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VITOR MIRANDA - São Paulo, SP
POESIA É TER TEMPO
Poesia é ter tempo. Explico isso citando Ferreira Gullar e Leminski. Gullar dizia que poesia é o espanto. Leminski dizia que poesia é a beleza da linguagem. Digo que poesia é ter tempo pra observar o que espanta e transformar aquilo em poesia. Uma noite num sítio coloquei um pedaço de tronco na lareira às duas da manhã. Fiquei parado bebendo vinho e observando o fogo queimar o tronco. Claro que se eu não estivesse lá o tronco não queimaria por inteiro. Por algumas vezes girei-o pra lá e pra cá fazendo com que ele encostasse na brasa. De resto só observei. Observando-o me espantei diversas vezes. Na situação mais espantosa duas pequeninas chamas surgiram e pareciam duelar feito dois boxeadores. A luta foi disputada. Durou cerca de algum tempo que não sei dizer, pois quando se tem tempo para observar não há relação temporal alguma, pois não importa. Eu vi o corpo físico de um tronco rigidamente sólido se desintegrar passo a passo e vi coisas acontecerem nele que fizeram minha imaginação criar novas situações que só existiram dentro de mim e que pude observar atentamente o momento do surgimento da imagem que só eu posso ter de um determinado momento. E só foi possível observar atentamente o que aconteceu dentro de mim, pois tive tempo pra isso. Hoje só sou poeta porque fiz - com auxílio de outras pessoas - a minha vida ter um ritmo que dá tempo pra observar o mundo e a mim. Depois de observar o tronco queimar, esperei o sol nascer. Não apenas olhar o sol surgindo no horizonte. Esperei pra observar a neblina que começava a se dispersar, as cores que quase imperceptivelmente começavam a modificar o colorido do céu, o modo como os animais estavam se comunicando, o movimento dos pássaros cortando um céu em transição, a gota de orvalho escorrendo pela flor e todo o silencioso sentimento que estava me ocorrendo, pois quando observo o sol nascer aqui fora, ele também nasce dentro de mim e tudo se modifica. Comecei a querer reparar em tudo. Como o momento que uma flor se abre. Ou passar um ano em frente uma árvore apenas observando o que acontece com ela dia após dia, semana após semana, mês após mês, estação após estação. Ainda não consegui dar esse tempo livre para minha vida. Seria minha maior poesia. Porém hoje cheguei na casa de uma moça que acabara de sair do banho. Seus cabelos molhados foram secando com o passar da tarde de tal forma que foi ganhando a forma do dia em que eu a conheci, como que parafraseando a poesia de uma flor se abrindo. E foi aí que entendi que a poesia nunca poderá ser nada ou ela sempre será tudo, qualquer coisa. Pois no começo do texto poesia era ter tempo, mas quando observei o cabelo secar - " cada cacho que seca é o galho de uma árvore que cresce" - o tempo já não tinha para mim a menor importância. Poesia pra mim hoje é e sempre será o cabelo daquela moça. Até que um novo espanto me convença do contrário.
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