Revista Jornalismo e Cidadania nº 8/2017

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Jornalismo e cidadania

Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade - PPGCOM/UFPE | 1 Luiz Gê Mídia Alternativa Laurentino Gomes Prosa Real E mais...
nº 8 | Ano 2017 Revista Eletrônica do Grupo de Pesquisa Jornalismo e Contemporaneidade | PPGCOM/UFPE | ISSN 2526-2440 |

JORNALISMO E CIDADANIA

Expediente

Editor Geral | Heitor Rocha professor PPGCOM/UFPE

Editoração Gráfica | Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE

Articulistas |

PROSA REAL

Alexandre Zarate Maciel doutorando PPGCOM/UFPE

MÍDIA ALTERNATIVA

Xenya Bucchioni doutoranda PPGCOM/UFPE

NO BALANÇO DA REDE

Ivo Henrique Dantas doutorando PPGCOM/UFPE

JORNALISMO E POLÍTICA

Laís Ferreira mestranda PPGCOM/UFPE

JORNALISMO AMBIENTAL

Robério Daniel da Silva Coutinho mestre em Comunicação UFPE

PODER PLURAL

Rakel de Castro doutoranda PPGCOM/UFPE e UBI

CIDADANIA EM REDE

Nataly Queiroz doutoranda PPGCOM/UFPE

COMUNICAÇÃO PÚBLICA

Ana Paula Lucena doutoranda PPGCOM/UFPE

JORNALISMO INDEPENDENTE

Karolina Calado doutoranda PPGCOM/UFPE

MÍDIA FORA DO ARMÁRIO

Rui Caeiro mestre em Comunicação UFPE

MUDE O CANAL

Ticianne Perdigão doutoranda PPGCOM/UFPE

RÁDIO E CIDADANIA

Karoline Fernandes mestre em Comunicação UFPE

NA TELA DA TV

Mariana Banja mestranda em Comunicação UFPE

Bolsista e Aluno Voluntário |

Lucyanna Maria de Souza Melo

Yago de Oliveira Mendes

Graduandos de

Colaboradores |

Marcos Costa Lima Pós-Graduação em Ciência Política/UFPE

Túlio Velho Barreto

Fundação Joaquim Nabuco

Gustavo Ferreira da Costa Lima Pós-Graduação em Sociologia/UFPB

Luiz Lorenzo

Núcleo de Rádios e TV Universitárias/UFPE

Ada Cristina Machado Silveira Professora da Universidade Federal de Santa Maria – UFSM

Antonio Jucá Filho Pesquisador da Fundação Joaquim Nabuco – FUNDAJ

Auríbio Farias Conceição Professor do Departamento de Letras e Humanidades – DLH/ UEPB

Leonardo Souza Ramos

Professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC –Minas Gerais e coordenador do Grupo de Pesquisa sobre Potências Médias (GPPM)

Rubens Pinto Lyra

Professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas  da UFPB

Na

Jornalismo

| 2
Jornalismo UFPE Índice Editorial
Real Opinião | Alexandre Pereira Mídia Alternativa
Prosa
TV
Tela da
Ambiental Opinião | Amanda Tavares
Opinião | Auríbio Farias e Lúcia Helena Poder Plural Opinião | Joyce Helena da Silva Jornalismo Independente Opinião | Rubens Lyra Opinião | Marcos Costa Lima Jornalismo e Política Opinião | Mariana Yante | 3 | 4 | 6 | 8 | 10 | 12 | 14 | 16 | 18 | 20 | 22 | 24 | 26 | 28 | 30 | 32 Arte da Capa: Designed by Freepik.com Acesse: facebook.com/ Jornalismoecidadania | issuu.com/revistajornalismoecidadania
Comunicação Pública

Editorial

Por Heitor Rocha

ARevista Jornalismo e Cidadania apresenta o seu nº8/2017, mantendo sua periodicidade em mês menor e coroado com o carnaval, com o empenho da equipe de execução e dos colaboradores, seguindo a política editorial de contemplar as questões e as fontes que não têm o adequado e devido tratamento da grande mídia.

Neste sentido, o artigo de Amanda Melo analisa o papel do jornalismo dentro da nova ordem midiática marcada pelos novos dispositivos digitais e da contribuição dos cidadãos no processo de produção das notícias. Neste contexto, é realçada a contribuição de mecanismos de busca avançada e de plataformas de organização de bancos no processo de produção das notícias, ampliando consideravelmente a rapidez e a exatidão dos materiais obtidos.

A partir de entrevista com a jornalista Rosa Sampaio, do Fórum Pernambucano de Comunicação (FOPECOM), Ana Paula de Lucena indaga sobre o entendimento dos militantes desta entidade da comunicação como pilar estratégico para garantia dos demais direitos humanos. Na entrevista, também é discutida a repressão do Poder Público ao diálogo sobre a Comunicação Pública, como tentativa de distanciar os governados de seus governantes.

O critério de seleção das notícias no jornalismo brasileiro é abordado por Karolina Calado, quando observa que a produção noticiosa vai além da cobertura dos fatos, quando escolhe e espetaculariza determinados assuntos em detrimento de outros, algumas vezes ocupando longo tempo com uma mera repetição de acontecimentos, como o acidente de avião em que viajava um time de futebol, para ocultar a votação da PEC do teto dos gastos.

Através de descrição dos grandes sistemas de mídia internacionais, o artigo de Mariana Banja discute a tendência do modelo liberal/comercial dos EUA prevalecer ao promover uma não-diferenciação da esfera pública, que desqualifica e esvazia o debate comprometendo a possibilidade de uma discussão pública ética. Para contrastar com este modelo, o artigo enfatiza a importância das experiências de alguns projetos de extensão da UFPE, como o da revista e do programa de rádio Jornalismo e Cidadania e do programa de radio diário Fora da Curva, ambos na Rádio Universitária FM, que procuram romper as barreiras que a grande mídia impõe para excluir os temas e demandas dos movimentos sociais, dos artistas e produtores culturais populares,

intelectuais, estudantes, professores e demais setores da periferia.

O caráter reacionário da mídia brasileira também é destacado no artigo de Laís Ferreira, que denuncia o coronelismo eletrônico e seu criminoso intuito de corromper a opinião pública. O artigo 54 da Constituição Federal determina que, deputados e senadores não podem participar de contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público. No entanto, aponta uma verdadeira farra dos parlamentares no controle dos veículos de comunicação.

Periodicamente, surgem determinadas modas acadêmicas como novidades relevantes, como o fim das ideologias, da história e agora da verdade, quando representam esforços para reprimir a reflexão crítica, promovendo um pseudo-consenso simplista. O artigo de Rakel Castro trata da questão da “pós-verdade” e o jornalismo político brasileiro, ligando-o à ideia de que, em um processo de recepção, entendimento e interpretação de algum fato, alguns dispositivos de ordem emocional tenham mais peso que determinantes racionais. Na análise, porém, prevalece o entendimento de que traduzir isso como sintomático de um novo momento no jornalismo, atravessado pela pós-verdade, é injusto com as concepções de pesquisadores como Schutz, Berger, Luckman e Habermas, entre outros que já pensavam a Construção Social da Realidade como espaço de disputa ideológica pela definição da situação.

Nesta edição, constam ainda artigos Alexandre Maciel sobre as heranças das práticas jornalísticas no livro-reportagem; de Xenya Bucchioni sobre os quadrinhos e a quebra de paradigmas; Marcos Costa Lima sobre as ameaças conservadoras ao Mercosul; de Rubens Pinto Lyra sobre a crise no sistema penitenciário; de Mariana Yante sobre a China e os acordos megarregionais de comércio; de Joyce Helena Ferreira da Silva sobre as Classes e frações de classe no capitalismo periférico brasileiro; e de Auríbio Farias Conceição e Lúcia Helena Ramos sobre o Museu de Artes Afro-Brasil Rolando Toro.

Heitor Costa Lima da Rocha, Editor Geral da Revista Jornalismo e Cidadania, é professor do Departamento de Comunicação Social e do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE.

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Prosa Real

Livro-reportagem, jornalismo e contexto

Autor do mês: Laurentino

Gomes

Se alguém contasse para o jornalista Laurentino Gomes (Maringá, Paraná, 1956) quando ele estava na revista Veja, em 1997, que a soma da vendagem do que seriam os seus três primeiros livros chegaria à marca de mais de dois milhões de exemplares nas décadas seguintes, ele daria risada do sonho impossível. O material jornalístico de popularização do conhecimento histórico que resultaria em 1808: como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a história de Portugal e do Brasil (2007) começou a ser gestado dez anos antes, quando, na condição de editor de Geral da revista, Laurentino ficou responsável por elaborar um especial sobre a vinda de D. João VI e a família real ao Brasil. Este seria peça de um material promocional a ser entregue como brinde aos assinantes, mas o projeto acabou sendo cancelado. Com o material de pesquisa em mãos, Laurentino, conforme relatou ao autor desta coluna decidiu “transformar aquela frustração coorporativa em um projeto pessoal”. Dez anos depois, tendo

o primeiro livro pronto em mãos, ele amargou uma rejeição inicial da editora Sextante, que alegou falta de potencial de venda. Acabou aceitando a proposta da editora Planeta. O sucesso de vendas do primeiro livro, 400 mil cópias, foi inesperado até para o próprio autor. A obra venceu os prêmios Jabuti de melhor-reportagem e também o de melhor livro de não-ficção do ano, permitindo que Laurentino deixasse as redações para dedicar-se exclusivamente à elaboração de seus livros. Os dois seguintes, 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil – um país que tinha tudo para dar errado, publicado em 2010, e o final da trilogia, lançado em 2013, 1889: como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da Monarquia e a proclamação da República no Brasil consolidaram o estilo de Laurentino Gomes. A princípio criticado pelos historiadores, o jornalista conquistou o público justamente pela sua forma didática de explicar os fatos históricos. Seus livros, inclusive, estão sendo lançados em versões infanto-juvenis, com linguagem mais simples ainda e ilustrações. No momento, Laurentino Gomes prepara mais uma trilogia, desta vez sobre a escravidão no Brasil em todas as suas fases, com o primeiro volume previsto para 2019.

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Trabalho de repórter?

As heranças das práticas

jornalísticas no livroreportagem

Mais tempo para apurar, espaço dos sonhos para escrever. Livre das pautas e das redações, mas inserido no mundo editorial. O trabalho do jornalista que decide escrever livros ainda é o de repórter? O redator desta coluna entrevistou alguns jornalistas-autores para a sua tese de doutorado e uma das principais questões foi sobre a herança dos procedimentos jornalísticos em seus trabalhos de escritores. Na opinião de Fernando Morais, o ritmo do jornalismo diário acostuma o jornalista a apurar e a ser sintético devido ao limite de espaço para escrever nos jornais. Outra lição importante do cotidiano jornalístico, segundo Morais, é que ele ensina a refinar a arte da entrevista, a buscar o que interessa com os personagens, para depois seduzir o leitor com aberturas e ritmo narrativo atraentes. Para Zuenir Ventura, a grande herança do trabalho de redação é a arte de expurgar os excessos do texto. “Você disciplina o seu estilo, você passa a trabalhar com a coisa essencial, a cortar palavras. Eu continuo achando que eu sou jornalista”, considera Zuenir. Diferenciando o trabalho do jornalista-autor de livros do historiador, Lira Neto destaca que seu olhar sobre os temas históricos, como fez na trilogia biográfica Getúlio, está permeado pelo método de investigação do jornalista: “É o repórter que está em busca de dados naqueles documentos, na forma de olhar para eles, ou seja, a atenção para o detalhe”. Como se vê, o repórter pode deixar as redações e abraçar o mundo editorial, mas elaborar livros continua tendo tudo a ver com o jornalismo.

Iluminando conceitos: os livros de repórter na concepção de Beatriz Marocco

Aprofessora da pós-graduação em Comunicação da Unisinos Beatriz Marocco defende que os livros-reportagem que apresentam posturas mais autorais podem ser chamados de livros de repórter. Com o tempo mais dilatado que dispõe, o jornalista-autor pode ensaiar uma superação da objetividade como um ritual estratégico, como constata

Marocco (2011), apoiada nas concepções de Foucault (1996). Pressionado pelas rotinas produtivas do jornalismo, o repórter de redação tentaria esconder indícios de autoria em seus textos, invocando marcas discursivas de impessoalidade, que, por si, produziriam efeitos de imparcialidade. Buscando apoio na ciência positivista para o seu reconhecimento social, esse jornalista teria, segundo Marocco (2011, p.2), abandonado o “discurso de opiniões sobre o cotidiano” por outro supostamente “objetivo” e “neutro”. Porém, Marocco (2011, p.5) enxerga nos livros-reportagem a possibilidade do “comentário”, como um tipo de texto que se ocupa do jornalismo para “dele elaborar outro texto que oferece o desvendamento de certos processos jornalísticos, ou a crítica dos mesmos, em operações de produção de sentidos”. Em livros como os de Zuenir Ventura e Caco Barcellos, o jornalista “fará um exercício de interpretação criativa do que é considerado jornalismo”. O autor de livros-reportagem pode inserir, portanto, em sua narrativa, sem medo, as ponderações e autocríticas sobre as práticas jornalísticas que utiliza para compor sua obra.

Referências:

FOUCAULT, Michel. A ordem do discurso. São Paulo: Edições Loyola, 1996.

GOMES, Laurentino. 1808: Como uma rainha louca, um príncipe medroso e uma corte corrupta enganaram Napoleão e mudaram a História de Portugal e do Brasil. São Paulo: Planeta, 2007.

________, Laurentino. 1822: como um homem sábio, uma princesa triste e um escocês louco por dinheiro ajudaram D. Pedro a criar o Brasil, um país que tinha tudo para dar errado. São Paulo: Nova Fronteira, 2010.

_________, Laurentino. 1899: como um imperador cansado, um marechal vaidoso e um professor injustiçado contribuíram para o fim da Monarquia e a proclamação da República no Brasil. São Paulo: Globo Livros, 2013.

MAROCCO, Beatriz. Os “livros de repórteres”, o “comentário” e as práticas jornalísticas. Contracampo, v. 22, p. 116-129, 2011. Disponível em: http://www.contracampo. uff.br/index.php/revista/article/view/86 Acesso em: 8 fev. 2017.

Elaborada pelo professor do curso de Jornalismo da UFMA, campus de Imperatriz, Alexandre Zarate Maciel, que está cursando o doutorado em Comunicação na UFPE, a coluna Prosa Real traz, todos os meses, uma perspectiva dos estudos acadêmicos sobre a área do livro-reportagem e também um olhar sobre o mercado editorial para esse tipo de produto, os principais autores, títulos e a visão do leitor.

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Opinião

Cinco Coisas que Adoro em Wuhan. Mas...

Depois de quase um ano vivendo em Wuhan, capital da província de Hubei, na China, eu resolvi organizar a minha lista de preferências na cidade, já considerada a terceira maior do país, com cerca de 10 milhões de habitantes. É verdade, no entanto, que nenhuma das minhas cinco predileções, listadas abaixo, podem ser aproveitadas por mim em sua plenitude, mas isso não prejudica em nada a minha satisfação em viver em uma cidade vibrante e de crescimento impressionante, ainda pouco conhecida no Brasil.

1 – As livrarias, mas...

Uma das coisas que sempre procuro em minhas viagens, no Brasil ou no exterior, são as livrarias. Em Wuhan, obviamente, não foi diferente. À medida que fui conhecendo a cidade, fui também descobrindo suas livrarias, desde as pequenas até as grandes lojas. O fato que me deixou muito contente foi que aqui em Wuhan – e como também pude perceber em outras cidades do país –, é que

ainda há espaço para as livrarias consideradas “independentes”, ou seja, aquelas que não pertencem aos grandes grupos varejistas, um fenômeno dominante nas grandes cidades brasileiras, que praticamente terminou com os pequenos livreiros e consolidou o mercado de livros em duas ou três cadeias. Outra constatação nas minhas andanças livrescas por Wuhan foi que as livrarias não estão concentradas exclusivamente em shopping centers; existem ótimas – ainda que menos frequentes – opções nas ruas wuhanesas (outro fato em extinção nas cidades brasileiras). Mas, o lado negativo é que, logicamente, as livrarias vendem livros em mandarim, e o meu é sofrível. Assim, tenho mesmo que me contentar em apenas ver as capas – que curiosamente trazem os títulos na língua original, além do título em mandarim – e constatar outro fato positivo: o preço. Por exemplo, dois clássicos de Gabriel García Márquez (Amor nos Tempos do Cólera e Cem anos de Solidão) em mandarim podem ser encontrados em ótimas edições em capa

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dura entre 40 e 50 yuans (algo em torno de 20 e 25 reais), muito menos que as versões brasileiras.

2 – Os cafés, mas...

Wuhan, apesar do tamanho, está longe de ser uma cidade cosmopolita como Xangai, Beijing ou Hong Kong; no entanto, as cafeterias parecem ter caído de vez no gosto dos chineses. Segundo me contaram, trata-se de um fenômeno recente. Assim, pode-se encontrar com grande facilidade bons locais para tomar um café, seja um expresso, seja um café passado, aqui conhecido como “café americano”. Existem desde as cadeias internacionais como a norte-americana Starbucks (muito popular) e a londrina Costa, como também as cadeias chinesas, tais como a Maan Coffee e a Pacific Coffee. Além de presentes em praticamente todas as livrarias e pelos centros comerciais, há muitas cafeterias pequenas em Wuhan, entre elas, a minha preferida é a Miss Miao Coffee, com um bom café, um excelente waffle e muitos gatos para fazer companhia! O porém é que o preço médio de um café na China é consideravelmente mais salgado do que no Brasil. Um expresso ou americano custa em torno de 25 yuans (R$ 13).

3 – As opções de comida, mas...

Uma das coisas que me deixaram mais impressionado ao chegar à China foram as opções de comida. Há uma infinidade de alternativas! E os preços também são ótimos. Por exemplo, pode-se comer em uma confortável praça de alimentação um bom prato por cerca de 15 yuans (R$ 8). Se estiver com mais apetite, buscando um cardápio mais variado e querendo um lugar mais reservado, pode-se facilmente comer por cerca de 40-50 yuans (R$ 20-25). Sempre existem, claro, locais mais caros, mas esses podem ser facilmente evitados. Além disso, para quem gosta (como eu) de comidinhas de rua, a China também se mostra imbatível. Encontra-se um pouco de tudo, especialmente no final de tarde e início da noite por quase todos os cantos da cidade. Mas, o problema nesse caso é que, para quem não tem domínio da língua, defrontar-se com um cardápio somente com caracteres chineses pode ser uma experiência frustrante. Nem sempre a técnica de “apontar e pedir” funciona. Assim, muitas vezes deixa-se de ir a um restaurante que parece muito bom e com preço acessível, por causa da barreira linguística.

4 – As opções de compras, mas...

Outra grata surpresa em Wuhan foi descobrir o variado comércio da cidade. Pode-se encontrar de tudo! Centros comerciais grandes (muitos com mais de dez andares), shoppings centers e as prin -

cipais ruas fazem a alegria de quem gosta de compras. Os chineses, assim como os brasileiros, adoram as conhecidas (e caras) grifes ocidentais, seja de roupas (Emporio Armani, Prada, Louis Vuitton, entre outras), seja de relógios (Omega, Rolex, Audemars Piguet) ou de qualquer outra coisa. Grandes magazines internacionais (H&M, Marks&Spencer, Uniqlo) também são muito comuns. Mas, os preços são surpreendentemente caros! Fácil entender porque o turista chinês é um dos que mais gasta em Nova York. É muito menos comum do que se pode imaginar encontrar itens que sejam muito mais baratos do que no Brasil. Existe uma “lenda urbana” de que um iPhone da Apple é uma pechincha na China. Acredite, na China continental, o iPhone é tão caro quanto no Brasil.

5 – O campus da Wuhan University, sem mas! Apesar de gostar muito de Wuhan, tenho que admitir que a cidade não tem grandes atrações turísticas, além da torre Yellow Crane, a antiga ponte sobre o rio Yangtzé, o Museu da Província de Hubei e o templo de Guiyuan. Por outro lado, um dos pontos altos da cidade é o campus da Wuhan University, (popularmente conhecida como Wuda). Pode soar estranho, especialmente para aqueles que só conhecem os insonsos campi universitários brasileiros. O campus da Wuda é reconhecido como o mais bonito da China. Merecidamente! O fluxo de turistas chineses é grande: o ano todo, há sempre ônibus com turistas circulando pelo campus, mas é durante a floração das cerejeiras (cherry blossom) que o número de visitantes cresce exponencialmente. No ano passado, em razão da massiva presença de turistas, a reitoria da Wuda teve que impor medidas de controle de acesso ao campus, autorizando apenas um limitado número de pessoas de fora da comunidade acadêmica durante a imperdível e belíssima cherry blossom. Além disso, diversos prédios que combinam o estilo chinês e ocidental, com seus indefectíveis telhados verdes, são de uma beleza particular, com destaque para o prédio da Administração (Reitoria), a antiga Biblioteca e o fabuloso Cherry Blossom Castle (dormitório para estudantes chineses de pós-graduação). Vale mencionar, ainda, as altas e frondosas árvores e os sempre bem cuidados jardins. É por tudo isso, e mais um pouco, que o local onde atualmente trabalho é, para mim, o lugar mais bonito de Wuhan.

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Alexandre Pereira da Silva é Professor Adjunto na UFPE e doutor em Direito, atuando nas áreas de Economia Internacional e Direito Internacional Público.

Mídia Alternativa

Jornalismo de oposição e resistência

Anos 70, quadrinhos e quebra de paradigmas: Uma entrevista com Luiz Gê

JeC: Sua história com os quadrinhos está ligada ao período da imprensa alternativa dos tempos de ditadura. Gostaria que você contasse sobre esse seu começo profissional nos anos 70.

LG: Na faculdade, a gente fez uma revista de história em quadrinhos chamada Balão, que foi muito importante por vários motivos. O quadrinho de antes, e de maneira muito complicada no Brasil, era um quadrinho comercial com características americanas do gibi. Era tudo dividido em gêneros. Você fazia caubói, terror, histórias infantis, conto de fadas, coisas desse tipo. As grandes editoras brasileiras fizeram seus belos impérios em cima de histórias em quadrinhos, a Editora Abril, por exemplo, [no caso, a partir da publicação dos quadrinhos do Pato Donald e, posteriormente, do Mickey e do Zé Carioca] e nunca deram a menor força para o quadrinho brasileiro. A nossa cultura é tão colonizada que ninguém nem cobra. Na Balão, era todo mundo universitário, era outra cabeça, outro tipo de gente que estava tentando fazer quadrinho nessa fase. Não fomos atrás de editora, partimos para o mesmo caminho da imprensa alternativa. Juntamos um monte de gente e pensamos: vamos editar nós mesmos? Então,

foi uma revista importante porque conseguiu reunir um número grande de desenhistas.

JeC: E, aos poucos, você migrou para outras publicações da imprensa alternativa...

LG: O momento em que a gente estava terminando a faculdade é o mesmo em que começava o auge da imprensa alternativa, em 75, e sai um quebra pau na Balão sobre o que fazer, se a gente ia levar a revista para banca ou não. O Movimento é lançado nesse período e alguns dos caras da Balão, como o Chico [Caruso], já colaborava com o Opinião, no Rio. Ele fez a ponte e conheci o pessoal [O jornal Movimento é fruto de um racha no grupo do Opinião], então, quando saiu o número 1 do Movimento, já tinha meu nome. Eu estava me formando, mas resolvi sair da arquitetura e fui para o jornalismo. Logo em seguida, vou pra Folha, em 76, e começo como chargista político. Na sequência, começo no Versus, que foi uma publicação muito importante para mim porque de todos os jornais alternativos era um dos poucos lugares onde era possível fazer quadrinho.

O que acontecia comigo? Eu acho que da minha geração a maioria, Laerte, Chico e Paulo [irmãos Caruso], é meio cartunista, meio chargista. No momento em que a Balão ficou na indecisão, eles todos tinham um caminho para ir. E foram. Eles queriam fazer charge política e isso existia na imprensa. Só que eu sempre fui um cara do quadrinho. E o quadrinho precisa de página. Quando rola o Versus, esse canal se abre. Então, tanto na imprensa alternativa como na grande imprensa, toda vez que eu tinha oportunidade, fazia quadrinho porque era uma maneira de conquistar espaço, de abrir portas, de mostrar que era possível, que existia uma outra linguagem que podia ser usada.

JeC: E como era esse processo com os quadrinhos dentro do Versus?

LG: Dos artistas gráficos, fui um dos que mais vestiu a camisa do Versus porque eu via uma possibilidade. E, tam-

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bém, porque o Marcão [fundador da publicação] comprava essa ideia do quadrinho, de ter outras linguagens dentro do jornal. Então, Versus começa a ser um lugar que repercute quadrinhos e, ao mesmo tempo, um lugar que se transforma num caldeirão, num centro de discussão, de contato com jornalista, diagramador, roteirista, gente do cinema. O Movimento era mais jornalismo mesmo, só tinha jornalista. Versus era mais aberto. E é lá que conheço o Toninho Mendes, que foi um cara importante na minha vida porque, posteriormente, a gente vai fazer a Circo. A revista que eu queria antes da Balão. Com o Toninho, começo a mexer na diagramação e na direção de arte do Versus, depois faço isso no Folhetim, em outros lugares e acabo sendo editor de arte da revista Status, de 85 a 86. Aí entro na Circo, que foi super importante porque mostrou a possibilidade de fazer quadrinho. E o que acontece depois da Circo? Começa a surgir uma figura que era o que a gente queria que tivesse desde sempre, o editor de quadrinhos. E, hoje, tudo quanto é editora tem uma seção de quadrinhos.

E ele se foi: Um adeus ao editor de quadrinhos

Toninho Mendes

Era uma manhã fria e chuvosa aquela em que encontrei Toninho Mendes pela primeira vez. Estávamos, eu e ele, empolgados com os nossos projetos pessoais para o ano de 2012. Sentada num antigo sofá na sala da sua casa no bairro da Lapa, em São Paulo, eu o ouvia falar sobre a diferença entre charge política e cartum. “A charge é essencialmente política, está ligada ao que está acontecendo na política, mas não necessariamente tem a figura de um político na charge, já o cartum é completamente solto, é ligado à critica de costume e diferenciado porque mexe com movimentos da sociedade que não são, necessariamente, políticos”.

A cada frase concluída por Toninho, uma pequena pausa instalava-se diante de nós. Luzes de uma pequena combustão. Pensamentos em retomada e meus olhos vidrados na imensa cortina de fumaça erguida ao seu redor. “Você fuma?”. “Não, mas tô acostumada. Meu marido também fuma esse cigarrinho de palha”. Gestos e imitações desenhavam-se no ar, enquanto histórias, recordações e experiências eram tecidas em meio à movimentada nuvem branca que, até o final do dia, dividiria dois espaços comigo: aquele das coisas que são e o das coisas que imaginamos que são.

Por muito tempo, pensar nessa conversa era como navegar num mar de lembranças ora realidade, ora sonho. Tudo pareceu-me místico naquela tarde. Ainda parece. O fato é que, naquela época, eu escrevia uma matéria nada fora do convencional para a revista da Livraria Cultura e,

então, Toninho abriu-me a porta e um outro mundo – os 80! E as pirações críticas, criativas e bem humoradas de uma época marcada pela derrocada da ditadura.

Chiclete com Banana, Piratas do Tietê, Bob Cuspe, Geraldão, Rebordosa. Angeli, Laerte, Chico e Paulo Caruso, Luiz Gê, Glauco. Criações e criadores atravessados pelo olhar de um dos editores de quadrinhos mais lendários do país cuja carreira, marcada pela passagem por Versus e Movimento, publicações alternativas combativas ao regime militar, estende-se, ainda, à fundação da saudosa Circo Editorial (1984-1995), responsável por colocar à prova o período de abertura política. Drogas, sexo, política, relacionamentos – muitos foram os temas trabalhados em edições que chegaram a alcançar a marca dos 100 mil exemplares vendidos em bancas. A grande sacada era oferecer ao leitor o nome dos grandes quadrinistas do momento que, aos poucos, consolidavam a carreira em jornais de maior circulação, mas sem espaço para trabalhar a linguagem dos quadrinho.

Em solo brasileiro, as experiências com quadrinhos limitavam-se às figuras do Pato Donald e da Turma da Mônica. Mas havia espaço para mais. A brecha necessária que Toninho soube explorar. Em sua passagem por este planeta que chamamos Terra, Toninho nunca parou de editar. Em parceria com as editoras Devir e LPM, participou da confecção de cerca de 50 títulos. E mais: à frente de seu selo editorial Peixe Grande, enveredou para o terreno das histórias – da pornografia (Quadrinhos Sacanas, Maria Erótica), da imprensa (A história da revista Grilo), dos quadrinhos (E depois maluca sou eu). A algum repórter, li em um site de notícia, confidenciou estar ansioso com um novo projeto. Não duvido.

À altura da nossa entrevista, Toninho convidou-me a embarcar numa grande aventura: ouvir e transcrever as dezenas de fitas cassete que ele havia arquivado desde o início de sua trajetória profissional. Estava convicto que, dali, sairiam novos projetos. “Você não acha?” - “Com certeza!” Seguimos até o ponto de ônibus. Subi. Ele ficou. E permaneceu o tempo suficiente para acenar-me com as mãos, naquele que seria nosso primeiro e único encontro. Sua morte, aos 62 anos de idade, veio de forma repentina, em decorrência de um acidente doméstico, e pegou leitores, editores, autores e jornalistas desprevenidos – inclusive, à mim.

Escrita pela jornalista Xenya Bucchioni, doutoranda em Comunicação na UFPE e fundadora do Mezclador, estúdio de cultura contemporânea desenhado para realizar projetos de impacto social, a coluna Mídia Alternativa aborda a produção jornalística feita à margem dos veículos tradicionais. Mensalmente, o espaço apresentará um raio-x das publicações alternativas marcantes na história do jornalismo e do país, além de entrevistas e debates.

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Na Tela da TV

Jornalismo, linguagem e representação social

Para além dos sistemas da grande mídia: a experiência de projetos de extensão em comunicação na UFPE

Por que a mídia é como é? A imprensa atua de modo igual no mundo todo? Há similitudes nesse funcionamento? Tentando responder essas perguntas, os pesquisadores Daniel Hallin e Paolo Mancini (2010) se lançaram na empreitada de, através de um estudo comparado, pensar modelos em que se pudesse categorizar os sistemas de mídia.

Com a sabedoria metodológica de quem não tem a pretensão de amarrar conceitos em chaves fixas, mas sim de sistematizar por característica de padronagem/prevalência, os autores deram valorosa contribuição aos estudos da comunicação. Escolheram investigar 18 países, mais especificamente democracias capitalistas desenvolvidas da Europa Ocidental e da América do Norte (Canadá e Estados Unidos).

A comparação foi escolhida porque possibilita o singular. “Se a comparação pode sensibilizar-nos para a variação, também o pode para a similitude, e também isso pode forçar-nos a pensar como mais clareza sobre como podemos ex -

plicar os sistemas de media” (HALLIN e MANCINI, 2010, p. 17).

A justificativa por este método passou ainda pelo fato de que esta “nos permite em muitos casos testar hipóteses sobre inter-relacionamentos entre os fenómenos sociais” (HALLIN e MANCINI, 2010, p. 18). E o estudo sobre os sistemas de mídia é também uma reflexão acerca da história e do desenvolvimento dos sistemas políticos.

Previamente às comparações, vale dizer, Hallin e Mancini falam em três modelos de sistemas de mídia. “O Modelo Liberal é caracterizado por um domínio relativo dos mecanismos do mercado e dos media comerciais; o Modelo Corporativista Democrático, por uma coexistência histórica de media comerciais e media vinculados a grupos sociais e políticos organizados, e por um papel relativamente activo mas legalmente limitado do Estado; e o Modelo Pluralista Polarizado, pela integração dos media comerciais, e por um forte papel do Estado” (HALLIN e MANCINI, 2010, p. 25).

O modelo liberal estaria geograficamente situado na Inglaterra, Irlanda e América do Norte; o Corporativista Democrático está transversalmente no Norte do continente europeu e o Pluralista Polarizado, nos países mediterrâneos e no Sul da Europa. São tipos ideais, que se falam entre si e, às vezes, aproximadamente.

Os autores dizem que nos sistemas Pluralista Polarizado, “os media estão bastante integrados, em termos relativos, no mundo político, enquan -

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to nos países Corporativistas Democráticos têm tido ligações fortes quer com o mundo político quer com o económico, embora se registre um afastamento significativo das ligações políticas, particularmente em anos recentes” (HALLIN e MANCINI, 2010, p. 89).

Interessante acrescentar aqui a crítica feita pelos autores à ideia de diferenciação entre os sistemas de media. “A não-diferenciação da esfera pública faz parte daquilo a que Habermas se refere como a ‘colonização do mundo da vida’ pelos sistemas do poder político e económico. Deste ponto de vista, não é claro que o Modelo Liberal – em que a comercialização dos media está muito mais avançada, como acontece com o uso das relações públicas sistemáticas – represente um nível mais elevado de diferenciação ou de ‘modernidade’ do que os outros modelos” (HALLIN e MANCINI, 2010, p. 93-94).

Para a sistematização da pesquisa, os autores propuseram quatro enquadramentos em que os sistemas de mídia selecionados podem ser comparadores. São eles: (1) o desenvolvimento dos mercados de media, com especial ênfase no desenvolvimento forte ou fraco de uma imprensa de circulação de massa; (2) o paralelismo político; isto é, o grau e a natureza das ligações entre os media e os partidos políticos ou até que ponto o sistema de media reflete as principais divisões políticas da sociedade; (3) o desenvolvimento do profissionalismo jornalístico, que passa pela noção de autonomia, de campo e orientação para o serviço público; e (4) o grau e a natureza da intervenção do Estado no sistema dos media.

Com esses quatro enquadramentos, bastante resumidos aqui, os autores fizeram duplas de análise, chegando a conclusão de que os sistemas de mídia, nos países estudados, ao longo do tempo, moveram-se com tendência à homogeneização. Se, como dizem, em 1970, as diferenças entre os grupos de mídia eram bem acentuadas, na década de 1990 esses modelos se aproximaram consideravelmente, triunfando o dito modelo liberal, difundido especialmente pelos Estados Unidos.

Em que pese este não ser um estudo voltado para a América Latina e para o Brasil, com todas as peculiaridades que pediria, observa-se a atualidade das reflexões trazidas por Hallin e Mancini, sobretudo quando realçado o último enquadramento (4). Impossível não nos reportamos as recentes intervenções na Empresa Brasil de Comunicação.

A contemporaneidade do estudo ainda se mostra evidente quando o contrapormos ao padrão de homogeneização da mídia brasileira e

quando lançamos nosso olhar às recentes iniciativas encampadas pela Universidade Federal de Pernambuco, como os projetos de extensão do Departamento de Comunicação.

Fundado em 2016, o Jornalismo e Cidadania, tanto esta revista como o programa semanal na Rádio Universitária FM, tem levado a confirmar o quão convergente é a maioria dos sistemas de mídia no país, na imposição dos enquadramentos da estrutura de poder dos grupos de elite que controlam as grandes corporações do mercado e o aparelho de Estado. Desta maneira, a revista e o programa de rádio Jornalismo e Cidadania se constituem em espaço de resistência das identidades da periferia (movimentos sociais, intelectuais, artistas, estudantes e outros setores excluídos da discussão pública pela grande mídia).

Mas, contrariando essa lógica, transpondo modelos, ao propor diálogos emancipadores, as iniciativas guiam-se pela discussão de assuntos da agenda pública que não estão necessariamente na pauta dos grandes veículos. É no confronto das intersubjetividades, com o máximo de abertura para a diversidade e radical respeito democrático à alteridade, que os produtos dos projetos buscam se alicerçar e se construir a cada edição. Não diferente, pois na mesma trincheira de luta, contamos agora com outro projeto da UFPE, o Fora da Curva, também na Rádio Universitária FM, pulsando ao vivo e diariamente.

O estudo de Hallin e Mancini, portanto, não apenas nos traz um mapa de como se arquiteta a maioria dos sistemas de mídia, para além dos países estudados, como também invariavelmente permite que, ao identificar como estão postos, seja vislumbrada a possibilidade de que iniciativas diferentes surjam. São novas formas, portanto, fora da grande mídia, que passam a interferir nos sistemas já mais estabilizados e a serem testemunhadas como experiências viáveis e bem-sucedidas de comunicação à luz de princípios humanistas, pluralistas e democráticos.

Referências:

Daniel C. Hallin e Paolo Mancini. Sistemas de Media: Estudo Comparativo – Três Modelos de Comunicação e Política. Lisboa: Livros Horizonte, 2010.

Mariana Banja é jornalista diplomada pela Universidade Católica de Pernambuco e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social na Universidade Federal de Pernambuco. Assina a seção Jornalismo, Linguagem e Representação Social cujo objetivo é observar, analisar e refletir sobre as narrativas jornalísticas.

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Jornalismo Ambiental

Sociedade, natureza e mudanças climáticas

Percepção social dos brasileiros sobre a ameaça do clima

Pesquisas de opinião para identificar a percepção social sobre as mudanças do clima têm sido realizadas nos últimos anos no Brasil. Elas servem de excelente material para constatar a referida situação da consciência social dos brasileiros sobre a gravidade dos problemas da mudança climática. Socializaremos aqui duas destas importantes pesquisas. A primeira foi elaborada através da opinião da juventude brasileira (IPEA, 2013). A outra pesquisa foi desenvolvida a partir da coleta da posição das maiores lideranças dos principais setores sociais do país (ISER, 2008), a saber, a mídia, Congresso Nacional, sociedade civil, ONGs, universidades e institutos de pesquisa, empresariado e as agências governamentais.

Verificamos a falta de interesse da juventude brasileira, de 15 a 29 anos, sobre o tema. A observação da percepção juvenil é relevante porque equivale a uma parte representativa da população nacional. Essa faixa etária, que corresponde a 26% dos brasileiros (IPEA, 2013), apresenta um perfil importante no tocante à sua maior expectativa frente ao problema climático. Isto porque a juventude tem relação temporal direta com a questão do clima, na medida em que há possibilidade objetiva e material dos efeitos negativos das mudanças climáticas recaírem sobre esta mesma população no futuro próximo. Os filhos dessa população jovem também serão os que mais sentirão os impactos do fenômeno climático, em consequência das ações tomadas atualmente. Nascerão já dentro desse contexto de mudanças climáticas e podem ter um cenário ainda mais grave, a depender das ações tomadas agora.

Apesar disso, o fenômeno do clima é considerado o de menor gravidade social para os jovens numa lista de 16 pontos levantados pelo IPEA (2013). O mais citado foi educação de qualidade (85,2%), seguido pela melhoria dos serviços de saúde (82,7%). Essas são também as demandas mais citadas mundialmente (...). A terceira opção mais citada pelos jovens brasileiros foi o acesso a alimentos de qualidade (70,1%). Em quarto apareceu ter um governo honesto e atuante (63,5%). A melhoria nos transportes e estradas, citada por 40,9%. Na última colocação das demandas está o combate às

mudanças climáticas, opção citada por 7,3% dos entrevistados. Na lista internacional, esse ponto aparece na 12ª colocação (O GLOBO, 2013).

O cenário é preocupante. Porém, avaliamos que tamanha indiferença/inércia verificada sobre a mudança do clima pode ser constatada socialmente diante dos problemas ambientais por algumas razões inerentes que representam os maiores desafios a serem enfrentados por esta mesma população jovem e a sociedade em geral. Em destaque, os problemas não são tão visíveis na vida cotidiana. Para muitos é algo fora do seu alcance. Em geral, associa-se esta ameaça ao tempo futuro. Desconhecem-se os impactos reais. Há os mitos da inesgotabilidade dos recursos da natureza e do desenvolvimento e progresso. Existe o otimismo tecnológico. E ainda a incerteza aumenta a dúvida e a inércia ao estimular a posição de negação do problema e os lobbies das indústrias alimentadoras das mudanças climáticas.

Além dos jovens, o que pensam os políticos, mídia e outros?

Além da pesquisa do IPEA, apresentamos ainda outra pesquisa que também teve como objeto de interesse a avaliação do grau de preocupação e atribuição de gravidade social sobre o problema das mudanças climáticas. Desta vez, foram consultadas as pessoas influentes de sete instituições sociais importantes (ISER, 2008). O órgão pesquisou a mídia, Congresso Nacional, sociedade civil, ONGs, universidades e institutos de pesquisa, empresariado e as agências governamentais. Foram ouvidas 210 lideranças, 30 em cada setor selecionado.

Dentre as principais conclusões do estudo, apontamos que a maioria dos entrevistados considera que as mudanças climáticas constituem problemática muito importante para seu setor ou área de atuação podendo afetar políticas, consumo e negócios. Acreditam que a tendência será regular as atividades emissoras de gases de efeito estufa e se preocupam com o impacto desse tipo de medida na competitividade econômica dos produtos brasileiros e também no rebatimento nas políticas praticadas de preço.

A opinião geral é a de que a transição energética tem um custo e não se sabe ainda quem pagará a conta. Apontam que o maior desafio a ser enfrentado tanto pela humanidade quanto pelo Brasil, nos próximos 20 anos, está simultaneamente no enfrentamento das

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questões ambientais e das questões sociais. Em todos os setores ouvimos críticas ao atual modelo de desenvolvimento, tido como insustentável, principalmente pelo fato de ser baseado em combustíveis fósseis. Também foi amplamente criticado o atual modelo de consumo.

Para alcançar o referido entendimento, os pesquisados destacaram a importância dos estudos científicos, através do conhecimento sobre a temática produzido por parte do grupo de cientistas da ONU e correspondentemente ao papel da mídia na amplitude da difusão desse conhecimento. “O divisor de águas na formação de uma opinião consistente sobre o assunto foram os dados do então IV Relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, 2007), amplamente divulgados pela internet e pela mídia” (ISER, 2008, p. 6).

Não há dúvidas quanto à comprovação da existência das mudanças climáticas para a maior parcela dos mais influentes líderes dos principais setores sociais pesquisados. “O conjunto de evidências de que o clima do Planeta está mudando é consistente e não se pode mais ignorar os possíveis efeitos disso sobre a economia e os processos de desenvolvimento em curso” (ISER, 2008, p. 6). Esta compreensão sobre o fenômeno climático e sobre as suas consequências nas questões sociais foram abordadas pela maioria dos entrevistados. Exatamente 94% deles concordam com a visão científica de que o impacto das mudanças climáticas será grande e afetará todo mundo, enquanto 1% discorda e 3,8% afirmam não ter informação suficiente para opinar (ISER, 2008, p. 15).

Contudo, a pesquisa também mostrou que a maneira como cada segmento da sociedade brasileira lida com o assunto tem a ver com a natureza do próprio segmento (mais ou menos informados), com sua proximidade em relação aos temas e assuntos pertinentes (mais ou menos orgânico), com a formação e inserção do próprio entrevistado (mais ou menos especializado) e também com a importância que é atribuída ao tema por cada uma das 210 lideranças entrevistadas (ISER, 2008, p. 5).

Quando perguntado se a mudança climática era um assunto relevante para o seu setor de atuação, 4% disseram ‘não ter importância’, 77,5% afirmaram ser ‘muito importante’ e 18,2% disserem ser ‘importante’ (ISER, 2008, p. 16). Vale ressaltar que os setores sociais onde o fenômeno foi considerado ‘menos importante’ foram no Congresso Nacional (onde se formula todas as leis, logo, tal cenário, tende a trazer consequências preocupantes às questões socioambientais); nas empresas (locais onde estão concentrados os meios de produção e a distribuição de renda) e na sociedade civil (onde mais estão concentradas as populações pobres, as que mais sofrerão com os efeitos das mudanças climáticas - IPCC, 2007).

Diante de todo o exposto, pudemos verificar que a

mídia noticiosa tem colaborado para a percepção social da questão do clima. Mas, não conseguiu captar na sua representação jornalística a gravidade da realidade social de alienação da consciência do povo brasileiro sobre a dimensão dos perigos que a mudança do clima representa (IPEA, 2013; ISER, 2008). É, portanto, imprescindível que a cobertura jornalística do fenômeno climático exerça a sua função central e estratégica de mediar/articular a discussão pública, assumindo o compromisso educativo de conscientizar os cidadãos sobre a sua obrigação ético/moral de se engajar na construção de um modo de produção e consumo responsável e sustentável, como condição necessária à mitigação do problema e estratégias de adaptação às mudanças do clima.

Contudo, porém, esta condição apenas pode acontecer quando as demandas do povo ganharem legitimidade suficiente na esfera pública, com a capacidade de influir no funcionamento da administração do aparelho de Estado. Dessa forma, tal condição precisa ser reverberada na dimensão comunicativa (espaço constituído pelos meios de comunicação social para promoção de visibilidade pública do problema) para ser identificada pelos demais atores e grupos sociais que também estão ameaçados pelo mesmo problema, porém ainda não o perceberam e, por conseguinte, não têm condições de o problematizarem e, dificilmente, o farão sem que mídia agende este fenômeno na sua pauta.

Referências:

IPCC - INTERGOVERNMENTAL PANEL ON CLIMATE CHANGE. Climate Change 2007. Cambridge University Press, Reino Unido: Cambridge, 2007;

IPEA – INSTITUTO DE PESQUISA E ECONOMIA APLICADA. Temas relevantes da agenda federativa - maio. Brasília, 2013;

ISER - INSTITUTO DE ESTUDOS DA RELIGIÃO. O que as lideranças brasileiras pensam sobre mudanças climáticas e o engajamento do Brasil. Relatório final, 2008.

Este espaço apresenta abordagens críticas e interdisciplinares relativas à produção da representação noticiosa da realidade social (jornalismo) sobre as mudanças climáticas e a sua influência na constituição do sentido social sobre a questão. É escrito pelo jornalista Robério Coutinho, mestre em Comunicação pela UFPE, com formação básica em Meteorologia pelo INPE/CPTEC, exassessor de imprensa do Laboratório de Meteorologia de PE, bolsista pesquisador da Rede Brasileira de Mudança Climática e autor de livros sobre o temática.

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Opinião

Jornalistas, cidadãos e novas tecnologias na produção da notícia

Abbottabad, Paquistão, 02 de maio de 2011. Uma força de operações especiais da Marinha norte-americana capturou Osama bin Laden, o homem mais procurado pelo governo dos Estados Unidos na primeira década dos anos 2000, pondo fim a uma caçada de quase dez anos ao mentor do atentado ao World Trade Center. A morte de bin Laden pautou os veículos de imprensa em todo o mundo por ser o suposto desfecho da batalha contra o terrorismo empreendida pelo governo americano após o ataque às Torres Gêmeas, ocorrido em 11 de setembro de 2001. Até aí, nada de novo no front midiático, exceto por um detalhe: quem divulgou em primeira mão a notícia da morte de bin Laden não foi um jornalista e, sim, um cidadão conectado que se encontrava próximo à casa do terrorista no momento da ação. O consultor de TI Sohaib Athar utilizou sua conta no Twitter para relatar a chegada do helicóptero com as tropas americanas e uma posterior explosão no local. Em seguida, acompanhou o desenrolar dos fatos, contextualizou os eventos e conversou com repórteres, tornando-se uma fonte para jornalistas que buscavam apurar a história a partir de uma testemunha in loco.

Esse não é um exemplo isolado da atuação dos cidadãos na cobertura dos acontecimentos. Even -

tos como a retirada de manifestantes do Occupy Wall Street pela polícia nova-iorquina em 2011 e o ataque terrorista à casa de shows Bataclan ocorrido em Paris, em 2015, foram veiculados em tempo real pelos próprios envolvidos por meio de fotos, vídeos e textos publicados em suas redes sociais. Como afirmam os pesquisadores C. W Anderson, Emily Bell e Clay Shirky em seu dossiê “Jornalismo pós-industrial: adaptação aos novos tempos”, publicado em 2012 pelo Tow Center for Digital Journalism da Columbia University, “em muitos acontecimentos de relevância jornalística, é cada vez mais provável que a primeira descrição dos fatos seja feita por um cidadão conectado, não por um jornalista profissional. Em certas situações –desastres naturais, chacinas, por exemplo –, a transição já foi concluída”. Essa participação crescente de novos atores no mapa jornalístico contemporâneo lança luz sobre uma discussão essencial para se pensar os rumos da profissão: de que formas as empresas de mídia poderão se relacionar com essa audiência cada vez mais ativa, com outras instituições midiáticas já familiarizadas com o mundo digital e com as tecnologias da informação e comunicação (TICs) em prol de práticas mais inteligentes e sustentáveis?

Em primeiro lugar, é importante refletir so -

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bre o papel do jornalista dentro dessa nova ordem midiática. A lógica do gatekeeper não tem mais a mesma força que possuía no passado: a ideia do jornalista como “porteiro” da informação, como o responsável por decidir o que deve ser considerado notícia é subvertida pela atuação dos cidadãos conectados, uma vez que eles adquirem a capacidade de pautar o debate público a partir de suas narrativas. Embora este quadro pareça negativo para os jornalistas, alguns estudiosos da área acreditam que ele pode consolidar nichos alternativos de ação para os profissionais da notícia: as atividades de checagem e interpretação das informações. Não se trata mais de competir com os novos atores e suportes tecnológicos pela legitimidade para veicular notícias; esta briga já foi perdida há muito tempo. O ponto de virada da atuação jornalística no século XXI se concentra no uso eficiente do “capital intelectual”, nas palavras do sociólogo Pierre Bourdieu, acumulado pelos jornalistas ao longo de sua experiência profissional, o qual confere a eles a aptidão para trabalhar a informação, discutindo os impactos e os desdobramentos dos temas relevantes dentro da esfera pública. “A disponibilidade de recursos, como fotos tiradas pelo cidadão comum, não elimina a necessidade do jornalismo nem de jornalistas, mas altera sua função. O profissional deixa de ser o responsável por registrar a primeira imagem ou fazer uma observação inicial e passa a ser aquele que solicita a informação e, em seguida, filtra e contextualiza o que recebe”, declaram os pesquisadores da Columbia University em seu supracitado dossiê.

Outro ponto pertinente para as práticas jornalísticas dentro do ambiente digital diz respeito à adoção de parcerias com outras instituições midiáticas. Diante das transformações das noções de tempo e espaço promovidas pelo jornalismo online, não se faz mais necessário que todos os veículos de imprensa enviem seus repórteres para fazerem a mesma cobertura sobre o mesmo fato, o que frequentemente redunda em produtos noticiosos bastante parecidos e descartáveis. Se quiser sobreviver dentro do mercado da mídia nos próximos anos, o jornalismo precisará caminhar na direção oposta e abandonar os modelos ultrapassados da ubiquidade (o fato de estar presente em todos os lugares ao mesmo tempo) e da corrida exacerbada pelo furo jornalístico. Otimizar o capital humano e financeiro das empresas jornalísticas implica agregar conteúdo de outras fontes (ao invés de acrescentar informações sem parar e de “requentar” matérias já publicadas) e investir no aprofundamento das pautas por jornalistas especializados no assunto, visando produzir conteúdo efetivamente relevante para o público do jornal. Como defende

Jeff Jarvis, diretor da faculdade de jornalismo da City University of New York, “faça o que você faz de melhor e coloque links para o resto”. Esse pensamento também se coaduna com a lógica da produção de notícias em rede, cujo princípio básico é o da articulação entre diversos agentes como coletivos independentes de mídia, jornalistas freelancers, empresas de gestão de bancos de dados e os já mencionados cidadãos conectados, com o intuito de criar um cenário informativo mais democrático e comprometido com o interesse público.

“6x9”e “Snow Fall”: novas tecnologias a favor das narrativas jornalísticas

Ouso de mecanismos de busca avançada e de plataformas de organização de bancos de dados vem transformando a maneira de produzir notícias por ampliar consideravelmente a rapidez e a exatidão dos materiais obtidos. Além disso, as ferramentas tecnológicas também permitem criar narrativas interativas empregando alguns recursos multimídia e outros oriundos do universo dos videogames como 3D e realidade virtual, capazes de modificar a experiência de leitura do público. Podemos citar dois produtos midiáticos que geraram grande repercussão nesse sentido: a reportagem multimídia “Snow Fall”, criada pelo NY Times e vencedora do Prêmio Pulitzer em 2013 “por sua poderosa narrativa sobre os esquiadores mortos em uma avalanche e sobre como a ciência explica esse tipo de desastre, um projeto potencializado por sua excelente integração de elementos multimídia”, à qual muitos pesquisadores atribuíram o título de “futuro do jornalismo”; a experiência em realidade virtual “6x9” produzida em 2016 pelo The Guardian, cujo objetivo era “colocar a audiência em uma cela solitária em uma prisão e contar a história dos danos psicológicos que podem vir em consequência do isolamento, como alucinações e perda dos sentidos”. Para isso, o Guardian criou uma narrativa imersiva e multimídia para ser assistida em dispositivos móveis, construída a partir do que foi descrito nas entrevistas em profundidade com pessoas que experimentaram o confinamento em uma solitária, visando reproduzir de forma o mais fidedigna possível as vivências relatadas.

Amanda Tavares de Melo é mestranda no Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco.

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Comunicação Pública

Informação, diálogo e participação

Entrevista FOPECOM

Nesta edição, quem conversa conosco é a jornalista Rosa Sampaio do Centro de Cultura Prof. Luiz Freire e militante do Fórum Pernambucano de Comunicação (FOPECOM). O Fórum é um espaço que agrega instituições, coletivos e pessoas, e tem como intuito ampliar a participação da sociedade na discussão sobre a mídia e o direito humano à Comunicação.

JeC - Como os militantes e as instituições que compõem o Fórum Pernambucano de Comunicação perceberam a comunicação como um pilar estratégico para defesa da comunicação como Direito Humano?

RS - Com o processo de democratização do país, na década de 90, quem atuava nas organizações de defesa de direitos, e em especial com educomunicação, e acadêmicos da área de comunicação perceberam como a mídia desrespeitava e criminalizava setores da sociedade, questões caras à garantia e defesa dos direitos humanos, e que o modelo de concentração de mídia no país, fortalecido em todo o período de ditadura militar, colocava em risco a democracia recentemente conquistada. No ano 2000, essas organizações, junto a algumas professoras e professores começaram a se reunir para debater e agir contra as violações de direitos na mídia local e ações coletivas para mobilizar universidades e a sociedade como todo.

JeC - Como o tema Direito Humano à Comunicação e a democratização da comunicação vem sendo apropriado pela sociedade como um todo, ao longo do tempo de atuação do FOPECOM?

RS - Ao longo desses anos, acho que o tema já tem uma penetração muito maior na sociedade. Claro que, ainda, a maior parte da população não vê a comunicação como um direito humano, mas, por exemplo, quando me graduei em comunicação no final da década de 90 e mesmo no início dos anos 2000, esses temas não eram debatidos dentro das universidades, nos cursos de comunicação e nem no de Direito. Hoje, não é só discutido como se tem disciplinas sobre comunicação publica, direito humano a comunicação, políticas de comunicação, entre outras, nas principais faculdades de comunicação. Além do aumento de número de trabalhos de conclusão de curso e teses de pós-graduação. Mas ainda precisamos facilitar que este debate seja apropriado pelos cidadãos e cidadãs comuns.

JeC - Grande parte da população cresce sem conhecer e se apropriar dos seus direitos. Quais têm sido os desafios para que as minorias compreendam a força política que tem o direito à voz e à vez?

RS - Então, o desafio é criar estratégias para “divulgarmos “ nossa luta. Não interessa à grande mídia pautar a comunicação como um direito e/ou tocar nos assuntos que incentiva o debate sobre as políti-

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cas para se garantir uma melhor democratização e regulação dos meios, lógico, não é interesse deles essas pautas. Daí a importância dos veículos públicos de comunicação, da comunicação comunitária e da disseminação de ações de comunicação de base, nas escolas e nos espaços informais de formação.

JeC - O Poder Público continua apresentando forte resistência para dialogar sobre Comunicação Pública. Isso implica criar um hiato entre governantes e governados, aumentando a opacidade das informações e excluindo o cidadão das discussões de interesse público. Qual é a posição do FOPECOM sobre esse impasse?

RS - O nosso movimento é esse da pressão com os gestores públicos, nas três esferas, para que o debate de comunicação pública seja feito junto a sociedade e para que os veículos de comunicação pública não só sejam criados, mas também fortalecidos por meio de fomentos e políticas de financiamento. E estamos muito atrasados, enquanto Estado, nesses dois processos. Com o golpe de 2016, o pouco que tínhamos conquistado, em nível nacional, já foi desmantelado pela atual gestão, e já respinga na política de comunicação pública do estado e da capital pernambucana, no caso da Empresa Pernambuco de Comunicação (EPC/TVPE) e na Rádio Frei Caneca, que foi coloca no ar, ano passado, apenas com “playlist”.

JeC - Em 2017, como o Fopecom pretende trabalhar a mobilização e incidência pelo direito à comunicação junto à gestão municipal?

RS - Acho que os principais pontos de incidência ainda são a questão da transparência dos recursos públicos para financiamento da publicidade oficial, a questão da efetivação da Rádio Frei Caneca, primeiramente como uma rádio e depois como veículo público de comunicação e a discussão do acesso de qualidade a rede mundial de computadores nos espaços públicos e nas escolas municipais.

JeC – Identificados com os propósitos da Fopecom, desde 2016, contamos com dois Projetos de Extensão, esta revista e o programa de rádio Jornalismo e Cidadania, que vai ao ar na Rádio Universitária FM, nas segundas-feiras, de duas às três horas da tarde. Agora em fevereiro, passamos a contar também com o Programa Fora da Curva, que também é exibido na Rádio Universitária FM, diariamente, de 11h30 às 12 horas. Qual sua opinião sobre estas iniciativas?

RS – Os dois programas são importantes espaços de discussão e diálogo com a sociedade, além de fortalecer o jornalismo. No ano passado, participei do Programa Jornalismo e Cidadania, onde debatemos sobre o tema EBC e Comunicação Pública. É um

programa que tem um viés de debate diferente, propositivo e que contribui para a construção de uma sociedade com opiniões plurais. Quanto ao Programa Fora da Curva é um projeto de Extensão do Departamento de Comunicação da UFPE, em parceria com o Núcleo de TV e Rádios Universitárias e sete organizações da sociedade civil. A ideia inicial partiu de conversas da sociedade civil com a academia, sobre a necessidade do fortalecimento e da “ocupação”, pela sociedade, dos veículos de comunicação pública e de um jornalismo mais diversificado e que tratasse as pautas que a mídia corporativa ou invisibiliza ou manipula a informação para favorecer um enfoque do fato. O critério de análise crítica parte justamente daí, discutir os fatos de forma que a grande mídia “esconde”, tratando o tema de forma que promova a diversidade de fontes e de olhares e não apenas da crítica pela crítica.

JeC - Como o cidadão, a cidadã e entidades da sociedade civil podem participar e contribuir com a luta pelo Direito Humano à Comunicação nas suas comunidades?

RS - As reuniões do FOPECOM acontecem, em 2017, toda segunda quarta-feira do mês e é aberta a sociedade. Além disso, temos a nossa página no Facebook, que alimentamos com nossas ações e com mobilizações aqui e em todo país. Além disso, temos o site de análise crítica da mídia, o OmbudsPE (www.ombudspe.org.br), e os sites da Campanha Para Expressar a Liberdade, onde tem as informações do Projeto de Iniciativa Popular da Lei de Mídia Democrática, que propõe a regulação das concessões públicas de rádio e TV no país e do financiamento (www.paraexpressaraliberdade.org.br). Ótimos sites para conhecer e denunciar as violações de direitos humanos na mídia são os da campanha Mídia sem Violação de direitos (www.midiasemviolacoes.com. br) e o da Campanha do Ministério Público de Pernambuco, Palavras tem Poder (www.palavrastempoder.org). São canais para apropriação do tema e de participação como agente de multiplicação, já que o Direito à Comunicação e a democratização dos meios toca a todas e todos e todas as lutas por direitos.

Ana

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Senac Pernambuco, membro do Fórum Pernambucano de Comunicação (FOPECOM) e doutoranda do PPGCOM/UFPE. A coluna é
espaço
aborda
Paula Lucena é professora da Faculdade
um
que
questões relativas a como órgãos públicos e entidades de movimentos sociais vêm se comunicando com a sociedade.

Opinião

Museu De Artes Afro-Brasil Rolando Toro, Você Conhece?

Por Auríbio Farias Conceição e Lúcia Helena Ramos

OMuseu de Artes Afro-Brasil Rolando

Toro é um espaço aberto às artes, com ênfase na cultura africana e afro-brasileira. É um projeto que está se concretizando, fruto da grande admiração que tinha o chileno Rolando Toro (1924-2010) por manifestações artísticas dessas culturas. Além de antropólogo, psicólogo e poeta, ele foi o idealizador da Biodança. Durante anos dedicou-se a colecionar um acervo de máscaras, esculturas, utensílios em couro, cerâmica e bronze. Nos 10 últimos anos de sua vida, trabalhou com afinco à procura de um espaço em que pudesse abrigar esse acervo e disponibilizá-lo à sociedade.

A arte na África, de acordo com Monti (1992), cumpriu uma função social e educativa no que se refere à motivação existencial, tanto no aspecto metafísico como no cotidiano. A arte tanto revelava a situação social do indivíduo no seio do grupo, como explicava a esse indivíduo o sentido da vida. Nos apontamentos disponibilizados por Rolando Toro ao Museu, ele anuncia que “a arte africana tem sua origem na vivência e não na percepção visual e espacial. As obras artísticas são expressões de um modo de sentir o mundo, com toda sua vitalidade e seu mistério” (tradução nossa). Foi com esse olhar que Rolando Toro formou seu acervo, com máscaras que simbolizam os antepassados, alguns rituais, a execução da justiça, a iniciação que leva jovens a passar da adolescência para a vida adulta, e modos de vida das comunidades. No entanto os artistas não desenvolviam a intenção de criar uma “obra de arte”, mas a de criar um objeto que fosse “belo, verdadeiro e eficaz”.

As obras do acervo são originárias de distintas

regiões da África, tais como Costa do Marfim, Senegal, Tanzânia, Benin, Zaire, Camarões e Gabão. As obras afro-brasileiras que compõem o acervo foram criadas pelo escultor baiano Otávio Bahia (1943-2010). De acordo com Santos (2014), Otávio Bahia morava em Fazenda Coutos, no Subúrbio Ferroviário de Salvador, e morreu sem o reconhecimento a que merecia. Não teve retorno nem da crítica, embora sua obra tenha percorrido o mundo. Sua produção foi bastante numerosa. Era escultor de máscaras africanas, de homens e mulheres negras criados na melhor tradição da escultura de povos africanos. A maternidade é muito frequente na obra do artista, assim como imagens de orixás e inúmeras outras relativas à ancestralidade africana presente no Subúrbio Ferroviário e no Brasil. Muitas das obras confeccionadas por ele eram encomendadas por babalorixás para serem utilizadas em cerimônias nos terreiros de Candomblé.

Foi a partir desse acervo, que Rolando Toro lançou as bases conceituais do espaço pela idealização de um museu social, vivo, onde a cultura africana e afro-brasileira pudesse ser difundida através da dança, das artes visuais, da culinária, do acervo e estando a Biodança inserida neste contexto. Conseguiu uma parceria e concretizou a compra de um imóvel localizado em uma área tombada como patrimônio histórico da cidade, em um prédio neoclássico do sec. XIX, no Bairro do Recife.

Conforme mencionado, o colecionador é o criador da Biodança. Desde a década dos anos 70, Rolando Toro vinha a Recife, uma das cidades no Brasil onde a Biodança primeiro se desenvolveu. Segundo (Toro, 2008, p. 39) “A Biodança é um sis -

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tema de integração humana, de renovação orgânica, de reeducação afetiva e de reaprendizagem de funções originárias da vida” (tradução nossa). Ele diz ainda que tudo começou a partir de sua experiência pessoal. A Segunda Guerra Mundial, os horrores do holocausto, as bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki lhe causaram forte impacto. Por outro lado teria vivenciado tantas experiências de êxtase e amor em uma dimensão misteriosa e maravilhosa do mundo que quis insistir em se conectar com outras pessoas e criar pequenos grupos para dançar, já que entendia que a música é uma linguagem universal. A partir dessas primeiras experiências constatou que durante as danças surgiam modelos universais de expressão em relação às diversas emoções. Criou então algumas danças e exercícios a partir das danças mais espontâneas, dos gestos naturais do ser humano “com objetivos precisos cuja finalidade é estimular a vitalidade, a criatividade, o erotismo, a comunicação afetiva entre as pessoas e o sentimento de pertencimento ao universo” (TORO, 2008, p. 22) (tradução nossa). A vida de Rolando Toro foi a Biodança, e esta ele queria que fosse um dos pilares do museu.

Assim, desde 2011, sob a curadoria de Lúcia Helena Ramos, diversas atividades culturais vêm sendo realizadas. O museu mantém aulas de biodança diariamente. Nele funciona também a Escola de Biodança Rolando Toro de Pernambuco, a qual forma professores interessados em trabalhar com Biodança, oficinas de dança-afro, ensaios abertos do Afoxé Oxum Pandá, oficinas de dança cubana, de dança afro-contemporânea, lançamentos de livros, seminários, simpósios e diversas atividades pontuais. Uma das atividades realizadas que ajudam a explicar a concepção do museu foi o workshop orgânico, realizado pelo grande músico pernambucano que nos deixou no ano passado, Naná Vasconcelos. Nessa oficina Naná trabalhou os ritmos e a sonoridade que poderiam ser expressos através das mãos, dos pés, da voz: o corpo como instrumento percussivo. Durante o trabalho Naná contou histórias pessoais, falou sobre os ritmos brasileiros, a sonoridade da natureza e utilizou como percussão o berimbau e diversos outros instrumentos que utilizava em seus trabalhos. Na ocasião falou que sua obra contribuía muito para que se tornasse conhecido “o Brasil que o Brasil não conhece”. Tomando suas palavras de empréstimo, poderíamos dizer que o Museu de Artes Afro-Brasil Rolando Toro, contribui também para que o Brasil se torne mais conhecido pelos brasileiros.

Outra atividade que ajuda a explicar a concepção do museu é o acolhimento dos ensaios abertos do Afoxé Oxum Pandá. Em pesquisa realizada pelo Instituto Uninassau e publicada no Jornal do Co -

mércio em 19 de fevereiro de 2017 procurou-se conhecer mais sobre o gosto da população em relação aos ritmos no reinado de Momo. O levantamento revela que 66,6% da população gostam de carnaval. A esse contingente foi feita uma pergunta muito clara: “Quais os ritmos musicais você PREFERE ouvir neste carnaval?” Os dados revelam que 44,9% dos entrevistados preferem o Frevo. Como estamos na terra do Frevo, nossa expectativa era de que esse número fosse mais alto. Mesmo tendo sido comemorada essa marca pelo jornal, consideramos um contingente baixo, denunciador das rádios locais que não tocam o ritmo mais identificador do nosso carnaval. Mas ainda há dados reveladores da histórica segregação da cultura afro-brasileira: O Maracatu responde por 9,2% da preferência popular, perdendo para o Axé que encontra abrigo em 9,9% dos foliões. Mas o que nos faz pasmar é constatar que o Afoxé nem sequer aparece no levantamento. Não foi possível categorizar na pesquisa o ritmo existente há séculos nos terreiros de Candomblé e que desde os anos 70 tomou as ruas em cortejos carnavalescos. Os ritmos Reggae, Rock, Pagode, a categoria todos os ritmos, atingem 1,3% dos foliões cada. Se, entre os entrevistados, houve menção ao Afoxé, foi categorizado na pesquisa como Outros, que chegou à marca de 4,7%. Porém, não foram divulgados que conjunto de ritmos foi assim categorizado. Diante desse quadro, o Museu de Artes Afro-Brasil Rolando Toro tem também como missão, contribuir para mostrar aos pernambucanos, aos brasileiros e ao mundo, um pouco do Brasil que nós brasileiros desconhecemos.

Referências:

JORNAL DO COMÉRCIO. 19 DE FEVEREIRO DE 2017

MONTI, Franco. As máscaras africanas. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

SANTOS, José Eduardo Ferreira. Acervo da Lage: memória estética e artística do Subúrbio Ferroviário de Salvador, Bahia. São Paulo: Scortecci Editora, 2014.

TORO, Rolando. Biodanza. 2. Ed. Santiago, CL: Editorial Cuarto Propio y Espacio Indigo, 2008.

Auríbio Farias Conceição é Doutor em Literatura e Interculturalidade pela Universidade Estadual da Paraíba UEPB e Professor do Departamento de Letras e Humanidades – DLH/UEPB.

Lúcia Helena Ramos é Mestra em Psicologia Social pela UFPE, Mestra em Educação cultura e Identidade pela UFRPE, Diretora da Escola de Biodança Rolando Toro de Pernambuco e Diretora do Museu de Artes Afro-Brasil Rolando Toro.

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Poder Plural

Política contemporânea e Internet

Por Rakel de Castro

A “pós-verdade” num contexto construtivista do jornalismo político na Internet

Aideia de que vivemos em um momento de “pós-verdade” enquanto situação novíssima experimentada pelo jornalismo, especialmente o digital e em rede, parece ter tomado grandes proporções depois que o Dicionário Oxford premiou o termo como a palavra do ano 2016, em virtude de seu viés político, e isso viralizou nos principais portais de notícias, inclusive no Brasil.

Numa tradução livre da página do dicionário inglês, o conceito é esclarecido:

A palavra composta pós-verdade exemplifica uma expansão no significado do prefixo post - que se tornou cada vez mais proeminente nos últimos anos. Ao invés de simplesmente referir-se ao tempo após uma situação ou evento específico - como no pós-guerra ou pós-partida - o prefixo em pós-verdade tem um significado mais como “pertencer a um tempo em que o conceito especificado tornou-se sem importância ou irrelevante”. Essa nuance parece ter se originado em meados do século XX, em formações como pós-nacional (1945) e pós-racial (1971). A pós-verdade parece ter sido usada pela primeira vez neste sentido em um ensaio de 1992 do dramaturgo norte-americano Steve Tesich na revista The Nation. Refletindo sobre o escândalo Irã-Contra e a Guerra do Golfo Pérsico, Tesich lamentou que “nós, como povo livre, decidimos livremente que queremos viver em algum mundo pós-verdade”. Há evidências de que a expressão “pós-verdade” está sendo usada antes do artigo de Tesich, mas aparentemente com o significado transparente “depois que a verdade foi conhecida”, e não com a nova implicação de que a própria verdade se tornou irrelevante. Um livro, The Post-truth Era, de Ralph Keyes apareceu em 2004 e, em 2005, o comediante americano Stephen Colbert popularizou uma palavra informal relacionada ao mesmo conceito: truthiness, definido por Oxford Dictionaries como “a qualidade de parecer ou sentir-se Verdadeiro, mesmo que não necessariamente verdadeiro”. A pós-verdade

estende essa noção de uma qualidade isolada de asserções particulares a uma característica geral de nossa era. (OXFORD, 2016, online).

Parece que a pós-verdade está ligada à ideia de que, em um processo de recepção, entendimento e interpretação de algum fato, alguns dispositivos de ordem emocional e intersubjetivo tenham mais peso que determinantes racionais que indicariam o que é ou não verdade. Então, da visibilidade, o termo ganhou popularidade quando transposto ao campo político num casamento indissolúvel com os Fake News; especialmente neste último ano, quando alguns jornalistas / portais de notícias o relacionou à campanha que logrou vitória a Donald Trump, nos Estados Unidos. Notícias falsas também constroem a realidade socialmente. Agora, isto é um fato novo no jornalismo?

A perspectiva da instantaneidade associada às ideias de circulação em grande escala e de memória (possibilidade de armazenar um número cada vez maior de arquivo e disponibilizar isso ao público) na rede, pode dar à propagação de notícias falsas um tom de releitura. Mas traduzir isso como sintomático de um novo momento no jornalismo, perspassado pela pós-verdade, pode ser um tanto injusto com os pesquisadores que já pensavam a Construção Social da Realidade desde o Século XIX.

Alfred Schütz (2003) diz que a historicidade é condição sine qua non (‘Sem o qual não pode ser’, é uma expressão que vem do latim e à qual se refere a uma ação), condição ou algo indispensável e essencial para se conceber a teoria construtivista, assegurando que qualquer interpretação da realidade social, por parte dos indivíduos e dos grupos, baseia-se numa reserva de experiências prévias, sob a forma de conhecimentos disponíveis, os quais funcionam como esquemas de referência. É o que o autor vai chamar de “Situação biográfica”.

Neste sentido, Schütz observa como cada indivíduo se situa na vida de uma maneira específica, à luz da situação biográfica. Essa experiência prévia que se traduz sob os conhecimentos que temos à mão, manifesta-se pela sua tipificação (o que seria vivenciado na percepção de um objeto, seria transferido para outro objeto similar, percebido somente quanto a seu tipo). Dessa forma, as pessoas tipificam o mundo social, conforme a linguagem herdada por seus antepassados e seguindo negociações durante as relações de intera-

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ção face-a-face da vida cotidiana.

Então Schütz (2003, p. 19) enfatiza que tais conhecimentos disponíveis são sempre intersubjetivos e culturais, porque eles não pertencem a único indivíduo, mas ao grupo social que esse indivíduo faz parte, inclusive a outros indivíduos que antecederam esse grupo historicamente. “Se presupone la intersubjetividad como una cualidad obvia de nuestro mundo: nuestro mundo es la tipificación subyacente del sentido comun”.

Berger e Luckmann (2003) também comungam de pensamentos semelhantes sobre a realidade socialmente construída em Schutz. Mas não chegam a discorrer sobre as condições de possibilidade da comunicação, de seus pressupostos e suas implicações como pretendeu Habermas: uma comunicação como resultado inerente das relações intersubjetivas em busca de um entendimento, de um consenso e então consequente (re) construção social da sociedade.

Em relação às análises de Schutz, Habermas (2012) relata que, apesar dele ter conseguido descrever com propriedade a familiaridade do mundo da vida, não conseguiu reconhecer que este mundo, em sua autoevidência opaca, ou subtrai-se ou se abre diante do olhar inquiridor do fenomenólogo, independentemente da escolha do enfoque teórico. Dessa forma, para o alemão (HABERMAS, 2012, p. 722 - 723), uma teoria que pretende certificar-se das estruturas gerais do “mundo da vida não pode adotar uma perspectiva transcendental; ela apenas pode estar à altura da razão de ser de seus objetos quando houver uma razão para pensar que o contexto vital objetivo em que o próprio teórico se encontra revela-lhe a razão de conhecer”.

Já em se tratando de Berger e Luckmann, enquanto eles se preocuparam com os “processos de legitimação pelos universos simbólicos” como uma questão de tradição teórica e com as interações face-a-face de um mundo da vida simplificado; Habermas (2012, p. 704) vai afirmar que a legitimação depende de uma validação pública, além da jurisdição e da elaboração de um mundo da vida que só se reproduz comunicativamente, abordando características importantes da comunicação de massa e não somente a face-a-face. O mundo da vida é concebido pelo autor alemão, como um espaço “em que é possível constatar processos de reificação que constituem fenômenos oriundos de uma integração repressiva provada por uma economia apoiada em oligopólios e por um aparelho estatal autoritário”.

Segundo Habermas (2012), a distinção entre o mundo sistêmico e esse mundo da vida permite a teoria do agir comunicativo abrir o campo de visão para as leis próprias da interação socializadora; e, ao isolar dois tipos opostos de meios de comunicação, ela torna a teoria sensível ao potencial ambivalente da comunicação, que agora na era dos Smartphones (CANAVI-

LHAS 2015), tornou-se pós-massamidiática.

Assim, a ideia de pós-verdade não precisa ser condicionada à perspectiva do Fake News sobre política como fato novo para que o Construtivismo possa ser pensado através do jornalismo. Existe um desafio maior que aponta para os jornalistas aprenderem a lidar com a relação continua e progressiva que, num jogo do agir comunicativo, o processo de emissão e circulação de notícias também passa por uma interpretação intersubjetiva dos receptores, e a ideia de pós-verdade se estabelece sintomaticamente também nesse processo de recepção.

Outrossim, pensar a “pós verdade” num contexto construtivista diz respeito ao fato de que acreditar, curtir, comentar, compartilhar e se engajar civilmente a partir de notícias digitais e online, tem muito a ver com a relação de crenças de quem está na outra ponta do fato noticioso – o cidadão comum. Todos têm “Situações biográficas”, mesmo que isso não signifique negar que essas situações são negociadas e ressignificadas o tempo todo, em especial pelo jornalismo que ocupa lugar de referência na vida das pessoas.

Referências:

JBERGER, Peter; LUCKMANN, Thomas. A construção social da realidade: tratado de sociologia do conhecimento. Petrópolis: Vozes, 2003.

CANAVILHAS, João. Jornalismo e Convergência: permanente renovação. In: ERC - Digital Media Portugal. 2015, p. 27-34.

HABERMAS, Jürgen. Teoria do agir comunicativo: sobre a crítica da razão funcionalista. São Paulo: Martins Fontes, v. 2, 2012.

OXFORD DICTIONARIES. Word of the Year 2016 is..., 2016. Disponível em: https://en.oxforddictionaries.com/ word-of-the-year/word-of-the-year-2016. Acesso em 22 fev. 2017.

SCHÜTZ, Alfred. El Problema da realidad social. Buenos Aires: Amorrortu, 2003.

Escrita pela jornalista Rakel de Castro, doutoranda em Comunicação pela UFPE e em Ciências da Comunicação pela Universidade da Beira Interior (UBI) / Portugal, a coluna Poder Plural aborda a análise política e sua relação com a internet feita à margem dos veículos tradicionais. Mensalmente, o espaço apresentará um Raio-X de temas debatidos no Brasil e/ou no mundo que se coadunem as questões de Participação política em sociedades democráticas e as novas formatações políticas no Brasil e no mundo.

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Opinião

Classes e frações de classe no capitalismo periférico brasileiro

As crises trazem em si a exacerbação das contradições sistêmicas, produzindo uma nova estabilidade após a fricção de determinadas estruturas. A crise financeira, deflagrada em 2008, perdura e coloca o sistema mundial em um processo de reestruturação, cujo desfecho ainda é desconhecido. Em um mundo pós-fordista, é notável a dificuldade de mobilização das classes mais baixas mediante a fragmentação produzida pela terceirização, enfraquecimento dos sindicatos, propagação da cultura individualista; elementos característicos do processo de globalização, acentuado a partir da déca-

da de 1980. Globalização esta que também é colocada em xeque pelo que parece ser, em alguns aspectos, sua reversão parcial: vide Brexit, movimentos nacionalistas, crises migratórias e o muro de Donald Trump na fronteira com o México.

O Brasil é parte deste cenário: tendo se inserido no processo de financeirização mundial, produziu-se a perversa combinação de uma classe dominante ligada ao capital financeiro e aos interesses estrangeiros e uma classe trabalhadora enfraquecida em suas capacidades de mobilização. Tendo em vista a ausência de um processo de descolonização da mentalidade brasileira ao

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longo da história, estão em aberto dinâmicas reproduzidas desde o passado colonial, na qual os interesses externos se sobrepõem aos nacionais.

Um projeto político progressista, dentro da estrutura capitalista, deve expor uma racionalidade convergente com a consciência das classes dominantes em favor do bem comum. Entretanto, a formação dependente do capitalismo latino americano não permitiu que fosse formada uma consciência nacional nas camadas superiores. Isto significa que a classe dominante, diante das debilidades produzidas pela dinâmica do capitalismo periférico, atuará em função da manutenção e da ampliação de seus privilégios a partir da apropriação do aparato estatal e dos instrumentos econômicos e midiáticos.

Desta forma, interregnos progressistas estiveram, historicamente, associados a conjunturas externas favoráveis; o que indica que, no Brasil, a criação de um consenso em torno de um projeto nacional depende de fatores externos que contribuam com os ganhos extraordinários da classe dominante. Fechado este ciclo (como ocorrido diante do esgotamento do superciclo das commodities), a luta de classes, outrora escamoteada, embora sempre presente, é acirrada e toma contornos mais claros no contexto nacional. Compreende-se que o país passa por ciclos de desenvolvimento que são irrompidos por movimentos de reação, os quais pressionam e mobilizam a máquina estatal para impor a reversão de conquistas sociais que arrefecem privilégios das camadas mais altas da sociedade. Quando os ganhos auferidos por dinâmicas conjunturais favoráveis diminuem, a oposição entre capital e trabalho se torna mais impetuosa e, desta forma, apenas uma atenta avaliação da correlação de forças é que pode definir qual a posição do Estado diante das classes subalternas.

A explicação para a crise brasileira atual pode estar, dentre outros aspectos, no enfraquecimento da burguesia nacional, desde o progresso do projeto neoliberal na década de 1990. Na esteira deste movimento, a fração de classe que passou a obter mais influência no cenário nacional foi aquela ligada ao capital financeiro internacional. Esta característica fragiliza a possibilidade de construção de um projeto nacional de desenvolvimento capaz de reparar a gigantesca dívida social brasileira. Acrescente-se a isto uma contraditória interação entre o moderno e o arcaico, onde persiste, diante de uma modernização conservadora, a mentalidade retrógrada de um país com estrutura fundiária altamente concentrada, disparidades regionais acentuadas e um regressivo sistema tributário, que onera excessivamente a classe trabalhadora.

Diante desta estrutura, evidencia-se o ganho rentista e reinsere-se a economia brasileira na acumulação mundial como fornecedora de produtos primários; havendo, portanto, uma combinação de interesses do setor financeiro e do agronegócio que acaba por estancar

os avanços sociais. O impeachment ocorrido em 2016 significa a tomada do Estado por este arranjo. Significa a sobreposição do interesse internacional, das grandes corporações, do agronegócio e do capital financeiro sobre o voto popular. Diante das tentativas do governo Dilma Rousseff de alterar questões estruturais importantes, como a redução da taxa de juros e a tentativa de regulação da mídia, os interesses destes grupos dominantes passaram a ser frontalmente enfrentados.

Mediante uma formatação de capitalismo que entrecruza e vincula diferentes frações de classe dominante (não é improvável que o capital agrícola esteja associado ao capital financeiro, por exemplo), ocorre, como é possível assistir no Brasil atual, uma combinação entre estes setores em favor de um projeto que privilegie seus interesses em detrimento de um plano popular, ainda que reformista e não radical.

Retornando ao tema da crise, esta parece longe de acabar e impõe duras perdas à classe trabalhadora no mundo todo, inclusive no centro do capitalismo. Entretanto, no capitalismo periférico, cuja parcela subalterna da população é ampla, está mais exposta a uma opressão acentuada (e contínua) e onde os níveis de desigualdade são historicamente elevados, os efeitos são ainda mais devastadores. Neste cenário, quando proprietários de terra e banqueiros conseguem cooptar as diversas instâncias do governo, chancelado por um aparato midiático que induz a sociedade a acolher uma pauta que lhe é prejudicial, parece não haver saída. Estamos diante de um momento crítico, onde se coloca uma agenda retrógrada no contexto de capitalismo pós-moderno, que fragmenta até mesmo a esquerda mundial. Neste momento, a crise nos impõe a penosa e urgente tarefa de revisão e a revisitação de paradigmas, teorias e práticas em favor de um mundo mais justo.

Referências:

FERNANDES, F. (1975), Capitalismo dependente e classes sociais na América Latina. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Zahar Editores.

PAULANI, L. M. (2012), “A inserção brasileira no cenário mundial: uma reflexão sobre a situação atual à luz da história”. Boletim de Economia e Política Internacional, IPEA, n. 10.

PRADO JR., C. (2014), A Revolução Brasileira; A questão agrária no Brasil. 1ª Edição. São Paulo: Companhia das Letras.

Joyce Helena Ferreira da Silva é doutoranda em Ciência Política pela UFPE e pesquisadora-associada do Instituto de Estudos da Ásia (UFPE). Graduada em Economia e mestra em Ciência Política.

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Jornalismo Independente

Jornalismo e financiamento coletivo

Quem tem medo da mídia?

Se estar no Brasil em épocas sombrias já não é fácil, imagine ter que lidar com uma imprensa que explora as mais profundas possibilidades pessimistas da política, da economia e do cotidiano das pessoas. Pois bem, no Brasil, nos últimos tempos, diariamente, somos obrigados a assistir, ouvir ou ler os relatos de tragédia e concluímos estar diante do ápice da banalização da vida. Desacreditamos na mudança social através da militância, da política e somos levados a pensar que não há saída, a não ser pela via do heroísmo de algum ser terrestre ou um Ser Transcendental.

Impeachment, PEC do teto dos gastos, reforma da previdência e reforma do Ensino Médio estiveram em pauta nos últimos tempos. A queda do avião com os jogadores da Chapecoense, chacinas e a crise nos presídios foram outros assuntos exacerbadamente comentados. Todos esses fatos quando não tratados de forma responsável foram e são suficientes para despertar sentimentos como o medo, insegurança, ódio, intolerância, ilusão, entre tantos outros.

Não estamos criticando aqui o papel da imprensa ao dar espaço às informações de interesse público, estamos falando em uma imprensa que vai além da cobertura dos fatos e espetaculariza determinados assuntos em detrimento de outros. Naturalmente, ao escolher narrar algumas histórias, deixa-se de lado muitas outras. No entanto, enquanto se desprende um longo tempo com uma mera repetição de acontecimentos, perde-se de cobrir muitas outras questões necessitadas de problematizações. Em 29 de novembro de 2016, enquanto o povo latino-americano lamentava a morte de dezenas de pessoas, o Senado Federal votava para aprovar a PEC do teto dos gastos, que prevê o congelamento de investimentos em saúde e educação, por exemplo. Esse é um dos exemplos de como a atenção pode ser gerenciada para provocar silenciamentos ou até esquecimentos.

Sabemos que as notícias são construídas por meio de um mecanismo que organiza de forma hierárquica as rotinas produtivas e seleciona o que será ou não notícia, a noticiabilidade. O acontecimento só se torna público após passar pelos critérios, ou seja, valores-notícias elencados, a exemplo de proximidade geográfica, importância no âmbito nacional, linha editorial, entre outras. Mauro Wolf (2003, p. 195) explica que é necessário elaborar um

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esquema para acelerar o processo de transformação de acontecimentos em notícias. Ainda, é verdade também que todos os indivíduos precisam fazer enquadramentos no momento de contar uma história. No caso jornalístico, há um preparo, uma metodologia para aperfeiçoar tal objetivo. “O mundo necessita de frame para sua compreensão. O jornalista sabe como apresentar de maneira inteligível um significado” (SÀDABA, 2001). No jornalismo, desenvolve-se um conteúdo, enquadrando-o de forma a oferecer à audiência algo compreensível.

O problema é que o enquadramento ultrapassa os limites da legibilidade e dos critérios básicos de noticiabilidade citados por Wolf. De modo que Nilton Hernandes entende a notícia como algo mais profundo e subjetivo: (..) “uma hierarquização de fatos, também fruto de uma visão de mundo, dentro de um objetivo de despertar curiosidade, crenças, sensações e ações de consumo do próprio meio de comunicação” (HERNANDES, 2012, p. 24). Ele enfatiza que a Folha de São Paulo, em seu Manual de Redação, define o que caracteriza uma notícia como relevante a partir dos seguintes aspectos: “interesse (quanto mais pessoas puderem ter suas vidas afetadas pela notícia, mais importante ela é)”, “empatia (quanto mais pessoas puderem identificar-se com o personagem e a situação da notícia, mais importante ela é) e “improbabilidade (a notícia menos provável é mais importante do que a esperada)”.

Ao optar por dar espaço a determinados assuntos, favorece-se determinadas ideologias. Ao encontro desta reflexão, a Eni Orlandi também argumenta que, quando falamos algo, direcionamos o sentido, “apagamos necessariamente outros sentidos possíveis, mas indesejáveis, em uma situação discursiva dada” (ORLANDI, 2007, p. 73).

Para recompensar os enquadramentos naturais que silenciam ou enfatizam determinados assuntos, através de um conjunto de enunciados que o indivíduo eventualmente elenca para relatar uma dada situação, é necessário que os repórteres possam levar em consideração a multiplicidade de temas. No sentido de amenizar os prejuízos causados às questões importantes oriundas das demandas sociais, as quais acabam sendo excluídas da pauta jornalística por uma série de interesses.

Acompanhado os sites que funcionam pelo financiamento coletivo, percebemos que há uma rica diversidade temática em seu conteúdo. O ano passado, por exemplo, enquanto se noticiava repetidamente sobre os desdobramentos da Lava Jato na grande mídia, enquanto se preocupavam com áudios de Lula divulgados pela Polícia Federal, o site Marco Zero Conteúdo levantava uma discussão sobre como ler criticamente a mídia, baseado na

perspectiva de Abramo: “Manual para ler a mídia em tempos sombrios: as lições de Perseu Abramo”. Nessa mesma época, a Agência Pública de Jornalismo Investigativo enfatizava os grampos telefônicos, mas a partir de uma problematização. Realizou uma entrevistava com o professor Eugênio Bucci dando ênfase a discussão sobre a ética no jornalismo, o espaço do jornalismo independente, imparcialidade midiática, entre outros. Nesse período, o site Jornalistas Livres abordava a morte de gays no Brasil, os direitos indígenas e as manifestações contra o impeachment. Esse site não deixou de relatar os áudios da conversa de Lula com Dilma, porém, a partir de uma outra perspectiva.

No sistema democrático de direito, embora ameaçado por uma série de supressões de garantias como vem acontecendo no atual governo Temer, a defesa pela liberdade de expressão deve ser a base da nossa sociedade brasileira. Enquadramentos a imprensa sempre fará, não no sentido apenas dos critérios de noticiabilidade, e sim, por vários interesses ideológicos e comerciais. É direito da imprensa ter um lado. Mas o zelo pela diversidade temática e pela pluralidade de vozes deve prevalecer, pois se torna essencial para a possibilidade de uma comunicação mais significativa e igualitária, com base no consenso, o que poderá refletir na diminuição da imposição do pensamento único contido nos conteúdos comumente presentes na grande imprensa.

Referências:

HERNANDES, N. A mídia e seus truques. São Paulo: Contexto, 2012.

ORLANDI, E. As formas do silêncio: no movimento dos sentidos. 6 ed. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.

SÀDABA, Teresa. Origen, aplicacion e limites de la “teoria del encuadre”.

Comunicación y Sociedade. V. XIV, n. 2, p. 143175, Pamplona, 2001.

WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 2003.

Karolina Calado é doutorando do Programa de Pós-graduação em Comunicação da Universidade Federal de Pernambuco. Nesta coluna, proponho uma discussão acerca das questões que envolvem a economia política dos meios de comunicação, especialmente a partir da internet e dos modelos de financiamento coletivo.

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Opinião

Estado Criminógeno, Cidadão Omisso

“Casa de horrores”, “sistema pavoroso”, “masmorras medievais” são algumas das denominações atribuídas aos presídios brasileiros: os que detêm maior número de internos que nunca foram julgados (quarenta por cento da população carcerária), a despeito de gozarem da presunção constitucional de inocência.

Pe. Valdir Silveira, Coordenador Nacional da Pastoral Carcerária, chega a afirmar que “o sistema prisional brasileiro está estruturado para torturar e matar - para mais nada”. E completa: “se colocassem cães e gatos nos presídios brasileiros tratados como o são os presos, teríamos milhões nas ruas e mobilização internacional contra o Brasil”. Eles estão sujeitos desde a violência física até a privação de cuidados mínimos de higiene: não há sabonete, raramente papel higiênico e, muitas vezes, sequer absorvente íntimo para as mulheres.

Os cárceres brasileiros estão no topo do ranking mundial dos mais infectos, superlotados, custosos e mal-administrados (?). Trata-se de gracioso eufe -

mismo: muitas prisões são governadas pelos que nelas se encontram trancafiados. São eles que definem as regras de convivência e até a quem são confiadas as suas chaves!

Corolário lógico dessa delegação surreal do Estado para seus custodiados: “quando um preso decide matar outro, é difícil evitar”, declara, lisamente, o Secretário de Justiça (?) e Cidadania (??) do Rio Grande do Norte, Walber Virgulino.

Ninguém desconhece as taras do sistema (?) carcerário, a despeito de haver quem avalie essas “casas de horrores” como “hotéis cinco estrelas”.

Certamente, não as consideram assim os “mal nascidos”, sem dinheiro, e, consequentemente, sem advogado, como os detentos que passam anos a fio nesses “hotéis” sem serem julgados, para, ao final, com vidas completamente estragadas, boa parte deles ser considerada inocente.

Os que acham invejáveis esses “hotéis” mudariam radicalmente de opinião se um dia um filho seu ou parente próximo for enquadrado pela polícia

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como traficante, sendo mero usuário; ou, inocente, for preso, confundido com o verdadeiro culpado; ou se, por qualquer outro motivo, vier a amargar, seja por dias ou meses, a condição de “hóspedes” dos supostos “hotéis de luxo”.

Tendo abdicado das responsabilidades na administração do sistema penitenciário e do respeito à lei, o Estado tornou-se contumaz violador de princípios constitucionais garantidores de direitos e da Lei de Execuções Penais, assim como das convenções e tratados internacionais.

Essa abdicação é a causa principal dos levantes que se tornaram rotina nesse sistema, gerando a perda de muitas vidas decorrente da prática da justiça com as próprias mãos feita pelos apenados; da desmoralização das autoridades e da consequente sensação generalizada de insegurança.

A título de exemplo: durante essas rebeliões, multiplicaram-se os assassinatos em importantes cidades – acarretando, em algumas delas, como Natal, a suspensão, por vários dias, de serviço tão essencial como o transporte público.

Efeito particularmente deletério do controle das prisões pelos condenados é a transformação delas em escolas especializadas na formação de criminosos. Os de menor potencial ofensivo são obrigados, para sobreviverem, a filiar-se em uma das organizações criminosas que mandam nos presídios e, consequentemente, a cumprirem suas determinações, inclusive a prática de mais crimes.

Os que acham merecidas as condições desumanas da cadeia precisam compreender que são essas condições que tornam possível a expansão da criminalidade.

Com efeito, o endurecimento da legislação penal, que ocorreu com a aprovação da lei dos crimes hediondos, na década de noventa do século passado, não contribuiu para a sua diminuição. Até a estimulou, ao impedir os condenados pelos crimes previstos naquela lei de se beneficiar da progressão de regime, perpetuando sua estadia nos cárceres e privando-os da possibilidade de ressocialização.

Por outro lado, a política agressiva de encarceramento e isolamento dos líderes do crime organizado, adotada há mais de dez anos, em nada diminuiu as rebeliões no sistema penitenciário, muito pelo contrário. Nem as inibirá o emprego das Forças Armadas, se o poder público não for capaz de fazer cumprir a Lei de Execuções Penais, garantido a integridade física e demais direitos dos presos.

Outra prova cabal do fracasso do endurecimento da legislação penal é crescimento, em proporções geométricas, da população carcerária. Nos últimos 14 anos, ela aumentou 267%, chegando hoje a cifra de 622.202 detentos. Quer dizer, em apenas 15 anos, teremos praticamente triplicado o número

de “hóspedes” nas nossas tenebrosas enxovias. O Brasil é o quarto país que mais prende no mundo (embora haja dezenas de milhares de mandados de prisão não cumpridos), ganhando até da Índia nessa matéria. Mas existem os que consideram que já é o terceiro, tendo ultrapassado a Rússia. Se assim é, independentemente do que cada um pense sobre direitos humanos, todos têm interesse em humanizar os presídios, mediante a redução significativa da população carcerária, com a diminuição drástica da prisão preventiva e a ampliação do uso de tornozeleiras. E, sobretudo, a de penas alternativas, acrescentando-se a necessária descriminalização das drogas.

Por outro lado, políticas púbicas que ampliam as áreas de lazer e de convivência social, fomentam as atividades esportivas, ofereçam trabalho para os presos, assim como programas de tratamento e a prevenção da drogadição, onde têm sido implementadas, mostram a sua eficácia.

Considerando a relação custo-benefício, essas medidas, além de práticas, são econômicas, possibilitando a efetiva ressocialização dos apenados. Mas nunca foram adotadas, devido à hegemonia conservadora que domina os Poderes do Estado.

Eles só sairão da sua letargia com a tomada de consciência, pela maioria dos cidadãos, de que a ordem social injusta, sob cuja égide vivemos é, juntamente com a ideologia punitiva que a ancora, a principal interessada na manutenção do statu quo. Este, voltado, na imensa maioria dos casos, para a punição dos já penalizados com diferentes formas de exclusão social. Finalizamos com a profética advertência, feita por Darcy Ribeiro, em 1982, há 35 anos atrás: “Se não construirmos escolas agora, faltará dinheiro para construir presídios”. Não avançamos na construção de escolas de qualidade, com tempo integral, que assegure à juventude plena inserção sócio-cultural e no mercado de trabalho. Mas pagamos o preço dessa lacuna, com a disseminação de unidades altamente especializadas na formação de criminosos, a que chamamos, eufemisticamente, de presídios. A luta por uma educação de qualidade deve se constituir importante fator de unificação para os que consideram indispensável o papel do Estado como protagonista de desenvolvimento econômico e social - e não como gestor dos interesses do mercado.

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Rubens Pinto Lyra é Doutor em Direito (área de Política e Estado) e Professor do Programa de Pós-Graduação em Direitos Humanos, Cidadania e Políticas Públicas da UFPB. Email: rubelyra@uol.com.br.

Opinião

O que está mudando no Mercosul?

Os impactos das mudanças conservadoras e, diria mais, de extrema direita, tem-se feito ouvir e ver, e tem feito estragos por toda parte, com medidas duras sobre os trabalhadores, desemprego, perdas de direitos, retrocesso nos direitos humanos, corte de recursos para políticas sociais, estímulo à finaceirização. É um processo que já perdura alguns anos em escala global. O Consenso de Washington ainda não terminou, muito embora os seus efeitos sobre as desigualdades econômicas e concentração de renda em escala mundial sejam amplamente conhecidos e estatisticamente comprovados (Stiglitz; Picketty, Chesnais). Não há espaço aqui para desenvolver este aspecto da crise mundial e vou me ater à questão formulada.

Na América do Sul, este percurso de crise foi ultrapassado, desde a eleição de Hugo Chavez Frias em 1999 e depois da eleição no Brasil de um líder operário, Luis Ignácio Lula da Silva, em 2003, por um amplo processo democrático e de integração regional que agora começa a desmoronar. Segui -

ram-se eleições de presidentes com perspectivas distributivistas e até no espectro mais à esquerda, do Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia, Equador.

A região não está fora do mapa global e vem passando por alterações, ditadas tanto de dentro para fora quanto de fora para dentro, a exemplo dos impedimentos de Fernando Lugo, no Paraguai, e, em agosto de 2016, de Dilma Roussef, no Brasil. Mas também por via de processo eleitoral a vitória de Mauricio Macri em dezembro de 2015 na Argentina. E o Brasil e a Argentina na América do Sul funcionam como sinalizadores dos rumos político-econômicos na região.

Desde 1991, com o Tratado de Assunção, o processo do MERCOSUL, com todas as dificuldades, por exemplo, de constituir uma Área de Livre Comércio entre os quatros estados-membros, ou um Parlamento próprio, avançou com a incorporação da Venezuela em 2012 e da Bolívia em 2015. Daí partiu-se para criar a UNASUR, Unión de Naciones Suramericanas, que passou a integrar um amplo projeto englobando 11 países da região, com um

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tratado que entrou em vigor em março de 2011. A União obteve estatus de membro observador na Assembléia geral das Nações Unidas e tem sede própria no Equador.

As duas instituições, Mercosul e Unasul, tinham projetos convergentes, sendo que a última, além de representar um maior número de Estados, tinha precipuamente a intenção de estruturar planos de integração física, com a construção da Via Interoceânica, unindo Peru ao Brasil, pasando por Bolívia , posibilitando ao Brasil uma saída para o Oceano Pacífico e ao Perú, uma saída para o Atântico; obra concluída em 2010. Além disso, pensou um Anel Energético Sulamericano, onde Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai receberiam o gás peruano de Camisea. Além de um Gasoduto Binacional Colombia- Venezuela, iniciado em 2006.

A Unasul, entre outros projetos ambiciosos e integracionistas, também foi responsável por estabelecer, pela primeira vez na história da região, uma política de defesa articulada entre os estados parte. Evidentemente, todas estas iniciativas não foram bem aceitas pela política externa dos Estados Unidos da América, a quem não interessava o avanço de um projeto de soberania compartilhada e de avanço integracionista. Ao mesmo tempo, segmentos conservadores no interior da região trataram de presionar para o postergamento destas iniciativas ou mesmo no impedimento do fortalecimiento do Bloco. É importante salientar que o Brasil passava a praticar uma política externa dita Sul-Sul, chamada por Celso Amorim – ministro das Relações Exteriores de Lula – de “ativa e altiva”.

Um outro aspecto, que cabe aquí ao menos tangenciar, foi a ascensão chinesa na região, que passou a deslocar intereses dos EUA, passando a ser o primeiro parceiro comercial do Brasil, e com forte impacto nos demais países da América do Sul, o que tampouco agradava aos EUA.

Para não me alongar, dizer que hoje o ministro brasileiro das Relações Exteriores, José Serra, sempre foi um inimigo declarado do Mercosul, tido por ele como um projeto que deve ser esvaziado para fazer o Brasil caminhar na direção Sul-Norte, tendo os EUA como parceiro prioritário. Para isto, as mudanças rápidas e violentas que tiveram lugar desde o Golpe civil, de iniciar um proceso masivo de privatizações de ativos importantes como a Petrobrás, de enxugamento das agências bancárias dos Bancos Públicos, de tornar minimalista a atuação do Banco Nacional de Desenvolvimento Social – BNDES. Se trata , portanto de um conjunto de políticas neoliberais que quer “re-ligar o país” com os países da União Européia e os EUA. Fazer entrar e atrair o capital internacional no país sob a alegação de fazer reduzir a dívida pública, não importa em que setor

econômico. Se esta é a chave-geral, então, respondendo a pergunta, os processos de integração do Mercosul e da Unasul serão tidos como proteccionistas, o que não interessa para quem quer construir zonas de libre-comércio.

Na Argentina, o proceso é muito semelhante e a primeira visita do presidente Obama ao país permitiu ali o estabelecimento de duas bases militares estado-unidense, impensável na política de independência pregada pela Unasul. Também no Brasil, o Congresso Nacional está para votar a cessão da base de Alcântara aos EUA, projeto que foi vetado anteriormente, quando no governo Fernando Henrique Cardoso tentou-se fazer o mesmo.

Estas mudanças drásticas e draconianas para os setores ligados aos trabalhadores provocaram, na Argentina, nove meses após as promessas de campanha, uma crise com queda de 1% do PIB em 2016. O governo Macri promoveu violenta desvalorização do peso argentino (30%) e realizou cortes nas políticas sociais de subsídios implantados durante o período de Cristina Kirchner. Promoveu um tarifaço de 400% nas contas do gás; as tarifas de energia sofreram aumento de 300%; o custo da água oscilou de 216% a 375%; o combustível aumentou 35% e o preço do transporte público aumentou de 100%. Corte na distribuição de medicamentos para os aposentados. A inflação disparou e chega a 46%. O desastre político-econômico na Argentina trouxe de volta e já superou a pergunta sobre o efeito Macri para o Brasil de Temer: “eu sou você amanhã”. O Brasil repentinamente ficou triste e sem futuro. Resta saber como reagirá o conjunto das forças sociais democráticas, nacionalistas e progressistas, no Brasil e na Argentina, para impedir ou obstar este retrocesso em marcha.

Marcos Costa Lima é professor do Departamento de Ciência Política da UFPE, doutor pela Unicamp e pós-doutor pela Université Paris XIII.

Referências:

Joseph Stiglitz http://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/ Economia/O-preco-da- desigualdade/7/34967 ; Thomas Piketty: https://lelivros.pro/book/baixar-livro-o-capitalno-seculo-xxi-thomas-piketty-em-pdf-epub-e-mobi/; François Chesnais: https://gz.diarioliberdade.org/mundo/ item/82349-francois-chesnais-capitalismo-pode-estarvivendo-sua-crise-final.html

Marcos Costa Lima é professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Federal de Pernambuco. Doutor pela Unicamp e Pós-Doutor pela Université Paris XIII- Villetaneuse.

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Jornalismo e Política

Uma relação polêmica e paradoxal

O Coronelismo

Eletrônico e a Corrupção da Opinião Pública

Alivre circulação das informações e a pluralidade de vozes são requisitos fundamentais para a democracia. Assim, uma mídia eclética, que oferece espaço para a multiplicidade de ideias e que trabalhe efetivamente para o bem comum é imprescindível para a efetivação de uma sociedade democrática, e seu avesso contribui para uma estagnação do desenvolvimento social e impede a ampla discussão de questões públicas.

No Brasil, apesar de os veículos de rádio e televisão funcionarem mediante concessões públicas, grande parte dessas são controlados por poucos grupos empresariais, que utilizam esses meios para fins de interesse privado. A situação é a mesma quando falamos da mídia não concessionada, como os meios impressos - jornal e revista -, e os veículos digitais ancorados na internet.

Além de estar concentrada nas mãos de poucos grupos, outra característica da mídia brasileira é a estreita ligação entre a mídia e a política que, para além dos acordos e conchavos praticados entre os proprietários de comunicação e os representantes do poder, se estabelece quando os próprios políticos são detentores de concessões de rádio e televisão no Brasil, evidenciando uma relação perigosa entre mídia e poder (governo).

O texto A farra dos parlamentares continua, apesar da constituição, publicado em 2007 no Informativo INTERVOZES, afirma que, segundo levantamento realizado pela Agência Repórter Social, 53 deputados federais e 27 senadores da época

declararam possuir algum tipo de controle sobre veículos de comunicação. “A ‘bancada da comunicação’ representa nada menos do que 10% da Câmara e assustadores 33,3% do Senado” (INTERVOZES, 2007, p.18). Apesar de passados quase dez anos, a situação atual não é muito diferente pois a oferta de concessões de comunicação a políticos continuou sendo moeda de troca nos bastidores da política brasileira.

Tal fato fere a Constituição Federal, que em seu artigo 54 afirma que deputados e senadores, desde o momento da expedição do diploma, não podem “firmar ou manter contrato com pessoa jurídica de direito público, autarquia, empresa pública, sociedade de economia mista ou empresa concessionária de serviço público” (CONSTITUIÇÃO, 1988). O mesmo artigo diz ainda que, dada a posse, os parlamentares não podem ser proprietários, controladores, diretores ou exercer qualquer outra função remunerada em empresa que goze de favor

Deputados e senadores continuam controlando emissoras, embora a Constituição proíba. Licenças de TVs e rádios educativas são usadas para escapar da obrigatoriedade de licitação e proteger negócios com fins comerciais. (...) O que era para ser concessão se transformou em capitania hereditária (INTERVOZES).

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decorrente de contrato com pessoa jurídica de direito público. A outorga de concessões de radiodifusão para políticos também vai de encontro ao Código Brasileiro de Telecomunicações, que em seu artigo 38 determina que quem está em gozo de imunidade parlamentar não pode exercer a função de diretor ou gerente de empresa concessionária de rádio ou televisão. Segundo Venício de Lima (2014, p. 180), esta proibição está ratificada no “Regulamento dos Serviços de Radiodifusão que exige, como um dos documentos necessários para habilitação ao procedimento licitatório, declaração de que os dirigentes da entidade ‘não estão no exercício de mandato eletivo’”.

A detenção dessas concessões faz com que os políticos utilizem os meios de comunicação como ferramenta para disseminar uma ideologia que lhes é favorável e como barganha em transações com correligionários e aliados. Tais atitudes caracterizam o que diversos pesquisadores intitulam como coronelismo eletrônico, no qual os políticos donos de veículos de comunicação agem como coronéis, impondo suas vontades e utilizando suas mídias de maneira a favorecer politicamente a si mesmos ou parceiros.

Embora não haja dados oficiais acerca dos políticos concessionários de radiodifusão, levantamento realizado pelo projeto Donos da Mídia aponta que, em 2014, 271 parlamentares com mandatos no Congresso Nacional eram sócios, diretores ou possuíam algum vínculo com cerca de 324 grupos de rádio e televisão. Esse número pode ser ainda maior se for levado em consideração o número de laranjas ou empresas fantasmas pertencentes a políticos que controlam meios de comunicação. Em reportagem veiculada pelo jornal Folha de S. Paulo nas edições de 27 e 28 de março de 2011, a jornalista Elvira Lobato aponta dados que mostram que utilizar terceiros nas licitações para concessão de radiodifusão é uma prática corriqueira: a reportagem investigou 91 empresas que mais obtiveram concessões entre 1997 e 2010, e dessas 44 não funcionam nos endereços informados ao Ministério das Comunicações.

O coronelismo eletrônico não se limita aos políticos do Congresso Nacional, mas abarca diversas instâncias de poder, não se restringindo a determinado governo ou partido. Exemplo disso pode ser percebido nos recentes acontecimentos políticos do país, especificamente com o afastamento da presidenta Dilma Rousseff: ao assumir o governo, em maio de 2016 - à época de forma ainda interina -, Michel Temer nomeou 23 ministros, dos quais sete são donos ou possuem parentes donos de concessões de radiodifusão. Além da nomeação de concessionários de radiodifusão como ministros

do governo, o presidente ingressou, em 09 de novembro de 2016, com uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, na qual pede que o Supremo Tribunal Federal - STF declare a inconstitucionalidade de decisões judiciais que têm impedido a outorga ou renovação de concessões de rádio e TV a políticos detentores de mandatos eletivos. Por meio da Advocacia Geral da UniãoAGU, Temer alegou que “decisões nesse sentido ofendem preceitos fundamentais como o do valor social do trabalho e da livre iniciativa, da primazia da lei, da livre expressão e da liberdade de associação” (CARTA CAPITAL, 2016). Vale ressaltar que várias concessões de radiodifusão também foram distribuídas para políticos em diversos governos anteriores, incluindo os de Dilma Rousseff, Lula e Fernando Henrique Cardoso.

Toda essa concentração midiática, tanto nas mãos de políticos como de poucas famílias ou grupos empresariais, fortalece ainda mais a ligação entre mídia e política. Esse uso político dos veículos de comunicação se estabelece em uma relação de mão dupla: enquanto a classe política - seja essa formada por políticos concessionários ou não -, utiliza a mídia para alcançar ou permanecer no patamar de detentora do poder, isto é, para continuar como classe especializada – utilizando as ideias de Lippmann -, a mídia executa tal demanda em nome de interesses privados, que podem se materializar em benefícios fiscais por parte do governo, subsídios, programas de ajuda e, em especial, verbas publicitárias, que compõem grande porcentagem da receita dos meios de comunicação. A concentração dos meios de comunicação e o vínculo dos grandes grupos de mídia com lideranças políticas impedem a livre circulação da informação e provocam a hierarquização da sociedade, impossibilitando, assim, uma comunicação dialógica, como a defendida por Paulo Freire, que pode ser considerada a comunicação ideal para a efetivação da democracia. Como resultado dessa equação, tem-se um país onde a radiodifusão defende interesses privados e não atende ao interesse da população, o que também colabora com a corrupção da opinião pública, como bem assevera Venício Lima.

Escrita pela jornalista Laís Ferreira, mestranda em comunicação pela UFPE, a coluna Jornalismo e Política em Pauta irá abordar questões relacionadas a esses dois campos, analisando seus comportamentos e debatendo fatos do contexto político sob a ótica da comunicação.

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Opinião

A China entre as siglas dos acordos megarregionais de comércio

Opapel da China como principal centro de gravidade das relações econômicas internacionais parece ter dado mais um passo adiante depois que o Presidente Donald Trump deu início formal a seu mandato na Casa Branca.

Cumprindo a promessa de campanha, Trump emitiu, entre as três primeiras ordens executivas de seu governo, a formalização do abandono pelos Estados Unidos do Acordo Transpacífico de Cooperação Econômica (TPP). O tratado fora negociado por doze países, entre os quais estão velhos rivais asiáticos da China, como o Japão, e outros Estados que vêm tendo suas relações diplomáticas com Beijing desgastadas pelas disputas em torno do Mar da China Meridional, como Vietnã e Malásia.

O TPP, que era visto por muitos(as) especialistas como um projeto do governo Obama para alijar a China do protagonismo que vem adquirindo em termos geopolíticos (sobretudo econômicos), passa sem dúvidas a ter sua efetividade comprometida com a saída dos Estados Unidos.

Desde a participação da China na Cúpula da Cooperação Econômica Ásia-Pacífico (APEC),

esta vem adotando em seu discurso a ideia de dever perante a comunidade internacional, considerando a possibilidade – que já era iminente – de que Trump viesse a efetivar suas promessas de campanha. Esse discurso foi reforçado pelo Presidente Xi Jinping no último mês de janeiro no Fórum Econômico Mundial, quando o líder também ressaltou a importância do livre comércio e refutou as críticas à sua política monetária, tão reiteradas na campanha de Donald Trump.

Por outro lado, um novo avanço das negociações no âmbito da Asean – conhecida por sua sigla em inglês para Association of South East Asian Nations, composta por dez membros asiáticos (Tailândia, Indonésia, Malásia, Filipinas, Singapura, Brunei, Laos, Vietnã, Mianmar e Camboja) – protagonizado pela China, está recrudescendo o projeto do Regional Comprehensive Economic Partnership (RCEP).

O acordo, ainda sob negociação, abarca sete dos doze Estados que atualmente são signatários do TPP – Japão, Austrália, Nova Zelândia, Brunei, Malasia, Singapura e Vietnã –, além dos demais países da Asean, e tem suas origens na Cúpula do Leste Asiático ocorrida no Camboja, em novem -

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bro de 2012. Na oportunidade, os líderes então presentes estabeleceram um Guia de Princípios e Objetivos para a Negociação do RCEP, que lastreia as tratativas desde então.

A próxima rodada de negociações (décima sétima) deve ocorrer entre 27 de fevereiro e 03 de março de 2017, em Kobe, no Japão, e certamente se pautará no potencial recrudescimento do acordo em face da ameaça à efetividade do TPP.

Sendo inicialmente concebido como uma grande zona de livre comércio, que pode abarcar até 46% da população mundial e 24% do PIB global, o RCEP deixa de fora temas antes compreendidos pelo TTP, como direitos trabalhistas, direitos humanos e compromissos sobre a proteção ambiental, cuja regulamentação no âmbito deste, no entanto, já era vista com bastante ressalva por ativistas e acadêmicos(as) desses campos.

Embora existam questões transversais, relativas às relações da China com seus vizinhos, que ainda restam indefinidas quanto a seus efeitos, é certo que um acordo de tamanha proporção e que abrange a grande maioria dos países que atualmente compõem o TPP pode vir a esvaziá-lo.

É certo, porém, que, recentemente, além da mencionada crise no Mar da China Meridional, as relações sino-japonesas também passaram por um desgaste diante dos rumores de que o governo nipônico estava financiando um think tank britânico para desgastar a imagem chinesa no Reino Unido.

Quanto a esse aspecto, lembre-se que, embora aparentemente as relações entre a China e a confederação não estejam tão em evidência para a Primeira Ministra Theresa May do que estiveram para seus predecessores David Cameron e George Osborne, o Brexit e a consequente indefinição quanto as relações entre o Reino Unido e a União Europeia devem reaproximar os países.

De fato, após um primeiro impasse entre os dois Estados na gestão May envolvendo uma pausa provisória nas deliberações sobre a usina nuclear Hinkley Point – a ser construída com maciços investimentos chineses –, em setembro de 2016, os governos britânico e chinês anunciaram em novembro do mesmo ano a criação de um grupo de trabalho para avançar nas negociações de um acordo bilateral de livre comércio.

Finalmente, é importante lembrar que também o Transatlantic Trade and Investiment Partnership Agreement (TTIP), que estava sob tratativas entre Estados Unidos e União Europeia, também sofrerá, no mínimo uma perda crítica de prioridade na gestão Trump, deixando espaço para que a diplomacia chinesa busque recrudescer suas relações no nível bilateral e regional com o conti -

nente europeu.

Recentemente, o Embaixador da União Europeia (UE) na Indonésia e em Brunei Darussalam, Vicent Guérend, declarou que o bloco continua comprometido com seu engajamento com esses países e com a região como um todo. O diplomata estava respondendo à questão sobre a possibilidade de que as tratativas, que estão paradas há mais de uma década, para o acordo de livre-comércio entre a União Europeia e a Asean fosse retomada, devido às oscilações do TPP.

No evento que ocorreu entre 09 e 10 de fevereiro, uma visita oficial de quatorze diplomatas da EU destinada a expandir as relações com Brunei e com a Asean, o embaixador enfatizou que os influxos em assistência internacional entre a União Europeia e a Asean triplicaram nos últimos anos, ampliando a cooperação intercontinental em áreas como o enfrentamento ao câmbio climático e ajuda humanitária.

Na ocasião, Guérend acrescentou que, apesar de atualmente a UE estar trabalhando para o fortalecimento das relações bilaterais no continente asiático, sobretudo com a Indonésia (em razão do seu PIB e população), pretende estabelecer um acordo comercial entre os dois blocos. Segundo o embaixador, os tratados da abrangência do TPP – que vão além de eliminar barreiras tarifárias, abarcando estruturas reguladoras e leis trabalhistas e ambientais, por exemplo – estão na agenda do dia da política comercial da UE.

No próximo mês de março, o Comissariado da União Europeia para a Asean se reunirá com ministros deste bloco para uma nova rodada de negociações visando à reativação das negociações do tratado UE-Asean.

Assim, embora ainda existam muitas incertezas quanto ao efetivo potencial da China em liderar um novo giro na liberalização do comércio internacional – mesmo no âmbito asiático –, não se pode negar que o abalo aos acordos megarregionais protagonizados pelos Estados Unidos trazem alvíssaras à diplomacia econômica chinesa.

Resta saber em que medida e como outras questões geopolíticas, sobretudo relacionadas à segurança, ainda que não envolvam (diretamente) a China, poderão deixar a pauta do comércio internacional em segundo plano ou influenciar a centralidade desta. A ver os novos decretos e tweets do chefe do Executivo estadunidense.

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Mariana Yante é doutoranda de Relações Internacionais na Universidade de Wuhan/China.

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