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Alberto Arecchi
Alberto Arecchi Pavia – Itália
Metamorfose
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Um dia, ao acordar, cada cor tinha-se transformado em sua complementar. O céu estava rosa e amarelo, as pessoas tinham a pele cianótica, a grama tinha virado vermelha.
Dois ratos olhavam-se assustados ao ver a pele quase fluorescente um do outro. Eles pareciam desenhados em néon. Uma abelha listrada em branco e roxo ia voando como louca. A água do arrozal refletia a cor amarela do céu. Uma rã vermelha olhou para um mosquito, branco como a neve. Reagiu instintivamente, estendeu sua língua e pegou. O sabor era bom, como o de um bom mosquito. O batráquio então soube que poderia manter um olho para as pequenas criaturas brancas esvoaçantes... Mesmo a rã, porém, que ficava vermelha, também apareceu como uma boa presa para o corvo branco, que passou a devorá-la.
Nádia acordou com um susto. Havia pintado seu quarto de cor-de-rosa e agora aparecia esverdeado, lívido, na luz da manhã. Esfregou-se os olhos, mas o efeito não mudou. Ela foi até a cozinha para fazer café e descobriu que todas as plantas ficavam vermelhas. O pote do café era opaco, quase preto, enquanto o pó de café aparecia azulado. O gato de casa saltava de um móvel a outro em um ambiente estranho, como uma nave espacial. Até ele reconhecer seu cheiro em um canto do tapete. Então se acalmou.
As águas do rio começaram a mudar sua cor. Depois de tantas décadas de assédio, roubo de água e sujeira de todos os tipos em suas águas, ele decidiu se vingar, com a escolha de sua cor. Um filete um pouco mais brincalhão escolheu tornar-se amarelo, depois rosa, depois vermelho, enquanto outros optaram pela variedade dos verdes. As tranças de água foram como um arco-íris colorido, ou como esses fios de algodão, mexidos de todas as cores, a partir dos quais você pode escolher os tópicos para remendar.
17
As águas borbulhantes pareciam gozar de um carnaval repentino de alegria. Então, todos os córregos do rio remexeram-se juntos e assumiram uma mesma cor azul, como a tinta da caneta estilográfica. O sol batia nas vagas e nos redemoinhos tirando milhares de reflexões. Foram surpreendidos os pescadores. Ainda mais foram surpreendidos os peixes. A notícia se espalhou rapidamente. O rio de águas coloridas batia contra os pilares da ponte, e todos foram para vê-lo.
Os redemoinhos de água e os arabescos traçados na areia das praias eram como a escrita ágil de uma mão experiente. Os marcos tomaram forma e tornaram-se palavras. Os riachos delineavam mil, dez mil, cem mil vezes, as mesmas palavras, durante todo o curso do rio, “Basta! Chega! Basta!” Basta com a poluição? Com as guerras? Cada um interpretou a expressão como ele desejava. Todo mundo tinha alguma razão para dizer “basta” e, portanto, quase todos concordaram com o rio.
Apenas o aterro de resíduos, que manchava o panorama e infetava a cidade, não se virou. Enorme, inchado, fedendo como sempre, o aterro resistiu e não mudou de cor, ficando cinzento e sombrio. Suas exalações mefíticas contaminavam o ar, as escórias ficavam sem se rebaixar, no tempo, como vestígios para toda geração futura. Aqui irão se passar as escavações arqueológicas da posteridade, para reconstruir a cultura e a história da nossa civilização.