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Patricia Hradec
Patricia Hradec Guarulhos/SP
O Natal
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Ela disse que sua infância fora difícil, principalmente depois da doença da mãe e do sumiço do pai. Mas o Natal era uma época majestosa e conseguia recordar como ninguém cada detalhe daquele dia, mesmo que tivesse sido há mais de 63 anos, quando tinha apenas 8 anos.
Suas primas vinham para a ceia e ela, toda vaidosa, pedia sempre o melhor vestido para que sua mãe costurasse, queria fazer bonito frente as primas.
O pai ainda morava em sua casa e prometia todos os anos levar as crianças para comprar sapatos. Esse era o ritual: a mãe fazia a roupa e o pai dava os sapatos.
Mas naquele ano, ela ganhou mais do que roupas e sapatos, ganhou um anel de rubi, lindo, delicado, que a seguiria por toda a vida. Dessa vez, ela pode ostentar mais do que sapatos e roupas.
Ela conseguia se lembrar dos cheiros da casa, pernil assado com batatas e bacalhau ao vinho, odores deliciosos que traziam toda a vizinhança até o quintal.
Todos ajudavam como podiam, uns ajudavam com dinheiro, outros com comidas, e outros com as bebidas. Caixas e mais caixas de coca-cola em garrafinhas, aquilo sim era o líquido dos deuses!
Mas existia também os perfumes do campo, quando todas as crianças iam até os terrenos baldios buscarem flores para enfeitar as mesas, era uma época feliz, existia campos com flores silvestres, pássaros nativos e bichos diversos.
A vida constituía uma grande festa, com as ansiedades da preparação, a felicidade da festa durante e a tristeza de esperar pela próxima, depois de tudo concluído.
Com muita criatividade, a festa conseguia ser superada a cada ano, tanto na decoração quanto no número de convidados, toda a vizinhança comparecia com sua melhor roupa, sempre asseados e perfumados para aquela ocasião especial.
Claro que sempre tinha a tia que exagerava na bebida e naquele ano, tia Helena teve coma alcóolico, precisaram chamar às pressas o médico da vizinhança. Isso atrapalhou não só o andamento da
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tão esperada festa, mas o do médico também, que teve de deixar o conforto de seu lar e de sua família para atender aquela senhora decomposta no sofá da sala, falando sandices sem parar.
Tio Aparício não sabendo onde enfiar a cara ao ver a esposa assim tão afetada pelo efeito do álcool, tentava minimizar a situação dizendo que ela não era dada a bebida e por isso o coma, mas sabíamos que era assim todos os anos, a diferença é que dessa vez a situação ficara séria e precisaram trazer o médico, apenas o repouso nos grandes quartos não adiantava mais, muito menos o chazinho de boldo, bom para o estômago.
Mas tio Firmino criticava a irmã, relembrando os tempos de juventude, quando tia Helena bebia até cair e não conseguia passar pelos pastos na saudosa cidade de Barretos. Tio Firmino não perdoava, remoía tudo o que passaram quando jovens, deixando tio Aparício mais sem graça ainda.
Alheia a toda a confusão, as crianças brincavam, corriam e se divertiam com os desafios em família. A brincadeira favorita era “duvido que você...” e nesse quesito as crianças eram cruéis, desde lamber sabão até comer cebola crua eram os desafios mais populares.
Na hora da ceia, todos comiam, riam e se divertiam com as iguarias, mas logo em seguida as crianças eram postas para dormir porque diziam que se alguma criança ficasse acordada, Papai Noel não viria e ninguém queria ser o estraga prazeres da noite de Natal. Todos sonhavam com os supostos brinquedos que ganhariam, mesmo não sendo tão bonzinhos assim durante o ano todo.
Os quartos eram bem organizados e com travesseiros feitos de uma erva chamada “Macela”, típica da região, que deixava o cabelo perfumado. Era o cheiro da infância, da alegria e da felicidade.
No dia seguinte, acordavam cedo para ver, embaixo da árvore, o que o bom velhinho havia trazido para cada criança. A algazarra era grande e logo em seguida saiam todos para o quintal para brincarem com os novos brinquedos: carrinhos, bonecas, bolas e piões.
O dia prometia ser novamente de muita diversão e brincadeiras. Mas tudo acabava com a promessa de que no outro ano seria melhor, maior e menos tumultuado.
Até que a menina cresceu, sofreu, se casou, teve filhos e natais diferentes em vários sentidos, mas ela nunca conseguia não pensar no saudosismo do Natal e na lembrança daqueles dias felizes de sua infância.
patriciahradec@gmail.com https://www.facebook.com/patricia.hradec.1