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LUIZ GO - Jundiaí, SP

NÃO SE ESQUEÇA QUE A VIDA É SIMPLES

“O essencial é invisível aos olhos”. Antoine de Saint-Exupéry

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Amém. Todos disseram em uníssono. No final do culto, despedi-me de meus colegas e fui pra casa, ungida, preparar quentinhas. Tinha me esquecido que era final de campeonato, por isso a igreja estava vazia, mesmo eu conhecendo poucos flamenguistas. Os bares estavam sem lugar para sentar, passava jogo do Flamengo na Globo. Eles perderam. Os louvores e glórias ficam restritos a poucos, enquanto muitos clamavam para que seu time ganhasse. Só se lembram de Deus quando precisam.

Era eu quem cuidava dos afazeres do lar. O reboco ainda não passado, o piso de cimento batido, a cozinha e sala do tamanho de um banheiro, dois quartos para cinco pessoas… nada disso me incomodava. Tirando as baratas bruxuleantes em momentos de quentura, nada disso me incomodava. Vida simples, pensamento elevado.

Preparei as quentinhas enquanto assistiam tevê. Eu ia vender no dia seguinte, em frente ao Fórum. E não é que os engravatados gostam da minha comida? O segredo é um tempero doméstico, e não aquelas refeições insossas de cozinha industrial. Eu sento lá no Paço com meu radinho, ouvindo música gospel o dia todo – eu tenho impressão que vendo mais assim.

Eu gosto de música clássica também, faz bem aos ouvidos. Acho que todas as coisas boas são manifestações de Deus. E as coisas ruins? Bom, as coisas realmente ruins são provocadas pelo próprio Homem. Pandemias, por exemplo, são nada mais do que mutações de germes proliferando muito rápido, fruto de convivermos aglomerados, às vezes em lugares insalubres ou tóxicos. A criação de animais então, oxalá, reúne tudo de pior e mais um pouco. O que dizer do uso massivo de medicamentos? Bactérias multirresistentes.

Naquele dia, um mendigo veio até mim. “Estou faminto. O álcool engana a fome, mas não dá sustento” – ele resmungou. Eu já o tinha visto pelas redondezas, vivia pedindo um cascalho. Era a primeira vez que puxava conversa comigo, há quanto tempo ele estava sem comer? Esperei o mendicante pedir, para não acostumá-lo mal. “Qual é a sua graça? ” – perguntou. Respondi Fátima, mas é Maria Fátima. “Lindo nome, o mesmo da minha falecida mãe” – abrindo um sorriso banguelo. Coincidência suspeita. “Poderia me dar algo para mastigar? ” Sem falar nada, abri a tampa da caixa, retirei de lá uma marmita e dei para ele, junto com um Guaravita. Ele agradeceu e logo chispou dali.

Aquele dia foi inesquecível, parece que aconteceu ontem. Voltando pra casa, no final do expediente, passei por um beco que não devia ter passado. Um cara veio ao meu encontro, pedindo as horas. Coloquei meu isopor no chão, tirei meu celular da bolsa. Ele parecia com pressa. Deve estar atrasado para uma audiência, pensei ao ver aquele loiro de social. A rua estava vazia. E não é que aquele traste pegou a minha Louis Vuitton

importada do Paraguai e saiu em disparada? Deus que me perdoe, mas que filho da puta! Deixou-me até mesmo sem meu passe de ônibus.

Em polvorosa, cheguei em casa querendo matar um. Fui direto duchar, coloquei na opção inverno. Aproveitei que estava só e chorei, chorei, chorei. As coisas já não são fáceis, e mais isso? Girei a válvula. O vapor nublava tudo. Senti a maciez da toalha secando meu rosto. Fiquei rubro-negra. Tive que limpar o embaço do espelho para conseguir me ver. Quem olhasse de fora, diria que nada aconteceu. Eu estava sem dor ou ferida, ainda respirava. Minha família e meus amigos ainda estavam lá. O que eu mais preciso está diante de mim. Eu ainda sei quem sou, ainda sinto Deus comigo. Ele escreve certo por linhas tortas. Cantei os hinos, senti-me agraciada pela Palavra, como se a palavra fosse designada exclusivamente a mim. O último encontro foi resolutivo, acabei me aproximando ainda mais dEle.

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