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Sonia Regina Rocha Rodrigues

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Silmo Prata

Silmo Prata

Sonia Regina Rocha Rodrigues Santos/SP

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Hotel Bela Vista

Situado as margens do Tâmisa, o hotel Bela Vista não é exatamente luxuoso. Confortável, oferece excelentes acomodações pelo preço da diária e tem fama de ser mal assombrado. Por quem? Por mim, cronista do The Times, dado como desaparecido durante a Guerra dos Seis Dias. Lembram-se dela? Na realidade, morri anônimo, em um dos quartos desse hotel. Não sou um desses fantasmas que arrastam correntes e ficam pela terra a expiar os seus crimes. Não, sou um escritor, apegado à terra pela absoluta curiosidade de espiar as vidas alheias. A vida, garanto, ganha longe da ficção. De rotina, assisto entediado as conversas fúteis dos turistas. No entanto, no último mês, aconteceram três visitas curiosas, ou pelo menos interessantes o suficiente para estimular meu desejo de voltar a escrever e colocar uma roupagem mais elegante nos dramas e comédias dessas pessoas comuns.

A primeira reserva - 1 de outubro

Ele, um homem de aproximadamente quarenta anos, aproximou-se da janela para fechar as cortinas. Por um breve instante, teve diante dos olhos a visão do rio e do Parlamento de Londres na outra margem. Da maleta que jogou sobre a cama ele tirou o indispensável: a navalha novinha em folha.

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Dirigiu-se à sala de banhos e fechou o ralo da banheira. Ligou as duas torneiras, regulou a temperatura desejada e ficou observando a água a subir. Decerto ele ouvira dizer que as artérias abrem-se mais quando mergulhadas em água morna. Olhando para cima, encontrou a imagem do fracassado que se tornara. Rascunhou um bilhete que enfiou no bolso, perdoando a esposa que o abandonara, os filhos que o ignoraram, o chefe que o demitira sumariamente, os colegas traíras que lhe viraram as costas, os amigos que imaginara ter. Deus que o abandonara. Seis horas. O carrilhão começou a tocar. Quem já ouviu o Big Ben sabe: é um som que toca a alma. Ele não ouvia um carrilhão desde a infância. Em sua cidade natal. Lembrou-se do perfume da mãe. Com voz alegre ela contava-lhe histórias. Como a do tocador do sino da igreja, despedido pelo novo padre por ser analfabeto. O pobre sacristão, sozinho no mundo, partiu para Londres e tornou-se milionário. Um famoso conto de Somerset Maugham, o leitor deve estar lembrado. Ele fechou as torneiras. No espelho, o menino que ele fora um dia gargalhava. O carrilhão tocou pelo que lhe pareceu um longo tempo. Na manhã seguinte, ele arrumou-se, entregou na portaria um bilhete com seu último bem, uma corrente de outro e partiu, determinado a vencer.

A segunda reserva - 21 de outubro

O rapaz gostava muito de sua esposa. O sogro, no entanto, era um sujeito antiquado, que lhe rosnara ao sair da igreja: —Olhe lá, rapaz, que eu entrego hoje a minha menina purinha, purinha, do jeito em que ela nasceu. Olhe sua responsabilidade. Juízo, moleque. O namoro, longo, debaixo da vigilância severa da mãe dela, só aconteceu por conta do forte sentimento que ele nutria por ela. Animada por sair de sua torre, ela mal disfarçava a pressa em deixar a festa. A caminho do hotel, ela falava sem parar, enquanto ele ouvia. Ao chegarem ao hotel, ele deixou-a no quarto e retirou-se discretamente para a saleta da suíte. O sogro aconselhara que ele lesse um antigo Manual de Conselhos para a Noite de Núpcias. O livreto aconselhava os rapazes a deixarem a noiva sozinha no quarto para que ela se preparasse, que vestissem um pijama, se enfiassem completamente vestidos debaixo dos lençóis e apagassem as luzes. Para não assustar a inocente virgenzinha.

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Ela chamou: —Amor, vem logo, quero muito, muito carinho hoje. Contendo-se, ele entrou no quarto. Encontrou o leito vazio. Pela porta aberta do banheiro ele avistou a esposa, iluminada pela luz de velas, deitada na banheira, coberta de espuma cheirosa, com duas taças de champagne nas mãos. —Um brinde à nova vida de casados! Ele sentou-se na borda da banheira e virou sua taça de uma só vez. Ela convidou: —Dizem que um seio perfeito cabe direitinho em uma taça de champagne. Quer conferir os meus? Ele esqueceu o sogro e o manual. Mergulhou.

A terceira reserva - 31 de outubro

Paulinha entrou no quarto saltitando. —Então isso é um hotel? Dá pra ver o rio da janela! E a torre do relógio. E o castelo. E... No instante seguinte, ela estava a abrir todas as gavetas, umas após as outras: —Tudo vazio. —Pois claro, ainda não desfizemos as malas. - disse a mãe. —Posso pular na cama? - sem esperar resposta, ela começou a pular - Upa! Upa! Que colchão gostoso. —Oito horas de estrada - gemeu o pai - Estou cansado. —Querida, desce da cama, vamos deixar o papai dormir. Mamãe vai deixar a banheira enchendo para você tomar um banho, enquanto... —Banho de espuma? Como naquele comercial de sabonete? —Sais de banho. Trouxe dois tipos, você pode escolher o cheirinho. Rosa ou jasmim? A menina já jogava os sapatos e as meias para os lados. A mãe foi preparar o banho. —Pedi para colocarem uma caminha extra na saleta para você, filha. - contou o pai. —Tem graça. Essa camona dessas e eu sozinha? Quero dormir aqui, no meio de vocês. Deixa? A mãe mexeu a boca silenciosamente, por trás dela, implorando ao marido: —Só por uma noite, vamos deixar.

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O pai capitulou. Jogou-se de costas na cama, a suspirar. A menina já estava no banheiro, desenhando carinhas risonhas no espelho embaçado pelo vapor. —Posso pegar esses vidrinhos aqui? Para que servem? —Esse é o sabonete, esse é para lavar os cabelos, esse é para depois do banho, para a pele ficar macia. Pode usar tudo. —Posso pegar lencinho? —Tudo que está aqui é para nós usarmos. Pode, sim, pegar lencinhos, mas só se precisar, certo? Quer uma coisa para brincar? —Meus brinquedos ficaram todos em casa. —Que tal um barquinho de papel? —Oba, vou brincar de tempestade, —Mamãe está cansada. Vou deitar um bocadinho. Querida, tenta ficar so cinco minutos quietinha, para o papai poder dormir. — Cadê meu barquinho? Finalmente, banheira cheia, e mulher ajeitou-se ao lado do marido, gozando o breve silêncio. Silêncio repentinamente quebrado por sons estranhos e um único grito. No banheiro alagado, os dois adultos perceberam a menina, corpo meio caído para fora, e o secador de cabelos, ligado à tomada, caído na água.

Quando os seres de Luz apareceram para levar Paulinha, um deles voltou-se para mim: — Vem conosco? Recusei. As altas esferas de paz, amor e sabedoria me parecem tediosas. Ainda estou fascinado pelos altos e baixos da vida humana.

http://soniareginarocharodrigues.blogspot.com.br

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