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JAX

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Do Nascer do Mar ao Marulhar do Sol, Naquela Praia Delirante

Manhã de sol que promete. Céu cristalino, brisa suave. Mulher caminha à beira-mar. Cachorro dá saltos, corre pra lá e pra cá. Dois projetos de atletas também correm na areia fofa, como a demonstrar seu preparo físico.

Do outro lado da avenida, sentado no bar, mas por ora bebendo da sua pura imaginação, o jovem Tiago contempla a cena. Tece comentários em pensamento, dirigidos aos amigos, colegas do colégio, que ali nem mais se encontram. Ele não procura respostas, na verdade. Busca inspiração, tãosomente. Quer escrever algo dedicado à sua atriz favorita, Jane Loren, ou então à menina que flutua sobre o mar, romanticamente, a relembrar antiga paixão dos quinze anos.

Enquanto não vem a inspiração, acompanha os movimentos, ora da mulher, ora do cachorro. Rabisca lembranças imperfeitas, imagens inexatas, analogias nada convincentes...

Num banco da calçada, a jovem fita seu namorado com amor que transcende o casal e espalha-se pela praia, por todo o bairro. Prenúncio de uma união cuja felicidade só será ligeiramente perturbada pelas exnamoradas do moço, pelos pretendentes da moça, pelos credores, pelos filhos, pelos vizinhos, por sogras e sogros, pelo guarda de trânsito, pelo síndico, pelo papagaio do armazém, pelas baratas, pelas moscas e por todos os demais insetos que infestam a Cidade Maravilhosa,

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bem como o país no qual inventaram de fundá-la.

Pinta fuzuê no pedaço! Manhã tão tranqüila e bonita, dá pra desconfiar. Mesmo ainda quase sem trânsito, o careca deu uma fechada no cabeludo (ou foi o contrário, segundo a turma do contra) e começa o tiroteio de impropérios mútuos. O casal de namorados decide retirar-se, prudentemente. Cadê os agentes da lei para contornarem a situação conflitante? Ah, sim! Apareceu um que já contornou a balbúrdia - a seu modo - e saiu correndo atrás de sabe-se lá quem.

Mais gente se soma à correria.

Correm atrás do salário. Correm em busca de atendimento médicohospitalar. Correm pra pegar condução. Correm de si mesmos e de outrem. É, tá difícil pra todo mundo...

Em outro bar, distante daquela praia, no centro da cidade, Mourão diverte seus amigos com tiradas geniais, que lhe valeram o merecido título de Pensador do Boteco. Comes e bebes circulam com desenvoltura enquanto não chega a hora do batente. Se fosse sexta-feira, serviriam de preparativo para a noitada que, como de hábito, encerraria o melhor dia da semana.

Ali por perto, no intervalo das aulas, universitários discutem os absurdos da existência humana. Como o gritante contraste entre os que passam empertigados em seus ternos ou vestidos elegantes e o pobre molambo que se arrasta entre as lixeiras, buscando o que comer. Um dos estudantes afasta-se do grupo, vai ao bar da esquina e compra um sanduíche para o pobre coitado. Duas meninas aplaudem a atitude do colega, outra repreende o gesto meramente paliativo e, pronto, retomam-se as ardorosas discussões juvenis.

Será a praia a melhor solução para todos os problemas? Não reside dúvida de que constitui o centro do universo. O mar nasce no horizonte, majestoso, com seu verde exuberante, apesar da suspeita levantada pelo ecologista de plantão na orla marítima quanto à presença de poluição em suas águas. Mais um tema digno de discussão.

Para não ficar atrás, o sol vai aumentando a intensidade de seus raios. Passantes mais sensíveis têm impressão de ouvir ruídos, em seus cérebros, como ligeiro marulhar provocado pelas ondas de calor. Miolos “sautés” à carioca, diria o “chef” francês.

Indiferentes à canícula, mulher e cachorro prosseguem em seu passeio na fronteira entre o mar e a areia.

A violência volta a fazer-se presente. Dois bandos rivais de pivetes invadem a praia e iniciam confronto que ameaça, assusta e assalta quem ali se encontra, turista ou não (sorte da mulher e do cachorro já estarem longe). Gritos, palavrões, apitos de guardas, choro de crianças, apelos de mães, é o caos instalado. Salva-vidas? Salve-se quem puder!

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Transtorno geral. Renovados e inconclusivos debates sobre a segurança. De resto, sobre a economia, a política, a educação (principalmente, a falta de), a ciência, os combustíveis fósseis, a seca no Nordeste, o jogo de bicho, a música popular, a telenovela, as redes sociais e as melhores técnicas para guardar queijos no refrigerador.

Na tranqüilidade de seu lar, na Tijuca, longe da praia, o circunspecto Praxedes distrai-se em regravar velhos discos de vinil e não menos antigas fitas cassetes no formato CD, igualmente ultrapassado. De vez em quando interrompe as gravações para atender ao chamado da esposa. O amor se reparte entre passatempos e afazeres domésticos, não há remédio.

Nunca é tarde para procurar o ser feliz. Sorrisos passeiam pelas calçadas, atravessam ruas, devem traduzir um mínimo de felicidade. Olhares sérios podem disfarçar a felicidade íntima, porém. Por que não? A vida assemelhase por vezes a um jogo de pôquer, em que se torna necessário ocultar o sentimento, blefar. Quem garante, por outro lado, que o sorriso estampado no rosto não seja sinal de felicidade, mas sim da infelicidade causada a terceiro? As aparências não somente enganam. Conquistam apreço, adeptos, votos e apoio de quem as prefere à realidade.

O inconformado ateia fogo às vestes. Ato radical que aumenta o sufoco dessa tarde aquecida pelo sol. Duas ou três manifestações de tristeza, outras tantas de júbilo, em meio à predominante indiferença geral.

Alguém falou de futebol? De política? De religião? Temas sensíveis, capazes de gerar cisões. Indecisões! Cabeças atordoadas preferem o mar sereno, inspirador de boas causas, romances, poesias.

Nada de mar de tormentas ou de tormentos! Mar de lama, então, nem pensar! A atenção quer concentrar-se em determinado filme, naquele cinema, na última sessão da tarde. Se possível, em companhia agradável.

Na praia, mulher e cachorro seguem sua caminhada, agora rumo ao infinito, carregados pelos raios de luar quando a noite cai.

O cotidiano é um delírio!

Nota: Tiago, Mourão e Praxedes são personagens de outros textos do autor.

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