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BIANCO DEL AYRE - Santos, SP
ALGUNS DE NÓS
Biu faz bico de homem-aranha para completar o orçamento. Estava pulando e dançando num daqueles ônibus turísticos da cidade.
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Na terceira fileira de trás para frente, na janelinha, um garotinho de nove anos observa o herói. Sabia que não era o verdadeiro, mas estava admirado assim mesmo. Queria ser um super-herói mais do que tudo na vida.
Na calçada, uma senhora de meia idade enxerga os olhinhos brilhantes do menino que passeia despreocupado no ônibus. Sempre dizia que não, mas no fundo queria muito ser mãe, sempre quis. Agora era tarde, estava velha demais.
A poucos passos um jovem casal passeia de mãos dadas. Cada um imerso em seus próprios pensamentos. O rapaz vê a coroa que caminha à frente e dá asas à imaginação. Tinha tara por mulheres mais velhas e aquele bumbum tinha o tamanho e o formato que ele mais cobiçava.
Encostado na porta de correr de uma loja falida, um mendigo finge dormir, mas acompanha o casal que passa. Roupas de marca, cortes de cabelo impecáveis, vida ganha. Lutava todos os dias por um prato de comida, mas não culpava ninguém por suas desgraças. Trocava o prato de comida que fosse por mais uma dose. De preferência direto na veia.
Estressado, um senhor de cabelos branquinhos passa olhando tudo ao redor. Pensa em como vai conseguir terminar o mês só com sua aposentadoria. Não dá pra viver de forma digna e ser honesto ao mesmo tempo. Teria que escolher. Quem dera não tivesse que se preocupar com isso, como aquele mendigo. Sujo, faminto, mas dormindo em horário comercial de um dia útil.
A estagiária mal começou sua carreira e está por um fio. Sobrecarregada com tanto trabalho, nem sabe por onde começar suas tarefas. Já paga a previdência, e conta os anos que faltam para se aposentar. Aquele senhor, por exemplo: passeia a hora que quer. Nem precisa pagar ônibus. Mas falta muito ainda. Falta tudo!
De bicicleta o entregador escuta seu walkman enquanto procura o número do prédio em que deve deixar o pacote. Tem fome, e não ajuda em nada ficar entregando sanduíches por aí. Do seu destino sai aquela gatinha, a estagiária. Cara, quando teria coragem de falar com ela? Essa sim era para casar, tinha um futuro e tanto.
De terno, gravata e pasta na mão o advogado percorre o caminho de seu carro até o escritório. Faltava mais uma quadra e parecia que ia morrer. Suava por causa do calor e amaldiçoava a vida por não ter uma vaguinha mais perto. De que adiantava ser um dos sócios do escritório e sofrer desse jeito? Queria estar como aquele rapaz, que passa o dia trabalhando de bermuda e camiseta, guiando uma bicicleta. Trocaria na mesma hora se desse para manter seu salário.
Biu largou a faculdade no primeiro semestre. Sonha em voltar e, algum dia, trabalhar em um escritório, andar chique e elegante de terno e gravata, como aquele cara. Por enquanto, não tinha jeito, precisava dar duro fazendo bicos de homem-aranha.