Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 1
ANO I | Nº. 5
Jornalismo e cidadania
Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade | PPGCOM/UFPE
ABC
Jornalismo Independente
Jornalismo e História
Na Tela da TV
Impeachment e comunicação pública
E mais...
JORNALISMO E CIDADANIA | 2
Expediente Editor Geral | Heitor Rocha professor PPGCOM/UFPE Editoração Gráfica | Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE Articulistas | PROSA REAL Alexandre Zarate Maciel doutorando PPGCOM/UFPE MÍDIA ALTERNATIVA Xenya Bucchioni doutoranda PPGCOM/UFPE NO BALANÇO DA REDE Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE JORNALISMO E POLÍTICA Laís Ferreira mestranda PPGCOM/UFPE JORNALISMO AMBIENTAL Robério Daniel da Silva Coutinho mestre em Comunicação UFPE
Arte da Capa: Designed by Freepik.com
Colaboradores | Marcos Costa Lima Pós-Graduação em Ciência Política/UFPE Túlio Velho Barreto Fundação Joaquim Nabuco Gustavo Ferreira da Costa Lima Pós-Graduação em Sociologia/UFPB Luiz Lorenzo Núcleo de Rádios e TV Universitárias/UFPE Bolsista e Aluno Voluntário | Lucyanna Maria de Souza Melo Yago de Oliveira Mendes Graduandos de Jornalismo UFPE
Índice Editorial
|3
Prosa Real
|4
Rádio e Cidadania
|6
No Balanço da Rede
|8
Jornalismo Ambiental
| 10
Comunicação Pública
| 12
Mídia Fora do Armário
| 14
JORNALISMO INDEPENDENTE Karolina Calado doutoranda PPGCOM/UFPE
Opinião | Antônio Jucá
| 16
Jornalismo Independente
| 18
MÍDIA FORA DO ARMÁRIO Rui Caeiro mestre em Comunicação UFPE
Na Tela da TV
| 20
Poder Plural
| 22
Mude o Canal
| 24
Resenha | Anônima Identidade
| 25
PODER PLURAL Rakel de Castro doutoranda PPGCOM/UFPE e UBI CIDADANIA EM REDE Nataly Queiroz doutoranda PPGCOM/UFPE COMUNICAÇÃO PÚBLICA Ana Paula Lucena doutoranda PPGCOM/UFPE
MUDE O CANAL Ticianne Perdigão doutoranda PPGCOM/UFPE RÁDIO E CIDADANIA Karoline Fernandes mestre em Comunicação UFPE NA TELA DA TV Mariana Banja mestranda em Comunicação UFPE
Edição Nº 5 Recife-Pernambuco, Novembro 2016
Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 3
Editorial
A doença da barbárie e a ideologia política Por Heitor Rocha
A
vitória do Donald Trump nas eleições presidenciais dos Estados Unidos, com o seu estranho sistema eleitoral em que a diferença de peso do voto faz com que o candidato mais votado pela população seja derrotado no processo indireto do colégio dos delegados, funcionando como simbolização e institucionalização da desigualdade social, representa mais um golpe às expectativas de avanço nos direitos humanos e na superação das violências que atingem, direta ou indiretamente, a maioria da sociedade humana. Como no caso do golpe brasileiro e do seu projeto de governo de solapamento dos direitos republicanos da população e na saída da Inglaterra da comunidade europeia, este acontecimento também se constitui em mais um evento desse processo obscurantista em que se evidencia a prevalência do egoísmo individualista e de sua “ética” da força bruta, da barbárie, contra os ideais civilizatórios humanos maiores de igualdade, legalidade e fraternidade. Neste contexto, é preciso destacar o papel central da mídia na construção e manutenção de uma desordem institucional que condena à exclusão social, à situação de não conseguir se sentir parte, de não-pertencimento, de periferia da estrutura de poder (da qual só fazem parte os grupos políticos que controlam o aparelho de Estado e as grandes corporações do mercado), a maioria esmagadora dos indivíduos, intelectuais, artistas, estudantes, professores e trabalhadores que compõem a sociedade. No movimento do Ocupe Wall Street, os jovens diziam representar 99 por cento da população contra o 1 por cento que monopoliza o poder e o dinheiro. Como é possível manter tamanha desigualdade sem a constante conspiração midiática que impõe uma definição da realidade sistematicamente distorcida, através de pseudo-consensos que representam os interesses poderosos das elites como se fossem expressão do interesse do conjunto da sociedade? Na nossa sociedade midiatizada nunca foi tão verdadeiro o Teorema de William Isaac Thomas: tudo aquilo que se acredita real, mesmo que não seja real, produz consequências reais. Da mesma maneira, quanto ao que a sociedade desconhece, como os problemas e reivindicações da periferia, a reflexão de Thomas é também plenamente verdadeira: tudo aquilo que não se acredita real, mesmo que seja real, deixa de produzir consequências reais. Hoje, quase um século depois das considerações de William Thomas, parece mais fácil perceber a gigantesca engenharia ideológica posta em funcionamento para fragmentar a consciência e atomizar o cidadão com um individualismo hedonista exacerbado pelo consumismo, com a fetichização de mercadorias como objetos de desejo e meca-
nismo de distinção, e a mitificação da economia de mercado naturalizada como fatalidade, da qual não se tem alternativa e à qual se deve capitular para, sob o seu jugo, poder usufruir da “mão invisível do mercado”. Evidentemente, neste processo de coisificação (reificação) do indivíduo, o sentido do “valor de uso” de seu mundo da vida é colonizado pelo valor de troca do mercado, fazendo a própria pessoa se ter como uma mercadoria com preço estimado no mercado comum da vida humana. Assim, a condição de uma vida consciente, saudável, exige a superação da cilada da visão hobbesiana do “homem como lobo do homem”, e a sociedade como uma alcateia na qual os cidadãos vivem rosnando uns contra os outros disputando recursos escassos, no caso mercadorias do mercado de luxo que conferem status àqueles que as adquirem. Neste processo de alienação, as pessoas vitimadas por esta doença da barbárie se julgam espertas e melhores do que aquelas desfavorecidas e que são alvo de seu ódio, como as etnias, classes, gêneros, regiões e outras identidades consideradas inferiores. Portanto, o cidadão, para ser normal, não pode ter os outros como inimigos e viver como se as relações humanas se restringissem a uma disputa mortal em que sempre um domina, subjuga e explora o outro. A condição para uma vida minimamente feliz, civilizada, não é o padrão de poder aquisitivo e fortuna do indivíduo, mas a sua integração afetiva na sociedade em relações de horizontalidade, com a possibilidade de conferir sentido à sua vida, ou seja, traçar a sua história de vida baseado em valores reconhecidos pelos demais membros desta comunidade de direitos e deveres iguais. Então, “há algo de podre no reino da Dinamarca”, como dizia a peça do dramaturgo inglês, para que o obscurantismo do pensamento de direita seja cada vez mais exaltado na mídia e a barbárie empedernida seja sempre e mais distinguida como a etiqueta da sociabilidade. Então, “há algo de podre no reino da Dinamarca”, como dizia a peça do dramaturgo inglês, para que o obscurantismo do pensamento de direita seja cada vez mais exaltado na mídia e a barbárie empedernida seja sempre e mais distinguida como a etiqueta da sociabilidade. Heitor Costa Lima da Rocha, Editor Geral da Revista Jornalismo e Cidadania, é professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.
JORNALISMO E CIDADANIA | 4
Prosa Real
Livro-reportagem, jornalismo e contexto Por Alexandre Zarate Maciel
Pesadelos e sonhos: o angustiante processo criativo de um livroreportagem
C
o m o envolve um período longo de dedicação total a um personagem biografado ou tema central, a escrita de um livro-reportagem costuma gerar um processo de angústia em seus jornalistas-autores que, não raro, descamba em pesadelos. Nas entrevistas que o autor desta coluna desenvolveu para a sua tese, com os jornalistas que escrevem livros, eles contaram sobre sonhos angustiantes durante o seu processo de escrita. Enquanto estava mergulhado no universo que resultaria na obra “Rota 66”, sobre a polícia que mata, o jornalista Caco Barcellos tinha pesadelos recorrentes com um policial japonês assassino que o perseguia todas as noites. Às vezes seus sonhos começavam com sua mulher “linda, se aproximando” e pouco a pouco essa imagem ia se desfigurando e se tornando em um ameaçador coturno de Exército, para o desespero de Caco. Já Fernando Morais, no processo final de elaboração de “Chatô: o rei do Brasil” sonhava com o seu personagem central, o desbocado Assis Chateaubriand dentro de um elevador antigo, questionando, com palavrões, quando é que finalmente ele acabaria a obra. No fundo, confessa Morais, esse personagem que o cobrava tanto era o seu editor, “travestido” de Chatô. Já Lira Neto, ao biografar a cantora Maysa, recebia altos conselhos da personagem em sonhos, indicando que determinado depoimento colhido sobre ela era falso e que ele deveria seguir por outros caminhos. Ah, essas artimanhas dos sonhos...
Autor do mês: Lira Neto
O
universo do jornalista e biógrafo Lira Neto é povoado por personagens que estão consolidados no imaginário nacional, mas poucas vezes foram investigados além da superfície do mito. As formações acadêmicas não concluídas em Letras e Filosofia e o curso que completou de Jornalismo, além da vasta experiência como repórter e editor, inclusive de livros, ajudaram Lira Neto a encarar os seus personagens como figuras complexas e múltiplas. Tudo começou com “O Poder e a Peste: a vida de Rodolfo Teófilo”, lançado em 1999. Neste livro, que Lira considera um exercício para o seu trabalho de biógrafo, ele investiga a trajetória de um farmacêutico e pioneiro na saúde pública no Brasil que enfrentou uma grande epidemia de varíola no início do século XX, em Fortaleza. Mas foi na sua segunda obra, “Castello: a marcha para a ditadura” (2004) que Lira Neto teve a chance de aprimorar a grande marca do seu estilo. Ao investigar a história do primeiro presidente do governo militar, Castello Branco, o escritor foi além das aparências e buscou humanizar um personagem que a maioria das pessoas tende a encarar com o olhar enviesado. No terceiro livro, no entanto, Lira Neto recuou para o século XIX para trazer novamente à tona um personagem mais conhecido pela sua obra do que sua trajetória, no livro “O inimigo do rei: uma biografia de José de Alencar” (2006). Aqui, além de um escritor de livros que marcaram o Romantismo, o escritor cearense aparece ao leitor como um ser político totalmente integrado ao seu tempo. Provando versatilidade, a biografia seguinte de Lira Neto apostou em uma personalidade enigmática e polêmica da música brasileira: “Maysa: só numa multidão de amores” (2007). A cantora e compositora é descrita no livro de forma bem mais aprofundada que a crônica da imprensa costumava pintá-la, procurando as motivações para um comportamento autodestrutivo em uma artista com uma verve tão apurada para a composição. Em 2009, foi a vez de trazer a público o livro “Padre Cícero: poder, fé e guerra no sertão”, que, como o nome sugere, vai muito além da per-
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sonalidade mítica do líder religioso, revelando as complexas e muitas vezes contraditórias relações de poder que sempre fizeram parte do seu universo. Mas a maior empreitada biográfica, que consagrou Lira Neto entre os grandes escritores de livros-reportagens da atualidade seria publicada em três volumes: “Getúlio”. Fruto de uma pesquisa hercúlea em fontes documentais das mais variadas, como o famoso diário deixado por Getúlio Vargas, além de cartas, registros oficiais, matérias de jornal e mesmo outras biografias em geral laudatórias, Lira Neto dá uma aula de como mergulhar na vida de um personagem tão controverso e tão comentado, transcendendo as aparências. No momento Lira Neto está envolvido com outro projeto de grande monta: biografar a história do samba. O primeiro volume será publicado até o final de 2016 e o segundo no final do ano que vem. Ler as biografias de Lira Neto é comungar com ele de um olhar único sobre a história do Brasil, suas revelações e contradições.
Iluminando conceitos: o papel do autor de livrosreportagem em Rogé Ferreira
A
tese de doutorado de Carlos Rogé Ferreira, transformada em livro em 2004, “Literatura e jornalismo: práticas políticas”, como sugere o subtítulo “discursos e contradiscursos no novo jornalismo, romance-reportagem e nos livros-reportagem”, encara os autores desse tipo de obra como praticantes de um jornalismo de transformação e ruptura. Como explica Ferreira (2004, p.11), “este trabalho examina algumas determinantes existentes entre contradiscursos, um discurso emancipador de esquerda e narrativas literário-jornalísticas elaboradas nos campos textuais usualmente classificados como paradigmas para os atualmente chamados livros-reportagem”. Para proceder esta análise, o pesquisador debruçou-se sobre obras clássicas do new journalism norte americano, como as de Norman Mailer e Tom Wolfe, além de autores brasileiros preocupados com um tom de crítica social em seus livros, como Caco Barcellos e José Louzeiro. Tomando por base o instrumental da Análise de Discurso, Rogé Ferreira procura comprovar que certos livros-reportagem desafiam não só o jornalismo tradicional, mas também “todos os demais instrumentos ‘oficiais’ de produção de sentido” (FERREIRA, 2004, p. 235). Autores como os mencionados construiriam, em suas obras, uma “ação que busca romper com uma ‘censura’ imposta por quem pode determinar o que deve ou não ser publicado (ou veiculado de outras formas)” (FERREIRA, 2004, p. 236). Uma das principais conclusões do pesquisador é que livros como “Rota 66”, de Caco Barcellos, que trata da polícia paulista que mata, ajudam o leitor a perceber
de forma diferente “o que lhe é mostrado por todos e por seus próprios olhos”. Dando início, portanto, a um processo de interação entre autor e leitor no qual este último “começa a enxergar na função da sua experiência vivencial e da sua leitura de um texto, as determinações econômicas conflitivas no universo que o envolve, cuja tradução, possibilidade e ampliação para as demais esferas da vida já são reformulação do próprio posicionamento no mundo” (FERREIRA, 2004, p.404). A tese de Ferreira ilumina bastante o entendimento do pesquisador que procura compreender o papel emancipador do jornalismo praticado como um compromisso social. Referências: BARCELLOS, Caco. Rota 66. São Paulo: Globo, 1992. FERREIRA JR., Carlos Antonio Roge. Literatura e Jornalismo, práticas políticas: Discursos e Contra-discursos, o Novo Jornalismo, o Romance-reportagem e os Livrosreportagem. São Paulo: Edusp, 2004. MORAES, F. Chatô: o rei do Brasil, a vida de Assis Chateaubriand. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. NETO, Lira. Maysa: só numa multidão de amores. São Paulo: editora Globo, 2007. ______, Lira Getúlio (1882-1930): Dos anos de formação à conquista do poder. São Paulo: Companhia das Letras, 2012. ______, Lira. Getúlio (1930-1945): Do governo provisório à ditadura do Estado Novo. São Paulo: Companhia das Letras, 2013 ______, Lira. Getúlio (1945-1954): Da volta pela consagração popular ao suicídio. São Paulo: Companhia das Letras, 2014. _______, Lira. Padre Cícero. Poder, fé e guerra no sertão. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. _______, Lira. O inimigo do rei: uma biografia de José de Alencar. São Paulo: editora Globo, 2006. _______, Lira. Castello: a marcha para a ditadura. São Paulo: editora Contexto, 2004. _______, Lira. O poder e a peste: a vida de Rodolfo Teófilo. Ceará: Topbooks, 1999. Elaborada pelo professor do curso de Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz, Alexandre Zarate Maciel, que está cursando o doutorado em Comunicação na UFPE, a coluna Prosa Real traz, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, os principais autores, títulos e a visão do leitor.
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Rádio e Cidadania Comunicação e resistência nas ondas do rádio Por Karoline Fernandes
Rádio pública: um tema necessário e atual
N
o Brasil a radiodifusão pública ainda é uma novidade. Isto porque, embora o rádio tenha surgido no país com uma finalidade educativa nos anos 1920, através da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro, que teve à frente o antropólogo Roquette Pinto, seu modelo vigente rapidamente migrou para o sistema predominantemente comercial, com a constituição dos oligopólios de mídia, que pioram este cenário. Retomar a discussão sobre as rádios educativas, universitárias e públicas é essencial neste momento em que a sociedade brasileira se afirma democraticamente. No Recife, a rádio municipal Frei Caneca, que já está funcionando na cidade em caráter experimental, está no centro desse debate. Embora boa parte das emissoras brasileiras tenha vinculação com o Estado nos planos federal, estadual ou municipal, pode-se fazer uma classificação daquelas inseridas no grande “campo público da comunicação”. É aquele que abriga todas as emissoras de rádio não comerciais. Por esta compreensão, portanto, o campo público da radiofonia brasileira inclui também as emissoras comunitárias . A Associação Brasileira das Rádios Comunitárias, a ABRAÇO, considera que as únicas emissoras realmente públicas existentes no Brasil são as comunitárias. No entanto, este estudo ressalta que nem todas as emissoras atuam efetivamente como comunitárias, estando muitas à mercê de grupos políticos. Esta classificação se dá principalmente pelo entendimento de que todas as emissoras, mesmo as vinculadas a governos, tem missão pública. Conforme aponta Zuculoto (2012) o rádio público está estreitamente ligado às histórias das rádios estatais e educativas. Se pudéssemos classificar as emissoras estatais, educativas, culturais e universitárias que integravam o sistema educativo até o final dos anos 1990, exclusivamente com base na Constituição Federal em vigor, não poderia reuni-las num mesmo sistema, já que a Constituição de 1988 estabeleceu três sistemas para a radiodifusão – privado, estatal e público – e sua complementaridade. O problema é que a legislação vigente (Código Brasileiro de Telecomunicações - Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962) está, obviamente, desatualizada e não dá conta da complexidade do contexto comunicacional da atualidade. Tanto, que, em debates sobre a urgência de uma reforma da mídia, o tema é um dos mais destacados.
A EBC – Empresa Brasil de Comunicação, criada em 2007 pela MP (Medida Provisória) 398 convertida na Lei 11.652, foi defendida pelo governo Lula e Dilma como uma das maiores contribuições para a construção da radiodifusão pública e, neste sentido, atualização de parte dessa defasagem regulatória a que a comunicação pública está submetida. Além da legislação confusa, outro ponto a ser destacado é a classificação conforme orientação do Ministério das Comunicações: FMs comerciais, FMs educativas, Rádios Comunitárias, Ondas Médias, Ondas Curtas e Ondas Tropicais. As emissoras de rádio, com relação aos modos de transmissão, são agrupadas e classificadas de acordo com a frequência em que transmitem. Antes do advento das FMs, as estações operavam apenas em AM – Amplitude Modulada – , a maioria delas, em Ondas Médias. Várias, ao mesmo tempo, operavam em Ondas Curtas (caso da Rádio Jornal do Recife). As de Ondas Tropicais são as que transmitem para regiões situadas entre os trópicos. Neste sentido, pode-se observar que apenas as emissoras FMs podem ser categorizadas como educativas ou comerciais para demarcar sua diferenciação, embora emissoras antigas ainda operem em Amplitude Modulada.
Panorama das emissoras de rádio públicas no brasil
U
m número aproximado com base em dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) da conta da existência de cerca de mil emissoras estatais, educativas, culturais e públicas no Brasil, de acordo com registro de Zuculoto (2012). A autora apresenta uma proposta de periodização com relação à constituição dessas rádios. A partir dos anos 1930, o rádio comercial brasileiro vive sua Fase de Ouro, funcionando como empresa e no padrão “broadcasting” (do inglês broadcast, que significa transmitir, significa na radiodifusão a transmissão simultânea para vários receptores), enquanto o campo público inicia sua trajetória com emissoras estatais, num segmento conhecido como Educativo até a década de 90. Nesta época de auge da radiofonia comercial, nós vemos surgir um fenômeno do rádio brasileiro, que foi um veículo do governo federal, a PRE 8 – A Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Nem as emissoras educativas escaparam à sua for-
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te influência. 1ª fase – Pioneira – mesmo com início histórico demarcado em 1936, precisa ser analisada desde os anos 20 do século passado, quando a radiofonia geral é implantada no Brasil, pois ainda não havia a divisão em sistemas comercial e não-comercial. Esta fase estende-se pelos anos 20, 30 e início dos 40. 2ª fase entre os anos 40 e anos 70 – Desenvolvimento do Educativo - é aquela em que o segmento efetivamente começa a se desenvolver. Busca firmar-se como educativo, incluindo, com ênfase, produção e transmissão de programas de ensino formal, com aulas pelo rádio. Também é a fase do advento das rádios educativas vinculadas a universidades. A primeira emissora universitária foi a da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, inaugurada oficialmente em 1957. Esta fase vai de meados dos anos 40 aos primeiros dos 70. 3ª fase – Fase de Ouro do Rádio Educativo – pode ser classificada como a “época de ouro” da história da radiofonia do campo público, com o apogeu do Rádio Educativo. Período de consolidação da radiofonia mais voltada para o ensino instrucional. Também da educação não-formal, com a constituição de cadeias de retransmissores, tendo a Rádio MEC-Rio como a cabeça de rede principal e a Cultura AM de São Paulo, agora já não-comercial, como referência em franca consolidação. É a fase do SINRED Sistema Nacional de Radiodifusão Educativa, que reúne emissoras educativas em co-produções e transmissões de programas em cadeia nacional. Esta fase inclui as décadas de 70 e 80. 4ª fase – A explosão das FMs universitárias – com o grande crescimento do número das FMs também no campo público, pela disseminação de concessões a universidades. É a fase da organização conjunta, em especial das emissoras universitárias. O então chamado sistema educativo busca organizar-se através de redes formais e informais. A Rádio MEC tenta reeditar o SINRED. Mas uma das grandes movimentações deste período é o trabalho integrado de coberturas das SBPCs - Reuniões Anuais da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - pela Rede Universitária de Rádios. Embora tivesse, entre as coordenadoras, a Rádio MEC-Rio e contasse com a integração de outras estatais, a Rede para coberturas das SBPCs fez história comandada principalmente pelas universitárias, daí o seu título. A fase se estende por todos os anos 90 e também é caracterizada pelo fato de as próprias emissoras passarem a se autodenominar rádios públicas. 5ª fase – A construção do Sistema Público? – Situa-se no início do século 21, dos anos 2000, e chega aos dias atuais fervilhando em discussões, polêmicas e tentativas de definições e de construção, afinal, do sistema público de rádio. Em especial a partir do governo federal que, depois de instituir a TV Pública, criando a EBC –Empresa Brasileira de Comunicação, busca a constituição do Rádio Público. Sob o comando da ARPUB (Associação das Rádios Públicas do Brasil) e da Radiobrás, principalmente,
em 2007 realiza-se o I Fórum Nacional de Rádios Públicas. Em 2008, o governo Lula institui, na EBC, a Superintendência de Rádio, nomeando para comandá-la o diretor da Rádio MEC do Rio de Janeiro e presidente da ARPUB, Orlando Guilhon (ZUCULOTO, 2008). Rádio Frei Caneca Com o avanço das novas tecnologias, o setor de radiodifusão vive um cenário de constante efervescência. Concomitantemente, acirra-se o debate e a movimentação para a implantação de um modelo realmente público da radiodifusão, devido aos problemas decorrentes do caráter altamente defasado da legislação em vigor, conforme apontamos no início deste artigo. É justamente nesse cenário que surge, aqui no Recife, a Rádio Frei Caneca (101,5 FM), que passou a operar em 30 de junho de 2016 na cidade, em caráter experimental. Criada há 56 anos, a Frei Caneca é considerada a primeira emissora pública do Brasil a entrar no ar com participação popular e diálogo, garantindo transparência e o caráter público da rádio. O projeto original foi concebido pelo então vereador do Recife Liberato Costa Júnior, em 1960, como projeto de emissora educativa municipal. O radialista Patrick Torquato é o diretor da emissora atualmente. Em entrevista à coluna Comunicação Pública, desta Revista, Toquato comenta que a grade de programação será constituída com base em 54 propostas desenvolvidas pela sociedade civil, que devem orientar muitas ações que garantem boa parte das demandas da democracia, nas áreas de educação, cultura, cidadania e direitos humanos. A expectativa, segundo o diretor, é colocar no ar, ainda neste ano, os primeiros programas, a partir da abertura do primeiro edital para ocupação da grade. Esta coluna reforça, nesta edição, que, ao retomar os mais amplos critérios defendidos para garantir o caráter público do rádio – financiamento, gestão e programação democráticas, independentes e autônomas –, é preciso levar consideração que o que mais se construiu, até agora, no sentido de uma radiodifusão realmente democrática, se refere quase que exclusivamente à programação. É preciso considerar que a programação educativa deva ser trabalhada com um compromisso mais amplo e radicalmente democrático de educação, possibilitando aos seus públicos a crescente apropriação de conhecimento e, assim, a participação cada vez maior na sua produção. A faixa cultural da programação, especialmente, precisa ter uma concepção mais alargada de cultura, a partir de suas audiências. Karoline Fernandes é jornalista, mestre em comunicação pela UFPE, repórter da Rede TV! e apresentadora do podcast O Grito FM. Assina a seção Rádio Antena (pode ser esse nome?), que discute os novos formatos e gêneros radiofônicos na contemporaneidade.
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No Balanço da Rede Jornalismo em tempos conectados Por Ivo Henrique Dantas
O Webjornalismo encontra as redes sociais
D
entro da dinâmica do novo universo infinito de combinações disponibilizado pelo advento da internet, surge, ao longo dos últimos anos, uma nova revolução. Baseada em uma das características mais marcantes do novo meio, a facilidade de trocas simbólicas. As Redes Sociais da Internet (RSI’s) aparecem como alavancadoras de um novo modo de socialização e consumo de informação.
“As RSI’s são plataformas-rebentos da Web 2.0, que inaugurou a era das redes colaborativas, tais como wikipédias, blogs, podcasts, o YouTube, o Second Life, o uso de tags (etiquetas) para compartilhamento e intercâmbio de arquivos como no Del. icio.us e de fotos como no Flickr e as RSIs, entre elas o Orkut, My Space, Goowy, Hi5, Facebook e Twitter com sua agilidade para microblogging”(SANTAELLA, 2010, p. 7). Ao facilitar as trocas simbólicas entre as pessoas, as redes sociais da internet acabam por redefinir a comunicação online. Observando uma escala evolutiva das ferramentas comunicativas que ganharam destaque na rede, pode-se perceber mudanças no tipo de trocas possibilitadas. No e-mail, a comunicação costuma se dar, em sua essência, de um para um. A partir de endereços fixos e com trânsito privado de informações. Já nas redes sociais, a troca de mensagens se dá prioritariamente segundo uma dinâmica de todos para todos, pública. O conteúdo fica, na maioria dos casos, disponível para o acesso universal. Assim, o nível de compartilhamento de informações tende a crescer exponencialmente, criando novas comunidades, que vão além dos círculos sociais estabelecidos no território físico. No Twitter, por exemplo, basta “seguir” determinado perfil para saber tudo o que a pessoa posta. Da mesma forma, ao se tornar “amigo” no Facebook, o usuário passa a receber em seu feed de notícias tudo o que está sendo compartilhado por seus contatos. É nesta mudança que se encontra a chave para
entender o movimento que está acontecendo no webjornalismo. No novo contexto, em que as pessoas possuem uma maior facilidade de se comunicar, deslocadas do tempo e espaço - principalmente se observadas as possibilidades advindas do crescimento do universo mobile - as empresas jornalísticas estão entre as mais afetadas. As redes sociais da internet criam um cenário em que a possibilidade de participação do cidadão na produção e distribuição de conteúdo coloca as empresas de mídia diante de um universo online em que a produção amadora coexiste com a profissional (Anderson, 2006). Coexistência que, apesar de já existir offline, ganha novas dimensões na web, em muitos momentos atuando como concorrência dos medias tradicionais, e disputando audiência. O webjornalismo, em sua essência, possui características que diferenciam o seu fazer do jornalismo praticado em outros meios. A começar pela nova dinâmica do tempo, esse tipo de jornalismo quebra com as rotinas industriais estabelecidas no passado. Com a possibilidade de atualização contínua e sob a pressão do fetiche da velocidade (Moretzsohn, 2002), o jornalista se vê diante da necessidade de adotar novas práticas de apuração e produção da notícia. A figura do público como uma massa passiva dá lugar a uma audiência participativa. Muito além da interação reativa descrita por Primo (1998), as redes sociais forçam as empresas jornalísticas a participarem de um novo jogo de forças em que a audiência tem mais do que o simples poder do controle remoto ou da assinatura. Tem o poder da palavra e a possibilidade de ganhar visibilidade. Aspecto, esse, fundamental para que a ideia possa ter algum tipo de impacto na esfera pública (Esteves, 2003). Nesse sentido, as redes sociais da internet vêm desempenhando um importante papel da redefinição da atividade jornalística. Ao aumentar a participação do público, elas acabam por modificar as relações previamente existentes entre público, jornalista e veículo. Principalmente devido à nova relação estabelecida com os leitores, a empresa jornalística vem sofrendo o efeito Groundswell, que também se abate
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sobre os outros setores econômicos. Segundo explica Charlene Li (2008), o Groundswell pode ser definido como “uma tendência social na qual as pessoas passam a utilizar as tecnologias para conseguir as coisas que elas precisam, geralmente, entre elas ao invés de utilizar as instituições tradicionais, como as corporações”. No caso do jornalismo, isso exerce um forte impacto na legitimação social da atividade em si, já que, através das redes sociais, as pessoas passaram a trocar, cada vez mais, informações e criar consciência crítica sem a intermediação dos veículos de imprensa. Assim, passa a ser demandada uma maior participação do público não apenas no debate iniciado após a publicação da notícia, mas na produção noticiosa, sendo novas opções de fontes jornalísticas. Com as novas possibilidades advindas nas redes sociais, surge ainda uma nova opção para a produção de notícias, voltadas especificamente para as ferramentas. Assim como o webjornalismo não deve simplesmente transpor o que era feito no impresso, o jornalismo nas redes sociais tem a possibilidade de atingir novos públicos, através de novos formatos, não necessariamente substituindo o jornalismo nos sites, mas complementado-o. “Uma nova forma alternativa de produção e distribuição de conteúdo, que pode ser utilizada para diversas finalidades. A exploração das características do formato e da ferramenta pode trazer como resultado a produção de conteúdo específico para veiculação através do Twitter (ZAGO, 2011, p. 14). Perante a grande oferta de informações disponível na internet atualmente, e da disponibilidade de menos tempo para leitura diante das tarefas do dia-dia, os usuários passaram a necessitar de novos filtros para indicar o que é realmente importante, e, consequentemente, merece sua atenção. Segundo explica Canavilhas (2011), passam a existir dois níveis de gatekeeping. No primeiro nível, os jornalistas selecionam os acontecimentos que serão transformados em notícias, aplicam os diversos valores-notícia atrelados ao acontecimento e selecionam as informações mais importantes para caber dentro do espaço ou tempo delimitado pela publicação ou programa de TV e rádio. Na internet, porém, apesar de ainda serem aplicados os critérios de noticiabilidade (AGUIAR, 2009), a falta de limitações de espaço e a capacidade de atualização instantânea e criação de links com outras matérias acaba por criar um caos informativo. “Esta realidade criou a necessidade de mecanismos de triagem. Ainda assim, a quantidade
de informação na web é tal que os consumidores continuam à procura de novos mecanismos de seleção” (CANAVILHAS, 2011, p. 4). O segundo nível de Gatekeeping surge como consequência direta desse contexto. Denominado de Gatewatching, esse novo processo de filtragem da informação coloca o usuário no papel de indicador de leituras. Ao compartilhar um link através de sua conta no Twitter ou Facebook, por exemplo, o internauta está apontando para seus seguidores e amigos que aquela informação é importante. O problema dessa nova dinâmica é que os links não são exclusivamente de portais e sites de jornais. Muitas vezes, as informações são derivadas de blogs ou até mesmo de outros usuários das redes sociais da internet, aumentando o problema da disputa pela audiência, na medida em que a empresa jornalística não possui poder sobre as indicações. Todavia, neste mesmo cenário, as redes sociais podem servir como aliadas, ao invés de concorrência, dependendo da forma com que os sites de webjornais trabalhem sua audiência nessas ferramentas, e publiquem matérias do interesse desse público. Referências: ANDERSON, Chris. A Cauda Longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. BREITENSTEIN, Mikel. Push and Pull in the attention economy. Milwaukee, 2007. CARDOSO, Gustavo. A mídia na sociedade em rede. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007. DOCTOR, Ken. Newsonomics. Nova Iorque: St. Martin’s Press, 2010. SERRA, Paulo. A transmissão da informação e os novos mediadores. In: ______; Fidalgo, António. Jornalismo Online. Covilhã: Universidade Beira Interior, 2003.
Escrita pelo jornalista Ivo Henrique Dantas, doutorando em Comunicação na UFPE, a coluna No Balanço da Rede aborda o cenário das mídias digitais, com foco no debate acerca dos impactos na produção jornalística voltada para o meio online e o papel do webjornalismo na construção social da realidade.
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Jornalismo Ambiental Sociedade, natureza e mudanças climáticas Por Robério Daniel da Silva Coutinho
Acordo global do clima e o silêncio da imprensa em PE
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pesar de no último dia 4 de novembro o novo acordo global do clima (Acordo de Paris) entrar em vigor, depois de quase um ano de aprovado por 195 países, preenchendo a lacuna deixada pelo extinto Protocolo de Quioto, nada foi publicado nesta referida data nos três maiores jornais em Pernambuco. Talvez, os manuais do Jornalismo sobre a função social deste campo do conhecimento humano para dar notoriedade pública a um tema ou o ‘valor-notícia’ possam justificar a invisibilidade sobre a temática em questão. Não, não justificam! O pressuposto basilar do jornalismo é atender sua função social, da qual deve se pautar mediante a relevância social do assunto para o público, ou seja, o que é de maior interesse para a abrangência da sociedade, apesar de coexistirem grupos sociais diversos e respectivos interesses. É sabido que dentre as funções do jornalismo, está a “seleção de um tema e sua colocação no centro da atenção pública” (ALSINA, 2009, p. 192). Este é o pressuposto fundamental para um tema ser escolhido e transformado em uma notícia jornalística. É indispensável registrar que todo e qualquer tema pode e deve ser selecionado pelo Jornalismo. Contudo, ele precisa atender aos interesses de uma coletividade social (ALCINA, 2009; HALL et al, 1999). Ou seja, atender aos interesses da maioria da sociedade, ou seja, para a periferia da estrutura de poder. Portanto, este é o caso da questão da mudança do clima, que é objeto central do Acordo de Paris, porque tal fenômeno antrópico (IPCC, 2007) é considerado pela ONU como o maior e mais urgente e difícil problema político da atualidade (PNUD, 2007). Como assunto central para o êxito do desenvolvimento humano, as mudanças climáticas têm efeitos significativos nas ações e estratégias de desenvolvimento socioambiental e político-econômico. Já em relação aos controversos valores-notícias, “parâmetros de qualidade, que tipificam ou classificam as ocorrências por modos institucionalizados” (WOLF, 2003), poderíamos realçar vários deles para garantir a publicação da referida temática, a exemplo do “dia noticioso”, “notoriedade”, “relevância” e etc., inclusive a “referência a pessoas célebres”, já que o ator Leonardo DiCaprio, que é o novo Mensageiro da paz da ONU acabou de lançar um documentário sobre as mudanças climáticas, com entrevistas com vários líderes mundiais, como o presidente dos EUA, Barack Obama, e o papa Francisco.
Infelizmente, nem o apelo a partir destas celebridades sociais foi capaz de colocar a mudança climática, no dia do lançamento do acordo de Paris, na pauta dos jornais pernambucanos. Aliás, o filme despertou o interesse do Jornal do Commercio. Sua editoria de Cultura publicou uma entrevista de DiCaprio, porém, não naquele dia, mas cinco dias antes. Na publicação, além de frisar que a mudança do clima é o maior perigo do planeta e que demanda uma voz coletiva para exigir ações drásticas e imediatas, o autor realçou que “este documentário traduz os sintomas e as soluções de mudanças climáticas antes que a informação seja distorcida, como acontece frequentemente por aqueles que têm um interesse econômico na produção de combustíveis fósseis” (JC, 2016). O JC até que chegou a publicar uma matéria sobre a oficialização do novo acordo do clima no referido dia de sua validação, mas apenas em sua plataforma digital (JCONLINE, 2016). Contudo, aproveitamos para retomar a critica feita por DiCaprio, ao suscitar uma preocupação com a manipulação da informação pública para atender interesses particulares, peculiaridade do campo jornalístico, da qual o filósofo Jürgen Habermas (1997) aprofunda ao demonstrar de modo conceitual a existência de uma comunicação sistematicamente distorcida. O Diário de PE (2016) foi o jornal que chegou mais perto de publicar algo no dia em que o acordo passou a vigorar. Um dia antes, o periódico pautou as mudanças climáticas sobre o viés econômico, mostrando os desafios e avanços para a consolidação do acordo de Paris. Já a Folha de PE (2016), há um dia do lançamento do acordo, dedicou-se ao tema, mas apenas na sua plataforma digital. No entanto, foi uma matéria longa e detalhada e com intertextos. Mas no dia seguinte à oficialização do Acordo, a FolhaPE se destacou por ter sido o único jornal a publicar uma matéria sobre o acordo global.
Sem contextualizações, difícil percepção e problematização
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necessário conferir a visibilidade pública que alcançam a mudança climática e seus desafios e suas estratégias de mitigação e de adaptação aos desafios socioambientais e político-econômicos. A imprensa e as mídias podem e
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devem contemplar com espaço esta temática nas notícias. Mas, infelizmente, foi reduzido o número de matérias publicadas nos jornais pernambucanos no dia em que o novo acordo global climático passou a vigorar. Além disso, todas matérias foram transcritas de agências internacionais, sem contextualização com nosso cotidiano local. Com isso, distancia-se o referido debate de seu público leitor, afastando-o de uma necessária percepção e respectiva problematização sobre a gravidade da mudança do clima. Estas condições são prioritárias para a gênese da voz social coletiva para exigir ações drásticas e imediatas de mitigação e adaptação aos efeitos e aos impactos das mudanças climáticas, em contraponto aos hegemônicos interesses das coorporações transnacionais. A falta de contextualizações carece de reflexões críticas. Será que não houve contextualização porque faltam temas correlatos no Estado? Não, infelizmente temas não faltam! Recife, por exemplo, terá graves problemas com o avanço do mar e Pernambuco enfrenta sérios problemas hídricos. Também convive com o maior surto da tríplice epidemia (dengue, zika e da chikungunya) de vírus transmitidos pelo Aedes Aegypti - vetor que cresce a partir da variação do tempo. Eventos meteorológicos extremos (seca e tempestades), que aumenta de intensidade e frequência, é outro tipo de ocorrências em PE. Mortes inclusive voltaram a ocorrer este ano. Acho que estes casos poderiam ou deveriam ter servido para contextualizar a notícia do acordo global do clima. O fato é que, sem a notoriedade pública necessária, o novo acordo do clima, com suas metas e desafios, sucumbirá frente ao interesse de lobbies político-econômicos das fortes coorporações. O magnata Donald Trump, por exemplo, que é candidato presidencial republicano dos EUA, já disse que vai abandonar, caso seja eleito, o acordo global que foi chancelado pelo então presidente democrata Barack Obama. Até a China, outra grande nação poluidora que aderiu ao acordo, criticou tal posição de Trump por não se coadunar com tendências que visam o equilíbrio entre a proteção ambiental e o crescimento econômico. O Jornalismo pode e deve ajudar na visibilidade das mudanças climáticas. Vidas humanas e não humanas dependem do êxito do novo acordo global do clima, que agora está em vigor. O grande problema será a sua viabilização efetiva diante do interesse de cada nação. Diversas lacunas permanecem, a começar pelo número de países signatários. Embora adotado por 195 países em 2015, na Conferência do Clima em Paris (COP21), apenas 92 países o ratificaram até hoje. Há diversas outras lacunas que precisam ser definidas na COP22, em Marrakesh-Marrocos (718/11/2016), a começar pelo prazo limite para definir as regras de aplicação do acordo, além de outros consensos.
Referências: ALSINA, Miguel Rodrigo. A construção da notícia. Petrópolis: Vozes, 2009; DP. Mudanças climáticas: os bons e maus sinais na economia. Recife. 04 de nov. 2016; FOLHAPE. Acordo de Paris entrará em vigor na Conferência sobre Clima de Marrakesh. Recife, 2016. Disponível em: <http://www.folhape.com.br/noticias/noticias/ mundo/2016/11/03/NWS,4906,70,451,NOTICIAS,2190ACORDO-PARIS-ENTRARA-VIGOR-CONFERENCIASOBRE-CLIMA-MARRAKESH.aspx>. Acesso em 4 nov 2016a; HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia. Entre facticidade e validade. Volume 2. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997; HALL, Stuart; CHRITCHER, Chas; JEFFERSON, Tony; CLARKE, John; ROBERTS, Brian. A produção social da notícia: o mugging nos media. In: TRAQUINA, Nelson (org). Jornalismo: questões, teorias e “estórias”. Lisboa: Vega, 1999; IPCC - INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE. Climate Change 2007: Impacts, Adaptation and Vulnerability. Cambridge University Press, Reino Unido: Cambridge, 2007; JC. JORNAL DO COMMERCIO. Lenardo DiCaprio Entrevista. Recife. 30 de out. 2016; JCONLINE. Acordo do clima de Paris entra em vigor. Recife, 2016. Disponível em: <http://jconline.ne10.uol. com.br/canal/mundo/internacional/noticia/2016/11/04/ acordo-do-clima-de-paris-entra-em-vigor-259301.php>. Acesso em 4 nov 2016; PNUD – PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO. Relatório de Desenvolvimento Humano 2007-2008: Combater as alterações climáticas: Solidariedade humana num mundo dividido. UM Plaza, New York: PNUD, 2007; WOLF, Mauro. Teorias da comunicação de massa. Tradução Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
Este espaço apresenta abordagens críticas e interdisciplinares relativas à produção da representação noticiosa da realidade social (jornalismo) sobre as mudanças climáticas e a sua influência na constituição do sentido social sobre a questão. É escrito pelo jornalista Robério Coutinho, mestre em Comunicação pela UFPE, com formação básica em Meteorologia pelo INPE/CPTEC, exassessor de imprensa do Laboratório de Meteorologia de PE, bolsista pesquisador da Rede Brasileira de Mudança Climática e autor de livros sobre o temática.
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Comunicação Pública Informação, diálogo e participação Por Ana Paula Lucena
Entrevista com Eduardo Homem, idealizador da TV Viva
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TV Viva foi criada em 1984 pelo Programa de Comunicação do Centro de Cultura Luiz Freire (CCLF), na cidade de Olinda (PE). O grupo pernambucano constituído por Eduardo Homem, Cláudio Barroso e outros profissionais de comunicação, ligados aos movimentos populares, veiculava as produções pelos bairros da periferia da região metropolitana de Recife. É
pioneira na concepção alternativa de TV popular, atuando na produção de vídeo educativo e institucional. A TV Viva preocupa-se em dar voz e imagem aos protagonistas desses movimentos e às pessoas comuns, ausentes da mídia tradicional. Os primeiros vídeos mostravam a realidade cotidiana dos próprios bairros onde eram exibidos em telões. O comunicador Eduardo Homem conversou com Jornalismo e Cidadania, sobre a trajetória da primeira tevê “de rua” com mais de 30 anos dedicados à produção audiovisual popular. JeC: A TV Viva foi a primeira tevê “de rua” da América Latina. Quais foram as inquietações, na época, que levaram ao surgimento dessa iniciativa? Eduardo Homem: As pessoas que criaram a
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Viva já trabalhavam com imprensa e audiovisual no movimento popular e sabiam da importância da comunicação pro seu desenvolvimento. Além disso o desejo e possibilidade de usar o vídeo nesse trabalho. JeC: São mais de 30 anos de história, quais foram os marcos mais importantes ao longo dessa trajetória? Eduardo Homem: O programa transmitido em praça pública durante 10 anos foi e é a marca do projeto TV Viva. Além disso, e na minha memória individual, os 4 docs produzidos com o Polo Sindical do Sub-Médio São Francisco durante a luta pelo reassentamento dos deslocados pela barragem de Itaparica; a documentação da luta pela terra do povo Xucuru de Ororubá e do assassinato do seu cacique, Xicão; a documentação do início do Movimento Mangue; o programa Tela Viva, transmitido pela TVU semanalmente durante um ano e meio, que dá início à entrada da TV Viva nas tvs públicas e torna mais efetiva a colaboração na briga pela democratização dos meios; os programas Sopa Diário (TVU) e Som na Rural (Rede Brasil), por seu caráter inovador na televisão aberta; a parceria com a Casa del Caribe, Santiago de Cuba, que resultou, entre outras coisas, no longa-metragem Pernamcubanos; a parceria com organizações da Articulação do Semiárido, ASA, na produção de vídeos sobre as práticas agroecológicas e de convivência com a seca na região, que resultam no programa Rede Patativa em exibição na TVU, TVPE e outras tvs públicas regionais
processo de lutas é diverso e rico se observado no seu conjunto. JeC: Quais foram as principais conquistas do Projeto TV na Praça? Por que encerrou? Eduardo Homem: Nosso objetivo era tirar as pessoas de casa, juntá-las em espaço público da sua comunidade e transmitir informações que engendrassem uma maior comunicação entre elas. O que elas fariam a partir daí, era com elas e as organizações sociais que existissem na comunidade. O projeto nunca se pretendeu eterno, acabou, 10 anos depois, quando se esgotaram as condições objetivas (financiamento) e subjetivas (motivação da equipe) JeC: Atualmente, a TV tem trabalhado com quais temas sociais? A democratização da comunicação é um deles? Eduardo Homem: Cultura e práticas agroecológicas e de convivência com o Semiárido. Acredito que contribuímos com a democratização da comunicação fazendo nosso trabalho e ajudando pessoas e movimentos a perceberem a importância da comunicação no seu próprio trabalho. * Eduardo Homem é jornalista desde a adolescência, documentarista na vida adulta e idealizador da TV VIVA.
JeC: Como a TV Viva vem trabalhando o protagonismo de movimentos sociais e pessoas comuns através da voz e imagem? Eduardo Homem: Participando deles e permitindo que suas lideranças e pessoas participantes sejam os protagonistas dos vídeos. JeC: Quais são as diretrizes seguidas pela TV Viva no processo de criação e produção de vídeos? Onde a equipe de trabalho busca inspirações? Eduardo Homem: A resposta anterior também responde essa questão: a diretriz é ser partícipe e abrir o espaço para as/os protagonistas das ações. A inspiração vem dos movimentos e suas práticas, sejam elas de organização, luta, cultural, da mulher, dos jovens. JeC: Produzir programas com a finalidade de protagonizar lutas populares não é uma tarefa fácil. Quais tem sido os principais desafios e como a TV Viva vem superando? Eduardo Homem: Discordo, acho fácil porque o
Ana Paula Lucena é professora da Faculdade Senac Pernambuco, membro do FOPECOM, e doutoranda do PPGCOM|UFPE. A coluna é um espaço que aborda questões relativas a como os órgãos públicos vêm se comunicando com a sociedade.
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Mídia Fora do Armário Jornalismo e construções identitárias Por Rui Caeiro
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timologicamente, objeto – em latim ob+jactare – significa aquilo que está à nossa frente. Começo por este pequeno apontamento por julgar que a origem das palavras nos dá pistas para pensar a nossa (e dos outros) posição no mundo – afinal, é, também, com as palavras que agimos. A comunicação (verbal), como afirma João Carlos Correia (2004), é sempre finalista – é através dela que tentamos produzir efeitos a quem nos dirigimos. Este aspecto torna-se de extrema importância se o que procuramos é olhar com maior atenção a atuação de instituições que ocupam posição de destaque na produção de conhecimentos em nossa sociedade. Voltemos à palavra: em ciência, aquilo que se torna interesse de nosso conhecimento é nomea-
do de objeto. Objeto – aquilo que está fora de nós, afastado – de conhecimento. Esse afastamento possibilitaria uma imparcialidade capaz de observar o mundo ‘tal como ele é’, sem a interferência de quaisquer interesses. A racionalidade pura ao serviço da procura mais nobre: a verdade absoluta sobre todos os objetos, inclusive de fenômenos sociais e relações de poderes. Existe um senão: o conhecimento científico é construído em instituições e por sujeitos que vivem em determinado contexto social. Não é possível que por determinado período de tempo se isolem dessa influência. Isso é válido para todos os discursos, todos os conhecimentos, inclusive, naturalmente, os midiáticos. A pluralidade de experiências e marcadores sociais por que somos atravessados condiciona a nossa expressão no mundo. Isto acontece, não só mas também, porque a leitura que os espaços de poder (e a sociedade em geral) fazem desses marcadores, (por exemplo, ser homem ou mulher, de classe social elevada ou baixa) determina, de forma mais ou menos rígida, as posições que devem ser ocupadas na sociedade e, consequentemente, a legitimidade de que diferentes pessoas gozam na produção de conhecimentos. Esse é um projeto importante, a ser encarado por todos, inclusive pelas instituições que se legitimam em cima da busca pelo cumprimento do projeto de sociedade democrático: quem pode (por ter acesso a recursos socialmente valorizados) e tem legitimidade para falar? Nesse sentido, compreender o diálogo como uma forma de interação de poder, é perceber que os lugares ocupados por aqueles que nele participam estão diretamente relacionados às identidades, consensos e dissensos dominantes em nossa sociedade. Ignorar questões como essa, demitirmo-nos da auto-reflexão no processo de consumo e produção de conhecimento, significará
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um maior risco de reproduzir as “estruturas condicionadoras de poder que, acriticamente, mostram-se como naturais, mas não o são, pois, de fato, são o resultado de uma comunicação sistematicamente distorcida e de uma repressão sutilmente legitimada” (ROCHA, 2009, p.16). É a tomada de consciência histórica, ou seja, a consciência de que o mundo ‘tal como ele é’ resulta de um longo processo de conflitos pela institucionalização e naturalização da realidade capitalista, colonialista e patriarcal, aniquiladora de existências que não se coadunam com a norma etnocêntrica, que possibilita a percepção da realidade como sendo socialmente (re) construída. Sendo relacional, a construção do conhecimento é contextualizada. É portanto importante questionarmos: como conhecemos? Onde conhecemos? Com quem conhecemos? Tão ou mais importante, o que não conhecemos e porquê? A ignorância, concordo com Guacira Lopes Louro (2001), não é, muitas vezes, um estado original, não uma ausência, mas um efeito de conhecimento. É a favor da visibilização desse efeito em todas as instancias – inclusive no jornalismo – que devemos lutar. Isto porque existem conhecimentos em relação aos quais se instauram recusas de aproximação, recusas de os buscar ou reconhecer. Ao invés do conhecimento, a busca é pela permanência na ignorância. Vivemos isso, com mais incidência, na atualidade, em que em nome de uma crise econômica se cerceiam, todos os dias, direitos humanos. O conhecimento, sempre parcial, ao ser construído, define aquilo que permanece não-dito, não-conhecido. Assim, para exemplificar aquilo de que falamos, refirimo-nos ao sistema cis- heteronormativo, que, produzindo discursos sobre a transexualidade e travestilidade, relega à ignorância a cisgeneridade. Importa, neste caso, não só problematizar o conhecimento produzido (por instituições patologizantes, sobre transexualidade/ travestilidade), mas também aquele que permanece ignorado (cisgeneridade), e porque assim é. Refletir sobre as violências que esses silenciamentos exigem. Silenciamentos perseguidos com vista à contenção de sentidos e asfixia de sujeitos, ambicionando o impedimento da sua circulação, ocupação e produção de discursos em determinados espaços. Ou seja, os sujeitos são falados, mas não falam – essa é a meta de tais mecanismos de repressão. Em sociedades como a nossa, que constantemente proclamam a existência de direitos universais (como sejam os de direito à vida, liberdade e igualdade) mas que sempre falham na sua concretização, torna-se inevitável o questionamento: que sentidos têm esses valores para, por exemplo, pessoas trans, pessoas negras, mulheres, não heterossexuais, da periferia, pobres? Que vidas têm direito a ser reconhecidas como humanas? Como e quem chega a construir tais sentidos? Esses
e outros questionamentos, feitos a custa de sofrimento mas também com ganhos de liberdade (BERGER; LUCKMANN, 2004, p.54), ao colocarem ênfase na incompatibilidade entre o ‘ser’ e ‘dever ser’ moralmente cobrado, não resultam na inevitável incapacidade dos indivíduos agirem no mundo, tolhidos pelo medo, apenas vagando por planícies de significados com que não se conseguem identificar, pelo contrário, constituem-se também enquanto motores de busca de novas identificações, construções que possibilitam a reorganização dos indivíduos em torno de “tipificações, classificações, padrões de experiência e esquemas de ação” (BERGER; LUCKMANN, 2004, p.18), a partir das quais se assumem como atores na discussão da(s) realidade(s) com que comunicam. Ambicionando familiarizar “o cidadão comum com outros cidadãos comuns que usam uma lógica e uma gramática próprias da sua tradição ou com outras províncias de significado cujas lógica e gramática são precisamente distintas da do homem comum” (CORREIA, 2007, p.7), o jornalismo reivindica para si a legitimidade de ocupar uma posição central na organização social. Pensar a legitimidade de tal posição, sua forma e conteúdo, suas potências e riscos, é urgente, principalmente quando tal é feito em relação a pessoas social, cultural e historicamente violentadas, tanto simbólica como fisicamente. Referências: BERGER, Peter L; LUCKMANN, Thomas. Modernidade, Pluralismo e Crise de sentido: A orientação do homem moderno. Petrópolis: Vozes, 2004. CORREIA, João Carlos. Ideologia e Hegemonia. In RUBIM, Antonio Albino Canelas. Comunicação e Política: conceitos e abordagens. São Paulo: UNESP, 2004. p.223- 258. CORREIA, João Carlos. Linguagem jornalística, estranheza e referência. BOCC, 2007. Disponível em: <http://www. bocc.ubi.pt/pag/correia-joao-linguagem-jornalisticaestranheza- referencia.pdf>. Acesso em: 10 novembro 2015. ROCHA, Heitor Costa Lima da. A crítica de Habermas ao cientificismo: uma proposta de pluralismo epistêmico. Symposium, v.1, 2009. p. 175-193. LOURO, Guacira Lopes. Teoria Queer: Uma Política PósIdentitária para a Educação. Revista Estudos Feministas. V.9 n.2 Florianópolis: IFCH, 2001. Assinada pelo jornalista Rui Caeiro, mestre em Comunicação pela UFPE, a coluna ambiciona instigar reflexões que se debrucem sobre as relações que se estabelecem entre produção midiática/jornalística e a construção e vivência de identidades consideradas abjetas em nossa sociedade. O foco será em sexualidade e gênero.
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Opinião
Uma Oportunidade para se Pensar no Saneamento Por Antônio Jucá
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rimeiro, é preciso dizer que o saneamento básico envolve não apenas o esgotamento sanitário (com a coleta, o tratamento e destino final adequado dos esgotos), como normalmente se pensa, mas também o abastecimento d’água, a drenagem urbana e a gestão dos resíduos sólidos (o lixo, que também compreende coleta, tratamento e destino final). É preciso também compreender que o saneamento envolve a todos, assim melhor que todos participem das políticas públicas de saneamento. O compartilhamento das decisões e ações entre governo e sociedade civil organizada, a respeito do saneamento, em particular quanto à gestão do esgotamento sanitário e resíduos sólidos urbanos, se inscreve de modo bastante relevante no marco das questões urbanas e ambientais. O impacto que o volume de esgotos domésticos representa cerca de 90% da poluição dos cursos d’água. Some-se a isso o lixo urbano que contamina o solo, o que não é apenas um problema urgente de saúde pública no Recife, mas significa a depleção de um recurso escasso em todo o semiárido nordestino brasileiro. O problema da poluição hídrica urbana por carência de coleta e tratamento dos esgotos se dá no país como um todo, contudo no caso da Região Nordeste brasileira isto é muito grave, em face às estiagens periódicas (AB’SÁBER, 1999). De modo geral, nas cidades brasileiras há um baixo desempenho das políticas públicas de provisão de infraestrutura urbana e ordenamento territorial e urbanização, sobretudo para as camadas de menor poder aquisitivo nas capitais e grandes cidades. A oferta de infraestrutura urbana está concentrada nas áreas centrais dos núcleos urbanos disputados por estratos sociais de renda mais alta. Afinal, tal quadro evidencia a restrição do solo urbano para a população fora do mercado imobiliário para a qual, ademais, há uma carência maior relativa ao esgotamento sanitário e à coleta e destinação adequada do lixo urbano. A engenharia sanitária e a medicina controlaram, mas não eliminaram o problema da insalubridade urbana brasileira, a partir do início do século XX. As áreas insalubres são, no mais das vezes, áreas residenciais da cidade, sobretudo as áreas pobres. O problema se associa, portanto, à questão habitacional. Desde a I Conferência Internacional sobre o Habitat, a habitação é compreendida como um conceito que vai para além da moradia, envolvendo tudo que se associa ao habitar,
em resumo: acesso a serviços básicos, ao comércio, ao trabalho e ao lazer. A universalização do acesso à moradia e a serviços urbanos se revela como uma das grandes dificuldades dos estados nacionais, despertando pouco ou nenhum interesse do setor privado. Entretanto, a cidade formal também participa do problema ambiental, contribuindo mais acentuadamente para a poluição atmosférica, pois revela, obviamente, uma relação mais elevada de automóveis e outros veículos por habitante, a composição do lixo doméstico apresenta maior participação de resíduos não orgânicos e perigosos com maior volume por habitante. Além disto, a cidade formal abriga as áreas industriais. Considerando o esgotamento sanitário, observam-se fatos preocupantes, os esgotos urbanos da cidade formal, quando são coletados, não são, em grande parte, devidamente tratados. O esgoto é conduzido até locais de despejo onde a poluição hídrica da cidade formal se revela significativa e concentrada, como evidencia apresentamos pesquisas recentes (IBGE, 2003 e 2008; FGV, 2009). Em síntese, a degradação dos recursos hídricos da cidade informal é dispersa e generalizada, enquanto a mesma da cidade formal é significativa e concentrada. Sobre a análise das políticas públicas de urbanização, em poucas palavras pode-se dizer que o investimento público nas cidades brasileiras é alocado onde há mais investimento privado, ou onde há perspectivas de inversões de empresas privadas, tendendo a concentrar espacialmente os investimentos na cidade. A perspectiva pública desta estratégia é garantir o retorno dos investimentos, fomentando os negócios e os impostos em retorno, dentro de uma visão de curto prazo. Habitação e Saneamento são duas áreas de políticas particularmente notáveis quanto à descontinuidade no Brasil. A universalização do acesso à habitação formal apresenta as dificuldades clássicas de estabilização da demanda por sistemas financeiros especializados. Ademais, as políticas de saneamento foram negligenciadas, por um suposto desinteresse político. Diz-se que investimento em rede de esgotos não é obra visível e supostamente não permite visibilidade aos políticos na mídia. Pesquisa recente da Fundação Getúlio Vargas sobre saneamento, relaciona a carência destes serviços a altos custos públicos e das pessoas com saúde e um representativo número de faltas no trabalho, baixo desem-
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penho escolar e até comprometimentos no desenvolvimento cognitivo em crianças muito sujeitas a doenças por residirem em ambientes insalubres. Além da falta de desejo político, algumas outras dificuldades se verificam na universalização dos serviços de saneamento, especificamente, no que se refere ao esgotamento sanitário, tais como: alto volume de investimento diretamente proporcional à extensão das redes e inversamente proporcional à densidade populacional; enquanto a densidade populacional urbana de pagantes diminui na periferia de nossas cidades, como também a renda per capita destes, mas cresce a necessidade de serviços de saneamento; por outro lado, a rápida ‘verticalização’ dos bairros mais centrais e de população de renda mais alta compromete a capacidade das redes, exigindo reposição; os sistemas coletivos de pequeno porte, como fossas coletivas e biodigestores, não são utilizados; e as “soluções” individuais populares, como fossas rudimentares, podem ser tecnicamente questionadas (em função de suas dimensões vs. solicitações, permeabilidade dos terrenos, altura do lençol freático, acesso a vetores patogênicos, destino dos efluentes). Assim, temos de um lado a solução da rede de esgotos convencional que é inviável à universalização e, de outro lado, soluções rudimentares informais possíveis de universalização, mas frequentemente inaceitáveis do ponto de vista técnico. A solução individual tecnicamente aceitável é dispendiosa e exige alguns cuidados técnicos na construção e manutenção. Além disto, a universalização do acesso à moradia de qualidade e sua infraestrutura é tarefa medida em décadas. Notas sobre pesquisas recentes em saneamento As mulheres lactantes e gestantes apresentam maior frequência de desaprovação sobre a qualidade dos serviços ou carência de acesso ao esgotamento sanitário, por sua maior vulnerabilidade e de seus rebentos. Como se sabe, as crianças são as maiores vítimas das carências de saneamento, especialmente, aquelas entre 0 e 6 anos. Inclusive, há informação de que os meninos entre 1 e 6 anos são ainda mais vulneráveis, do que as meninas, o que se explica pelo tipo de lazer e maior contato dos mesmos com um ambiente insalubre externo aos domicílios. Os dados relativos ao abastecimento d’água revelam evolução positiva, contudo, ressalva-se como observado desde há décadas por Fernando Tudela, que o incremento na oferta do abastecimento d’água não acompanhado da oferta de esgotamento sanitário, pode significar um agravamento das condições sanitárias ambientais. Evolução do esgotamento sanitário O ritmo das ações de saneamento de um lado e a demanda do crescimento urbano de outro resulta num saldo positivo. Porém, seu lento crescimento resulta num aumento do valor absoluto da poluição hídrica e
ambiental. Outra questão relevante, o problema sanitário é multicausal e se associa às inadequações habitacionais, à falta de educação sanitária, à ineficiência e ineficácia dos serviços e uma cultura técnica fechada. Obviamente, atacar tal questão requer um trabalho coordenado em várias frentes, tanto públicas, como privadas. O que é socialmente possível não é tecnicamente adequado, o que é tecnicamente desejado, não parece ser de interesse empresarial. Prognóstico síntese Isto que colocamos como resultado de pesquisa em 2010, foi uma espécie de desastre anunciado de nossas pestes urbanas atuais: “Caso não se articule ações por arranjos políticos e produtivos para encarar os desafios do saneamento, no longo prazo, junto a outras políticas urbanas, especialmente de habitação, a perspectiva é calamitosa. Isto, considerando o ritmo atual de resolução da questão e a perspectiva de crescimento urbano” (JUCÁ, 2010). Nosso ciclo vicioso do saneamento é constituído, de um lado por interesses corporativos e empresariais com soluções inviáveis à universalização dos serviços de coleta e tratamento de esgotos, e de outro às soluções populares rudimentares socialmente possíveis, mas tecnicamente inaceitáveis. Referências: AB’SABER, A. Sertões e Sertanejos: uma geografia humana sofrida. Dossiê Nordeste, In Estudos Avançados, USP. São Paulo: Instituto de Estudos Avançados. v. 13, n. 36, p. 7 - 59. Maio /Agosto, 1999. Disponível em: http://www.scielo.br/ pdf/ea/v13n36/v13n36a02.pdf. FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, O DÉFICIT HABITACIONAL MUNICIPAL NO BRASIL 2010. Disponível em: http://www.fjp.mg.gov.br/index.php/ produtos-e-servicos1/2742-deficit-habitacional-no-brasil-3. FGV/INSTITUTO TRATA BRASL. Pesquisa: Saneamento e Saúde, 2009. Disponível em: http://www.tratabrasil.org.br/datafiles/uploads/estudos/ pesquisa1/texto.pdf. IBGE. Pesquisa Nacional de Saneamento Básico, 2003 e 2008. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/ estatistica/pesquisas/resultado.php?consulta=Saneamento. JUCÁ, A. POLÍTICA DE SANEAMENTO: IMPORTÂNCIA DA GESTÃO COMPARTILHADA, Relatório de Pesquisa: resumo executivo, Recife: Fundaj, 2010.
Antônio Jucá é pesquisador titular na Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj).
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Jornalismo Independente Jornalismo e financiamento coletivo Por Karolina Calado
Jornalismo: história e independência
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comunicação é uma necessidade humana e o artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos reza que deve ser garantido aos indivíduos o direito de informar e de ser informado. “Todo o homem tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferências, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios, independentemente de fronteiras” (DUDH, 1948). A comunicação acompanha o homem desde os primórdios de sua existência, quando os gestos, os sons e as gravuras foram aliados dos povos primitivos dando-lhes condições de perpetuação de sua espécie. Quantos sinais foram essenciais para que grupos não fossem exterminados? Pois bem, as civilizações foram se desenvolvendo e o seu processo de fala ali se instituiu. Mais tarde, a escrita (5000 a.C.) e o alfabeto (2000 a.C.) foram inventados, sendo seu uso privilégio de poucos, conforme aponta Peter Burke e Asa Brigss (2006, p. 15). Nesse período, o desejo de comunicar continua latente e durante muito tempo apenas a oralidade permitiu que diversas narrativas não se perdessem com o passar dos anos, pelo contrário, que elas permanecessem por entre as diferentes gerações. A escrita e o processo de letramento só começam a ser, realmente, difundidos a partir de meados do século XV com a prensa de Gutenberg. As histórias antes contadas no papel e transformadas em manuscritos, com a impressão ganham maior poder de divulgação. Os
conteúdos que circulavam eram restritos, a exemplo de romance de cavalaria ou livros religiosos. A escrita, que até então só podia ser usada por poucos, foi se popularizando através do processo de letramento pelo qual passava as sociedades da época, tornando-se instrumento de comunicação para muitos, no envio e recebimento de cartas. Essas, por sua vez, foram importantes para propagar informações pessoais ou de cunho social, pois eram usadas como informativo “(...) cartas enviadas para um número limitado de assinantes em múltiplas cópias, principalmente entre 1550 e 1640 — ou seja, uma ou duas gerações antes do surgimento dos jornais. A flexibilidade da forma manuscrita permitia variações nas notícias enviadas a cada assinante, de acordo com seus interesses e necessidades. Esse serviço personalizado de notícias só estava disponível para pessoas ricas, mas permitia a circulação de informações que os governos preferiam manter secretas.” Tais informações se institucionalizaram e logo foram propagadas com o advento da imprensa, principalmente a partir do século XVIII. No início desse século já tínhamos evidências de jornais. “Durante a guerra civil inglesa, eram enviadas folhas de notícias para Boston; e no começo do século XVIII a chegada regular de notícias estimulou a criação de jornais locais, como o Boston Newsletter (1704). Assim, pouco a pouco foi diminuindo o que o historiador australiano Geoffrey Blayne descreveu como a ‘tirania da distância’” (BURKE e BRIGGS). A imprensa ganhou legitimidade para relatar determinados assuntos e ganhou um profissional específico, um “analista do dia”, no jornal francês Trévoux, por isso o nome journaliste, “segundo Michael Palmer
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(1994:108), o termo journaliste teria surgido no início do século XVIII, mais precisamente em 1703 no Journal de Trévoux, periódico semanal, um dos primeiros títulos em língua francesa considerado sério. O jornal pretendia ser ‘mais explicativo que informativo’, ao contrário da Gazette de Renaudot, que se considerava um ‘coletor’ de notícias. Portanto, no início, a palavra jornalista tinha uma conotação positiva, respeitável, para se distinguir do “gazeteiro” (do jornal Gazette), que se limitava a divulgar fatos sem explicá-los” (ADGHIRNI, 2005, p. 47). Aqui no Brasil, foi somente em 1808, com a chegada da família real que a história oficializa as primeiras experiências jornalísticas com os jornais Gazeta do Rio de Janeiro e o Correio Braziliense, os quais circularam até 1822 (WERNECK SODRÉ, 1994). A imprensa se tornou cada vez mais parcial no trato de informações de interesse público, ajudando a construir uma realidade social muitas vezes distorcida e estigmatizada. Na contramão dessa mídia que, historicamente, privilegiou ou ocultou informações para defender interesses particulares dos detentores do poder, muitos fanzines, jornais e rádio comunitárias atenderam e atendem à população brasileira e são capazes de abrir espaço às diferentes demandas oriundas da diversidade social. O nosso programa de rádio Jornalismo e Cidadania, que vai ao ar todas as segundas, às 14h, na Universitária FM, é um exemplo de canal que tem viabilizado boas discussões em torno de uma diversidade temática e uma pluralidade de vozes. Outro veículo a ser citado é a Rádio Aconchego (https://radioaconchego.wordpress.com/) do CIS (Centro Integrado de Saúde), um centro que faz parte do programa do Governo Federal, Rede Humaniza SUS, com a colaboração da Prefeitura do Recife e a UFPE. A rádio procura informar sobre os diferentes serviços encontrados naquele espaço, buscando em sua programação “(…) combater formas de opressão as mais diversas que se perpetuam em nossas relações, organizadas estruturalmente em nossa sociedade, como a homofobia, o racismo, o machismo, dentre outras, relacionadas diretamente ou não à forma de exploração em uma sociedade capitalista”. Na sociedade da informação, é natural que os anseios de informar e se manter informado estejam presentes no ciberespaço. Podemos encontrar nesse ambiente, diferentes conteúdos com os quais cada pessoa em sua subjetividade se identifica. Inúmeros são os casos de sites que propõem um outro tipo de comunicação, inúmeros são os jornalistas que viram na web uma possibilidade de trazer um conteúdo diferenciado frente aos assuntos difundidos pela grande mídia, a exemplo do site Conexão Planeta (http://conexaoplaneta.com.br), idealizado por três jornalistas, o qual desenvolve um conteúdo sobre as práticas sustentáveis para um mundo melhor. Outro exemplo é o “Alma Preta” http://www.almapreta.com/ que se propõe através
de entrevistas, reportagens, crônicas, poesias, produções audiovisuais, fotos, charges, quadrinhos, resenhas e artigos opinativos: “(...) denunciar e avançar na desconstrução do racismo institucional brasileiro”. Merece ser citado também o canal Voz das Comunidades (http://www.vozdascomunidades.com.br/. Nesse ambiente virtual, informações de interesse público das comunidades integrantes do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, são difundidas. Em 2015, a Agência Pública divulgou um mapa destacando vários desses sites que funcionam a partir da lógica independente (http://apublica.org/mapa-do-jornalismo/. Nesse sentido, o site Reinventa jornalista divulgou uma pesquisa feita em junho desse ano, no intuito de identificar a aceitação desse jornalismo independente pela população. O resultado mostra que apesar de 46% dos entrevistados não saberem o que significa esse tipo de jornalismo, 96% de todos os entrevistados afirmam que consumiriam o mesmo. Todos esses casos citados acima fazem parte do cenário do jornalismo independe em nosso país. As pessoas têm urgência na problematização e solução de questões relacionadas à sua comunidade ou ao seu universo humano. Na grande mídia, elas não se veem representadas. Portanto, se reúnem enquanto coletivos ou individualmente para propor novos formatos comunicacionais que possam ir ao encontro do desejo de comunicar para a cidadania. Conseguir o financiamento de suas propostas ainda têm sido um desafio, mas, cada vez mais, a internet une forças que ajudam a mídia independente a se manter, seja de modo coletivo por doações, seja por projetos para obtenção de recursos junto a Fundação Ford, Open Society Foundations, entre outros. Referências: ADGHIRNI, Zélia Leal. O Jornalista: do mito ao Mercado. In: Revista Estudos em Jornalismo e Mídia. Volume II, nº 1 - 1º Semestre de 2005. BRIGGS, Asa; Burke, Peter. Uma história social da mídia: de Gutenberg à Internet; tradução Maria Carmelita Pádua Dias; revisão técnica Paulo Vaz. — 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2006. SODRÉ, Nelson Werneck. História da Imprensa no Brasil. São Paulo: Mauad, 1994. Karolina Calado é doutorando do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. Nesta coluna, proponho uma discussão acerca das questões que envolvem a economia política dos meios de comunicação, especialmente a partir da internet e dos modelos de financiamento coletivo.
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Na Tela da TV
Jornalismo, linguagem e representação social Por Mariana Banja
Impeachment e brechas legislativas atingem comunicação pública
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esultado de uma combinação de agentes em um determinado momento da história, em que se destacam a luta dos movimentos sociais, sobretudo os relacionados à democratização da comunicação, e a existência de uma administração pública federal mais alinhada à esquerda, surge em abril de 2008 a Empresa Brasil de Comunicação (EBC). Criada pela lei 11.625, a empresa, pela primeira vez em sua breve trajetória, de pouco mais de oito anos, registra uma série de atos que comprometem o seu funcionamento. Em que pese a exoneração do diretor-presidente da EBC Ricardo Melo, por decreto, ser um importante fato a ser avaliado nesse cenário, a maior afronta, sem dúvida, fica por conta da edição da Medida Provisória (MP) 744/2016, de 1 de setembro do referido ano, assinada pelo presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, durante exercício como presidente da República. A MP altera a lei 11.652, ceifando da estrutura da empresa pública o Conselho Curador, única estrutura cuja composição tinha membros da sociedade civil. Tal mudança impacta diretamente também em outras estruturas da própria EBC, que, por lei, contariam com a presença de representante deste conselho, tais como o Conselho de Administração e Diretoria Executiva. O finado Conselho Curador era um órgão de natureza consultiva e deliberativa da EBC, composto por 22 membros, designados pelo presidente da República. Os titulares dele eram escolhidos dentre brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, de reputação ilibada e reconhecido espírito público, sendo: quatro ministros de Estado; um representante indicado pelo Senado Federal e outro pela Câmara dos Deputados; um representante dos funcionários, escolhido na forma do Estatuto; quinze representantes da sociedade civil, indicados na forma do Estatuto, segundo critérios de diversidade cultural e pluralidade de experiências profissionais, sendo
que cada uma das regiões do Brasil deverá ser representada por pelo menos um conselheiro. Entre as competências do órgão, estavam deliberar sobre as diretrizes educativas, artísticas, culturais e informativas integrantes da política de comunicação propostas pela Diretoria Executiva da EBC; zelar pelo cumprimento dos princípios e objetivos previstos na lei; opinar sobre matérias relacionadas ao cumprimento dos princípios e objetivos previstos na lei; deliberar sobre a linha editorial de produção e programação proposta pela Diretoria Executiva da EBC e manifestar-se sobre sua aplicação prática; encaminhar ao Conselho de Comunicação Social as deliberações tomadas em cada reunião; deliberar, pela maioria absoluta de seus membros, quanto à imputação de voto de desconfiança aos membros da Diretoria Executiva, no que diz respeito ao cumprimento dos princípios e objetivos da lei; eleger o seu Presidente, dentre seus membros. A extinção do Conselho Curador torna a EBC uma empresa pública de comunicação sem representação da sociedade civil, ainda que mais à frente façamos uma crítica sobre sua composição estar vinculada a ato do presidente da República, evidenciando que se tornou um espaço em que as competências iniciais, carregadas dos ideários de pluralidade, participação e autonomia, são simplesmente ignoradas. Assim, em que pese existir formalmente, pois continua a funcionar, o espírito virtuoso da concepção da EBC parece não existir mais. Uma empresa pública – ainda mais de comunicação – necessariamente precisa ser composta de instâncias deliberativas com as mais diversas representações sociais. Em moção de repúdio, inclusive, o extinto Conselho Curador da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) diz que a MP 744 é uma afronta aos princípios constitucionais que estabelecem a comunicação pública como um direito da sociedade brasileira, por ferir o artigo 223 da Constituição Federal e por tirar a autonomia da EBC em relação ao Governo Federal para definir produção, programação e distribuição de conteúdo no sistema público de radiodifusão e agências. Nesse sentindo, se faz necessário registrar que todas essas mudanças ocorreram após concluído
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o processo de impedimento da presidenta eleita Dilma Rousseff. Elas são feitas por um governo ilegítimo, desprovido de sentido e sentimento democráticos. Tal fato talvez explique, por sua vez, o desapreço, a tal instância da EBC, já que era definitivamente a esfera mais deliberativa e representativa da estrutura da empresa. Vale ainda incluir nesta observação a forma pela qual as mudanças na empresa foram feitas. O processo legislativo brasileiro inclui uma série de espécies. Para cada uma delas, há um rito próprio de elaboração. O que se evidencia é que houve uma alteração de lei ordinária (11.625/2008), cuja aprovação dependeu da sanção do presidente da República, após o projeto de lei ser aprovado, por maioria simples, nas duas casas legislativas. Já a medida provisória é um instrumento com força de lei, adotado pelo presidente da República, em casos de relevância e urgência, cujo prazo de vigência é de sessenta dias, prorrogáveis uma vez por igual período. Produz efeitos imediatos, mas depende de aprovação do Congresso Nacional para transformação definitiva em lei. Ora, qual a urgência em se acabar com o conselho curador de uma empresa pública de comunicação e por quê fazê-lo por meio de medida provisória?
Crítica à legislação
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urilo César Ramos, ao escrever o capítulo Empresa Brasil de Comunicación (EBC): un análisis de su modelo institucional, no livro Pensar la televisión pública (2013), põe luz em possíveis deslizes legislativos cometidos na redação da lei que criou a EBC. Eles apontam sobretudo para a falta de autonomia da empresa, dada a centralização da administração na figura do presidente da República, o que, ao nosso ver, deixou as mudanças acima citadas mais facilitadas. “El principal vicio normativo de la EBC es, a mi entender, aquel expresado em el Artículo 5 de la Ley, que la vincula a la Secretaría de Comunicación Social de la Presidencia de la República. A fin de cuentas, se trata del organismo responsable de la comunicación de gobierno, de la relación del gobierno con la prensa y demás instituciones de comunicación, entre ellas las agencias de publicidad que mediatizaban los presupuestos de propaganda gubernamentales. Essa vinculación administrativa, y no jerárquica, sería más lógica, y políticamente más adecuada, em caso que se diese con el Ministerio de Cultura, o com el
Ministerio de las Comunicaciones.” (RAMOS, 2013, p. 330-331) Para Ramos, as nomeações deveriam ser descentralizadas da figura do presidente da República. “El nombramiento de los dos dirigentes máximos de la EBC es outro vicio de origen que merece, creo, mención em este análisis. La prerrogativa de esse mombramiento es exclusiva del presidente de la República. Me limito aquí al caso del Director Presidente, mas el razonamiento vale para la extraña fiura de un Director General también pasible de nombramiento presidencial”. (RAMOS, 2013, p. 333) “Con más razón, es mi entedimiento que el cargo de Director Presidente de la EBC, por su responsabilidad pública, dado el trato com la información, la cultura, com la ciudadanía, finalmente, no podría ser objeto de nombramiento monocrático por el presidente de la República. Algún tipo de mediación necesitaría existir, sea por el Congreso Nacional, sea por el Consejo Curador de la própria empresa, sea por ambas instituciones”. (RAMOS, 2013, p. 333) Para ele, a mudança daria mais autonomia legal a empresa, deixando-a mais forte na sua missão de prestadora de serviço público de rádio e televisão.
Referências: RAMOS, Murilo César. Empresa Brasil de Comunicación (EBC): un análisis de su modelo institucional. In: ALFARO, Rosa Maria… [et. al.]. Buenos Aires: La Crujía, 2013 Estadão, EBC vai voltar a comprar conteúdo da TV Globo. Disponível em: <http://politica.estadao.com.br/blogs/ coluna-do-estadao/ebc-vai-voltar-a-comprar-conteudo-datv-globo/>. Acesso em 6 de novembro de 2016. Planalto. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/L11265.htm>. Acesso em 6 de novembro de 2016. Câmara dos Deputados. Disponível em: <http://www2. camara.leg.br/comunicacao/assessoria-de-imprensa/ medida-provisoria> Acesso em 6 de novembro de 2016.
Mariana Banja é jornalista diplomada pela Universidade Católica de Pernambuco e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social na Universidade Federal de Pernambuco. Assina a seção Jornalismo, Linguagem e Representação Social cujo objetivo é observar, analisar e refletir sobre as narrativas telejornalísticas.
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Poder Plural
Política contemporânea e Internet Por Rakel de Castro
Criatividade e participação na rede Analisar a relação do jornalismo com o infotenimento (informação e entretenimento juntos) é o principal desafio da editora de Mídias Sociais da Assembleia Legislativa de Pernambuco e doutoranda em Comunicação pela UFPE, Carly Falcão. Recentemente, a pesquisadora participou de um capítulo do livro Comunicação e Ideologia (publicado pela EDUFPE), trazendo atualizações e discussões contundentes sobre Infotenimento no jornalismo online, Redes Sociais Digitais, mobilizações, hegemonia, contra-hegemonia e cultura participativa na Internet. Para Carly Falcão entender a reconfiguração desses conceitos é um passo importante para se pensar e agir sobre as novas formas de patrimonialismos presentes, inclusive, na comunicação. JeC: Você publicou recentemente um capítulo no livro Comunicação e Ideologia e neste trabalho especificamente se lê relatos sobre as Redes Sociais Digitais, as quais não serviriam apenas para distração e entretenimento, mas também para mobilização e envolvimento da população. Como isso ocorreu e ocorre nos protestos desde 2013 no Brasil? Carly Falcão: Na época dos protestos em 2013, as redes sociais foram usadas como recurso para disseminar o tema entre a população. Para se ter uma ideia, um levantamento feito pela agência Today apontou que, apenas no dia 17 de junho, mais de meio milhão (548.944) de mensagens sobre o tema foram postadas no Facebook, Twitter, Google + e em blogs. Entre as hashtags mais utilizadas pelos usuários estavam ícones que remetiam a frases de convocação às ruas (#vemprarua e #protestosp), de insatisfação pública e reforma política (#ogiganteacordou e #mudabrasil) e de repúdio a repressões e violência (#semviolencia). Nesse sentido, percebo que a comunicação social online tem potencial para estimular a ação mobilizadora. Recentemente, tem-se presenciado uma propagação viral de discursos ideológicos voltados para a ação, iniciados com a Primavera Árabe (Oriente Médio e Norte da África) e incentivados por ações como Ocupe Wall Street (Estados Unidos), Os indignados (Espanha) e Revolta da Catraca (Brasil). Todos eles têm em comum o fato de utilizarem as mídias sociais (principalmente, Facebook, Twitter e Youtube) para se organizar, comunicar e informar a população local sobre o tema e sensibilizar a comunidade internacional sobre as tentativas de repressão e de censura por parte dos governos. Esses espaços são usados
também para articulações de técnicas de resistência civil, como greves, manifestações, passeatas e comícios. JeC: Você poderia traçar uma relação entre entretenimento, indústria cultural e redes sociais digitais, conceitos estes presentes em seu artigo? Carly Falcão: Entendo que a convivência das mídias de função massiva e pós-massiva no contexto do ciberespaço (LÉVY, 1999) e da cultura participativa (JENKINS, 2008) gera realidades para além daquelas presenciadas por estudiosos ortodoxos da indústria cultural: “Hoje convivem, em permanente tensão, mídias desempenhando papéis massivos e pós-massivos, reconfigurando a indústria cultural e as cidades contemporâneas” (LEMOS, 2007, p. 126). Essa reconfiguração da indústria cultural tem como ponto elementar a quebra do monopólio dos grandes veículos de comunicação e a conquista de certa autonomia por parte do indivíduo, que, auxiliado por características do ciberespaço, como a interatividade, dispõe de mecanismos potenciais para a superação de seu “assujeitamento”. Tamanha autonomia dada ao indivíduo faz com que, em certos momentos, suas próprias convicções prevaleçam sobre os interesses do mercado. Assim, ele tende a exercer maior poder sobre os novos hipermeios para moldá-los de acordo com seus interesses e suas necessidades, de forma a incentivar os empresários de mídia a manterem diálogo constante com seus interatores para adaptarem constantemente suas produções às novas funcionalidades que recebem no momento do consumo. JeC: Fala-se bastante na atualidade sobre a cultura participativa na internet, o que isso tem a ver com a comunicação e a ideologia? Carly Falcão: Essa mobilização em rede se faz possível em razão do que Pierre Lévy (1999) chama de cultura participativa, marcada pela presença de uma infinidade de mecanismos que permitem ao cidadão desenvolver um discurso voltado para a ação que se contraponha aos interesses de grupos dominantes e a padrões sociais estabelecidos. Isso porque a cultura participativa apresenta o que André Lemos (2007) chama de “liberação do polo emissor”, que permite que qualquer um (e não apenas os veículos da grande mídia) produza informação. Dessa forma, o internauta pode não apenas receber qualquer material já pronto, como também mexer nesse material recebido, discordar dele, reunir vários produtos e dar um novo sentido a eles ou ainda produzir seu próprio material e soltar na rede. Além disso, há outras duas características: a conexão em rede (que permite a comunica-
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ção entre muitos e muitos - diferentemente da comunicação feita pela imprensa tradicional, em que poucos concentram a produção que é enviada a muitos) e a reconfiguração cultural generalizada - uma vez que estamos diante de novas relações que passam a se desenvolver nesse ambiente online, nessa nova cultura, decorrente das transformações tecnológicas, que Pierre Lévy (1999) chama de cibercultura. JeC: Você analisou várias postagens na internet feitas em formatos de meme, com muito humor e ironia. Como esse tipo de produção pode mobilizar as pessoas para uma causa social? Carly Falcão: O tipo de produção que escolhi analisar no artigo foram alguns memes divulgados na época dos protestos no Brasil. Um deles é uma montagem feita no perfil do Bode Gaiato no Facebook, criado por um recifense e que tem mais de seis milhões de seguidores. Na montagem, o personagem principal, Júnio, aparece junto a uma multidão com cartazes de um protesto frente a uma repressão policial. Em seguida aparece a frase “Armaria, pode nem protestar nesse país”. Mas o interessante desse post vem depois… o autor da página postou fotos de vários cartazes de pessoas que se espelharam no discurso do Bode Gaiato e saíram às ruas de fato. Nas cartolinas, aparecem frases inspiradas naquelas ditas por Júnio, o persongem principal, como “Armaria, Brasil, Nãm, nem saúde temos”, “Armaria, pode nem protestar”, “Armaria, ô passage cara. Nãm”, “Armaria, mainha, passage cara da gota” ou ainda “Armaria, mainha, PEC-37 nãm”. Algumas tinham até mesmo o desenho do bode gaiato! Esse tipo de material produzido pela página de humor se enquadra bem no que Rennan Mafra (2006) chama de dimensão espetacular, que se faz presente no processo de mobilização. O pesquisador aponta que elas são compostas por três dimensões comunicativas, que agem em conjunto mas de formas variadas para ativar estratégias de comunicação responsáveis por despertar, envolver e instruir os indivíduos para determinada causa social. A primeira delas é justamente a dimensão espetacular, que tem como objetivo chamar a atenção e despertar o interesse do cidadão para determinado debate. Assim, entendo que memes, jogos e produções humorísticas podem contribuir para uma mobilização social. No caso das montagens disseminadas na internet nos protestos de 2013 no Brasil, elas podem ter ajudado a inserir as questões políticas daquele momento na conversa cotidiana das pessoas e incentivado elas a irem às ruas. JeC: Você acredita ser a Internet um instrumento tanto de dominação quanto de resistência e luta contra-hegemônica? Onde o entretenimento entra nessa relação? Carly Falcão: Concordo com Antônio Rubim (2004) e outros autores quando dizem que o espetáculo, a dramatização, o entretenimento e outros recursos comunicativos expressivos têm capacidade de serem usados tanto democraticamente quanto de forma autoritária. Fica claro, para mim, que o perigo ideológico desse tipo de composição não está em sua essência, mas nos interesses a que atende. O mesmo poderia ainda ser aplicado à Internet, que sendo uma plata-
forma comunicativa - assim como o Impresso, a TV e a Rádio - não deve ser entendida como um problema social e sim como mais um meio, que pode servir ao poder dominante ou como espaço para resistência e luta contra-hegemônica. JeC: E sobre o infotenimento, conceitualmente falando, o que você pesquisa sobre este fenômeno em seu doutorado? Carly Falcão: O fenômeno do infotenimento, em que a notícia aparece revestida de ludicidade e diversão, e em que programas de humor resolvem apresentar conteúdo noticioso nas suas produções, é o foco da minha pesquisa atual. Na prática, o infotenimento surgiu ainda no século XIX, com a imprensa penny press, porém, esse neologismo aparece na academia e na prática profissional apenas cem anos depois, no século XX. Para Douglas Kellner (2003, 2004), o infotenimento está tão entrelaçado à cultura contemporânea que já pode ser notado na maioria dos aspectos da vida, indo além de uma compreensão que o vê apenas como uma tendência global. Diante da intensificação do entrelace do entretenimento com o jornalismo no universo online, achei importante estudar de forma aprofundada o fenômeno do infotenimento, a fim de analisar seus pormenores e entender como ele se manifesta nesse campo jornalístico, a partir das estratégias empregadas pelos portais de notícia, das reconfigurações sofridas por alguns critérios de noticiabilidade e da polêmica em torno do infotenimento ser ou não jornalismo. Referências: JENKINS, H. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph. 2008. LEMOS, A. Cidade e mobilidade. Telefones celulares, funções pós-massivas e territórios informacionais. Revista Matrizes. N.1. Out. 2007. p.121-137. LÉVY, P. Cibercultura. Trad. Carlos Irineu da Costa. São Paulo: Ed. 34, 1999. MAFRA, R. Entre o espetáculo, a festa e a argumentação: mídia, comunicação estratégica e mobilização social. Belo Horizonte: Autêntica, 2006. RUBIM, A. A. C. Espetacularização e Midiatização da Política. P. 181 - 221. In: ______ (org.). Comunicação e Política: Conceitos e Abordagens. Salvador: Edufba, 2004.
Escrita pela jornalista Rakel de Castro, doutoranda em Comunicação pela UFPE e em Ciências da Comunicação pela Universidade da Beira Interior (UBI) / Portugal, a coluna Poder Plural aborda a análise política e sua relação com a internet feita à margem dos veículos tradicionais. Mensalmente, o espaço apresentará um Raio-X de temas debatidos no Brasil e/ou no mundo que se coadunem as questões de Participação política em sociedades democráticas e as novas formatações políticas no Brasil e no mundo.
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Mude o Canal
Sensacionalismo e exploração de acontecimentos Por Ticianne Perdigão
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ualquer grupo de pessoas que possa ser representado por associação ou entidade pode entrar com uma ação coletiva na justiça se achar que o conteúdo veiculado por uma emissora de tevê atingiu algum direito da categoria. Grupos de homossexuais, afrodescendentes ou até mesmo categorias de classe de trabalhadores já entraram com ações quando acharam que direitos como honra e dignidade foram violados por um programa televisivo. Em uma pesquisa sobre as ações judiciais contra conteúdos televisivos das cinco emissoras de tevê com maior audiência no país (Globo, Record, SBT, RedeTV e Band), localizou-se uma categoria específica que mais entrou com ações contra emissoras: os enfermeiros. O dado chama atenção porque a categoria profissional não se constitui de uma minoria historicamente inferiorizada como os negros, por exemplo. O caso icônico ocorreu em uma ação do Conselho Federal de Enfermagem do Paraná contra a Rede Globo. A ação solicitava a suspensão da veiculação do episódio “Seu Floriano Amanheceu” no programa “A Grande Família” da emissora. O pedido foi solicitado para preservar a imagem e o bom conceito da enfermagem. No entanto, o Conselho entendeu que a cena vinculada de uma modelo vestida de enfermeira como uma fantasia sexual feria o direito à imagem e a honra dos profissionais. Já a justiça entendeu que o programa “reveste-se de caráter eminentemente satírico, sem que se possa presumir intenção determinada e maliciosa de ofender a categoria profissional”. Ainda, segundo a decisão final do processo no Tribunal Regional Federal da 4ª Região “Os Conselhos tem o dever de fiscalizar os integrantes de sua categoria para o fim de vê-los atuando dentro dos padrões da ética e da moral” e que a produção de um vídeo não justificava a preocupação do Conselho em relação a danos à imagem e à honra da categoria. Outro exemplo de ação foi do Conselho Regional de Enfermagem do Rio de Janeiro contra a mesma emissora, desta vez sobre o programa humorístico Zorra Total. O quadro, segundo consta nos autos do processo, mostrava duas mulheres trajando roupas de enfermeiras passando por impostoras. Neste caso, a justiça entendeu que “O fato de utilizarem vestimentas de enfermagem como figurino apenas funcionou como pano de fundo, de forma que poderia ter sido usado o traje típico de qualquer outra categoria profissional. Admitir que a mera utilização de figurino caracterizador de ofício pudesse ofender a honra de uma categoria, provocaria não só uma enxurrada de ações no Judiciário, como também, inviabilizaria a produção humorística.” Além de emissoras de televisão, há outros casos de ações de outros Conselhos de Enfermagem contra peças de teatro,
comerciais e até mesmo um evento noturno chamado “Noite das enfermeiras”. Todas os exemplos, segundo os autores da ação, relacionavam a enfermagem a conotações sexuais. Em todos os casos pesquisados, os Conselhos perderam na justiça. O fato é que tais casos são um bom exemplo de discussão sobre os limites da liberdade de expressão das emissoras de tevê. Os canais veiculam uma carga de conteúdo enorme o que as torna uma arena natural de conflitos entre a liberdade de expressão e os direitos fundamentais como à imagem e à honra. Neste caso específico, nos parece que a justiça julgou de forma coerente. Entendemos que as emissoras refletem significados construídos socialmente. Fornecer a liberdade de expressão a emissoras também é uma forma de oportunizar um debate social de ideias ainda que, com isso, haja riscos de visões estereotipadas, sexuais e machistas. A sociedade é assim e a televisão também é. Por mais que desejemos receber um conteúdo ético e construtivo que não ofenda valores morais universais, essa visão parece ser utópica demais para a realidade vigente. No entanto, o fato de defendermos a liberdade de expressão, inclusive assumindo os riscos naturais do seu exercício pelas emissoras de televisão, não quer dizer que aceitemos outras afrontas mais severas como contra à dignidade da pessoa humana, o direito à privacidade, a proteção contra a discriminação e até mesmo a quebra do princípio da presunção de inocência cotidianamente afrontado nos programas policiais exibidos ao meio dia. O debate é difícil. Muitos podem até discordar da justiça nos casos globo versus conselhos de enfermagem, por exemplo. O fato é que cada caso carrega um nível de subjetividade imensa e são julgados a partir de parâmetros sociais mais amplos ainda por envolverem visões de mundo, moral, costumes etc. É de se atentar que a justiça não é a instância de decisão correta para isso. Diante de uma carga tamanha de subjetividade, um único juiz não pode definir sozinho como os telespectadores receberam uma imagem de uma atriz vulgarmente fantasia de enfermeira. Faz necessário uma órgão independente e democrático, com representantes da sociedade, Estado e das próprias emissoras. Só assim a análise poderia se aprofundar mais na realidade social. Mas isso é outra história... Ticianne Perdigão é formada em Direito e em Jornalismo. Tem mestrado em Direito mas agora curso Doutorado em Comunicação Social. Essa ambiguidade acadêmica fez com que temas como Liberdade de Expressão e Regulação da Mídia fossem seu foco de estudo.
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Resenha Anônima Intimidade Por João Hansen
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o indivíduo Michel Temer aplica-se o verso em que o poeta colonial Gregório de Matos e Guerra classifica o oportunista: “Quem tem mão de agarrar, ligeiro trepa”. Como outros que lá vão galho acima, terá sua memória póstuma assegurada quando baixar ao túmulo dos homens de vendas. Sabendo disso, quando convidado para comentar seu livro Anônima Intimidade, meu primeiro impulso foi dizer “não li e não gostei”. Mas, também sabendo que a obra não é necessariamente o homem, supus não ser justo dizer, sem mais, que os textos de Anônima Intimidade são ruins porque o homem autor é o que se sabe. Ladrão, Villon, assassino, Caravaggio, nazista, Celine, entre tantos outros de triste memória, produziram grande arte, apesar de criminosos. Além disso, Anônima Intimidade foi publicado em 2012, quando, larvatus, o homem autor rastejava ainda anônimo na intimidade da sombra. Me equivocava. Acabo de ler o livro e tenho certeza de que a Academia Brasileira de Letras convocá-los-á, ao homem e à obra, para a elevação e o consolo daquele píncaro sem ter flores da excelsa companhia de ex-presi-
dentes & excelsos jurisconsultos & juízes & ministros & repórteres globais e mais merdais que por lá abundam. Os textos do livro não são poesia. Kitsch, artisticamente falsos como uma nota de 30 dinheiros, pretendem seduzir o leitor com a intimidade de seus lugares comuns lumpen. Poesia de guardanapo & ponte áerea & mesa de bar & álbum de moça & musa miss Petrodólar & preito à do lar & para-choque de caminhão & restaurante beira de estrada & TV Globo & filosofia de bol$o & orelhas de lacaio & loa de prefácio & trocadilho & gracinha & exibição da tripa sentimental como coração & exibição do coração como algibeira & tolice incongruente do título em que a intimidade declarada anônima se declara pública com nome individualizado de autor... isso não é poesia. Poesia é outra coisa. Poesia é coisa séria. Poesia é o exílio da banalidade. Poesia é autoconsciência irônica. Poesia é forma que nega o precário. Poesia não é adesão à vida besta. Poesia não é naturalização da bobagem sentimental. Poesia não é inflação de eu autocomplacente. Poesia não é o cheio de si sem si de papo de tucano arrotando bichos predados. Poesia é negação da estupidez. Poetas verdadeiros sabem o que Dante sabia. Poetas verdadeiros sabem o que Dante fez. Não só traidores da pátria, não só traidores de amigos, não só traidores de companheiros de viagem estão no Inferno. Também traidores da linguagem. Os criminosos da linguagem. Pois, leitor, aqui a obra é o homem, fundidos ambos naquele gelo eterno da falta do bem da forma. O número de crimes contra a linguagem de Anônima Intimidade é só um pouco menor que a soma das res gestae dos excelentíssimos e das não menos digníssimas da Câmara & Senado & Supremo. Impossível, além de inutilmente despiciendo e sumamente tedioso, enumerá-los um a um. Para acabar sumariamente com a bobagem, lá vão dois: “Não teria sido mais útil silenciar?” Mas nenhum dos textos cala a boca. Um deles dá uma explicação mecânico-biológica para a tolice: “Nosso corpo foi fabricado para produzir ruídos”. No caso, não só, eis a obra. (*) A resenha de João Hansen do livro Anônima Intimidade de Michel Temer foi publicado no blog de Fernando Moraes. João Hansen é professor titular (aposentado) de Literatura Brasileira na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (USP).