, para tipificar o crime de divulgação de notícia falsa” tramitando no Senado Federal e outros dois na Câmara dos Deputados, o Projeto de lei 6812/17, que “dispõe sobre a aplicação de multa pela divulgação de informações falsas pela rede social e dá outras providências”, e o projeto de lei 8592/2017, que, além de alterar o Código Penal, prevê detenção de um a dois anos”. Sugerimos que os meios de comunicação ampliem a visão para além do combate à difusão e possam também aprender com as estruturas técnicas das notícias falsas: propondo um acesso mais simples a um jornalismo ético, principalmente nas redes sociais — ambiente democrático que facilita a aproximação do leitor, ampliando as chances de uma interpretação eficaz da notícia. É uma lógica semelhante a uma vacina ou um antivírus: aprender com a ameaça e replicar o modelo como uma forma de defesa mais eficaz.

Referências CANAVILHAS, J. Webjornalismo: da pirâmide invertida à pirâmide deitada. 2006. Disponível em: <https://goo.gl/Yht3R8>. Acesso em: 10 out. 2018. ESTUDO: 89% DOS BRASILEIROS usam WhatsApp; Estudo: 89% dos brasileiros usam WhatsApp. Canal Tech. 22/03/2016. Disponível em: <https://goo.gl/ XVSYBc> Acesso em: 11 out. 2018. FAKE NEWS APELAM e viralizam mais do que notícias reais, mostra estudo. Folha de S.Paulo. 08/03/2018. Disponível em: <https://goo.gl/ m4F3uD> Acesso em: 11 out. 2018. FERRARI, Pollyana. Jornalismo Digital. São Paulo: Contexto, 2012, 4ª ed. TAJRA. A. Apesar de limbo legal, fake news podem dar multa e processo a quem envia. Disponível em: <https://goo.gl/hFng4j> Acesso em: 10 out. 2018. RODRIGUES. M. 44% da população brasileira não lê e 30% nunca comprou um livro. Estadão. 18/05/2018. Disponível em: <https://goo.gl/Ucjwx4> Acesso em: 11 out. 2018. VOSOUGHI, Soroush; ROY, Deb; ARAL, Sinan. The spread of true and false news online. Science, v. 359, n. 6380, p. 1146-1151, 2018. Disponível em: <https://goo.gl/xY8Szs> Acesso em: 11 out. 2018.

Ana Carolina Estorani Polessa é socióloga, especialista em História do Brasil e Diversidade Cultural pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Rafaella Prata Rabello é jornalista, licenciada em Letras e doutoranda em Comunicação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).


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México: La economía y la nueva situación política (2) Por Gregorio Vidal

Este artigo é o terceiro de uma série de quatro textos que foram extraídos da análise do professor Gregório Vidal sobre a economia e a nova situação política do México a partir da última eleição presidencial. EL COMERCIO EXTERIOR, EL CAPITAL EXTRANJERO Y EL CRECIMIENTO ECONÓMICO

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l incremento notable en el grado de apertura de la economía en México da cuenta de una de las mayores transformaciones observadas desde comienzos de los años noventa. El incremento de las exportaciones petroleras en los años setenta y principios de los ochenta del siglo pasado no implicó un cambio relevante en el grado de apertura. Hasta el año de 1991, la suma de las importaciones y las exportaciones es inferior al 20% del PIB. En los dos siguientes años no hay cambios importantes. Es hasta 1994 que existe un aumento significativo y la cifra equivale al 33% del PIB. Un año después, con el TLCAN en operación el grado de apertura de la economía de México es de 53%. En adelante hasta la fecha las cifras son semejantes, con años por encima del 60% y recientemente superiores al 75%. Con base en cifras del Banco Mundial, en 2016 y 2017 las exportaciones equivalen respectivamente al 37.1% y 37.9% del PIB. Pero también las importaciones son mayores, en 2016 corresponden a 39.1% y en 2017 a 39.7% del producto. En la segunda parte de los años noventa el incremento en las exportaciones tiene como antecedente inversiones realizadas principalmente por firmas transnacionales, destacando la industria automotriz y la de equipos y aparatos eléctricos y electrónicos. En los años siguientes se realizan nuevas inversiones en estas actividades económicas y uno de sus resultados es el predominio de las manufacturas en el total de las exportaciones. Desde 1995 a la fecha son 80% o más del total. En el periodo de 2007 a 2013 las empresas de la industria manufacturera realizan el 84% de las ventas totales al exterior. En 2015 suman 89.3% y en 2016 89.9%. La mayor parte del resto de las exportaciones se explica por la venta de petróleo crudo. Hay sin embargo un aspecto de la transformación en la economía que se mantiene y aún se refuerza conforme avanza la apertura comercial y financiera y la exportación de manufacturas. Como analizó en otros textos (Vidal, 2000 y 2011) el incremento en las importaciones se debe en gran parte al aumento de los bienes asociados a las exportaciones. Es decir, gran parte de las nuevas importaciones se deben a las condiciones en que operan

las empresas que están realizando la mayor parte de las exportaciones manufactureras. Desde hace años el impacto en el PIB es notable y constituye una regularidad en el funcionamiento de la economía. En términos del PIB, los insumos asociados a la exportación equivalen al 16.4 por ciento y agregando la maquinaria y equipo importado por compañías exportadoras, calificadas así en tanto destinan la mayor parte de su producción al exterior, la cifra equivale a un quinto del PIB (Vidal, 2000: 589). Las manufacturas predominantes en las exportaciones son: automotriz, equipos y aparatos eléctricos y electrónicos y equipos y aparatos para industrias diversas. En las actividades con mayor peso en el comercio exterior el destino principal es Estados Unidos. Es regular observar que cuatro quintas partes de las exportaciones manufactureras tienen por punto de llegada el país de allende el Río Bravo. En 2016 del total de las exportaciones no petroleras 82.67% tuvo por destino Estados Unidos y en 2017 fue 81.54%. Una parte importante de las empresas exportadoras en estas actividades son líderes en el mercado interno, es decir explican gran parte de las ventas al interior del país. Son compañías sumamente activas importanto bienes que serán comercializados en México. Un ejemplo importante es la industria automotriz. Del 100% de lo fabricado en el país más del 80% se exporta; pero también del 100% de las ventas en México más del 60% se importa. Al sumar situaciones semejantes en otras actividades resulta que el desempeño conjunto de las empresas que se sitúan en las ramas preferentemente exportadoras, considerando las importaciones de bienes finales a vender en México, más los insumos para la exportación y la maquinaria y equipo, el resultado es deficitario para la economía, por lo que no tienen condiciones para financiar su crecimiento a partir de las divisas que generan. Este patrón de funcionamiento de las firmas más dinámicas en la economía aparece como una restricción al crecimiento (Vidal, 2011). En años recientes, conforme avanzó la consolidación del crecimiento por medio de exportaciones manufactureras con alto contenido importado, las exportaciones de petróleo crudo generaban divisas para la economía y con ello apuntalaban el proceso. Incluso, en algunos años se contó con el soporte adicional de altos precios internacionales del petróleo. Sin embargo, en años recientes la situación cambio. Desde el año 2014 la


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balanza comercial petrolera registra un déficit, que crece en particular desde 2016. En ese año, con base en cifras de Banxico, el déficit fue de 12 mil 741 millones de dólares. El año pasado se incrementó a 18 mil 309 millones de dólares y en el periodo enero mayo de 2018 es de 8 mil 94 millones de dólares sin que el gobierno federal actual o PEMEX hayan establecido condiciones para modificar la situación en los años inmediatos siguientes. Más aún, en la Prospectiva de petróleo crudo y petrolíferos 2017-2031, presentada por la Secretaría de Energía a comienzos de enero del año actual, se señaló que en los años siguientes se mantendrán altos volúmenes de importación de gasolina, gas LP y las compras externas de gas natural, las más elevadas en la historia de México. El problema no se reduce a que el mercado interno dependa de las importaciones de esos productos, incluye que los precios en esa materia dependerán del mercado estadounidense, de donde llegaran los mayores volúmenes de gasolinas y gas natural. En 2017 el déficit de la balanza petrolera equivale al 96% del total que registra la balanza de bienes y servicios. La mayor parte de las exportaciones es petróleo crudo, mientras que en las importaciones son derivados del petróleo y gas natural. A la fecha los recursos obtenidos por la venta en el extranjero del petróleo crudo son inferiores a los dólares que se han utilizado para importar gasolinas, gasoil y diesel. La diferencia no es resultado de un notable incremento en el consumo de gasolinas y diesel. En parte se explica por el estancamiento y posteriormente la reducción en la extracción de petróleo crudo y por tanto la disminución de lo exportado. Sin embargo, el problema mayor es la disminución en la refinación de gasolinas y diesel en el país. De 2006 a 2013 la refinación de gasolinas decrece ligeramente en alrededor de 5%. El diesel disminuye en una cantidad semejante. Sin embargo en los años siguientes la reducción es significativa. En 2017 las gasolinas refinadas son 56% de lo transformado en 2006. Por lo que corresponde al diesel, en 2017 se refina una cantidad que equivale al 47% de la del año 2006. Es la menor refinación en México la que obliga al aumento de las importaciones y genera una presión más en el financiamiento global de la economía limitando el crecimiento. El proyecto económico impulsado por la administración federal y diversos actores empresariales a la fecha no contempla cambios, por ello se afirma la tendencia al estancamiento económico. Modificar la balanza petrolera es imprescindible para generar condiciones iniciales para un mayor crecimiento de la economía. Es necesario reducir la restricción externa presente en el funcionamiento del comercio exterior para contar con medios que impulsen el crecimiento de la economía. A la fecha las seis refinerías de PEMEX operan en promedio a 40% de su capacidad. Destacan Madero a 19% de su capacidad y Minatitlán a 11%. Su reconfiguración es imprescindible para poder refinar más gasolina en el país y con ello iniciar un cambio

en la balanza comercial petrolera. Además es necesario proceder a la construcción de otra refinería para lograr producción nacional del consumo en la materia, pero también para impulsar la inversión. Son medios para modificar la relación comercial con el exterior y contar con mejores condiciones para el crecimiento de la economía. El comportamiento de las exportaciones manufactureras, como el desempeño de la formación de capital, considera el impacto del capital extranjero en el país. Es otro dato relevante en la dinámica de la economía. La IED, las inversiones de no residentes en títulos de deuda pública y en títulos de empresas privadas, como el comercio de derivados financieros tiene impactos en la dinámica de la economía que a la fecha no participan en un crecimiento significativo y sostenido. En 2017, las cuentas con el exterior registran un déficit en la balanza de bienes y servicios por 20,693 millones de dólares que se suma al déficit por 26,233 millones de dólares producto de los pagos de dividendos, utilidades e intereses. De no ser por el ingreso neto de divisas por las remesas enviadas desde el exterior por un monto de 28,095 la cuenta corriente resultaría no financiable. Las cifras son resultado de la acción de empresas extranjeras en México, del financiamiento de grandes empresas del país en mercados externos o de la colocación de deuda en manos de no residentes. La contraparte no existe en mayor dimensión: Ingresos del exterior por inversiones de firmas con matriz en México e incremento de las exportaciones con base en productos manufacturados en el país, de tal forma que resulte posible reducir el déficit comercial e incrementar los recursos por actividades productivas en el exterior a la vez que se amplia el mercado interno. Si se considera la cuenta financiera de la balanza de pagos la necesidad de contar con empresas con capacidad de realizar inversiones en el extranjero apoyadas en una red de otras inversiones y proveedores en el país se revela imprescindible. Junto a ello, la multiplicación de inversiones para satisfacer el mercado interno en condiciones de incrementos en los ingresos reales de gran parte de la población. En 2017, como sucede en años previos desde la mitad de los noventa, las nuevas inversiones por empresas extranjeras son únicamente el 38% del total que ellas mismas realizan. El resto tiene fuentes internas y en tanto tal no amplían la capacidad de inversión. Lo urgente para que crezca sostenidamente la economía es contar con una mayor y más diversa inversión con fuentes propias; contando entre ellas con una mayor inversión por el sector público.

Gregorio Vidal é profesor do Departamento de Economía da Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Iztapalapa. E-mail: vidal.gregorio@gmail. com. Twitter: @GregorioVidalB. Site: http://gregoriovidal. izt.uam.mx.


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O ruidoso silêncio das imagens Por Camilo Soares

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m tempos de censuras institucionais e textões em redes sociais, a representação do corpo ainda provoca fervor e polêmica. A nudez particularmente permanece um tema sensível e espinhoso, despertando aplausos e revoltas, sobretudo diante de expressões artísticas, ao atravessar terrenos alagadiços da moral e dos costumes, da família e da religião, mas também de pautas sobre questões de gênero e de raça que permeiam a complexidade do ato de olhar. Nesse ambiente acirrado, atos de intolerância se tornam cada vez mais desinibidos e ferozes. O resultado são espetáculos teatrais banidos, exposições fechadas, além de constantes linchamentos em redes sociais. O ato de acuar parece ter tomado o lugar do debate, dificultando a discussão a partir de uma análise aprofundada sobre a política inerente à arte. A falta dessa assembleia de ideias sempre configura um perigo para a aparição tanto de valores reacionários quanto a de uma moralidade às avessas que, assim como a conservadora, são inquisitórias, fechadas à pluralidade e até mesmo à dialética. Não é de hoje que a representação da imagem humana transita no turbulento limiar entre adoração e ódio. Já para Platão, a mimese era enganadora. Ele temia seu efeito sobre a apreensão da realidade, substituindo a verdade pela ilusão de formas inventadas. O poder das imagens de incitar emoções seria sua quimera mais perigosa pois essa apreensão turva do mundo, suscetível a paixões, prejudicaria a clareza da faculdade crítica da razão. Não à toa, o filósofo queria expulsar os poetas de sua República. Já Aristóteles abraçava a mimese poética como algo que pode ajudar as pessoas a entenderem e enfrentarem verdades difíceis. Atualmente, tal dicotomia parece ter sua balança pendendo para os que querem banir imagens, que julgam ser uma distorção da verdade, ganhando espaço sobre aqueles que aceitam tal risco na tentativa de entender e transformar seu olhar sobre a realidade. Evidentemente, as instituições religiosas seriam igualmente desconfiadas com a impureza das imagens diante da visão absoluta da verdade que pregam. Antes do Islã, o cristianismo preconizou nas suas nascentes uma violenta reação às imagens de Deus e dos santos. Para os iconoclastas do século VIII, tais figuras eram perigosas por semear paixões, confundindo-se, portanto, com ídolos pagãos concorrentes que o Cristianismo ascendente não queria apagar da lembrança coletiva. Em 730, o imperador Leão III, O Isauro, proibiu a veneração dos ícones e milhares de estátuas, afrescos, livros e pinturas foram queimados sumariamente, representando uma perda histórica e ar-

tística inestimável. O feito nos remete facilmente à recente destruição artística e arquitetônica executada pelo Estado Islâmico. Ciclos que se repetem. Além de fogo e sangue, muita tinta foi vertida naquele período de iconoclastia cristã em inúmeros textos religiosos, considerados verdadeiros tratados estéticos. Para muitos estudiosos, os concílios da época foram os primeiros grandes congressos de discussão filosófica sobre a estética. Os adeptos às imagens, ou à iconofilia, acabaram retomando o poder do patriarcado de Constantinopla no século IX através da imperatriz Teodora. Mais tarde, esse embate imagético voltaria durante a Reforma, que, no século XVI, mais uma vez aboliu a figuração de divindades. Com a chegada do Iluminismo, David Hume teria ligado incondicionalmente o prazer estético ao prazer sensorial, como a refinação do paladar. Segundo ele, tal gosto seria aprimorado pela educação. Devido a tal nova fusão entre estética e sensualidade, a nudez não poderia ser desvinculada do erotismo e de questões de gênero. Edmund Burke, por exemplo, estipulou que a sensibilidade não era uma questão religiosa nem mesmo universal. Ele chegou a afirmar que a mulher seria mais ligada à beleza, por suas características lisas, pequenas e curvas, já o homem seria atraído sobretudo pelo rugoso, firme e vasto do sublime. Tal distorção seria aparentemente resolvida por Kant, que universalizou a apreensão estética como algo desinteressado, ou seja, sem fins práticos ou avaliação moral, desligados dos prazeres da carne, fins materiais ou instintivos, resumindo-se a um puro julgamento do gosto. Isso desintrincaria, por exemplo, o problema de preconceitos carregados na apreciação de corpo nu, quando, a partir dessa atitude estética, os valores e os prazeres carnais já não mais contam, importando apenas a apreensão de seus efeitos estéticos, tais quais o equilíbrio de formas e cores na composição. Tal atitude estética perduraria até recentemente como o fim de questões espinhosas entre a argúcia das formas e o instinto do olhar, já que a estética faria justamente a ponte entre a razão e a imaginação, equilibrando o perigo dos extremos dessas faculdades humanas. Muitos minimizariam, por exemplo, a violência das fotografias de Robert Mapplethorpe por sua beleza ou poética. Contudo, seu trabalho sobre o submundo gay americano é justamente forte por transitar pelos turvos caminhos entre prazer visual, desejos e estereótipos, deixando o observador numa posição de desconforto ao se deparar e avaliar tal obra. Contudo, toda a cultura visual do Ocidente teria sido colocada em xeque pela teoria feminista do século XX.


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Laura Mulvey é categórica ao afirmar que, nas construções da pintura europeia, na mídia e no cinema, “a mulher está no passivo lugar de ser olhada e o homem é o sujeito ativo que olha” (Mulvey Laura, “Prazer Visual e Narrativa de Cinema”). Já na virada do século XXI, Carolyn Korsmeyer comprova esses olhares tendenciosos contrapondo o quadro O Mercado de Escravos Romano, de Jean-Léon Gérôme (1884, Museu de Arte Walters, Baltimore) com Susanna e os Anciãos (1610, Coleção Schonborn, Schloss Weissenstein, Pommersfelden, Alemanha), apontando, no entanto, que a construção de pontos de vistas é mais ardilosa e complexa do que parece. Ela cita, para ilustrar isso, outros modos de olhar, como certas facetas homoeróticas na obra de Caravaggio e Michelangelo. Para Korsmeyer, o importante é tomar consciência de que uma imagem nunca é neutra, privilegiando quase sempre algum ponto de vista. Para ela, não haveria a necessidade de rejeitar totalmente uma tradição estética mais antiga, pois tais condenações não anulariam as discrepâncias de perspectivas de cada distinto apreciador, podendo haver uma grande quantidade de perspectivas sobre cada obra. Em vez de uma apreciação distante e desinteressada, o espectador ou a espectadora devem estar alerta para perceber tais pontos tendenciosos assim como a pluralidade de possíveis perspectivas: “O espectador alerta está ciente de como um trabalho convida a pontos de vista de apreciação, mas aquele ponto de vista não é necessariamente adotado. Esta é uma qualificação importante para qualquer presunção prematura que diga haver um único ‘olhar masculino’ prescrito pela arte. Mas tornar-se consciente do modo como o ‘olhar’ funciona nas artes visuais dramatiza o fato de que os espectadores ativos são bem variados e interpretam a arte e seus valores a partir de uma multiplicidade de perspectivas.” (Korsmeyer Carolyn, Gender and Aesthetics: an introduction, 2004, p. 56) O antilhano Édouard Glissant, por sua vez, também observa tais múltiplas e intricadas conexões para desconstruir a própria imagem da identidade. Segundo seu pensamento pós-colonial, tal percepção de si vem de uma poética da relação, diante de um intricado rizoma de raízes (desenvolvendo a noção de Deleuze e Guattari) que encontra outras raízes a ponto de perder um tronco comum, trocando com o outro sem se diluir, sem se renegar. Para sua poética da relação, o imaginário é capaz de transformar as mentalidades dos homens, sobrepondo-se à imposição colonial da razão e seus modelos universais, habitadas pelo ideário do poder. Assim como na leitura de Korsmeyer, é essa multiplicidade de possibilidades que traz riqueza às construções, sempre mutantes e relacionadas. Uma imagem sempre está em relação com outras e tais relações devem prevalecer na percepção e no julgamento dessas. Assim, para Glissant, além da multiplicidade de origens e caminhos, não é o inteiro translúcido que é importante, mas a ambiguidade dos

resíduos que abrem a poética a imaginários impossíveis. “Penso que teremos que nos aproximar de um pensamento do rastro (resíduos), de um não-sistema intuitivo, frágil, ambíguo de pensamento, que convirá melhor à extraordinária complexidade e à extraordinária dimensão de multiplicidade do mundo em que vivemos” (Glissant, 1995, p. 21). Negar tais rastros intuitivos na imagem é negar a própria imagem. Uma nudez em si, por exemplo, nunca é um simples registro do corpo humano, pois sua leitura dependerá do contexto no qual é apresentada, as imagens que a acompanham e que criam significados, além, claro, da capacidade do observador de perceber tudo isso e desenvolver uma visão pessoal. Essa visão ao mesmo tempo pessoal e relacional, lembra Marie-José Mondzain, é fundamental para firmar a posição de um indivíduo no mundo, pois “a imagem é um operador de identidade, numa operação de separação que faz dessa identidade uma experiência de alteridade não só entre eu e o outro, mas é no interior de mim mesmo que a imagem me coloca diante de meu exterior” (Mondzain, 2008, p. 5). Tal reação contra algumas construções de pontos de vistas dominantes nas imagens atuais e históricas é compreensível e justificável diante da hiper-exposição de clichês, sobretudo pela mídia. A sexualização da mulher é o caso mais evidente, mas há também exemplos nítidos de preconceitos em termos de representação de raça, orientação sexual, origens sociais e geográficas. Contudo, a proibição sumária de qualquer representação ou tradição pode gerar um perigoso ambiente onde a discussão não é mais bem-vinda. Sem debate, não apenas se corre o risco de permanecer na superfície de questões de que as imagens levantam, mas também de dificultar a formação de uma dialética do olhar. O silêncio imposto por coerção contribui pouco para o avanço de questões importantes e para o combate efetivo de preconceitos, além de ainda poder derrapar na perseguição desses espectadores alertas, para quem as imagens são sempre uma inspiração para o autoconhecimento e para a transformação.

Camilo Soares é Professor de Cinematografia da UFPE e Doutor pela Paris 1 Panthéon-Sorbonne.


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Venezuela: The imminence of Yankee military aggression Por Francisco Dominguez Background

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ver since the death of Hugo Chavez on 5 March 2013, the United States’ ruling Establishment thought the time for the so desired ousting of the Bolivarian Government had finally come. Thus it proceeded to unleash a comprehensive economic war, aimed at financially asphyxiating and economically making Venezuela collapse. The economic war was reminiscent of what was inflicted against Chile during Allende’s presidency in 1970-1973. And as with Allende US economic warfare was combined with violent domestic political destabilisation carried out by right wing parties and through US-financed NGOs. The US offensive has counted with the consistent, vigorous and enthusiastic support of the world corporate media, which in the UK are primarily the newspaper The Guardian but also the BBC. Nicolas Maduro’s narrow electoral victory in April 2014 took place under a context of growing scarcity of basic necessities and staples, rising inflation and economic dislocation, including a sharp slump in oil prices (from US$148 in 2008 to US$25 in 2016) due to the expansion of US fracking under Obama. The ravages of the US-led economic warfare led to a severe defeat of Chavismo in the December 2015 election for the National Assembly. And there were waves of extreme right wing violence in 2014 and 2017 each lasting six months, both aimed explicitly at the violent ousting of the Maduro government. Throughout 2014 to 2018, high US officials, including Presidents Obama and Trump, issued literally hundreds of hostile statements against the democratically elected government of President Nicolas Maduro. During that time a raft of US sanctions were slapped on high officials of the Bolivarian government including military officers, ministers, vice-presidents, the presidents of the National Electoral Council, Supreme Court, and even President Maduro himself. Yet, they all failed to deliver the cherished aim of ousting Maduro government and the defeat of Venezuela’s right wing opposition’s attempts at ‘regime change’ weakened it and deeply divided it. Conversely, since July 2017, Chavismo obtained convincing electoral victories for the National Constituent Assembly (July 2017), for governors (October 2017), for municipalities (December 2017) and for President (May 2018).

From domestic violence to external intervention In despair, the US shifted the centre of gravity of its aggression to the international arena and activated institutions where it wields huge influence (UNOCHR, IACHR and so forth) but focused its effort on the Organization of American States (OAS). By 2017, the relation of forces had substantially worsened for the Left in the region thus US tactics was to get OAS to produce critical reports aimed at demonstrating Venezuela had become a dictatorship thus meriting the suspension from OAS and the application of the Democratic Charter, all with a view to prepare the ground for external intervention to “restore democracy”. This failed time and again, because the regions’ Right could not muster sufficient votes. This led the US to develop the “humanitarian crisis” as a justification and battle horse for military intervention. In short, the US decided it was going to directly do it itself. See below how the US “interventionist” machinery began to busily prepare the ground for military action to overthrow President Nicolas Maduro’s government. (March 2015) President Obama issues Executive Order declaring Venezuela an “unusual and extraordinary threat to US national security– used when the US intends to go to war; the Order was renewed by Obama in 2016 and by Trump in 2017 and 2018. (July 2017) Mike Pompeo, CIA director, announced he was working with the governments of Colombia and Mexico to bring about a transition in Venezuela. (Aug 2017) Rex Tillerson said he was working to create the conditions for a change of government in Venezuela. (Aug 2017) Donald Trump threatens Venezuela with military action; it was also revealed that Trump pressed aides repeatedly to invade Venezuela. (Aug 2017) Steven Mnuchin, US Treasury Secretary, said the US Govt. was doing everything in its power in the economic field to harm Venezuela. (Feb 2018) Rex Tillerson called openly for a coup d’état in Venezuela. (May 2018) Nikki Haley, US ambassador to the UN said it was about time Maduro went – call she reiterated in the Colombia-Venezuela border in Aug 2018. (June 2018) in visit to Brazil Mike Pence said the moment had arrived to take stronger and additional


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measures to isolate Venezuela. (Aug 2018) Sarah Sanders, White House spokesperson said that on Venezuela “all the options are on the table.” (Aug 2018) Marco Rubio, after meeting with US National Security Adviser, John Bolton, said the moment for military intervention against Venezuela had arrived. (Sept 2018) US Representative to OAS, Carlos Trujillo (a) threatened the physical integrity of President Maduro if he attended high level meetings of the UN, (b) justified and encouraged a military attack against Venezuela by Brazil, Colombia, Chile, and Peru – arguing the reasons ‘will be’ military clashes between the FARC-ELN guerrillas and Colombia’s military forces. (31 Aug – 11 Sept) Very threatening UNITAS 2018 military exercises in the Colombian coast involving: Argentina, Brazil, Canada, Colombia, Costa Rica, Ecuador, US, Honduras, México, Panamá, Peru, UK and Dominican Republic. On assuming the Colombia’s presidency, Ivan Duque announced he will not be sending an ambassador to Venezuela. Ever since, the Colombian government has adopted a highly belligerent line against Venezuela, which it charges with being “a narco state” and a threat to the region’s stability. On August 4th, 2018, there was an attempt to decapitate the high levels of Venezuelan officialdom in a terrorist drone attack with explosives (which would have killed President Maduro, key ministers, most of the military high command and others) apparently carried out jointly by groups operating from Colombia and the US. The attack failed. President Maduro accused then Colombia’s President Juan Manuel Santos of being the mastermind. Almagro’s push for military aggression On 13th September 2018 at a public rally held after a press conference in Cucuta, Luis Almagro, OAS Secretary General, said: “With respect to a military intervention to Cocaine from Colombia accounts for 92% of what is seized on the streets of the US (DEA, “Colombian Cocaine Production Expansion Contributes to Rise in Supply in the United States”, August 2017); furthermore, it is widely known that 70% of the cocaine makes it to the US through the Pacific, ocean Venezuela had no access to. Overthrow Nicolas Maduro’s regime, I don’t think any option should be ruled out … Diplomatic action should be the first priority but we shouldn’t rule out any action.” This bellicose acceptance of and promotion for military intervention against Venezuela, a OAS Member State is extremely serious. Such action would involve huge destruction and massive loss of lives. For comparison, the US’ illegal

invasion of Panama in 1989 led not only to the ousting of the government and enormous damage but to 3,0005,000 civilians being killed. Panama’s armed forces were 20,000 strong in 1989. The US deployed 27,000 GIs in a country 15 times smaller than Venezuela and with one tenth of its population. Proportionately, therefore, the levels of destruction and civilian casualties could be frighteningly greater. Almagro’s calling for the violent overthrow of the government of a Member State violates the OAS Charter, specifically Chapter 1, Ch. 2, Ch. 4, Ch. 5, and Ch. 7. These all commit the OAS and its Member States to the principles of respect for the territorial integrity of states, respect for national sovereignty, peaceful settlement of disputes, respect for the right of states to self-determination, and non-interference in the internal affairs of sovereign states. Furthermore, Almagro gravely also violates Article 2 (4) of the UN Charter: “All Members shall refrain in their international relations from the threat or use of force against the territorial integrity or political independence of any state.” But threats of military intervention against Venezuela are growing under the Trump administration. The New York Times (8 Sept 2018) revealed that the administration held a series of secret meetings with Venezuelan military officers to discuss a coup d’état. US ambassador to Colombia, Kevin Whitaker (16 Sept 2018), said Colombia can count on US support in the event of “Venezuelan aggression against Colombia.” And on 18 Sept 2018, Colombia’s ambassador to the US, Francisco Santos (brother of former President Santos) said “all options must be open to deal with the crisis in Venezuela.” This was tweeted approvingly by Republican Senator Marco Rubio, who himself had already invoked the possibility of a coup and military intervention in Venezuela. Conclusion Never before since 1998 has the prospect of US military aggression against Venezuela appear so imminent as now. Almagro is openly at the service of US aggression not just in Venezuela but also Nicaragua and elsewhere, and because of its actions he should resign. Yankee military aggression would be an attack against Venezuela’s national sovereignty and democracy and on Latin America as whole.

Francisco Dominguez is Head of the Latin American Studies Research Group at Middlesex University, London, United Kingdom.


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Opinião

Futuricídio existe – Estamos a um passo de cometer Por Flávio Weinstein Teixeira

É

estarrecedor, apenas isso, estarrecedor, o modo leviano como a grande imprensa tem tratado essa eleição. Deve-se, em grande medida, a essa leviandade a continuidade e proliferação de um entendimento e, por extensão, de uma atitude absolutamente inconsequentes que parcelas expressivas da sociedade brasileira têm assumido. Ao não darem a devida atenção aos significados mais profundos que a eventual eleição de uma candidatura como a que Bolsonaro e seu vice representam, deixam passar desapercebidas as duradouras e graves implicações daí decorrentes.

Que se diga, então, desde logo, que não são infundados os receios de que uma tal vitória nas urnas resultará num crescimento significativo (e imediato) das violências físicas e simbólicas contra as minorias em geral, contra aqueles outros cujos comportamentos ainda são absurdamente tidos por desviantes, contra as liberdades civis e direitos de cidadania, contra as instituições que bem ou mal nos tem garantido um estado democrático de direito, contra, enfim, os preceitos mínimos que devem (ou, pelo menos, deveriam) pautar um convívio civilizado, respeitoso, entre pessoas diferentes nas


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suas origens, nas suas formações, nos seus valores, interesses, expectativas, desejos, estilos de vida. Esse previsível incremento da violência física e simbólica certamente dará margem a episódios de confronto potencialmente disruptivos: jovens, sobretudo eles, vão ser os mais perseguidos em seus modos de ser — por isso mesmo, não devemos estranhar se jornadas como as de 2013, porém, ainda mais dramáticas e explosivas em seus desdobramentos, venham a ganhar as ruas de nossas cidades. As manifestações do dia 29/09, chamadas pelos movimentos de mulheres, deu mostras do potencial mobilizador contra uma plataforma tão retrógrada como a que essa chapa representa. Se pensarmos um “levante” ampliado pelos que fazem a marcha da maconha, as paradas gays, os estudantes universitários e secundaristas, black blocks, etc., tudo isso reprimido por forças policiais/militares orientadas para impedir e, portanto, para bater, prender, atirar, o que teremos será o princípio de uma conflagração que pode com facilidade resultar em muitas vidas perdidas. Muitas. Talvez alguma de nossa afeição, ou relações, ou parentesco. De qualquer maneira, vidas jovens, preciosas. Mas, se esse cenário de desordem (para ficar num tema tão caro a nossos neodireitistas) é, seguramente, o mais sombrio e funesto que nos aguarda, nem por isso se constitui naquele mais prenhe de repercussões negativas para a sociedade brasileira. É que, paralela a essa pauta que pode com maior facilidade incendiar nossas ruas, há uma outra, silenciosa, porém mais grave — uma vez que deixará consequências mais longas no tempo —, resultante do extremismo neoliberal característico das forças políticas e do “mercado” que se alinham com essa candidatura. Forças que não necessariamente compartilham a agenda de retrocesso comportamental/ moral, bem como a truculência e o autoritarismo que a revestem, mas que a aceitam (e estimulam) como forma de dar musculatura a uma candidatura que, de outro modo, não fosse por isso, mal se distinguiria do que Meirelles, ou Almoedo, ou Alckmin estão a oferecer e, nessa exata medida, estão obtendo em termos de apoio popular. A imposição de medonhas alterações (eufemisticamente tratadas como “reformas”) nos princípios definidores das relações de trabalho (fragilizando-as ainda mais, para além do que a coalizão golpista conseguiu, e gerando um empobrecimento brutal, verdadeiramente brutal, das classes trabalhadoras), do sistema previdenciário (fazendo vingar um modelo similar ao chileno, cujos resultados desastrosos para seus “beneficiários” só serão sentidos anos à frente, comprometendo, assim, gerações inteiras de trabalhadores que verão suas aposentadorias minguarem a uma pequena fração

do que eram seus rendimentos quando na ativa), dos serviços públicos (com o aniquilamento do espírito de universalidade e amplitude de cobertura médico-hospitalar de que o SUS ainda é imbuído; o desmonte do sistema universitário federal gratuito; o aprofundamento de uma lógica de privatização a todo transe, e a preços vis, de um ainda importante e estratégico patrimônio de nossa sociedade), acarretarão um irreversível desmantelo dos débeis e incompletos instrumentos de justiça social que o Estado brasileiro ainda detém. O potencial destrutivo dessa agenda neoliberal extremista tem sido muito mal debatido na atual conjuntura política. Por razões bem sabidas. Suas implicações, no entanto, são simplesmente aterradoras. Sobretudo e principalmente para os jovens, mais uma vez. Jovens de origem familiar humilde, mas não somente. Jovens de periferia, negros, na maior parte, mas não somente. Jovens com baixa e precária escolarização, mas não somente. Não somente porque os jovens de classe média também vão ser afetados. Em graus diferentes, é bem verdade, mas também eles vão ver rebaixadas suas expectativas futuras. Também vão viver sem perspectiva de uma aposentadoria que lhes assegure, na velhice, um padrão de vida similar ao que tinham quando ainda dispunham de forças e saúde para trabalhar, sem possibilidade de ter empregos minimamente estáveis (dispondo tão somente de ocupações eventuais, remunerados apenas pelas horas trabalhadas, sem direitos ou veleidades de carreira), sem poderem aprimorar suas qualificações profissionais numa rede pública de ensino superior ou de pós-graduação, sem poderem dar livre curso a suas escolhas, segundo seus desejos e estilos de vida, precisando, inversamente, viver em uma sociedade castrada e castradora. São esses jovens, nossos filhos, sobrinhos, netos, afilhados, que mais sofrerão com a vitória dessa candidatura. É em favor deles, principalmente deles, do futuro deles, que precisamos deter essa insanidade em curso. Não temos muito tempo. Mas temos tempo suficiente para debater e procurar despertar, sensibilizar aqueles com quem convivemos mais de perto para o perigo que está a bater em nossas portas. Precisamos falar sobre Bolsonaro/Mourão. Precisamos dizer em alto e bom som o que estamos prestes a perder. Pois há muito a ser perdido.

Flávio Weinstein Teixeira é Professor do DH/PPGH da Universidade Federal de Pernambuco.


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Opinião

A vergonha que vem do campo brasileiro Por Marcos Costa Lima

S

aíram os primeiros dados do Censo Agropecuário 2017, feito a cada dez anos e que representa a mais completa fotografia do setor agrícola no país. São ainda números parciais, cujo retrato completo só sairá em 2019, mas já anuncia um aumento na concentração de terra bem como no número de propriedades e também no número daquelas que utilizam agrotóxicos. O último Censo data de 2006, e já foi superado por indicadores nefastos e vinculados a um processo predatório sobre o meio ambiente e a vida das pessoas em 2017. Em 2006, os estabelecimentos com mais de mil hectares tinham 45% das terras; hoje são 47,5%, ocupando uma área ai da maior. O número total dos estabelecimentos caiu: em 2006, eram 5.175.636; em 2017, são 5.072.152. É chocante o dado de que os estabelecimentos que têm até 10 hectares e representam 50,2% das propriedades rurais do País só ocupam 2,3% da área total. Segundo números da FAO/ONU, além de sermos um dos países com maior concentração fundiária em escala mundial, somos o 5º no ranking da região da América Latina e Caribe, que têm a mais desigual distribuição de terras em todo o mundo. As informações foram divulgadas em abril de 2017 em uma das reuniões de Cúpula da entidade. Com 0,79 no coeficiente de Gini — utilizado para medir a desigualdade, que vai de 0 (igualdade total) a 1 (desigualdade total) – aplicado à distribuição de terras, a região supera amplamente Europa (0,57), África (0,56) e Ásia (0,55). O Brasil possui 453 milhões de hectares sob uso privado, que representam 53% do território do País. Os latifúndios brasileiros formariam o 12º território do planeta se formassem um país. Entre os 26 estados que compõem a federação, mais o DF, 16 deles contam com mais de 50% de suas terras como propriedades privadas. No Mato Grosso, 92,1% das terras do estado são privatizadas. Esse estado também detém o inglório título de maior índice de latifúndios do país, ou seja, 83% dos imóveis rurais (1). Segundo o recente Atlas do Agronegócio, a produção brasileira de commodities agrícolas está vinculada a conglomerados de estrutura verticalizada, que controlam do plantio à comercialização. SLC Agrícola (404 mil hectares), Grupo Golin/Tiba Agro (300 mil ha), Amaggi (252 mil ha), BrasilAgro (177 mil ha), Adecoagro (164 mil ha), Terra Santa (ex-Vanguarda Agro, 156 mil ha), Grupo Bom Futuro (102 mil ha) e Odebrecht Agroindustrial (48 mil ha) são algumas das empresas que exploram o mercado de terras, tanto para produção de commodities quanto para especulação financeira. Esse avanço se dá especialmente

no Cerrado, que, com 178 milhões de hectares registrados como propriedade privada e apenas 7% de sua área protegida, o bioma apresenta, de longe, os maiores índices de desmatamento no Brasil. O fenômeno não fica restrito ao Brasil, pois, na América do Sul, a desigualdade é ainda maior do que a média da região, alcançando 0,85. Na América Central, o coeficiente é de 0,75. O estudo da FAO releva casos alarmantes, como o da Guatemala, onde 92% dos pequenos produtores ocupam 22% das terras do país, enquanto 2% dos grandes produtores dispõem de 57%. (2) O autor de Seeds of the Earth: A Private or Public Resource? (O Escândalo das Sementes: o Domínio na Produção de Alimentos), Pat Ray Mooney, que recebeu um Nobel Alternativo pelo Parlamento da Suécia, vem trabalhando em organizações da sociedade civil mundial em defesa do desenvolvimento sustentável, dos direitos humanos e da diversidade cultural e ecológica. Em entrevista para o Brasil de Fato (3) afirmou: “Temos agora apenas quatro empresas no planeta que controlam 68% de todo o fornecimento comercial de sementes, e quatro empresas que dominam 71% de todas as vendas globais de pesticidas”. Ele chama a atenção para a utilização do Big Data por essas empresas, que, com satélites para monitorar o campo e identificar o histórico de pestes, doenças e do rendimento das colheitas, levantam dados para fazer recomendações sobre que tipo de variedade de planta e pesticida deve acompanhar as sementes no campo. Com isso, controlam praticamente todos os aspectos da produção agrícola, incluindo assessoria no mercado, além de oferecem assessoria sobre seguro agrícola. É uma cadeia poderosa onde se estabelecem relações especiais entre empresas de sementes, pesticidas e fertilizantes, mas também com empresas de máquinas agrícolas. A articulação com o setor financeiro (4) se verifica também de forma crescente, como já apontamos recentemente (5). Para Pat Mooney, não se pode mais falar hoje em uma indústria de sementes separada da indústria de pesticidas, e essa também está cada vez menos separada da indústria de fertilizantes e cada vez mais ligada à indústria de máquinas agrícolas. É sabido que até hoje, com toda a pressão exercida pelas grandes corporações no campo, 70% da população do mundo é alimentada por camponeses, não por essas empresas; mesmo com todo o lobby que elas exercem sobre os governos dos países para fazerem o que elas querem, a exemplo do “pacote do veneno” recente e vergonhosamente aprovado pelo Congresso Brasileiro (6).


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Figura 1 Brasil: Estados Campeões na Concentração de Terra Fonte: Atlas do Agronegócio (2018)

Notas 1 - Atlas do Agronegócio: fatos e números sobre as corporações que controlam o que comemos. Maureen Santos, Verena Glass, organizadoras. – Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2018. 2 - FAO (2017). Região da América Latina e Caribe apresenta a maior desigualdade na distribuição de terra. Santiago do Chile, 5/04: http://www.fao.org/ americas/noticias/ver/pt/c/879573/, acessado em 16/04/2018. 3 - Brasil de Fato. “As grandes corporações tramam o campo sem vida”, Pat Mooney, entrevistado por Emilly Dulce. 18 de julho 2018.

Fonte: Atlas do Agronegócio

As corporações se apropriam cada vez mais de terras para a soja que alimenta os rebanhos de gado, em detrimento de ocupações de áreas retiradas de floresta e cerrados, como no caso da Amazônia e do Cerrados, o que vem provocar a expulsão de camponeses e indígenas, sem apoio e sem assistência dos Estados e dos políticos vinculados ao grande capital. É uma cadeia complexa e perversa do que intitulo de “formações predatórias”, geradoras de violência, expulsões, doença, contaminação das águas, destruição ambiental e pobreza (7). Concluo com as sábias palavras de Pat Mooney (2018): “O alimento está na essência do bem-estar e da segurança dos meios de vida dos seres humanos, assim como a água que acompanha o alimento. Quando os alimentos e a água são apropriados pelos interesses das corporações, sempre acontece uma crise de segurança e o aumento da violência” (8). Essa estrutura alicerçada pelo capitalismo global precisa urgentemente sofrer reversão.

4 - Quatro grandes traders, empresas investidoras no mercado financeiro, controlam a importação e a exportação de commodities agrícolas: o chamado grupo ABCD, formado pelas empresas dos EUA Archer Daniels Midland (ADM), Bunge, Cargill e pela multinacional com sede na Holanda Louis Dreyfus Company. Hoje, elas representam 70% do mercado mundial de commodities agrícolas. 5 - Costa Lima, Marcos (2018), “Vocês Conhecem o Termo MATOPIBA?” In: Jornalismo e Cidadania, nº 24, p.20, Recife: PPGCOM/UFPE. 6 - WWW – Brasil, (2018), “Comissão da Câmara aprova Pacote do Veneno”, 26 de junho de 2018: https://www.ww f.org.br/informacoes/noticias_ meio_ambiente_e_natureza/?uNewsID=66222. 7 – Costa Lima; Saskia Sassen (2016). Expulsions: Brutality and Complexity in the Global Economy. Fellows of Harvard College. 8 - Brasil de Fato. “As grandes corporações tramam o campo sem vida”, Pat Mooney, entrevistado por Emilly Dulce. 18 de Julho de 2018.

Marcos Costa Lima é professor do Programa de PósGraduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco.


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Opinião

Paraguai aprova lei de Soberania e Segurança Alimentar Por Caio Galvão de França

U

ma boa notícia nestes tempos duros de regressão política e social na América Latina deve ser sempre celebrada e nos animar para as boas lutas. A notícia vem do Paraguai, que vive o início de um novo mandato do Partido Colorado. No dia 17 de setembro, foi aprovada a Lei Marco de Soberania, Segurança Alimentar e Direito à Alimentação, depois de quase cinco anos de tramitação, e remetida ao Executivo para sanção. Entre seus objetivos, destacam-se: garantir a disponibilidade permanente e o acesso a alimentos suficientes, inócuos, nutritivos e que respeitem a cultura, as tradições e os costumes dos povos e comunidades; fortalecer os modos de produção familiar e comunitário de alimentos e o resgate e a preservação de alimentos tradicionais e de saberes ancestrais; melhorar as condições de saúde e nutrição mediante educação alimentar e nutricional e estilos de vida saudáveis; garantir a participação efetivas das comunidades e organizações na implementação das políticas; garantir ações específicas para populações em situações de risco. A estratégia de implementação prevê a criação de um sistema nacional com participação social composto por instâncias interministeriais e de articulação federativa, uma conferência pública trienal e um plano nacional. Prevê, ainda, a criação de fundo nacional específico para financiar empreendimentos estratégicos articuladores mediante transferências a organizações sem fins lucrativos e para reparar, restituir e indenizar pessoas ou grupos vítimas de violações do direito humano à alimentação adequada. O sistema deverá impulsionar e integrar políticas de proteção e inclusão econômica das populações em situação de maior vulnerabilidade; implementar políticas específicas e diferenciadas construídas em diálogo com os povos indígenas e os camponeses; implementar programas que promovam a produção agroalimentar sustentável e a comercialização, incluindo programas públicos de aquisição de alimentos da agricultura familiar, adequados aos campesinos e indígenas; implementar ações para a proteção e recuperação da agrobiodiversidade e do meio ambiente; desenhar e implementar ações de proteção e fortalecimento

dos saberes alimentares tradicionais, como bancos de sementes autóctones e tradicionais; garantir mecanismo de acesso à terra, ao território e à habitação; incluir no sistema educacional os conhecimentos sobre direito à alimentação e os serviços de atenção nutricional; implementar um sistema de reserva nacional de alimentos, via depósitos públicos de alimentos de produção local, para garantir a disponibilidade e enfrentar as situações de escassez, de especulação ou emergenciais; executar política antimonopólio para garantir a concorrência e previnir e sancionar o aumento artificial do preço dos alimentos; implementar mecanismos de produção de dados estatísticos sobre a situação alimentar e nutricional da população. Como se pode ver, uma lei ambiciosa que inscreve no marco legal nacional o reconhecimento do direito humano à alimentação adequada e percorre os vários temas que integram a agenda da soberania e da segurança alimentar e nutricional. Uma lei que guarda semelhança com as proposições dos movimentos sociais e até inova em relação às experiências desenvolvidas em países da América Latina, impulsionadas pela cooperação brasileira em conjunto com a FAO e pela Reunião Especializada sobre Agricultura Familiar do Mercosul. O que não é mera coincidência, mas fruto da sinergia entre a dinâmica internacional e nacional. A origem da lei está em uma proposta elaborada ainda em 2012, no âmbito da cooperação com a FAO e do intercâmbio regional, e que, em 2013, foi apresentada pela Frente Guasú, uma coalizão de partidos de esquerda e centroesquerda formada logo após o golpe contra o presidente Fernando Lugo. A proposta refletia um posicionamento programático e a experiência construída desde meados da década de 1990 a partir de compromissos internacionais assumidos pelo país com o direito humano à alimentação adequada e que se expressaram em inovações no marco institucional nacional e em políticas públicas, como a elaboração da Estratégia Nacional de Luta contra a Pobreza (2006) e o Plano Nacional de Soberania e Segurança Alimentar do Paraguai (2009). Esses compromissos repercutiram em reco-


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mendações para que o Estado paraguaio estabelecesse um marco legal sobre o tema, emanadas do Comitê de Segurança Alimentar Mundial, que se constitui no órgão-chave de discussão e tomada de decisões sobre temas de segurança alimentar nas Nações Unidas, e do trabalho dos relatores especiais sobre os direitos humanos. Ao mesmo tempo, cresceu a pressão social sobre governos e sobre os próprios fóruns internacionais, para que os compromissos fossem de fato concretizados, impulsionada pela Via Campesina e pelo Comitê Internacional de Planejamento da Soberania Alimentar (CIP), que reúne e articula movimentos sociais e organizações não governamentais de vários países. A aprovação dessa nova lei, em pleno início de um novo mandato do Partido Colorado, tem uma dimensão contraditória. O tema não apareceu na campanha, não tem centralidade na agenda de governo. Entretanto, a gravidade da pobreza e da insegurança alimentar no país, expressa pela fome e pela má alimentação e suas consequências sobre a saúde, tornam-se cada vez mais evidentes. Vale lembrar as marchas camponesas à capital Assunção, algumas em aliança com o setor cooperativo, que deram visibilidade à gravidade da situação e que levaram a aprovação, em agosto de 2017, da Lei 5868/2017, que declara como emergência nacional a Agricultura Familiar Camponesa em todo o país. O padrão de desenvolvimento paraguaio — centrado nas exportações de soja, carne e energia e dependente de investimentos externos — tem sido criticado por diferentes atores pela sua incapacidade de superar a pobreza e as profundas desigualdades sociais. O país reduziu a pobreza de 57,7% em 2002 para 26,4% em 2017, o que corresponde a 1,8 milhões de pessoas, sendo que um pouco mais da metade se concentra na área rural, especialmente em cinco departamentos. E esse cenário se depara, agora, com o aumento da importação de alimentos e o aumento da inflação dos alimentos, que pressionam os salários e impactam negativamente a já grave situação social. Compartilham da crítica ao modelo de desenvolvimento paraguaio organismos internacionais, como Banco Mundial, FMI e OCDE, partidos de oposição, parlamentares da situação, movimentos sociais e intelectuais. Até o plano de governo apresentado recentemente afirma que são inaceitáveis os níveis de pobreza e de desigualdades existentes e que seria necessário impulsionar um crescimento econômico inclusivo e manter as políticas sociais, mas com um foco maior na chamada “porta de saída” dos programas de transferên-

cia de renda. Apesar da necessidade de tomar medidas dirigidas a melhorar a situação das populações em condição de vulnerabilidade, até o momento o governo não anunciou mudanças expressivas na política econômica nem inovações nas políticas sociais, e ainda não divulgou a agenda legislativa que priorizará. O governo se inicia com um Plano de 100 dias que, até agora, não ganhou a devida visibilidade e com uma proposta de orçamento que revela mais sinais de continuidade do que de mudanças em relação ao governo anterior. O cenário externo desfavorável, os impactos das crises brasileira e argentina e as restrições fiscais limitam ainda mais o horizonte do novo governo. Nesse cenário, uma explicação preliminar para a aprovação da Lei de Soberania e Segurança Alimentar pode estar no ambiente político marcado por tensões no interior do Partido Colorado decorrentes da disputa entre o grupo vinculado ao ex-presidente Cartes e o grupo recém-formado pelo presidente Mario Abdo Benítez, que é heterogêneo e com baixa organicidade, o que resulta em instabilidades e dificuldades para consolidar uma maioria parlamentar. Essas condições, associadas à preocupação do governo em dar sinais positivos da nova gestão e de seu compromisso com os temas sociais, abrem oportunidades para iniciativas que já estavam constituídas e que contam com razoável articulação política. Este parece ser o caso da lei, para cuja aprovação atuaram parlamentares do Partido Colorado, da Frente Gasú e do Partido Liberal, coordenados pela Frente Parlamentar contra a Fome. E parece ser, também, o caso do lançamento recente de uma proposta para a implementação de um sistema nacional de proteção social. Agora que a lei foi aprovada abre-se um campo de disputa para sua implementação, tanto no plano da sua regulamentação pelo poder executivo como de sua legitimação social. É o momento para aproveitar todo o potencial nela contido para legitimar as demandas dos movimentos sociais e todo um conjunto de políticas que fortaleçam a agricultura familiar e os povos indígenas, integrando as ações de apoio à produção sustentável com as de proteção social e de promoção da segurança alimentar.

Caio Galvão de França é Mestre em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco.


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Opinião

A falácia dos extremos e a defecção de “liberais” e “socialistas” Por Rubens Pinto Lyra

A

ssist i mo s a uma suc ess ão de es c ár n i os dur ante a c amp an ha pre si d e nci a l, c om a r adic a l izaç ão p ol ít i c a e i de ológ i c a foment ad a p el os p ar t i d os e p e rs ona li d ad es c ons er v ador as, des d e o i mp e ache me nt de Di l ma. E l a tomou cor p o e sp e ci a lme nte na fa l áci a, t amb ém prop aga d a p or ana list as sup ost amente “ imp arc i ais”, p ar a qu e m e x istem dois ext remismos que p o d e m condu zi r à r uína, s e as c enderem ao p o d e r : o e nc ar nado p or B ols onaro et c aterva e o do P T. Trat a - s e d e g ro ss eir a inverd ade, p ois qu e m o c up a o ext remo de no ss o esp e c t ro p ol ít i co, com p osiçõ es ant issistema, re volu c i onár i as st r i c tu s ensu, é o PSTU. E ss e p art i d o re j e it a ab e r t amente as reg r as do j ogo e mb ora as ut i li ze, prop ondo como uma reb el i ão como a lter nat iv a ao st atu quo. Ne ss a qu e st ã o, c ensur a mais pl ausível ter i a c onot aç ã o op o st a: a do ab andono, p elo Par t i d o dos Trab a l hadores, de p osiçõ es verd a d e i rame nte de es querd a, del as c ons ervand o ap e nas o ver niz s o c i a l ist a. L onge d e i novar, te r i a s i do o c ont inu ador de p olít ic as s o ci ais i mpl ant ad as p el o s eu ante c ess or FHC, p or ele nã o c r i ad as, mas aprof und ad as e ampli a d as. E ss a, a l i ás, até re centeme nte, e r a a aná lis e de nove ent re de z do s que hoj e o apre s e nt am como um p ar t ido re voluc ioná r i o à l a le tt re. Por t anto, indep endentemente d e ju í zos d e va l or a resp eito, o que houve c om e ss e p ar t i do foi uma inegável inf l e xão à d i re it a - e nã o o c ont r ár io. Tamb é m no pl ano p ol ít ico-inst ituc iona l o P T s e mpre s e c ur vou à l ega l id ade v igente - d a qu a l, a li ás , os s eus l íderes, como governante s , e ram os s eus av a l ist as – tendo for t a l e c i do i nst itu i çõ es c omo a Pol íci a Fe dera l e o Mi n isté r i o P úbl ico, ess enci ais à demo crac i a . Por t anto, e m qu a l quer p aís demo c rát i c o, o P T s e r i a consider ado – c omo de f ato é – u m p ar t i do s o c i a l -demo cr at a c omo os d e mais . Mas o qu e expl ic ar i a ent ão a “guinad a ana l ít i c a” de no ss os mais íncl itos comen t ar ist as p olít i cos e do s p ar t ido s – dito s d e

cent ro – com quem ent retêm i nd is f arç áve is af i n i d ad es ? C ons ci entemente ou não, v is ou o c u lt ar, com o rótu lo d e ext remist a d e e squerd a at r ibuí d o ao P T, o s eu própr i o d e slo c amento p ara a ext rema d i reit a. E ste s e i n i ci a com a f ratura pro duz i d a na i nst itu c i o na li d ad e jur í d i co- p olít i c a p el a d ep os i ç ã o d e D i lma R ouss ef f, cont i nu a com a su a a d e s ã o i nd is f arç ad a às refor mas e as p olít i c as ne o - lib erais e s e t raduz iu, na c amp an ha el e ito ra l – s a lvo hon ros as exce çõ es - no ap oi o op or tun ist a à ext rema d i reit a, repre s e nt a d a p or B ols onaro. Não temos , p or t anto, cont rar i ame nte a o que é prop agad o, nen hum p ar t i d o ex t re m is t a d e es querd a d ot ad o d e repres ent at iv i d ad e ou p es o eleitora l. Não obst ante, A l k i m i n apres entou Fer nand o Had d ad como u ma ame aç a à d emo craci a, e quiva lente à d e B ol s onaro - s end o, no s eu ver, a out ra f a c e d a mes ma mo e d a: a d o ext remis mo d e e s qu e rd a. Po d er- s e- i a cons i d erar ess a est r até g i a ap enas um d esprop ós ito, s e a f a l á c i a d o s d ois ext remos ( Had d ad x B ols onaro) nã o t i vess e s i d o d ivu lgad a p ara o p aís com foro s d e i ncontest ável verd ad e p olít i c a. Os tênues l aç os que exist i am ent re o s p art i d os sup ost amente d e cent ro; os d o s s e us i ntele c tu ais orgân i cos que s e pro cl amav am d emo crat as – muit as ve z es , ap enas p or c on ven i ênci a - e os d as d i ferentes f acç õ e s d o g rand e c apit a l com a d emo craci a, s e e sg arç aram. C om efeito, os p ar t i d os d itos l ib e r ais pro cl amaram, um a um, su a sup ost a ne ut r ali d ad e ent re o c and i d ato p et ist a Fe r nand o Had d ad e o protof as cist a Jai r B ols onaro. C ontud o, não d emorou a c ai r as más c ar as, logo ap ós a s a lomôn i c a l avagem d e mã o s: os “cent r ist as” foram lib erad os ( ou or i e nt ad os ) , na su a mai or i a p ara vot ar naqu el e qu e d efend e o e ventu a l retor no à d it adu r a m i l it ar. Na mai or p ar te d as ve z es , Had d ad e B ols onaro foram apres ent ad os como s e ne c e ss it ass em, d a mes ma for ma, d e s e ad e qu ar às nor mas d emo crát i c as e assumi r comprom is s os ness a matér i a. Jor nais , como a Fol ha d e


Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 25

S ã o Pau lo, che g am a re duzir o ant agonis mo e x pre ss o p or Hadd ad e B ols onaro a uma qu e st ã o d e p osiç ão p ess o a l ou p ar t id ár i a qu e p o de r i a e ve ntu a l mente s er c or r ig id a. Mas el a não p o der i a t r at ar d a mesma forma as p os i çõ e s que c onsider a ins at isfatór i as d o c and i d ato p et ist a– em b o a p ar te re v is t as – e as d o p ostu l ante m i l it ar à Presid ên c i a , i nt r i ns e c amente ant i-demo c r át ic as, não p e rde nd o ele a op or tunid ade de reiterar o s eu e ndoss o à dit adur a de 1964, que cons id e r a i ne xiste nte. Os “ce nt r ist as” de divers os mat izes nã o s e re nd e m à e v i d ê nci a de que “o bur ac o é mais e mb ai xo”: a e s col ha p ers onif ic ad a p el o p et ist a e p elo c apit ão refor mado cor resp ond e a op ç ã o e nt re demo c r aci a e mi l it ar ismo. Por cons e g u i nte, p er mane cer em c ima d o mu ro i mpli cou opt ar p or f uncionar c omo u ma li n ha au xi li ar do b ols onar ismo. O ut ros foram a lé m, como fe z Jo ão D ór i a, ap oi and o o si mp at i zante d a dit adur a mi l it ar com e st ard a l ha ço. C om a inf luênc i a que terá c omo gove r na dor de São Pau l o, ou r achará o P SDB, ou o le v ar á p ar a o ext rema-direit a. Já o comp or t amento adot ado p el a es querd a na Franç a , há a l guns ano s at r ás, em re l a ç ão a e ss a di reit a, foi b em diferente. D errot a d a no pr i meiro tur no, optou p or vot ar e m Ni col as S arközy, repres ent ante d a “d i re it a re publi c ana” fac e à ext rema direit a, p e rs on i f i c ad a p or Mar in L e Pen, do Front Na c i ona l. E le s de cl ar ar am ap oio a Sarköz y, i mp e d i ndo de ss a for ma a v itór i a d a c and i d at a e xt re mist a . Mas nã o há como ig nor ar que, no âmbito d as e s qu e rd as , a l guns pre v ar ic ar am. Ass i m, o P SB de ci diu l ib er ar dois de s eus c and i d atos a gove r nador (os de S erg ip e e de S ão Pau l o) d o s e u comprom iss o de ap oio a Had d a d, p or me ra conveniênc i a el eitor a l. Mas o s eu c and i d ato no DF, R ol l emb erg , foi a lém e tentou su r far na ond a do c apit ão eleito. Q u and o o qu e est á em j ogo é a demo crac i a , não s e p o d e adm it ir que disput a el e ito ra l de c aráte r reg iona l s e s obrep on ha, com a neut ra li d ad e de c andid atos a gover na d or, às qu e stõ e s maiores, p ost as p el a el ei ç ão pre si d e nci a l. C om efeito, s ab emos que, s em d e mo cra ci a , as própr i as el eiçõ es p o de rão, mais a di ante, não o c or rer – ou s e t r ansformar e m u ma fars a – c om a el eiç ão do c and i d ato protofas cist a à Presidênci a. Já o pr i ncip a l l íder do PDT, Ciro G omes , qu e d e cl arou ap oio cr ít ic o a Hadd ad, in formou qu e não p ar t icip ar i a de su a c amp an ha,

s e aus ent and o durante o s egund o tur no p ar a v i leg i atura na Europ a. E d el a s ó re tor nou qu and o cess ad a a c amp an ha, d ei xand o cl aro, na su a just i f i c at iva e nas su as i nve c t iv as ao P T, que o s eu volunt ar is mo ress e nt i d o e su as ambi çõ es p ess o ais foram d eter m i nan tes na su a i naceit ável omiss ão na c amp an ha d e Had d ad. Ness e p ar t i d o - p ar t i do d ito “d emo crát i co e t rab a l hist a” – s eus qu at ro c and i d atos a gover nad or ap oi aram B ols ona ro ( Amaz on i no Mend es ( A M ) , C arlo s E duard o A lves ( RN ) , Wa ld e z G ó es ( A P ) e Ju i z O d i lon ( M S ) . Ab and onaram, d ess a for ma , o “p ar t i d o d a d emo craci a” p ara pres er v ar s e us i nteress es eleitorais i me d i atos , s e a li n hand o à ext rema- d i reit a b ols onar ist a. É muito g rave que o que este ve e m j o go não ten ha s i d o compre end i d o p or b o a p arte d o eleitorad o. Para iss o concor reu a f a ls a neut ra li d ad e d e su as “elites” p olít i c as, qu e pre cis am s er d es mas c arad as p ara a pre s e rvaç ão d o própr i o reg i me d emo crát i c o. É a i nsusp eit a ombuds man d a mes ma Fol ha d e S ão Pau lo que es cl are ce p or qu e a c and i d atura B ols onaro mere ce s er qu a l i f ic ad a d e ext rema- d i reit a. E l a “repres ent a cor rente p olít i c a mi l it ar ist a com d emonst raçõ es explí cit as d e v i ol a ç ã o d os d i reitos humanos , d e quest i oname nto d os d i reitos d e mi nor i as , que nega a d it a dura mi lit ar e a o cor rênci a comprov a d a d e tor turas e que mantém reiterad os f l e r te s a quebra d a nor ma li d ad e d emo crát i c a”. Face aos d ois ext remis mos d e d ire it a : o envergon had o ( o d os “cent r ist as” e d o s s o ci a list as d e f anc ar i a) , que ap oi a B ols onaro, e o ab er t amente assumi d o ( o d o p ar t i d o d o pres i d ente eleito – o P SL) , não hav i a out r a op ç ão p oss ível p ara os d emo crat as s e nã o o voto em Had d ad. Ai nd a que, p ara u ma p arte d ess es , ten ha s i g n i f i c ad o a es col ha p or um “ma l menor”

Rubens Pinto Lyra é Professor Emérito da UFPB. Doutor em Direito Público e Ciência Política (Universidade de Nancy, França). rubelyra@uol.com. br


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