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Alessandra Cotting Baracho

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Valéria Barbosa

Valéria Barbosa

Alessandra Cotting Baracho Maceió-AL Rádio relógio

Acordo no meio da noite pesando uma tonelada; tinha dormido três horas de um sono turbulento. Levanto cambaleante e vou até a cozinha, trinta e cinco passos calculados no escuro; um gole generoso de água que não mata minha sede, mas molha a camiseta de campanha; sem muita escolha, agarro a garrafa de bebida destilada e saio furtivamente de volta ao quarto nefasto e escuro, só o mísero faixo de luz que emana do rádio relógio traz alguma claridade ao ambiente, duas e vinte e nove. Contabilizo o tempo que me resta: se deitar às três e conseguir dormir em quinze minutos, totalizo seis horas; o suficiente. Tomo um gole da bebida direto no gargalo, hipnotizada, mas o som do celular vibrando me tira da inércia; estico o braço pra alcançar o aparelho e desenho o padrão em eme com o polegar. Lá está ela, a notificação que perturba minha tranquilidade: mensagem de WhatsApp, o síndico avisando que a energia elétrica está oscilando e convém desligar os aparelhos da tomada. “Merda!” Estico o braço novamente, o suficiente pra puxar o fio do ventilador, o rádio não tem problema, funciona com pilhas. “Calor da porra!” Tomo mais um gole da bebida sentindo a quentura e a adrenalina sendo liberada na corrente sanguínea. “Ah, o velho e bom álcool.” Ali estava eu, outra vez rendida à substância que me tira do abismo e ao mesmo tempo me leva mais pra dentro dele. A agonia que havia me despertado diminui; posso, agora, respirar, sentir as coisas se organizando. Sorvo um pouco mais, muito afoita; engasgo e tosse seguida por gotículas de saliva que escapam; sinto a boca amargar, tremer; inspiração profunda moldando a quantidade de ar que entra nos meus pulmões empretecidos pelos dez anos de Marlboro vermelho. Derrotada, forço o corpo a levantar-se e ir até a janela; caí uma chuva fina, inquietante, e a cidade ao longe parece dormir, dá pra contar duas, cinco, nove luzinhas acesas no meu campo de visão. Todos dormindo, menos eu. Embaixo, um cachorro perambula; acompanho seu trajeto até as latas de lixo e o vejo revirar os sacos; torço em silêncio pra que ache alguma coisa. Conheço bem essa urgência, o medo, a terrível sensação de solidão ainda que haja outros cachorros ou outras pessoas.

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