Revista Jornalismo e Cidadania 27

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Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 1 Jornalismo Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade | PPGCOM/UFPE | ISSN 2526-2440 | e cidadania Facebook e jornalismo COMUNICAÇÃO NA WEB Governo Bolsonaro OPINIÁO E mais... nº 27| Novembro e Dezembro 2018

JORNALISMO E CIDADANIA

Expediente

Editor Geral | Heitor Rocha professor PPGCOM/UFPE

Editor Executivo | Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE

Editor Internacional | Marcos Costa Lima

Pós-Graduação em Ciência Política/UFPE

Revisão | Laís Ferreira / Bruno Marinho Mestre em Comunicação / Mestrando em Comunica;áo

Articulistas |

PROSA REAL

Alexandre Zarate Maciel

Doutor em Comunicação

MÍDIA ALTERNATIVA

Xenya Bucchioni

Doutora PPGCOM/UFPE

NO BALANÇO DA REDE

Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE

JORNALISMO E POLÍTICA

Laís Ferreira

Mestre em Comunicação

JORNALISMO AMBIENTAL

Robério Daniel da Silva Coutinho mestre em Comunicação UFPE

PODER PLURAL

Rakel de Castro

Doutora PPGCOM/UFPE e UBI

CIDADANIA EM REDE

Nataly Queiroz

Doutora em Comunicação

JORNALISMO INDEPENDENTE

Karolina Calado doutoranda PPGCOM/UFPE

MÍDIA FORA DO ARMÁRIO

Rui Caeiro

Doutorando em Comunicação

MUDE O CANAL

Ticianne Perdigão doutoranda PPGCOM/UFPE

COMUNICAÇÃO NA WEB

Ana Célia de Sá

Colaboradores |

Alfredo Vizeu Professor PPGCOM - UFPE

Túlio Velho Barreto Fundação Joaquim Nabuco

Gustavo Ferreira da Costa Lima Pós-Graduação em Sociologia/UFPB

Luiz Lorenzo

Núcleo de Rádios e TV Universitárias/UFPE

Ada Cristina Machado Silveira Professora da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM

Antonio Jucá Filho Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ

Auríbio Farias Conceição

Professor do Departamento de Letras e Humanidades – DLH/ UEPB

Leonardo Souza Ramos

Professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC –Minas Gerais e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Potências Médias (GPPM)

Rubens Pinto Lyra

Professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas  da UFPB

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TELA DA TV Mariana Banja Mestre em Comunicação Alunos Voluntários | Lucyanna Maria de Souza Melo Yago de Oliveira Mendes José Tarisson Costa da Silva Índice Editorial Prosa Real Comunicação na Web Opinião | Especial Opinião | Ana Polessa e Rafaella Rabello Opinião | Gregorio Vidal Opinião | Abdias Vilar Opinião | Ligia Coeli Opinião | Francisco Roberto Opinião |Rômulo Almeida Opinião |Marcos Costa Lima Opinião |Mariana Yante Opinião |Rubens Pinto Lyra | 3 | 4 | 6 | 8 | 10 | 12 | 14 | 16 | 18 | 20 | 22 | 24 | 26 Acesse: facebook.com/ Jornalismoecidadania | issuu.com/revistajornalismoecidadania
Doutoranda em Comunicação UFPE NA

Por Heitor Rocha

Obalanço do ano 2018 não pode deixar de reconhecer o expressivo resultado eleitoral de Fernando Hadad, diante do pouco tempo de campanha que teve e da facciosa e discricionária postura dos Poderes Legislativo e Judiciário e dos veículos da grande mídia. Um exemplo verdadeiramente escandaloso, como denunciava em abril Mauro Santayana, é o fake News de que “o Brasil está quebrado por incompetência de governos anteriores quando somos o quarto maior credor individual externo dos Estados Unidos, temos 380 bilhões de dólares – mais de 1 trilhão e 200 bilhões de reais – em reservas internacionais, o BNDES está pagando antecipadamente 230 bilhões de reais ao Tesouro e a divida bruta e líquida públicas são menores do que eram em 2002 com relação ao PIB”.

Assim, o avanço da extrema direita no Brasil e em várias outras partes do mundo não foi uma ação espontânea da opinião pública, mas sim um movimento planejado e financiado por fundações de bilionários norte-americanos, como a Atlas, patrocinadora do Brasil Livre (MBL), segundo Lee Fang, do Intercept, em trabalho publicado em 11 de agosto de 2017, e orientadas por Steplen K. Bannon, do site Breitbart News, que desenvolve uma estratégia mundial para criação de um ambiente midiático paralelo ao das grandes empresas de comunicação, com o intuito de gerar um cenário de falso conflito com a grande mídia.

Portanto, o avanço da extrema direita não deve ser visto, num “pessimismo extremo”, como uma vitória definitiva do capitalismo e da supremacia do mercado, com a inviabilização de qualquer opção de esquerda, conforme defenderam, em recente artigo, Eduardo Gudynas, do Centro Latino-Americano de Ecologia Social (CLAES) e Alberto Acosta, economista que foi candidato à presidência do Equador pela Unidad Plurinacional de las ezquierda.

Para distinguir entre progressismos e uma posição realmente de esquerda, o artigo reporta-se à reflexão de Florestan Fernandes apresentada, na USP, em 1965, observando a capacidade de estruturas esclerosadas do passado se manterem preservadas num presente sempre disposto a fazer vista grossa a esses resíduos do atraso, o que se evidencia nas muitas comunidades humanas brasileiras vivendo sob formas arcaicas de mandonismo. Segundo Gudynas e Acosta, na experiência latino-americana constata-se este equívoco nos esforços empreendidos pela transformação social da cruel realidade imposta pelo antigo e novo colonialismo.

No caso brasileiro, no período de 2003 a 2015, quando esteve no governo, eles lamentam que o PT, incorrendo nesta confusão progressistas em detrimento das posturas de esquerda, tenha abandonado “muitos compromissos dos quais nasceu,

demonstrando incapacidade de romper com as estratégias de desenvolvimento subordinadas à globalização, como provedores de matérias-primas, enquanto se refugiava em políticas sociais assistencialistas e mercantilistas, sem ousar mudar as arcaicas estruturas de acumulação de capital ou de concentração de riqueza”.

Segundo Gudynas e Acosta, as referências dos experimentos comprometidos com a radicalização da democracia se apagaram, prevalecendo o verticalismo partidário e o culto ao caudilhismo. Isso pode ser reconhecido na dificuldade de o partido fazer uma autocrítica sobre os equívocos e contradições existentes na sua experiência de governo, sob o pretexto de se evitar fazer o jogo da direita, para não incorrer numa posição de esquerda infantil e servir ao imperialismo estrangeiro.

Para eles, o resultado dessa omissão foi e é o enclausuramento e a blindagem irracional à crítica e à autocrítica, o favorecimento da lógica do clientelismo sustentada pela intimidação caudilhista, sem a preocupação de construir e fortalecer cidadanias responsáveis e organizações sociais autônomas, indispensáveis às mudanças estruturais. Isso sob a ilusão de resolver as contradições e conflitos por meio de compensações e bonificações econômicas.

A análise parece bastante necessária caso não se aceite a capitulação diante da extrema direita e se pretenda, algum dia, retomar um projeto de esquerda no País. Não se pode deixar de imaginar como teria sido diferente a história dos governos do PT caso Tasso Genro tivesse sido ouvido pelas lideranças do partido e a sua chapa, sem envolvidos no mensalão, para a comissão executiva em 2004 tivesse sido eleita. O enclausuramento do partido restrito, como numa bolha, ao discurso com as burocracias partidárias e sindicais, fez o governo se afastar dos movimentos sociais.

Sem um projeto de criação de uma rede pública de comunicação, articulando as rádios e televisões universitárias, comunitárias, educativas e veículos alternativos, não se tem como alcançar no diálogo com o conjunto da sociedade, assumindo um processo de conscientização política, pois a mediação da grande mídia, a despeito dos bilhões de recursos públicos que recebeu, sempre impede esta transformação. Portanto, como advertem Gudynas e Acosta, a falta de autocrítica abafa a pluralidade de vozes e deteriora as opções da esquerda para se renovar, enfraquecendo a democracia.

Heitor Costa Lima da Rocha, Editor Geral da Revista Jornalismo e Cidadania, é professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.

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Editorial

Prosa Real

Livro-reportagem, jornalismo e contexto

Livro-reportagem: palco da liberdade e da autonomia?

Os jornalistas escritores entrevistados pelo autor desta coluna, como Fernando Morais, Caco Barcellos, Ruy Castro e Zuenir Ventura, entre outros, concordam que, na produção de um livro-reportagem, é perceptível a sensação de mais liberdade e autonomia. Parece subsistir a impressão de que o trabalho como escritor não é tão controlado quanto nas linhas de forças hierárquicas de uma redação. Quando o livro fica pronto, a relação com o público leitor, elemento essencial para uma interpretação coletiva da reconstituição histórica amealhada em muitas páginas, parece mais próxima, menos embaçada pelo véu da instituição jornalística midiática tradicional. Essa sensação de autonomia, entretanto, não é condição única para que as obras nasçam livres de estereótipos, tipificações e reducionismos. Ter mais tempo para entrevistar, comparar e confrontar os argumentos sobre fatos históricos ou personagens narrados não garante, tão somente, que o livro proporcionará uma leitura múltipla e complexa da contemporaneidade. Como o jornalista faz parte do “mundo da vida” que interpreta, está sujeito à forte carga de valores e crenças que precisa contrabalancear. Quando assumem o lugar de fala de escritores, os jornalistas raciocinam sobre os efeitos de campo da profissão redimensionados no universo editorial. É possível contar com tempo para entrevistas longas e realizadas mais de uma vez. Mas o presente estendido do qual o livro tem que dar conta envolve centenas de entrevistados e a leitura de um número enorme de fontes documentais. O volume é imenso, mas nem sempre um calhamaço é viável editorialmente. A obra precisa se sustentar por linhas de força consistentes, com ganchos constantes em cada capítulo, o que é bastante complexo

Divulgação

em reportagens alongadas. Pode-se abandonar o factual fragmentado da notícia diária ou do minuto, mas os temas escolhidos, os personagens entrevistados e as fontes históricas consultadas necessitam formar um todo com impressão de coesão – quase um olhar histórico com os “óculos” do jornalismo. E com compromisso de mais perenidade nas livrarias do que se possa imaginar nas reportagens especiais publicadas na mídia diária.

A voz dos autores: revendo o conceito de jornalismo literário

Para os jornalistas entrevistados, entre os quais também se inclue quem ainda vive rotinas de redação, como Daniela Arbex, Leonencio Nossa e Adriana Carranca, mesmo a

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apuração mais cuidadosa sucumbe diante de uma narrativa não engendrada com esmero no campo do livro-reportagem. Quando falam de suas formas de narrar, os jornalistas escritores tendem a procurar definições e adjetivos para classificá-la. Percebe-se que a definição jornalismo literário não agrada a alguns pela carga de enquadramento que pode representar. Literário pura e simplesmente por ser um texto com mais adjetivações, que corre o perigo extremo de inventar, ficcionalizar? Ou pela herança inegável de processos da literatura, como a descrição dos ambientes, dos personagens e seus conflitos psicológicos? O engano está na raiz da questão, de entender a literatura como um mero exercício de floreio da linguagem, e não uma densa expressão discursiva. Há uma rejeição aos chamados penduricalhos, excessos de caracterizações e detalhamento de elementos inúteis, classificados como literatice. Porém, alguns louvam as técnicas de imersão nos ambientes em que os personagens já estão lá, “criados para você”, e apresentam, supostamente, mais elementos surpreendentes do que um ficcionista poderia conceber. Gerar um processo de identificação do leitor com os personagens apresentados, muitas vezes em plena ação e até com suas impressões psicológicas, é fruto, primeiro, de entrevistas criteriosas e cotejamento dos discursos. Também é desejável que um livro-reportagem apresente diferentes focos de um mesmo assunto e a impressão de um mosaico coeso no seu conjunto. Como um romance? Certos assuntos, como escândalos econômicos, são mais desafiadores, exigindo clareza, didatismo e paciência na forma de narrar. A descrição de ambientes também pode despertar sensações sinestésicas no leitor, até mesmo cheiros. Nos livros de reconstituição histórica, a pesquisa documental, principalmente de fotografias antigas, ajuda a reavivar todo o imaginário de uma época. Alguns autores preferem os termos “tratamento elegante” e “fôlego” para explicar como organizam o longo texto de um livro-reportagem. Critica-se a postura arrogante de certos repórteres que se arvoram de ser “literários” e privilegiam mais a “inspiração” do que a investigação. Há uma meta comum de escrever de forma mais simples e clara, algo que é fruto de muita pesquisa. A leveza deve ser acompanhada da densidade das linhas de força, de preferência com elementos de sedução fortes em cada capítulo. O tempo mais longo para decantar o texto final permite a busca obsessiva pela palavra mais adequada e possibilita ao

escritor exercitar uma prosa elaborada.

Refletindo sobre a prática: superando grilhões hierárquicos

Quando um jornalista se desafia a produzir um livro-reportagem, não está trabalhando mais para uma estrutura hierárquica rígida. No entanto, percebe-se, entre os entrevistados para a tese, certa orfandade dos rituais da redação, do espírito de equipe e da leitura crítica de outros pares. Mais solitário, o escritor precisa se organizar para não se perder em meio a tantas informações apuradas e não conseguir, por consequência, cumprir os prazos da editora ou mesmo concluir a obra. São comuns, como foi visto, os relatos de um misto de prazer, por estar exercitando com mais plenitude os saberes jornalísticos, acompanhado das inevitáveis angústias de um trabalho de autoanálise profissional, além dos temores a respeito da maneira como o livro será recebido pelos leitores, por especialistas de outras áreas e pelos próprios colegas de profissão. Antes de submeter o texto final às equipes das editoras, o jornalista escritor costuma se escudar em leituras prévias de colegas de profissão ou mesmo historiadores. Porém, as responsabilidades por prováveis erros –fantasma que parece ser mais presente no livro-reportagem – não podem ser transferidas tão facilmente para uma corporação, como no caso dos profissionais que trabalham para órgãos midiáticos de referência.

Referências:

MACIEL, Alexandre Zarate. Narradores do contemporâneo: jornalistas escritores e o livro-reportagem no Brasil. Recife, 2018. Tese (Doutorado em Comunicação) -Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

Elaborada pelo professor doutor do curso de Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz, Alexandre Zarate Maciel, a coluna Prosa Real traz, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, os principais autores, títulos e a visão do leitor.

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Comunicação na Web

Jornalismo, Sociedade e Internet

Fanpages de jornalismo no Facebook: interação e representação social

Os sites de redes sociais têm sido diretamente associados aos processos interativos e participativos entre os agentes presentes à Web 2.0, numa reconfiguração dos tradicionais papéis do emissor e do usuário, cujas fronteiras tornam-se menos delimitadas. Isso pode ser explicado pela composição relacional, flexível e horizontal das redes sociais, características existentes desde o mundo off-line, mas intensificadas no ambiente on-line (MARTINO, 2015).

Em sua formatação, as redes sociais são compostas por atores (representados pelos nós ou nodos) e suas conexões (que são as interações e os laços). Na internet, os atores não são ne -

cessariamente seres humanos, podendo ser representados por ferramentas tecnológicas, como um blog ou um perfil em sites de redes sociais, a exemplo do Twitter, do Instagram e do Facebook. Nesses espaços virtuais, é possível comentar, interagir e expor fatos relativos à vida pública e/ou privada sob a mediação do computador.

Recuero (2011, p. 25) explica essa peculiaridade da internet: “Por causa do distanciamento entre os envolvidos na interação social, principal característica da comunicação mediada por computador, os atores não são imediatamente discerníveis. Assim, neste caso, trabalha-se com representações dos atores sociais, ou com construções identitárias do ciberespaço”.

Para a autora, as ferramentas tecnológicas funcionam como representações dos atores sociais, os quais personalizam o ciberespaço e contribuem para a configuração de um ambiente social aliado à tecnologia. “São espaços de interação, lugares de fala construídos pelos atores de forma a expressar elementos de sua persona -

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Pixabay

lidade ou individualidade” (RECUERO, 2011, p. 25-26).

Por meio dessas representações, são constituídas percepções sobre as pessoas ou as organizações retratadas digitalmente. Isso interfere na formação das conexões, pois esses espaços identificam e legitimam impressões e afinidades associadas à formação dos laços sociais, que contribuem para o estabelecimento da comunicação, como explana Recuero (2011).

Diante disso, é possível considerar uma página (ou fanpage) de jornalismo no Facebook, por exemplo, como uma representação social de um veículo de comunicação. Esse espaço carrega o nome, a credibilidade e o conteúdo da mídia, com um diferencial que tem sido um dos pilares da geração 2.0 da internet: a aproximação entre as redações e os seus públicos, o que resulta em uma relação mais colaborativa.

Comumente as fanpages jornalísticas apresentam-se como um local de interação em tempo real e em fluxo contínuo. Nelas, os veículos de comunicação, por meio dos seus profissionais, compartilham materiais (textos escritos, fotografias, vídeos e áudios) originalmente propagados em outras plataformas e também conteúdos exclusivamente construídos para a página da rede social. A partir das postagens, cria-se um canal comunicativo mais aberto e informal com o público, em situações que podem suscitar harmonia ou conflito.

Alavanca-se a perspectiva de gatewatching, em que o jornalista passa a atuar como curador das informações disponibilizadas na rede tanto por empresas de comunicação quanto por cidadãos em geral. Dessa forma, é possível promover um jornalismo participativo na web, agregando as contribuições do internauta à produção profissional de conteúdos midiáticos. Vale lembrar que também o usuário pode atuar como curador de notícias destacadamente em iniciativas de jornalismo cidadão (BRUNS, 2011).

Nesse cenário, dilata-se o campo de atuação do jornalismo, amplificado geograficamente e tornado multiplataforma no espaço virtual ilimitado, e do público, que ganha posição mais ativa perante os conteúdos de mídia, sendo capaz inclusive de ampliar, produzir e difundir materiais com foco no retorno social, e não necessariamente financeiro.

A sociabilidade digital nas fanpages jornalísticas gera o chamado capital social, isto é, os valores constituídos mediante a interação entre os atores sociais (RECUERO, 2011). Esse bem revela preferências do grupo, promove a integração entre as pessoas, firma laços e concede status aos

agentes geradores de capital social. No caso do jornalismo, o contrato estabelecido com a sociedade conduz à confiança do público quanto aos conteúdos postados pelas páginas dos veículos de comunicação, numa relação que beneficia todos os atores envolvidos.

O intercâmbio gerado por essa atividade conjunta remete ao conceito de cultura participativa, compreendida como o processo de interação entre produtores e consumidores de mídia na produção e difusão de conteúdos, nos quais esses agentes assumem diferentes níveis de intervenção, levando-se em conta aspectos econômicos, políticos, culturais e técnicos. Todo esse movimento visa ao benefício coletivo (JENKINS; GREEN; FORD, 2014).

Esse cruzamento de papéis, contudo, ainda é limitado. “Vemos a cultura participativa como uma expressão relativa: em muitos lugares, a cultura é mais participativa agora do que quando vigoravam os regimes antigos do poder da mídia. Apesar disso, ainda estamos longe de alcançar algo que se assemelhe a uma participação plena” (JENKINS; GREEN; FORD, 2014, p. 64). De qualquer maneira, o processo foi iniciado e evolui a cada dia.

Referências:

BRUNS, Axel. Gatekeeping, Gatewatching, Realimentação em Tempo Real: novos desafios para o Jornalismo. Brazilian Journalism Research, Brasília, v. 7, n. 2, p. 119-140, 2011. Disponível em: <https:// bjr.sbpjor.org.br/bjr/article/view/342/315>. Acesso em: 16 jan. 2018.

JENKINS, Henry; GREEN, Joshua; FORD, Sam. Cultura da Conexão: criando valor e significado por meio da mídia propagável. Tradução de Patricia Arnaud. São Paulo: Aleph, 2014.

MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria das Mídias Digitais: linguagens, ambientes, redes. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2015.

RECUERO, Raquel. Redes Sociais na Internet. 2. ed. Porto Alegre: Sulina, 2011. (Coleção Cibercultura)

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Ana Célia de Sá é jornalista e doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco (PPGCOM-UFPE).

Opinião

Canção urgente para Nicarágua

Este artigo, cuja segunda parte será divulgada na próxima edição, é de autoria de nicaraguenses pós-graduandos na UFPE que, por motivos óbvios, diante da estigmatização ideológica daquele país da América Central liderada pela mídia norteamericana imitada no ocidente de uma maneira quase generalizada, especialmente da subserviente mídia brasileira, solicitaram que os seus nomes não fossem divulgados.

Com dois processos de colonização distintos (Espanha e Grã-Bretanha) e uma grande diversidade étnico-racial, a Nicarágua se torna um território rico e complexo para analisar. A documentação dessa diversidade é necessária para entender as razões que levaram esse pequeno país, da estreita porção de terra centro-americana, a um grande número de conflitos armados e repressões por estar localizado em um território estratégico.

A Nicarágua está localizada na fronteira que divide o Norte do Sul global e tem, dentro de sua característica geográfica, o Rio San Juan, que se conecta com o Grande Lago Cocibolca, tornando esse país um grande atrativo para a perspectiva de geração de uma rota interoceânica. O controle pelo território nicaraguense exercido por grandes potências como Espanha, Grã-Bretanha, Estados Unidos e China, na atualidade, provocou, desde conflitos armados entre a Espanha e a Grã-Bretanha durante a colônia, a ocupação da Grã-Bretanha da costa caribe do país e inúmeras intervenções militares dos Estados Unidos no território nacional.

Se os Estados Unidos antes enviavam forças militares para controlar o território nicaraguense e bombardeavam áreas civis, como o ataque feito à cidade de Chinandega, em 1927, uma vez chegada a Grande Depressão, em 1929, essa forma de controle se demonstrou muito custosa. Então, a estratégia de domínio foi modificada para controlar os países latinoamericanos através de ditaduras. A ditadura de Anastasio Somoza García e seu filho, Luis Somoza Debayle, que governaram a Nicarágua de 1937 a 1979, defendendo os interesses dos EUA, forma parte de uma estratégia geopolítica

utilizada por essa potência imperialista para controlar a América Latina. O diferencial da Nicarágua em relação a outros países da região está na rota interoceânica. Embora nunca tenha sido construído um canal, criou-se um tratado, o Tratado de Chamorro-Bryan (válido de 1916 a 1970), que estabelecia o controle pelos Estados Unidos do Rio San Juan e demarcava que nenhuma outra potência do mundo poderia construir um canal interoceânico na Nicarágua (KINLOCH, 2016). Essa condição geográfica manchou com sangue a história desse país. É importante entender o contexto da Nicarágua, porque sua história carrega o estigma de ser um país propenso a conflitos armados e seu povo tem sido chamado de violento, mas o estigma não explica que esses conflitos têm uma relação estreita com a geopolítica internacional.

É nesse contexto que entra a Revolução Popular Sandinista, um movimento nacional inspirado pelo general Augusto Cesar Sandino que, no início de 1900, lutava junto com seus seguidores e seguidoras contra a invasão dos norte-americanos no país. A luta contra a invasão dos Estados Unidos, tendo os Somoza no panorama, começa quando ele toma posse como presidente, mas não foi até 1961 que a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) foi fundada. As lutas contra os abusos e assassinatos do regime dos Somoza triunfam em 1979, ano em que foi declarada a vitória da Revolução Popular Sandinista. Embora fosse liderado pela FSLN, também foi produto de lutas de outros grupos, não necessariamente sandinistas, que acreditavam e desejavam que o país tivesse autonomia na tentativa de criar um estado nacional.

Deve-se notar que, nessee breve percurso histórico na tentativa de explicar/compreender a Nicarágua, a versão histórica do Pacífico desse país, conquistado pela Espanha, é priorizada. A historicidade do oeste do país, ou seja, as áreas com a presença da Grã-Bretanha e onde se concentram vários povos indígenas e afrodescendentes, é marcada por outros processos e versões históricas que ainda não figuram na história oficial da Nicarágua, principalmente aquela que é apresentada na mídia nacional e

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internacional.

Durante a década de 1980, a Revolução Popular Sandinista foi bloqueada pela Guerra Fria, entre os Estados Unidos e a União Soviética, países que apoiavam a revolução e a contrarrevolução. O presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, aprovou a inversão de algo em torno de 27 milhões de dólares em apoio à contrarrevolução em 1985, decretou o embargo econômico à Nicarágua e, em 1986, aprovou outra quantia de 110 milhões de dólares para financiar a guerra “civil” na Nicarágua (KINLOCH, 2016). A Revolução Popular Sandinista surge como um sonho de progressismo inspirado no marxismo. Se tenta combater a opressão de classe, se promove uma importante reforma agrária, criam-se jornadas importantes de alfabetização e o investimento na educação de todos e todas nicaraguenses. Porém esse sonho coletivo, que é muito mais complexo do que poderíamos explicar neste breve texto, foi interrompido pela guerra e pela sanha de controle por parte de uma grande potência, os Estados Unidos, no território estratégico da Nicarágua.

Daniel Ortega e a Revolução Popular Sandinista

No início da Revolução, na década de 1980, a Nicarágua era governada por nove comandantes. Todos eram homens. Em 1985, Daniel Ortega se torna presidente da Nicarágua através do processo eleitoral. A terrível guerra, financiada pelos Estados Unidos, contribui para a derrota eleitoral da FSLN em 1990, quando assume a presidência Violeta Barrios de Chamorro.

Internamente, a FSLN sofre muitos conflitos que dão lugar a que vários de seus membros, como o sacerdote jesuíta Fernando Cardenal e seu irmão Ernesto Cardenal, fervorosos partidários do sandinismo, renunciem à FSLN. Internamente, no próprio sandinismo, Ortega foi acusado de se apropriar de bens do partido, bem como de acumular poder e fortuna. Desde a Revolução Popular Sandinista, o único candidato que a FSLN apresentou à presidência foi Ortega. É através deste conflito interno que surge o Movimento de Renovação Sandinista (MRS), fundado por antigos militantes e combatentes da antiga FSLN.

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Opinião

Democracia Digital sobre Vigas

Atransmissão midiática traz no seu discurso cristalizações de visões de mundo, preconceitos, concepções de classe, interesses mercadológicos e motivações políticas. Na atualidade, através da disponibilidade de tecnologias, os rostos das comunidades desejam se revelar e produzir os próprios conteúdos. Em projetos como o site YouTube, que surgiu em 2005 e tem o domínio do Google, permite-se o compartilhamento de vídeos de pessoas de qualquer parte do mundo.

Para tratarmos da participação comunitária na web, contamos com o auxílio de Cecília Peruzzo (2006, p. 4), que entende o meio como um instrumento das classes subalternas para externar sua concepção de mundo, seu anseio e compromisso na construção de uma sociedade igualitária e socialmente justa. Na internet, essas classes aparecem sem sofrerem uma edição de suas falas e gestos, como em telejornais da grande mídia. Elas se mostram da maneira que são ou que desejam ser no real.

Existe um reflexo até na autoestima das comunidades. O espelho delas não é mais aquele da família que mora num bairro de luxo de uma grande cidade, que tem grande poder aquisitivo, como mostra a telenovela. Nas produções recentes, existe uma inserção de pessoas da periferia que falam por si próprias, que escapa ao controle dos meios hegemônicos. Os grupos sociais não precisam ser segmentos pelo direito de ter a palavra ou de se mostrar.

Com o desenvolvimento da rede mundial de computadores no início da década de 1990, o número de usuários da internet passou a crescer de maneira vertiginosa e sua eventual popularização nos trouxe uma ampliação da própria democracia, a chamada “democracia digital”, dando visibilidade, incentivando e facilitando cada vez mais a mobilização e a participação da população, pressionando principalmente as chamadas ações governamentais.

Para se ter uma noção, no último levantamento divulgado pelo IBGE, em 2018, a porcentagem de brasileiros com acesso à internet passou de 67,9% em 2016 para 74,8% em 2017. Mas, entre a população com renda per capita inferior a R$ 406 por mês (o que representa US$ 5,5 por dia), houve um aumento de 47,8% em 2016 para 58,3% em 2017, predominantemente com acesso por meio de celulares ou tablets. (AGÊNCIA IBGE; 2018)

Um exemplo desse contexto está localizado em Santos, que fica no centro do litoral do estado de São Paulo.

De acordo com o site institucional do Porto de Santos, “é o maior complexo portuário da América Latina e responde pela movimentação de quase um terço das trocas comerciais brasileiras”.

O que nos chamou atenção para tal região e que inspira o título deste artigo foi o Dique da Vila Gilda, uma área de mangue e preservação ambiental permanente e também a maior favela de palafitas do Brasil, com mais de 20 mil habitantes que, há mais de 50 anos, convivem com a falta de infraestrutura e saneamento básico.

Os membros da comunidade alimentam a página no Facebook chamada “Vida sobre Vigas”, em que compartilham sua rotina e dão visibilidade à realidade do cotidiano de uma das regiões mais segregadas do país, reforçando a ideia de que não basta apenas dar ou ter acesso à internet: precisamos discutir o bom uso das redes, pensando em sua capacidade inclusiva e integradora.

Um fato que nos faz pensar o quanto nossa democracia digital, principalmente quando falamos ou pensamos nas áreas periféricas do Brasil, ainda está se construindo sobre vigas, buscando sua visibilidade, resistindo e reafirmando sua existência.

Na prática, é como enxergamos de que forma a internet permite que as vozes do discurso encontrem uma possibilidade de difusão impressionante. Moraes explica que a malha hipertextual, em retroalimentação contínua, impulsiona a formação de redes que englobam fluxos informativos, manifestações culturais e interferências cognitivas. E ainda considera que as redes se distinguem como sistemas organizacionais com estruturas flexíveis e colaborativas baseadas em afinidades, objetivos e temáticas comuns entre os integrantes, a partir da regra ou modalidade de convívio compartilhado (MORAES, 2008, p. 43).

Se, a cada dia, uma pessoa da periferia resolve aparecer num ponto da rede e questionar o sistema, a contra-hegemonia se faz presente, sim. Paiva (1998) defende, nessa direção, a importância das narrativas no interior de uma comunidade. Isso porque sua interpretação pode definir a organicidade do corpo social, a maneira como o grupo de indivíduos se relaciona com o mundo. “A seleção do que merece ser interpretado, repassado e revivido determina o espírito da comunidade” (PAIVA, 1998, p. 58).

Outra questão que conta muito e que sempre foi motivo de preocupação para a mídia é a credibilidade. Os valores do jornalista, por mais respeitado que seja

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como profissional, podem comprometer a transmissão da informação. Com a internet e as próprias pessoas criando o conteúdo, tal problema pode ser minimizado, mas também há histórias que são inventadas para fins de entretenimento e acabam sendo creditadas como verdade coletiva por certo tempo. Um simples vídeo de alguns segundos produzido em celular pode se tornar uma prova de um grande acontecimento e, talvez, gerar fama.

As transmissões ao vivo (via streaming) tornaram cada indivíduo uma testemunha de grandes eventos em tempo real, tornando “a comunicação sem fio não mídias em seu sentido tradicional, mas meios de uma comunicação mais interativa” (CASTELLS, 2011).

Uma pesquisa da GlobeScan realizada para a BBC em 2010, que entrevistou 27.973 adultos em 26 países, sendo 14.306 usuários da internet, apontou que quatro em cada cinco pessoas usuárias ou não da rede a consideram um direito fundamental e 53% dos entrevistados consideram que não deveria ser controlada pelo governo.

Em 2011, a Organização das Nações Unidas (ONU) considerou a internet um direito humano, compreendida como parte do Artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Segundo La Rue (2011), todos os indivíduos devem ter o “direito de buscar, receber e difundir informações e ideias de todos os tipos através da internet”, reforçando “a natureza única e transformadora da internet não só para capacitar os indivíduos a exercerem o seu direito à liberdade de opinião e de expressão, mas também por proporcionar uma série de outros direitos humanos, além de promover o progresso da sociedade como um todo” (ONU, 2011).

Em dezembro de 2018, a Declaração Universal dos Direitos Humanos celebrou 70 anos, e a internet atualmente promove o que Castells (2013) define como: “redes de indignação e esperança”, reflexo de uma mudança fundamental no mundo das comunicações, em função do surgimento da autocomunicação em massa — caracterizada como o uso da internet e das redes sem fio como plataforma de comunicação digital, uma vez que processa as mensagens de muitos para muitos e, potencialmente, chega a receptores que se conectam em incontáveis redes, que transmitem informações digitalizadas em um bairro ou no mundo (CASTELLS, 2013).

Observamos, através dos estudos, uma visão mais positiva quanto às redes comunitárias, já que a internet fomenta estruturas de rede no âmbito da vizinhança, das cidades, fortalecendo as comunidades locais. Mas, para isso, a opção comunitária tem que estar atrelada às condições institucionais; e o poder local, buscando revitalizar a democracia local. Assim, ainda que a comunidade se baseie em interesses consonantes, mutuamente compartilhados, a rede comunitária tem que buscar sempre uma conexão real com esses interesses de forma ética.

Referências

AGÊNCIA IBGE. Síntese de Indicadores Sociais: indicadores apontam aumento da pobreza entre 2016 e 2017. Disponível em: <https://goo.gl/WsqMUx>. Acesso em: 09 dez. 2018.

FOUR IN FIVE Regard Internet Access as a Fundamental Right: Global Poll, BBC. 2010. Disponível em <https://goo.gl/jbE1nY>. Acesso em: 02 dez. 2018.

MORAES, Dênis de. Comunicação alternativa em rede e difusão contra-hegemônica. In: Comunicação e contra-hegemonia: processos culturais e comunicacionais de contestação, pressão e resistência / Eduardo Granja Coutinho (org.). Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008.

O POVO DADOS. Acesso à Internet cresce mais de 10% entre mais pobres no Brasil. Disponível em: < https://goo.gl/NjoPPw>. Acesso em: 09 dez. 2018.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS.

Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 10 de dezembro de 1948.

PAIVA, Raquel. O espírito comum: comunidade, mídia e globalismo / Raquel Paiva – Petrópolis, RJ: Vozes, 1998.

PERUZZO, Cicilia Maria Krohling. Revisitando os conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária. In: INTERCOM, 2006, Brasília. Anais eletrônicos. Disponível em: <https://goo.gl/5kF3Bj>. Acesso em: 12 maio 2011.

LA RUE, Frank. Report of the Special Rapporteur on the promotion and protection of the right to freedom of opinion and expression. ONU. 2011. Disponível em: <https://goo.gl/0iRvwp>. Acesso em: 16 nov. 2015.

Ana Carolina Estorani Polessa é socióloga, especialista em História do Brasil e Diversidade Cultural pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora.

Rafaella Prata Rabello é jornalista, licenciada em Letras e doutoranda em Comunicação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ).

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Opinião

México: La economía y la nueva situación política (4)

Este artigo é o quarto de uma série de quatro textos que foram extraídos da análise do professor Gregório Vidal sobre a economia e a nova situação política do México a partir da última eleição presidencial.

DESIGUALDAD SOCIAL, SALARIOS Y EDUCACIÓN: ECONOMÍA Y DEMOCRACIA

El débil crecimiento de la economía, acompañado de beneficios notables para un reducido grupo de grandes fortunas, sumado a las ganancias obtenidas en México que se realizan fuera del país y los diversos pagos que por intereses de deuda pública y privada tienen por destino el extranjero resultan en una sociedad con una desigualdad social significativa. La creciente desigualdad se manifiesta también como aumento de la población que trabaja en condiciones de informalidad y una gran cantidad que percibe ingresos que no permiten contender con los gastos para llevar adelante una vida digna.

En los Estados Unidos Mexicanos lo excepcional es contar con un trabajo remunerado formal con una jornada de cuarenta horas a la semana y aún más excepcional que permita una vida digna. En el año 2012, solo el 13.5% de los ocupados tiene una jornada laboral entre 35 y 40 horas a la semana. A la fecha el 27% trabaja más de 48 horas por semana y no necesariamente se tienen ingresos que permitan cubrir el conjunto de las necesidades sociales. Pero hay otros datos que dan cuenta de la grave situación en la que viven la mayoría de los habitantes del país. En el rubro que el INEGI denomina ámbito agropecuario, lo raro es contar con un empleo formal. A finales de octubre de 2012 hay 6.73 millones de empleados en el ámbito agropecuario y únicamente 8.6 por ciento son empleados formales. Igual sucede con el trabajo doméstico remunerado, la inmensa mayoría es informal. Pero también, entre los empleados por los gobiernos, las instituciones y las empresas hay un número considerable de informales, más de 6.7 millones de personas que representan el 26 por ciento de la población ocupada en estas actividades. El empleo informal esta presente en el conjunto de la economía del país. No es un hecho propio de actividades marginales o de las actividades agropecuarias. Los trabajadores subordinados y remunerados son la mayor parte de los empleos informales, más del 50 por ciento, seguido por trabajadores por cuenta propia. La mayor parte del empleo informal se presenta en las ciudades. En su sentido más amplio, de acuerdo a las estadísticas elaboradas por el INEGI, considerando al total de la población ocupada, la informalidad laboral a finales del primer trimestre de 2018 es de 56.75%; es decir, de cada diez ocupados casi seis trabaja

en condiciones de informalidad.

En el primer trimestre de 2018 los que ganan más de cinco salarios mínimos son 2 millones 272 mil 438 personas, según información de INEGI. Aún sumando el total de los que no declaran su ingreso es una notable minoría que indica que gran parte de la población tiene ingresos de entre uno y cinco salarios mínimos con jornadas completas e incluso algunas superiores a lo establecido en la propia legislación laboral del país. Un dato adicional que pone de manifiesto el fuerte deterioro en las condiciones de vida de gran parte de la población y sin duda informa sobre el crecimiento de la concentración del ingreso, es la reducción relativa, pero también absoluta de los ocupados que ganan más de cinco salarios mínimos en el total de la población ocupada en el curso de los quince años previos. En el primer trimestre de 2005 representan 10.1% de los ocupados. Para el primer trimestre de 2018 son 4.6% de los ocupados. En 2005 son 4 millones 185 mil ocupados y en 2018, como lo destaco líneas antes, son menos de dos y medio millones de personas. En materia de ingresos se pueden agregar otros datos considerados en la Encuesta de Nacional de Ocupación y Empleo (ENOE) de INEGI que son muy graves. En el país la mitad de los ocupados no recibe ingresos o gana hasta un salario mínimo o hasta dos. Los que perciben más de un salario y hasta dos salarios mínimos son 28.9% de los ocupados. Según el Instituto para el Desarrollo Industrial y el Crecimiento Económico el problema mayor de México es la precarización del mercado laboral. Afirma que de un total de 52.4 millones de ocupados en el tercer trimestre de 2017, únicamente 531 mil tienen ingresos superiores a 10 salarios mínimos, es decir 1% del total (IDIC, 2018:3).

La desigualdad social tiene múltiples expresiones, una es la reproducción de la pobreza. El informe de la evaluación correspondiente a 2018 que presentó el Consejo Nacional de Evaluación de la Política de Desarrollo Social (CONEVAL) documenta su permanencia. Por ejemplo, se señala que de 2005 a 2017, el porcentaje de la población con ingreso laboral inferior a la línea de bienestar mínimo se incrementó, alcanzando 41% al final del cuarto trimestre de 2017. En 2006-2007 la cifra era el orden de 32 a 33%. Otros indicadores se pueden agregar dando cuenta que la reducción relativa de la pobreza es mínima, a la vez que aumenta el número de personas que viven bajo esa condición. Según datos de CONEVAL, en 2008 hay 49.5 millones de personas

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en pobreza y en 2016 son 53.4 millones (CONEVAL, 2018). Lo más notable es que casi el total del incremento en el número de personas que viven en pobreza sucede en áreas urbanas.

Como señaló líneas antes el mantenimiento de la desigualdad social se expresa también en las precarias condiciones de salud de amplios grupos de la población y en las difíciles condiciones para atenderse. Igualmente en la imposibilidad para muchos de que por medio del trabajo se desarrollen sus capacidades de producción y se alcance una vida digna. También en el sistemático proceso de emigración a Estados Unidos, producto de la falta de trabajo, de las remuneraciones tan pobres y la creciente precariedad laboral, que desarticula familias, ha vaciado algunas poblaciones e incluso dificulta la vida social en diversos sitios. Pero igualmente se observa en el terreno del acceso a la educación desde la primaria y hasta el nivel superior y más aún ante la gran dificultad para presentarse en condiciones adecuadas de nutrición, salud e instrumentos de aprendizaje a la escuela para gran parte de niños, adolescentes y jóvenes. Entre la población infantil la pobreza es aún mayor. En el grupo de 0 a 11 años de edad el porcentaje de pobres es de 52.3%. Si se suman los vulnerables por carencias sociales, más los vulnerables por ingreso son 81.1% del total. Para la inmensa mayoría de las niñas y niños no existen las condiciones de alimentación, vivienda, transporte y útiles adecuados para el aprendizaje escolar. El problema mayor que no lo permite es el ingreso en sus familias. Muchos crecen en condiciones de desnutrición que afectan negativamente su desempeño escolar. En el grupo de 12 a 17 años las cifras no son mejores. La población no pobre y no vulnerable es 19.3% del total, apenas 2.7 millones de 14.1 millones de personas. En conjunto hay que modificar las condiciones del mercado laboral, propiciar un incremento importante en el ingreso real de muchas familias, para crear condiciones educativas pertinentes para gran cantidad de niños y jóvenes. Sin embargo, ello no será posible en un plazo corto, por lo tanto es un área en que deben ejecutarse programas sociales por parte del gobierno para generar las condiciones que permitan al conjunto de la población infantil y a los jóvenes tener mejores condiciones para el diario desempeño en la escuela. La educación es un terreno que requiere una acción inmediata consistente con el animo de cambio presente en la sociedad, estableciendo una ruta hacia la disminución de la desigualdad social que se fortalecerá con la creación de instituciones que expresen el proyecto y generar de desarrollo.

La desigualdad social se mantiene y se exacerba en un contexto de pobre crecimiento de la economía. Para modificar está situación es imprescindible alcanzar una tasa de incremento del PIB muy superior a la media de los 30 a 35 años previos. Son cambios y procesos que demandan cierto tiempo, la creación de una institucionalidad diferente y la ejecución de una política económica con otros contenidos. El cambio en la situación política que se manifiesta en la jornada electoral del primero de julio implica contar con

la estrategia que genere la nueva institucionalidad. Sin embargo, para que esto resulte posible, también es necesario actuar de inmediato identificando espacios de la vida social en los que la dotación de recursos públicos genera equidad y opciones de desarrollo comunitario significativas. Es el caso de la educación y el establecimiento de programas para que la mayor parte de la población tenga acceso en condiciones adecuadas. Es un hecho democrático sustancial y da contenido a una propuesta efectiva de desarrollo. La urgencia de cambio social que es uno de los resultados del proceso electoral del primero de julio obliga a actuar en este terreno, como también en el de la creación de condiciones para la seguridad ciudadana y el combate frontal a la corrupción y a la impunidad. Como destaco desde líneas antes es urgente poner en practica una política económica que permita y propicie el incremento de los salarios como un medio necesario para ampliar el mercado interno. Para plantearse un crecimiento sostenido de la economía del orden de 4%, como paso a crecimientos mayores de 6%, es imprescindible modificar la situación que prevalece en el mundo de la ocupación, tanto por lo que corresponde al nivel de ingresos, como a la duración de la jornada laboral. También debe resolverse de una forma diferente la relación de la economía del país con el exterior. En este terreno eliminar el uso de divisas para satisfacer necesidades productivas fundamentales es un primer paso. Por ello las inversiones para reconfingurar las refinerías deben llevarse adelante, como también lograr un incremento en la extracción de petróleo destinado a su transformación en México. Son procesos que promueven la inversión y generan medios para alcanzar un crecimiento mayor de la economía. El cambio en la economía debe ser promovido sistemáticamente desde el gobierno, contando con recursos públicos para incrementar la inversión en varios puntos del PIB en un plazo relativamente corto, a la vez de modificar la composición y peso relativo de la deuda pública. En esta materia el mayor crecimiento del PIB permite la reducción relativa del tamaño de la deuda pública, como también va generando hacia adelante mayores recursos para la inversión y expectativas positivas para que empresas diversas participen en el proceso de crecimiento de la economía. Es un proceso que suma actores sociales al cambio, fortalece el proyecto de desarrollo e implanta la democracia.

Gregorio Vidal é profesor do Departamento de Economía da Universidad Autónoma Metropolitana, Unidad Iztapalapa. E-mail: vidal.gregorio@gmail. com.

Twitter: @GregorioVidalB. Site: http://gregoriovidal. izt.uam.mx.

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Opinião

Brasil e o governo Jair Bolsonaro. Estado de Direito ou Policial?

Aeleição de Jair Bolsonaro com ampla votação nacional traz, por suas declarações como candidato e comportamentos como deputado federal e, igualmente, pela formação de seu ministério, temor e preocupações com a democracia brasileira. Isso me faz relembrar uma frase do inglês e filósofo da linguagem John Austin, quando afirmou que “dizer algo é fazer algo” . Longe de afastar esse temor, as declarações de seu filho deputado, dos ministros da Educação e do Itamaraty, aprofundam ainda mais. O obscurantismo e o conservadorismo cavam alicerces fortes no governo que se inicia em 1º de janeiro. Recorro a uma frase de Octávio Paz na apresentação do livro “Entre o passado e o futuro”, de Hannah Arendt : “O campo da política é o do diálogo no plural que surge no espaço da palavra e da ação — o mundo público — cuja existência permite o aparecimento da liberdade. De fato, a consciência da presença ou da ausência da liberdade ocorre na interação com os outros e não no diálogo metafísico do eu consigo mesmo” . Os discursos encontravam raízes no antipetismo, englobando as distintas facões, na moralidade tradicional, na Bíblia e no anti-política e políticos. O candidato sempre iniciava seus discursos e mensagens eletrônicas com uma citação religiosa, preferentemente dos Salmos. Com isso, criava uma identificação e tornava todos os brasileiros em cristãos para a alegria dócil das igrejas. Da mesma forma, ao falar do “Brasil acima de tudo” apelava para um nacionalismo populista e conduzia a quem não tivesse com ele, brasileiro não seria. Apropriava-se do símbolo nacional, como a bandeira, que só a ele pertencia. Infelizmente, no segundo turno, os partidos de esquerda continuaram com suas bandeiras partidárias. No antipetismo, gritava os casos de corrupção, a demonização de Cuba e da Venezuela e, sem pudor nenhum, bradava contra Lula, líder maior das pesquisas eleitorais e figura temida por todos os candidatos. Um exemplo maior disso residia no fato de, mesmo preso, pontuar as condutas eleitorais. Na Região Nordeste, Bolsonaro buscou amenizar as palavras anti-Lula, numa clara demonstração eleitoreira. Foi em vão.

É necessário compreender os votos em Haddad, no segundo turno, pois nem todos são do PT. Uma verdadeira frente democrática foi formada espontaneamente contra Bolsonaro. Uns, por razões históricas, não são do PT; outros, contra os discursos, atitudes e comportamentos de Bolsonaro; e, assim, não podem ser tachados de direita, votaram na oposição e, no segundo turno (ele existe para isso mesmo), concluíram seu voto contra Bolsonaro. Na moralidade tradicional, contra gays, lésbicas, transgêne-

ros, mulheres e na defesa da família. Mas que família? Ele mesmo já está em outros casamentos. Quantas famílias são separadas, cujos casamentos posteriores, exceto o caso de viuvez, são condenados pelas religiões, e têm filhos também separados, gays, lésbicas e transgêneros, como era o caso do juiz eleito governador do Rio de Janeiro, com um filho transgênero? Sua presença física na retirada da placa com o nome de Marielle Franco é um total desrespeito.

Bolsonaro “esquecia” que, há 16 anos, era deputado federal. Além do mais, para ser coerente, tinha que se candidatar por um movimento e não por um partido emprestado a toque de qualquer coisa. Condenação da política como se os atos de candidatura e da votação não fossem atos políticos.

Recorro à filósofa alemã, judia, não marxista, perseguida pelos nazistas, pária na França ocupada e, posteriormente, residente e professora universitária nos Estados Unidos, Hannah Arendt , que, em seu livro, “Entre o passado e o futuro”, e retomando os filósofos clássicos, afirmou que o homem é um ser político. Isso é fundamental para se entender a negação da política pelos bolsonaristas.

O candidato eleito, com suas frases, atitudes e comportamento, criava e justificava um clima de ódio e de perseguição em todo os lares e lugares públicos. Vale uma interpretação psicanalítica. Foram muitos casos narrados. Mas três me chamaram a atenção, pois me foram contados por pessoas próximas e idôneas. Um quando um senhor afirmou que Marx fizera a Revolução Russa de 1917; outro quando uma senhora, frequentadora antiga de uma academia de ginástica, ameaçou a gerente da franquia que, a partir de 1º de janeiro de 2019, teria que mudar essa cor vermelha, comunista, pela verde-amarela; e, por fim, uma jovem que, com câncer, fazia quimioterapia e marcou com a mãe uma ida a um shopping. Ao chegar no estacionamento, foi tida, pelo cabelo raspado e também acompanhada por uma mulher, como lésbica e seriamente ameaçada. Abalada psicologicamente, entrou rapidamente no carro e voltou. A agressão não foi consumada porque outro guardador interveio, apesar do discurso inflamado do primeiro, que dizia: “no Brasil, gays e votantes contra Bolsonaro não teriam mais vez”. Como saber que era gay e que votara na oposição? Os símbolos, na era Bolsonaro, ganharam ares de verdade e de verdade incontestável. Seja no sentido dado por Santo Agostinho em “A cidade”, seja no significado de Hannah Arendt, o bolsonarismo não criou uma verdadeira comunidade política. Gerou sim, o ódio, o temor e o terror. O próximo ministro da pasta da Justiça, Sérgio Moro,

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rasgando a máscara conservadora e parcial, aceita e justifica, parece-me que com tranquilidade, as ameaças ao Estado de Direito. O recurso de armas por civis, nos casos não tipificados por lei, fere à Constituição de 1988, às decisões tomadas pelo Congresso Nacional e às determinações do STF. Como calar diante disso? O futuro ministro da Justiça, como sempre, prefere fechar os olhos à lei. Todos nós sabemos que reina no consenso nacional o axioma de que “bandido deve ser morto”, como se fosse uma pura questão de herança genética.

As declarações do futuro ministro do Exterior ignoram os tratados internacionais, assinados pelo Brasil com valor jurídico e político. Convém olhar a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, assinada pelo Brasil e demais 57 países, em seu fundamentado Preâmbulo e nos artigos, especialmente os 6º e 7º. Ignorância também ao considerar a China como comunista. A China é um país capitalista com Estado forte e centralizado (capitalismo de Estado) e disputa com os Estados Unidos o mercado internacional. Que dizem os empresários agrícolas com a promessa de rompimento das relações comerciais com a China? Tanto o próximo ministro quanto o presidente eleito têm dito que não aceitarão o Acordo de Paris sobre o meio ambiente. O país conhecerá uma legislação liberal pela qual os empresários ruralistas desgastarão ainda mais a floresta e o meio ambiente. Esse será nosso destino. Que dizem os ambientalistas? Em Florianópolis, durante o VIII Encontro da Rede de Estudos Rurais, participei de uma mesa em que se demonstrava, com dados e números, o avanço dos proprietários com mais terra, e, entre eles, estavam estrangeiros, principalmente japoneses e chineses.

tária, limitando seu campo à modernização administrativa e pedagógica, de acordo com o modelo norte-americano. Contando com a assistência técnica e financeira da United States Agency for International Development (USAID), o Ministério da Educação começou a promover mudanças nas universidades federais que foram sendo difundidas para as demais” (Verbete do CPDOC).

O liberalismo econômico avança a passos largos. O futuro “superministro” da Economia, com apoio do mercado, de empresas nacionais e estrangeiras, afirma que vai privatizar quase todo o país. Para isso, tem apoio de uma concepção reinante de que, no Brasil, o Estado, e por Estado considera os governos, está em tudo. E tem igualmente o apoio dos representantes eleitos do povo e de seus eleitores, os quais enxergam o funcionário público como parasita e sugador do dinheiro dos governos federal, estaduais e municipais.

Como reagirá a classe média com ainda mais altos valores cobrados dos planos de saúde, das viagens internacionais, do preço da Infraero, de produtos exportados e das universidades? E o que dirá da compra parcelada de imóvel residencial e do carro? Pagará por tudo isso? Ou vai colocar seus filhos em outros países europeus e nos Estados Unidos? Continuará sonhando em ser a classe dominante, econômica e ideologicamente, mesmo que ignorada e menosprezada por ela? E o que dirá o povão, como é assim denominado, com a privatização da saúde , das escolas e das universidades? Continuará longe de um plano de saúde?

O sonho de uma educação superior tornar-se-á inacessível às classes populares. Mas, como já frequentam escolas públicas, nada sentirão e continuarão imaginando com um emprego? A minoria que busca universidades que se ‘vire’? A maioria dos brasileiros jovens de hoje aceitará uma aposentadoria, quando estiver sem força física e andando curvado? Sem a menor dúvida, o fosso, já existente, entre os pouquíssimos que ganham muito bem e os pobres aumentará consideravelmente, segundo as previsões. baseadas em dados de economistas, cientistas políticos e sociólogos.

O futuro ministro da Educação, escolhido por um filósofo com apoio da bancada evangélica, além de disparates contra o marxismo, revela um vulgarismo, ignorando uma séria leitura de Marx, um dos mais célebres economistas universais. Será que ele já leu “O Capital”, as ditas obras políticas de Marx sobre a França bonapartista? Lembro que, no Brasil, um dos leitores, longe de ser um apologista do marxismo, é o ex-ministro Delfim Netto. Economistas sérios e competentes da direita leem Marx. A escola sem partido, divulgada como um avanço tecnológico, e também aceita por determinadas camadas sociais, além de vir do governo Temer, conduz a uma alienação presente e futura e um despeito absoluto à diversidade reinante no mundo e no Brasil. Copiamos os Estados Unidos em tudo, inclusive na alienação escolar. Voltamos à época daquela frase dita por Juraci Magalhães: “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o Brasil”? Como melhorar o ensino sem pagar melhores salários aos professores e sem garantir uma aposentadoria digna? Ou eles continuarão, somente no período eleitoral, a ser heróis, sacerdotes da educação? O futuro governo Bolsonaro ameaça realizar várias reformas, entre elas a da educação. É bom lembrar o que escreveu o educador Luis Antonio Cunha sobre a reforma de ensino, durante a ditadura militar: “Após o movimento político-militar de 1964, o Estado assumiu a bandeira da reforma universiSociólogo

Em relação às eleições, merece também uma distinção interna entre TVs, rádios e jornais, pois, se, no geral, todos apoiaram direta ou indiretamente Bolsonaro, alguns jornalistas caminharam em direção oposta.

Em nenhum momento da campanha, nem posterior a ela, ouvi dos bolsonaristas preocupação com a democracia. Isso é tema da esquerda, diziam e continuam afirmando.

O governo Bolsonaro não repetirá a ditadura militar de 1964, nem como farsa. Teremos, sim, uma nova forma de governo autoritário.

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e servidor público federal aposentado.

Opinião

O Jornalismo Gonzo E A Invisibilidade Do Tema Na Academia

Por Ligia Coeli Silva Rodrigues

Foi em 2009, quando saí correndo para tocar o ombro da professora que caminhava rápido no corredor da universidade, para, depois de tomar fôlego, fazer uma pergunta nervosa: “a senhora poderia ser minha orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso? Vou estudar Jornalismo Gonzo”. Ao que ela responde rindo: “Minha filha, vá estudar algo que exista”. Defendi a monografia. Dois anos e meio depois, o Gonzo foi tema da minha dissertação no mestrado de Literatura e Interculturalidade. Em uma pesquisa rápida no banco de teses e dissertações da Capes, é possível checar pelo menos oito trabalhos que citam a expressão “Gonzo” logo no título, todas tendo o campo da Comunicação como alvo. O número é maior quando expandimos a busca usando “Jornalismo Gonzo” como termo-chave.

O Jornalismo Gonzo (uma modalidade de escrita difundida a partir da década de 60 e na qual há a mistura dos gêneros literário e jornalístico) não só existe como já foi alvo de estudos acadêmicos na Paraíba, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais e em São Paulo. Ele não apenas existe, como pode ser fôlego e inspiração para mudar drasticamente as “fórmulas” como nós, professores e professoras, usamos para ensinar a fazer reportagens. A imersão, a presença e a tentativa de descrever o máximo de detalhes eram princípios de Hunter Thompson, o polêmico jornalista americano que virou sinônimo do Gonzo. Ele adotava a técnica da imersão como uma das principais bússolas comportamentais exigidas a essa nova categoria de escrita, algo que difere tão fortemente nas práticas contemporâneas de apuração, muitas vezes feitas apressadamente por WhatsApp ou telefone.

Se não tivesse cometido suicídio em 2005, Thompson estaria acompanhando as atuais tentativas de usar tecnologia para otimizar imersão e a experiência nas formas de produzir e consumir notícias:

aplicativos, reportagens multiplataformas, a urgência cada vez mais presente. Uma das exigências amplamente lembrada por ele era a de que “o escritor precisa participar da cena enquanto escreve sobre ela” (THOMPSON, 2004, p.47). Essa frase nos leva a refletir bastante nas pesquisas que fazemos atualmente sobre Jornalismo Imersivo. É que, antes da tecnologia, dos óculos de realidade virtual e imagens em 360 graus, precisamos lembrar a todo tempo como o “alcançar o real” e descrevê-lo é desafiador para os jornalistas. Quem nos convida a boas discussões sobre isso é Cremilda Medina (2003, p. 35) ao citar a “pedagogia de um novo jornalismo” como um passo para a recuperação do prazer e o desejo solidário de descobrir histórias. Dicas preciosas para os jornalistas que precisam vencer o que ela chama de “alergia do diálogo dos afetos”, que acaba sendo uma “das causas do analfabetismo emocional contemporâneo” (MEDINA, 2003, p. 60).

Trazer essas discussões para as redações e fazê-las chegar às práticas jornalísticas não será tarefa fácil enquanto elas não ocuparem também as salas de aula. À semelhança do que aconteceu muitas vezes ao New Journalism, o Jornalismo Gonzo também recebeu denominações pejorativas enquanto prática — o termo “gonzo”, no espanhol, pode adquirir o significado de “bobo”. Mas não é difícil perceber a diferença quanto à espécie de um respeito acadêmico que foi adquirido para um e outro tema. A expressão Novo Jornalismo, mesmo com dificuldade, consegue espaços nas salas de aula e ganharia força a nível acadêmico (enquanto módulo inserido nas escolas de comunicação), recebendo tópicos de discussão e, enquanto prática, a partir do ano de 1965, quando o jornalista Seymour Krim foi chamado para escrever um artigo sobre o tema. Apesar dos esforços para um e outro lado, assistimos a um apagamento da importância de se debater esses temas.

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No ano de 2005, Tom Wolfe esteve no Brasil, durante a Bienal Internacional do Livro, no Rio de Janeiro. Enquanto escritores recém-lançados na época, como Jean Willys (jornalista, professor universitário e político brasileiro) conseguiram público máximo no evento, a palestra de Wolfe recebia atenção restrita. Segundo narrou Felipe Pena, “a recepção para a estrela do evento foi apática, fria mesmo. O público preferiu celebridades literárias instantâneas e, para o fundador do Jornalismo Literário contemporâneo, sobrou a admiração de um pequeno grupo de fãs, além da reverência dos editores brasileiros” (PENA, 2008, p. 51).

Esse comportamento ilustra como ainda é frágil o direcionamento de atenção para o tema, como ainda existe um tipo de opacidade diante do entendimento da importância das transformações sofridas pelo discurso jornalístico, que se divide entre a resistência dos relatos marcados pelo tecnicismo ou pelo experimentalismo que é recebido com estranheza, experiências tidas como desnecessárias. Nesse caminho nada fácil de tentar implementar diálogos sobre a proposta Gonzo, o New Journalism é uma parada obrigatória para reavivar no leitor-pesquisador uma curiosidade maior quanto ao conceito que nos faz um convite: repensar padrões.

No primeiro capítulo de Medo e Delírio em Las Vegas (2005), Hunter Thompson diz que a sua técnica consiste em “fazer tudo na hora: puro jornalismo gonzo” (THOMPSON, 2005, p. 18). Talvez por essa razão os textos dele tenham sido colocados em definições pejorativas, como puramente ficcionais, o que talvez represente mais um entrave quanto à inserção do gênero na Academia enquanto prática jornalística. As presenças dessas marcas estilísticas aproximam a escrita de Thompson do estilo literário da ficção, e, segundo defendia o autor, “isso não significa dizer que a ficção seja necessariamente ‘mais verdadeira’ que o jornalismo — ou vice-versa — mas que tanto ‘ficção’ quanto ‘jornalismo’ são categorias artificiais. As duas formas, em seus melhores momentos, são apenas dois meios diferentes para alcançar o mesmo fim” (THOMPSON, 2004, p. 46).

Se não como forma hegemônica (o que não é defendido aqui), mas ao menos como possibilidade narrativa, o Jornalismo

Gonzo pode operar como um ilustrador da tomada de consciência da impossibilidade de se alcançar a narrativa do “real” tomando como base apenas e unicamente a objetividade. O ato de narrar não deveria tornar-se mecânico, sendo apenas uma ação rápida em resposta à expectativa de um leitor que o/a jornalista não conhece. O Gonzo ensina que os fatos podem “render” (utilizando o jargão da área jornalística) algo que transcenda a capacidade de noticiar através de uma matéria fincada em um canto de página de jornal e fortemente marcada pela transitoriedade. A provocação deixada por Thompson nos faz pensar numa possível relação de respeito a um hibridismo antigo, mas que ainda tem muito a ser explorado: jornalismo e literatura.

Referências

MEDINA, Cremilda. A Arte de Tecer o Presente: narrativa e Cotidiano, 2ª Ed, São Paulo, Summus, 2003.

PENA, Felipe. Jornalismo Literário. São Paulo, Contexto, 2008.

THOMPSON, Hunter. A Grande Caçada aos Tubarões: histórias estranhas de um tempo estranho. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2004.

________. Hell’s Angels: medo e delírio sobre duas rodas. São Paulo: Editora Conrad, 2004.

________. Medo e Delírio em Las Vegas: uma jornada selvagem ao coração do Sonho Americano. São Paulo: Conrad Editora do Brasil, 2005.

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Opinião

Agroecologia Política: imperativo para o século XXI

PorFrancisco Roberto Caporal

AAgroecologia como uma nova ciência, nascida na América Latina nos anos 1970, vem se mostrando como um potente enfoque teórico capaz de apoiar processos de transição das agriculturas e dos sistemas agroalimentares insustentáveis, de natureza industrial e dominados pelo mercado capitalista, para a direção de sistemas mais sustentáveis e mais de acordo com os ideais de sustentabilidade e os princípios da segurança e da soberania alimentar. Como destacou o colega Gliessman, recentemente, a Agroecologia nos oferece um conjunto de técnicas e metodologias que permitem “o redesenho dos sistemas agroalimentares do campo à mesa”.

Do ponto de vista prático, temos observado avanços significativos das diferentes experiências agroecológicas tanto no mundo, como na América Latina, mas, particularmente no Brasil, onde elas se espalham pelas diferentes regiões do nosso imenso território, respondendo às características dos diferentes agroecossistemas e sistemas culturais dos grupos sociais implicados. Muitos esforços têm sido realizados para sistematizar e dar visibilidade a essas experiências; no entanto, ainda estamos longe de cumprir com essa tarefa.

Não obstante, tem-se observado que milhares de experiências, em geral, se mantêm localizadas, em nível de unidade de produção ou, em poucos casos, abrangendo comunidades rurais ou territórios. Isso se deve, em minha opinião, principalmente, a três questões: por um lado, a necessidade de ampliar a consciência e a abrangência de produtores e consumidores sobre os impactos socioambientais gerados pelo modo atual de produção, distribuição e consumo. Por outro lado, é cada vez mais evidente a carência absoluta, ou profundos retrocessos que têm ocorrido nas poucas políticas públicas de apoio à transição agroecológica em nosso país. Em terceiro lugar, observa-se, ainda, a ilusão de que só com a adoção continuada de inovações tecnológicas se conseguirá chegar a uma agricultura sustentável. Essa é uma falsa ideia, na medida em que os processos de transição não dependem

somente de tecnologias, mas requerem importantes mudanças sociais, econômicas e institucionais. O que no âmbito do estado se traduz, também, em políticas públicas.

Também se observa, que do ponto de vista tecnológico, técnicos e agricultores mostram domínio crescente das técnicas e formas de manejo capazes de contribuir para o desenho de agroecossistemas mais sustentáveis ou mesmo para o desenvolvimento de estratégias de comercialização mais sustentáveis do ponto de vista do consumo de matéria e energia e, portanto, mais sustentáveis socioambientalmente, como podem ser os diferentes tipos de circuitos curtos de comercialização.

O acima exposto indica que o “escalonamento” das experiências agroecológicas já não depende, propriamente, de conhecimentos técnicos, científicos ou populares, mas está sendo obstaculizado pela carência de um arsenal apropriado de conhecimentos e instituições, capazes de ajudar na compreensão e análise dos elementos de insustentabilidade dos atuais modelos hegemônicos de agricultura industrial e sistemas agroalimentares oligopolizados, cuja superação não ocorrerá pelo voluntarismo de práticas individuais, senão que depende, fundamentalmente, de ação social coletiva.

Daí, a necessidade imperativa de uma Agroecologia Política (AP), que, como campo de estudos do âmbito da Agroecologia, seja capaz de promover um entrelaçamento decisivo entre Agroecologia e Política, ou seja, a necessidade de uma agroecopolítica, que ponha luz sobre a realidade das crises socioambientais e contribua na direção das lutas sociopolíticas que necessitam ocorrer no ambiente institucional.

A Agroecologia Política, assim como sua irmã, a Ecologia Política, se sustenta em dois pilares indissociáveis: os marcos cognitivos (conhecimento, ideologia) e marcos institucionais (regras, normas, políticas públicas) que deveriam orientar as condutas e as escolhas individuais e coletivas. Por um lado, a AP se propõe a oferecer uma ideologia (no

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melhor sentido da palavra), ou seja, um conjunto de conhecimentos que possam iluminar caminhos em direção à sustentabilidade, isso é, examinar a partir da análise ecológica os atuais modelos de agriculturas industriais e os sistemas agroalimentares dominantes, mostrando seus elementos de insustentabilidade. Por outro, oferece um programa de normas, regras e de reformas institucionais de estímulo à transição agroecológica. E não se trata de um receituário. Aqui, estamos falando de políticas públicas, taxas ambientais do tipo poluidor-pagador, impostos verdes, isenção de impostos para alimentos ecológicos, sobretaxa a produtos quilométricos, sobretaxas a produtos químicos contaminantes (agrotóxicos, fertilizantes químicos), impostos sobre a emissão de gases de efeito estufa, estímulos à captação de carbono, pagamentos por serviços ambientais e/ou proteção da paisagem, assim como uma infinidade de possibilidades que vêm sendo implementadas em diferentes lugares.

Obviamente, no primeiro caso, os avanços na produção dos conhecimentos que orientem as decisões individuais e coletivas (de produtores e consumidores) podem ocorrer em âmbitos mais restritos, desde laboratórios a grupos de produção e consumo. Não obstante, o segundo caso depende de ação social coletiva, o que nos remete diretamente para o campo da política, que é a disciplina ou o campo das relações sociais que se ocupa das inter-relações e dos arranjos institucionais que podem ser capazes de potencializar (ou não) processos de transição agroecológica.

Desse modo, quanto mais ampla e abrangente for a escala em que ocorrem os processos de transição agroecológica, mais e mais eles dependem da política. Assim, em nível de unidade de produção, como vimos antes, a transição poderia ocorrer a partir da tomada de consciência individual ou familiar sobre a necessidade de mudanças no processo produtivo e, a partir daí, se lançaria mão do arsenal disponível de técnicas e formas de manejo capazes de levar a produção da direção de mais sustentabilidade, a partir do redesenho dos agroecossistemas de acordo com as condições ecológicas e socioeconômicas locais. Do mesmo modo, a partir desse nível de consciência sobre a necessidade de mudanças, consumidores poderiam fazer suas eleições por formas de apoio aos produtores de alimentos ecológicos, por privilegiar os mercados de proximidade, ou produtos de época, etc, e também eles esta -

riam contribuindo para mais sustentabilidade. Ambos os casos já estão ocorrendo no mundo todo.

Entretanto, à medida que a transição amplia sua escala, em nível de comunidade, microbacias, territórios, municípios, estados, nação ou planeta, passam a emergir novas propriedades para as quais as respostas dependem da ação coletiva e do poder político que cada grupo social ou movimento agroecológico possa ter para defender seus interesses, em diferentes arenas de disputa. Reforçando: estamos falando de política, de relações de poder.

Nesse sentido, recolocar o processo de coevolução socioecológica nos seus trilhos da sustentabilidade não é tarefa apenas individual ou de pequenos grupos comunitários de produtores e consumidores, senão que depende de maiorias sociais, de força política sem a qual não será possível avançar na direção da sustentabilidade da agricultura e dos sistemas agroalimentares, por mais que tenhamos um arsenal técnico e metodológico adequado. Cabe enfatizar, não seremos somente nós, acadêmicos, técnicos e agricultores suficientes para impulsionar esses processos de transição em escalas mais amplas. Ou teremos a participação ativa de maiorias da cidadania (uma politização do consumo) ou os processos de transição agroecológica serão condenados a permanecer como periféricos, invisibilizados, restritos a guetos e a nichos de produção e consumo de alimentos sadios que não geram as transformações necessárias no sistema capitalista organizador da agricultura e dos sistemas agroalimentares. Por isso, a Agroecologia Política se tornou um imperativo para apoiar a transição agroecológica, ainda possível, no século XXI.

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 19
O autor é professor da UFRPE e membro do Núcleo de Agroecologia e Campesinato – NAC/UFRPE.

Opinião

A importância sociocultural da cantoria de viola

Por Rômulo Almeida

Acantoria de viola é uma das principais expressões culturais do Nordeste brasileiro, em especial do Sertão do Pajeú pernambucano e dos Cariris Velhos da Paraíba. Entre os municípios que mais se destacam pelo acentuado número de poetas, cantadores e repentistas, estão: Itapetim, São José de Egito, Teixeira, Monteiro, Sumé, Tabira, Tuparetama, Afogados da Ingazeira, Triunfo, Sertânia e Arcoverde. Não obstante o aspecto regional, a cantoria envolve um conjunto mais amplo de cidades e ocorre em diferentes épocas do ano. Com isso, ela exerce papel basilar nos processos sociais de identificação, pertencimento e preservação da memória coletiva entre as gerações. A cantoria de viola é considerada a forma mais antiga da poesia de improviso no Nordeste do Brasil, denominada tradicionalmente de “cantoria de pé-de-parede”. O termo se refere ao modo como os artistas costumam se apresentar, sentados em dois tamboretes, encostados na parede. No meio rural, as cantorias aconteciam por ocasião de casamentos, batizados e festas de aniversário. Nas cidades pequenas, ocorriam em feiras e em bares, de maneira menos acertada do que nas festas familiares (SOUZA, K., 2009). Segundo Cascudo (2005, 2012), a cantoria pode ser definida como uma disputa poética cantada, cuja forma mais famosa é o desafio entre cantadores do Nordeste brasileiro, tendo inicialmente seus melhores e maiores motivos no ciclo do gado e no ciclo dos cangaceiros. Consiste, em seu formato poético, “no desempenho entre dois cantadores que se alternam numa luta versejada, açoitando ou completando um ao outro” (SOUZA, K., 2009, p.4). De modo genérico, é possível caracterizá-la como uma ramificação da literatura oral que obedece a uma complexa estrutura silábica na construção de estrofes rimadas no improviso. Tal fato associa a cantoria aos tempos remotos da antiguidade ocidental, quando a literatura, predominantemente oral e baseada no ensinamento dos deuses, reconstruía as ações mitológicas dos heróis (ARAÚJO, 1973; NERY, 1992; SOUZA, R., 1987; SOUZA, K., 2009). Relatos desse tipo podem ser encontrados nos poetas clássicos, especialmente em Homero, Teócrito, Virgílio, Horácio e Hesíodo. Sabe-se que o desafio poético de improviso existiu na Grécia como uma disputa entre pastores, chamado pelos romanos de amoeboeum carmen, ou simplesmente “canto amebeu”. Na Idade Média, houve o tenson, que sig-

nificava “disputa”, “combate” ou “batalha poética” entre menestréis, guardando semelhanças com o desafio da cantoria nordestina. Através da Península Castelhana, o gênero atingiria os provençais do sul da França, seguindo para a Espanha e Portugal, reencontrando as fontes onde nasceram alguns dos motivos melódicos e imaginativos de seu próprio estilo (CASCUDO, 2005). No Nordeste brasileiro, a cantoria de viola surge mediante o desenvolvimento populacional, acompanhando o processo de colonização. Muitos são os escritos encontrados pelos Sertões afora de poesias lusitanas, que seriam reproduzidas e vivenciadas pelos poetas sertanejos. Uma grande quantidade de histórias foi e é contada, recontada ou recriada em forma de Literatura de Cordel, com ênfase para a história da “Imperatriz Porcina”, o cordel “Zezinho e Mariquinha” e a história francesa do “Imperador Carlos Magno”. Outro aspecto relevante é a importância da linhagem familiar dos poetas e cantadores, cujos membros conservaram e levaram adiante o interesse pela cantoria. Nos Sertões de Pernambuco e da Paraíba, os poetas apontados como os “pais da poesia popular” eram descendentes de um certo João Nunes da Costa, sefardim (cristão-novo) vindo da Península Ibérica nas primeiras décadas do século XVIII. Seu neto, Agostinho Nunes da Costa Filho – o Glosador, é apontado como o primeiro poeta repentista que se tem notícia no Nordeste, por isso mesmo considerado o “pai da poesia popular nordestina” (COSTA; PASSOS, 2013). Seus filhos, Nicodemos Nunes da Costa, Nincandro Nunes da Costa e Ugolino Nunes da Costa, fizeram parte de uma poderosa geração de poetas. Além destes, vale referenciar os seguintes: Francisco Romano, Inácio da Catingueira, Silvino Pirauá Lima, Fabião das Queimadas, Zé Limeira, Manuel Leopoldino Serrador, Bernardo Nogueira, Jerônimo do Junqueiro, Preto Limão, José Galdino da Silva Duda e Aderaldo Ferreira de Araújo.

É interessante notar que a região do “Alto Sertão do Pajeú” pernambucano e alguns municípios paraibanos adjacentes, a exemplo de Teixeira, nascedouro dos primeiros cantadores, e Monteiro, terra do famoso cantador Severino Pinto, concentram historicamente uma excepcional quantidade de poetas. Em Pernambuco, dentre os municípios mais conhecidos por sua verve poética estão: Itapetim e São José do Egito, respectivamente o “ventre” e o “berço” dos grandes cantadores e repentistas. Não sendo possível mencionar todos, pois

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centenas, faz-se necessário selecionar alguns. Por aí nasceram, viveram ou adotaram o Pajeú como morada, os célebres Irmãos Batista (Lourival, Dimas e Otacílio, trinetos de Agostinho Nunes da Costa Filho – o Glosador), Job Patriota, Antônio Marinho, Zé Catota, Pedro Amorim e o poeta e jornalista Rogaciano Bezerra Leite, autor do aclamado poema “Os trabalhadores”, traduzido para vinte e seis idiomas (Ao lado do escritor Ariano Suassuna, Rogaciano Leite chegou a idealizar o 1º Congresso Regional de Cantadores de Viola, realizado no Recife, em 1948, no Teatro de Santa Isabel. A partir daí, os salões aristocráticos começavam aos poucos a abrir suas portas aos cantadores. Sua atuação, portanto, não apenas o lança como influente poeta, mas o insere no rol dos grandes incentivadores da cultura popular). Outros poetas, embora menos conhecidos, gozam de muito prestígio pela população local. Numa lista bem mais longa, só na comunidade itapetinense, entre os cantadores vivos e falecidos, destacam-se: Valdir Correia, Fernando Emídio, Zequinha Rangel, Dorgival Ferreira, Sebastião Paes, Mário Lopes, João Cordeiro, Inácio Augusto, Jotinha Rangel, Antônio Arcanjo e Vital Leite, poeta e patriarca de uma extensa linhagem de cantadores, na qual se inclui Antônio de Vital, Zezito de Vital, Jacinto de Vital, Adalberto de Vital e João de Vital.

A cantoria também possui ferramentas e regras próprias. Além da palavra improvisada, a viola é o instrumento fundamental do cantador. No arranhar das cordas da viola, o grito do cantador é sonorizado, criando condições necessárias para o desenrolar do ritual poético. Do mesmo modo, o cantador deve estar ciente de todo um conjunto de técnicas, códigos e táticas. Ao contrário do que se pensa, não é fácil ter amplas noções de regras, já que elas envolvem detalhes minuciosos de rima, toada, estilos, estribilhos e assuntos que um poeta deve ter conhecimento. Isso inclui o comportamento do público, em especial a maneira como ovacionam os poetas e dirigem-lhes os “motes”. Na nomenclatura da cantoria, é chamado de “mote” o final do verso, obrigando o cantador a construir toda a rima para encaixar no desfecho. São oferecidos pelo público intimamente conhecedor, denominado de “apologista”. Assim, os cantadores vão se assenhorando de um conhecimento que, transmitido pelos mais velhos, pode ser repassado para as futuras gerações, cuja memória contribui para determinar o controle do saber e desenvolver um sentimento de identidade (SOUZA, K., 2009, 2012).

Hoje, porém, as antigas cantorias de pé-de-parede são eventos raros. A migração nordestina para o centro-sul em meados do século passado, o êxodo rural para as metrópoles regionais e a profissionalização do cantador contribuíram para a menor regularidade desse fenômeno. Nos últimos cinquenta anos, a cantoria se urbanizou, reorganizando e ampliando a visibilidade

social dos cantadores profissionais, que exercem a arte do repente como único modo de sobrevivência. Atualmente os verdadeiros circuitos de atuação do cantador são os “congressos”. Diferente da cantoria, o congresso reflete a atividade do poeta como profissional nos centros urbanos, com apresentação de dezenas de duplas que “pelejam” entre si o primeiro lugar na classificação do júri. Desde o surgimento do circuito nacional de congressos, alguns cantadores assumiram a cena principal: Ivanildo Vilanova, Geraldo Amâncio, Moacir Laurentino, Antônio Lisboa, Edmilson Ferreira, João Furiba, João Paraibano, Nonato Costa, Raimundo Nonato, Raimundo Caetano, Rogério Menezes, Raulino Silva, Sebastião da Silva, Sebastião Dias, Valdir Teles, Severino Feitosa e muitos outros. Os congressos ocorrem durante todo o ano, e em diversas regiões do país, sobretudo no Recife, em Campina Grande, Fortaleza, Brasília e São Paulo, reavivando ainda mais a tradição do repente (SOUZA, K., 2009, 2012).

Referências

ARAÚJO, Alceu Maynard. Cultura Popular Brasileira. São Paulo: Edições Melhoramentos, 1973. CASCUDO, Luís da Câmara. Vaqueiros e Cantadores. São Paulo: Global, 2005.

______. Dicionário do Folclore Brasileiro. 12. ed. São Paulo: Global, 2012.

COSTA, Marcos Roberto Nunes; PASSOS, Saulo Estêvão da Silva. Itapetim: ventre imortal da poesia. 2. ed. Recife: Ed. do Autor, 2013. (Coleção Tempo Municipal).

NERY, Frederico José de Santa-Anna. Folclore Brasileiro: poesia popular – contos e lendas – fábulas e mitos – poesia, música, danças e crenças dos índios. 2. ed. Recife: Fundaj, Editora Massangana: 1992.

SOUZA, Roberto Acízelo de. Teoria da Literatura. 2ª ed. São Paulo: Editora Ática, 1987. (Série Princípios).

SOUZA, K. C. A. Poesia, Passado e Tradição: o saber das gerações. In: XIV Congresso Brasileiro de Sociologia, 2009, Rio de Janeiro. XIV Congresso Brasileiro de Sociologia. Sociologia: Consensos e Controvérsias, 28 a 31 de Julho de 2009 - Rio de Janeiro - RJ, 2009. p. 02-20.

______. A poesia de repente improvisa o passado: narrativa, memória e identidade. In: VON ZUBEN, Marcos de Camargo et al (Orgs.). Sujeitos, Saberes e Práticas Sociais. Mossoró: UERN, 2012.

Rômulo Almeida é sociólogo e mestre em Sociologia pela UFPE.

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Opinião

Os pesticidas: poderosa cadeia mundial de venenos

Aartificialização da agricultura pelo crescente uso de insumos de origem industrial, a agroindustrialização dos alimentos, a padronização mundial dos hábitos alimentares da população e a manipulação industrial para a oferta de alimentos com sabores, odores e aparências similares aos naturais, inclusive com o uso abusivo de drogas como os antibióticos para as aves, entre outros, aliados ao aumento da oligopolização dos controles corporativos das cadeias produtivas alimentares, nos indicam, entre outros fatores, que, inversamente à construção de uma soberania alimentar, se caminha para uma tirania da dieta alimentar, homogeneizada e manipulada, em busca apenas de altos lucros para as grandes corporações agroindustriais(1).

Um número importante da Revista Pesquisa (2), da Fapesp, afirma que a venda de agrotóxicos, dos quais o Brasil é um grande consumidor, movimenta em torno de US$ 10 bilhões por ano, o que representa 20% do mercado global, estimado em US$ 50 bilhões. No ano de 2017, os agricultores brasileiros usaram 540 mil toneladas de agrotóxicos, um aumento de 50% a mais se comparado a 2010. Outro dado relevante na reportagem informa que o aumento dos pesticidas está relacionado ao crescimento da safra agrícola, que foi ampliada de 149 milhões de toneladas em 2010 para 238 milhões em 2017, o que faz expandir no País a monocultura, que altera o equilíbrio do ecossistema e dos biomas, afetando a biodiversidade e contribuindo para o desmatamento, que estimula o surgimento de pragas e doenças e que expulsa os camponeses da terra.

Os efeitos sobre os seres humanos e não humanos é devastador. O Relatório Nacional de Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos de 2018, realizado pelo Ministério da Saúde, aponta que a exposição de trabalhadores rurais aos pesticidas tem aumentado o risco de câncer, distúrbios hormonais e malformações gestacionais. Mas também os lençóis freáticos são contaminados e os alimentos consumidos por todos, o que torna o caso ainda mais grave.

E o risco de intoxicação não se restringe apenas aos trabalhadores rurais e seus familiares: utilizados incorretamente, os agrotóxicos contaminam a comida que vai para mesas de todo o País. Para quantificar esse problema e alertar a população, em 2001 a Anvisa iniciou o Programa de Análise de Resíduos de Agrotóxicos em Alimentos, que buscava identificar o excesso de químicos nos alimentos e o uso de agrotóxicos em culturas para as quais eles não são indicados. A avaliação de 2007 indicou que 45%

das amostras de tomate, 43% das de morango e 40% das de alface apresentavam situação insatisfatória quanto à presença desses produtos (3).

Há um agravante na questão dos pesticidas: muitos dos “defensivos” vetados em outros países do mundo são utilizados e legalizados no Brasil. A União Europeia proíbe 30% dos agrotóxicos usados no Brasil, sobretudo os inseticidas atrazina e acefato, duas das substâncias mais consumidas em nosso território (4).

Um estudo promovido pela organização Iniciativa Nacional para a Conservação da Anta Brasileira (Incab/ IPÊ) “alerta que a espécie, as comunidades humanas e o meio ambiente correm riscos nas áreas próximas a lavouras agrícolas do Mato Grosso do Sul”. Foi detectado, recentemente, no Rio Grande do Sul que produtores de uvas, maças e mel têm suas colheitas afetadas por pesticidas aplicadas na soja que fica no entorno dessas propriedades.

O Brasil é líder mundial no consumo de agrotóxicos e muitos dos agentes químicos utilizados em lavouras brasileiras estão banidos em outros países devido aos riscos para a saúde humana. A pesquisa inédita aponta que a saúde da fauna silvestre também corre riscos. As antas do Cerrado, bioma localizado no epicentro do desenvolvimento agrícola do País, também estão com a saúde altamente comprometida pela exposição aos agrotóxicos no estado. Entre 2015 e 2017, pesquisadores da Incab coletaram centenas de amostras biológicas de 116 antas capturadas em armadilhas (para a instalação de colares de telemetria por satélite para monitoramento) ou de carcaças de antas mortas por atropelamento em rodovias de sete municípios do MS. As amostras foram avaliadas no Centro de Assistência Toxicológica (Ceatox) da Unesp Botucatu (SP), referência nacional para estudos de toxicologia. Mais de 40% das amostras avaliadas estavam contaminadas com resíduos de produtos tóxicos, incluindo inseticidas organofosforados, piretroides, carbamatos e metais pesados. Dizem os pesquisadores: “Os resultados provenientes da análise de amostras biológicas de antas nos fizeram pensar de forma mais ampla sobre a problemática do uso indiscriminado de agrotóxicos no Cerrado. Aparentemente, encontramos uma conexão bastante clara entre a pulverização aérea, a cana-de-açúcar, os inseticidas e a contaminação ambiental. Nesse caso, a anta está servindo como ‘espécie sentinela’, capaz de demonstrar os riscos presentes no meio ambiente, onde outras espécies da fauna, animais domésticos e comunidades rurais vivem”. Em 2017, foram realizadas pesquisas em frutas, verduras e legumes comercializados nos centros de abaste-

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cimento de São Paulo e Brasília, revelando a presença de resíduos de pesticidas nesses alimentos. Das 50 amostras testadas, 13 indicavam pesticidas não permitidos para essas culturas e 15 tinham mais de um tipo de veneno.

Para a geógrafa da USP Larissa Mies Bombardi, outra questão importante sobre o assunto é que a legislação brasileira é permissiva com relação ao Limite Máximo de Resíduos (LMR), de agrotóxicos nos alimentos e na água. Pois bem, o glifosato usado na soja brasileira é 200 vezes superior ao limite que foi estabelecido na União Europeia. E na água potável é muito superior: 5 mil vezes mais.

Para concluir, é importante apontar o grau de monopólio no setor dos pesticidas, apontado em relatório apresentado pela IPES FOOD e etc Group, em 2017.

Vale dizer que a indústria de sementes está inteiramente vinculada às maiores companhias mundiais de agroquímicos. Seis firmas atualmente controlam 60% do mercado mundial de sementes e 75% do mercado global de pesticidas. Em 2017, fusões e aquisições propostas entre as já gigantes corporações aconteceram e apenas três companhias irão controlar a maior parcela dos 100 bilhões de dólares que envolvem o setor de pesticidas no mundo (5).

Portanto, algo precisa ser feito urgentemente, pois esses conglomerados do sistema industrial de alimentos são responsáveis pela extensão dos impactos ambientais, tais como a redução do número de polinizadores, do crescimento dos gases de efeito estufa e da erosão da diversidade genética, sem falar do esgotamento dos mananciais de água e da expulsão sistemática dos camponeses para as cidades.

Notas

1 - João Pedro Stedile e Horacio Martins de Carvalho (2010), Soberania alimentar: uma necessidade dos povos. http://www.reformaagrariaemdados. org.br/biblioteca/artigo-e-ensaio/soberaniaalimentar-uma-necessidade-dos-povos, acessada em 25/09/2018.

2 - Yuri Vasconcelos, (2018), “Agrotóxicos na Berlinda”, set/ano 19/nº 271, p.18-27.

3 - Anvisa, “Programa de análise de resíduos de agrotóxicos em alimentos 2007”, disponível em www. anvisa.gov.br/toxicologia/residuos/index.htm.

4 - Yuri Vasconcelos, (2018), op.cit p. 23.

5 - IPES FOOD e etc Group , 2017. To Big to Feed. O relatório completo está disponível em: http:// www.ipes-food.org/images/Reports/Concentration_ FullReport.pdf.

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Marcos Costa Lima é professor do Programa de PósGraduação em Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco.

Opinião

Os 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos

No último 10 de dezembro, os setenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos foram celebrados e, no Brasil, o progressivo enxugamento de direitos e garantias desde o golpe institucional sofrido pela ex-presidenta da República Dilma Rousseff traz mais motivos para preocupação que para comemoração da data.

A demonização dos Direitos Humanos a partir da ideia de que o Estado se torna protetor das minorias em detrimento dos interesses da coletividade reflete, no plano social, um discurso ideológico que esvazia o papel das instituições na promoção do desenvolvimento com equidade e da redução das desigualdades sociais.

Em outras palavras, ao serem reforçadas retóricas de intolerância que, em última análise, são reflexo histórico das tensões de classe e raça no país, também se dá espaço para deixar em segundo plano o papel do governo e das políticas públicas em usar o crescimento econômico como meio e não fim em si mesmo.

Nos dois últimos anos, o Brasil teve grandes retrocessos do ponto de vista institucional e normativo quanto aos marcos de tutela dos direitos sociais, difusos e coletivos, e 2018 era visto, em certa medida, como o ano em que o processo eleitoral traria a esperança de um novo momento histórico.

Essas expectativas foram desafiadas pela retirada do candidato e ex-presidente da República Luis Inácio Lula da Silva da competição, a despeito da medida cautelar concedida pela Comissão de Direitos Humanos da ONU, conforme discutimos em nossa última contribuição à

Revista Jornalismo e Cidadania.

Em 2018, a execução brutal da vereadora Marielle Franco e de seu motorista Anderson Nunes, sucedida pela quebra da placa em sua homenagem por Rodrigo Amorim e Daniel Silveira – políticos do PSL, partido de Jair Bolsonaro, (re)eleitos este ano –, foram o epicentro da intervenção federal no Rio de Janeiro e da naturalização do discurso pró-militarização e de guerra às drogas como as melhores estratégias de enfrentamento à violência.

Do ponto de vista da infraestrutura institucional, as mudanças recentes também prenunciam os retrocessos que vêm ganhando espaço. Em meados deste ano, e como consequência do desmantelamento da estrutura de proteção social, Michel Temer transferiu por decreto a Secretaria Nacional de Políticas para Mulheres e o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher para o Ministério dos Direitos Humanos, quando a pasta ocupava um ministério próprio no governo Dilma Rousseff.

O Executivo federal que se anuncia a partir da eleição de Jair Bolsonaro, por sua vez, substitui essa estrutura por um Ministério da Família, da Mulher e dos Direitos Humanos, liderado por uma pastora e ex-assessora jurídica da bancada evangélica, a qual encabeçava uma campanha nacional contra o atual Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), em curso desde 2009. As declarações da ministra se dividem entre promissores compromissos com a proteção às mulheres ribeirinhas e entrevistas sobre a maternidade como maior missão da mulher e a sociedade ideal onde esta deveria ser sustentada pelo marido.

Por sua vez, o Über-Ministro da

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Fazenda, Paulo Guedes, vem anunciando a continuidade do projeto posto em marcha por Michel Temer de dilapidação dos ativos naturais e industriais nacionais, associado à reforma da Previdência e à exacerbação da precarização das relações de trabalho.

Em se tratando de minorias raciais e éticas, máximas contra as comunidades quilombolas e indígenas antes e durante o período eleitoral se traduziram no anúncio de diretivas no sentido de, por exemplo, pôr em xeque a política indigenista do não contato, executada pela FUNAI nos últimos trinta anos, ou alienar as áreas de reserva quilombolas.

Outra reflexão importante diz respeito à marginalização dos movimentos sociais, notadamente no que tange às organizações que lutam pelo direito a terra e à moradia. O ano que se conclui registrou diversos episódios de invasão de ocupações de moradores de rua e de acampamentos do MST, incluindo o recente assassinato de dois líderes na Paraíba, mas também foi marcado pela truculência em intervenções da Polícia Militar, que levaram, por exemplo, ao assassinato do militante da Unegro Milton Expedito do Nascimento, “Dinho”.

Esse cenário reflete-se, em termos do que se anuncia, na possível criminalização dos movimentos sociais, com a prometida inserção de artigos destinados a combater sua atuação na Lei Antiterrorismo, conforme foi prometido pela futura administração Bolsonaro, e vai ao encontro do desarquivamento do projeto que visa ao endurecimento da norma, tramitando no Senado, este ano.

No entanto, o momento serve, também, para lembrar as potencialidades que podem advir de um cenário de retrocesso político e social. Se, por um lado, o processo eleitoral reafirmou a importância dos movimentos sociais na resistência à supressão dos Direitos Humanos, por outro salientou que a sociedade tem potencial agregador e mobili -

zador, independentemente do matiz partidário ou ideológico de enfrentamento à extrema direita.

O movimento “#Elenão”, por exemplo, protagonizou mulheres no Brasil e no mundo contra o discurso machista e homofóbico do então candidato Jair Bolsonaro e seu substrato ideológico, e buscou enfatizar que as semelhanças entre distintos segmentos eram mais importantes que as diferenças quando se tratava de evitar sua legitimação pelas urnas.

A despeito da derrota da esquerda no pleito do Executivo Federal, assim como da ascensão de deputados(as) e governadores(as) que reproduzem impunimente retóricas de ódio às minorias e de marginalização dos Direitos Humanos, o desafio está posto.

A campanha “Ninguém solta a mão de ninguém”, que se espalhou nas redes sociais a partir do anúncio do desfecho eleitoral, antecipa a capacidade de a sociedade civil, organizada ou não, mobilizar-se para criar estratégias de enfrentamento e monitoramento das políticas e câmbios que se prenunciam.

Nesse momento, é importante lembrar que os Direitos Humanos não se concedem, mas se conquistam, e refletir acerca das questões que se subjazem à legitimação do cenário que se desenhou para o próximo período de governo. A consciência de pertencimento, de coletividade, deve ser a ênfase da resistência, na medida em que o ódio desagregou e descaracterizou as relações de trabalho, a pluralidade das formas e instituições no Brasil, apropriando-se do discurso do inimigo para enfatizar a individualidade em detrimento da alteridade. Não existe empoderamento; é hora de apoderar-se.

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Internacional
UFPE. Email: marianayante@gmail.com.
Mariana
Yante é Pesquisadora Visitante na Shanghai Jiao Tong University, doutora em Direito
pela

Opinião

O Medo À Liberdade E O Fenômeno Bolsonaro

“A incompreensão do presente nasce, fatalmente, da ignorância do passado.”

(Marc Bloch, 1949, em Apologie pour l’histoire)

As últimas eleições presidenciais foram absolutamente atípicas, com a vitória alcançada pela extrema-direita militarista, favorável às privatizações em larga escala; à diminuição de direitos sociais e politicamente simpática à ditadura militar, sendo o presidente eleito fã declarado do principal torturador desse período, cel. Brilhante Ustra. No âmbito cultural e ideológico, Bolsonaro defende a restauração da “família conservadora”, a Escola sem Partido e a criminalização da “apologia ao comunismo”. Cultiva, ademais, delirante obsessão de combate ao “marxismo cultural”, supostamente responsável, até mesmo, pela ideologia da globalização!

Para ele, “bandido bom é bandido morto”: a segurança pública se faz em detrimento dos direitos humanos, sempre confundidos com os dos criminosos.

Além disso, a oposição de esquerda foi invariavelmente apresentada como antipatriótica. Para extirpá-la, o deputado Eduardo Bolsonaro, um dos filhos do “mito”, chega a cogitar a prisão de 100.000 oponentes.

Mesmo esse ideário regressivo e autoritário, a suspeita de utilização de fake news, financiada por grandes empresários na campanha eleitoral, e a fuga sistemática de debates de candidatos, sem nitidez programática nem competência política demonstrada, não foram suficientes para abalar a preferência dos seus eleitores.

Também não os afastou o voluntarismo, o destempero, a misoginia e a homofobia do capitão reformado.

Tão chocante escolha, envolvendo a maioria dos eleitores de todas as classes sociais e regiões do país (salvo os do Nordeste), deixou os “cientistas políticos”, os meios ilustrados e o mundo civilizado perplexos. O que teria, afinal, ocorrido? Sabe-se que o voto em Bolsonaro não foi determinado

pelas suas qualidades pessoais ou por opção programática. Pesou decisivamente a situação de parte do eleitorado, temerosa do desemprego e da insegurança, ambos crescentes, e indignada com a degenerescência dos partidos e a corrupção generalizada e endêmica do Estado. Também pesou na balança um antipetismo fanático, adrede propagado pelo monopólio midiático e por todos os meios de informação de que dispunham as classes dominantes com vistas ao — frustrado — aniquilamento do PT.

E, ainda, os descaminhos, políticos e administrativos, desse partido e de suas lideranças, muitas das quais consideram os que desejam sua autocrítica, inimigos do petismo, o que revela profundo distanciamento da realidade.

Mas somente o aflorar de um autoritarismo visceral, entranhado nas camadas mais recônditas da formação social brasileira, nunca antes manifestado tão fortemente como agora, pode explicar que uma maioria de eleitores tenha deixado de escolher entre candidatos dos partidos democráticos existentes para trilhar o caminho obscuro, cheio de escolhos, representado pela eleição do capitão reformado. Recentes episódios históricos parecem confirmar essa tese.

Sentindo-se desamparado, o eleitor abdica de seu direito de escolher uma alternativa político-eleitoral consentânea com as políticas públicas com que se identifica e com os seus ideais democráticos. Transfere para uma autoridade superior (no caso brasileiro, para o “mito”) a resolução dos problemas que lhe afligem e a sociedade.

Essa incapacidade de assumir suas responsabilidades como cidadão diz respeito à psicologia das massas e seu estudo tem de ser incorporado ao instrumental teórico dos cientistas políticos como um dos aspectos mais relevantes para a compreensão do comportamento do homem comum nas sociedades contemporâneas.

Brilhante analista desse ramo da psicologia, Erich Fromm, no seu clássico “O medo à liberdade”, escrito em 1941, analisou as razões que levaram os alemães a desembocar no regime nazista.

Ele sublinha que entender a propensão do indivíduo, em períodos de crise, à renúncia à liberdade, é premissa indispensável para que se enfrente o pe -

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rigo de as sociedades democráticas se metamorfosearem em regimes totalitários.

A compreensão desse fenômeno passa pela percepção de que a dinâmica social interage dialeticamente com os processos que atuam no íntimo do indivíduo. Portanto, para entendê-lo, é mister apreciá-lo à luz da cultura que o molda.

Destarte, a análise do aspecto humano da liberdade e sua relação com o autoritarismo obriga a reconhecer os fatores psicológicos como forças ativas nos processos sociais e a enfrentar o problema da interação dos fatores psicológicos, econômicos e ideológicos na determinação desses processos.

Debruçando-se sobre a psicologia das massas no nazismo, Eric Fromm assim se expressa: Fomos compelidos a reconhecer que milhões de alemães estavam ansiosos por abrir mão de sua liberdade do mesmo modo que seus pais haviam estado dispostos a lutar por ela; que, em vez de desejarem a liberdade, eles buscavam meios de fugir dela; que outros milhões eram indiferentes e não julgavam valer a pena lutar e morrer em defesa da liberdade.

Conforme sublinha o próprio Fromm, importam pouco quais os símbolos escolhidos pelos inimigos da liberdade humana, a cruz gamada do nazismo, os feixes do fascismo, que significavam união e obediência, ou quaisquer outros.

Também tivemos, na época do regime militar, divisa semelhante, com a amplamente difundida “Brasil: ame-o ou deixe-o”. E agora temos “O Brasil acima de tudo e Deus acima de todos”, ambas da mesma matriz fascizante.

Com efeito, eles procuram associar, de forma subliminar, o sentimento patriótico (e o último, também o religioso) a uma concepção de viés totalitário que confunde o amor ao Brasil com uma visão homogênea da nação, da qual estão excluídos todos que com ela não compactuam. Estes são considerados inimigos da Pátria, que devem se exilar, serem presos ou colocados, de uma forma ou de outra, à margem da lei.

As análises de Fromm sobre o que se passava na Alemanha também se aplicam às diferenças geracionais no Brasil, no tocante às opções políticas. Nos anos 60, os jovens, com eles, grande parte da nação, somente concebiam a sua edificação fundamentada nos valores da justiça social e da democracia.

Essas questões faziam parte do seu dia a dia. Por elas, não poucos sacrificaram seus interesses imediatos, alguns a própria vida. Já nos dias de hoje, muitos jovens, assim como boa parte dos cidadãos brasileiros, não se orientam mais por esses valores; na prática, os desconhecem.

Assim, o voto em Bolsonaro foi pautado pelo

pragmatismo, valendo pouco seu maior ou menor apego aos valores democráticos e igualitários.

A despolitização do voto fez com que, na Europa, quando o fascismo e o nazismo ascenderam ao poder, poucos imaginassem o que estava por vir, não se dando conta do ribombo do vulcão que precedeu à erupção.

No curso da história, somente alguns gênios como Marx, Nietzsche e Freud, perturbaram o otimismo enfatuado do século XX.

No terreno da Psicologia Social, diz Fromm:

Freud foi mais além do que qualquer outro ao atentar para a observação e análise das forças irracionais e inconscientes que determinam certos aspectos do comportamento humano. Eles e seus seguidores não somente desvendaram o aspecto irracional e inconsciente cuja existência tinha sido negligenciada pelo racionalismo moderno, mas foi além. Mostrou que esses fenômenos irracionais obedeciam a certas leis, podendo, portanto, ser entendidos racionalmente.

Contudo, Eric Fromm mostra que a contribuição pioneira de Freud foi dialeticamente superada por alguns de seus sucessores, como ele próprio a superou.

Para Fromm, o problema crucial da Psicologia é do tipo específico de relacionamento com o mundo e não o da satisfação ou frustração desta ou daquela necessidade per se. A sociedade não tem somente uma função supressora, mas também função criadora.

Este é o momento de os brasileiros meditarem sobre as lições da História recente, tão atuais e tão eloquentes, de forma que tortura, fascismo ou ditadura não tenhamos nunca mais.

Sabemos, desde Marx, que a natureza humana deriva do processo social, sendo, portanto, passível de aprimoramento, inclusive no que diz respeito à compreensão dos processos políticos.

Vencer os impulsos que conduzem os homens à submissão totalitária a salvadores da pátria figura entre os maiores desafios desta geração e das que a sucederem.

O caminho será a construção ininterrupta de uma cultura de cidadania, que, ao consolidar-se, torne-se agente, por excelência, da liberdade humana e da realização dos ideais de justiça e democracia. Fora deles, não há salvação.

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 27
Rubens Pinto Lyra é Professor Emérito da UFPB. Doutor em Direito Público e Ciência Política (Universidade de Nancy, França). rubelyra@uol.com. br

“O processo de acumulação de capital encontra-se em uma encruzilhada. A alternativa neoliberal, articulada a partir dos anos 1970, coloca em evidência o capital financeiro, a desestruturação do mundo do trabalho e a prática de projetos políticos que conduziram ao empobrecimento da população, resultando níveis de desigualdade crescentes. Estamos em crise e, neste cenário, é preciso compreender as modificações na correlação de forças no sistema internacional e o nosso lugar dentro deste processo. Esta coletânea de artigos, enquanto esforço conjunto de experientes pesquisadores brasileiros e chineses, apresenta um panorama do posicionamento de Brasil e China neste mundo em metamorfose. Trazendo temas diversos, como investimentos, relações sino-brasileiras, a presença chinesa na América Latina, as alternativas energéticas e a crise ambiental. Buscamos contribuir para a compreensão da nova ordem mundial que se apresenta”.

Joyce Helena F. Silva. Doutora em Ciência Política, Professora de Relações Internacionais e pesquisadora do Instituto de Estudos da Ásia.

Ficha catalográfica: Sobre a China/Marcos Costa Lima(Org.) Recife: Ed UFPE,2018, 429 pag. ISBN: 978-85-415-1062-2

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