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Amélia Luz

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LiteraAmigos

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Amélia Luz Mariana/MG

S a n g ue D o ce

Desde que me entendo por gente, tenho minhas complicações. Lá em casa eu parecia sido feito de cristal, cuidados daqui, cuidados dali, um ovinho de pele fina. A molecada crescia, jogava bola, soltava pipa e tantas coisas mais. Eu, não! Sempre agarradinho com a mamãe, meio gorduchinho, feioso, moleirão, cheio de denguinhos.

Quando me matricularam na escola levei um monte de apelidos. Os colegas riam muito da minha cara. Eu não sabia correr, gritar, pular e vivia enfurnado na sala de aula acompanhando com os olhos a bagunça da criançada. Minha professora, tia Alice, havia assumido um segundo papel de mãe e a história se repetia. Era bilhetinho e telefonemas para a mamãe que me controlava à distância.

Nas aulas de Educação Física eu era um fracasso, na piscina, nem pensar, nadava como um martelo jogado na água. Minha professora tinha toda paciência tentando me ajudar para aliviar um pouco da gozação da turma. O chato é que eu já estava me dando conta de que eu era mesmo esquisito, ou melhor, esquisitão, diferente dos demais. Acabei ficando com medo de todos, de tudo e até de mim mesmo. E não podia “nada”! Tudo era perigoso e fazia mal! Na minha mochila tinha sempre um lanche especial. Eu nunca podia ir à cantina e comprar as guloseimas que a meninada exibia, lambendo os dedos na minha cara só para me fazer inveja.

Então, me decidi! Afinal, precisava saber o que estava havendo comigo. Não aguentava mais aquela situação na escola, os paparicos em casa, as visitas periódicas ao médico, sempre a mesma história, desde pequenininho. Também comecei a notar que não estava enxergando direito. Um dia, no recreio, passou um avião de propaganda e a turma começou a alvoroçar. Esforcei-me

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para tentar enxergar e nada vi do que eles tanto falavam.

Cheguei a casa decidido! Desta vez a mamãe não escapa! Era aniversário da Julinha minha melhor amiga de sala. Mamãe disse que eu não poderia ir porque estava de dieta. Dieta??? Fiquei encucado! Nunca tinha ouvido palavra tão feia e cruel! Enfrentei o caso... Tomei banho, embora deselegante e de olhos fundos, botei a minha roupa predileta e disse: - Vou ao aniversário da Julinha!

Mamãe deu um ataque, disse que ia telefonar para o meu pai no escritório, que ia ligar para o Dr. Silveira para se informar e foi um Deus nos acuda! Papai chegou, tomou-me pelas mãos, sentouse bem perto de mim e falou com carinho. — Meu filho, entenda. Você é um menino com um problema especial no sangue... Você tem açúcar no sangue, por isso é tão docinho que nós cuidamos tão bem de você e o amamos tanto. Açúcar no sangue??? Logo açúcar??? O veneno, a proibição, o bicho papão de toda a minha vida! Quanta injustiça! Assim me dei conta de todas as limitações, do chato do Dr. Silveira me pegando sempre pelo pé, das análises periódicas de sangue e... da tal insulina (odeio esse nome) a que eu julgava a minha maior inimiga.

Naquele dia o mundo caiu na minha cabeça. Descobri que o meu apelido DIDI, eu me chamava Manoel Carlos, que toda a molecada me zoava era um pedaço da palavra diabético. Fiquei revoltado! Ora bolas, logo eu, por quê? Tomei consciência do que seria a minha vida dali para frente e de todas as limitações futuras.

Didi, um trapalhão inocente, pensei, bagunçando logo o meu sangue! O diabetes, que minha mãe sempre dizia que tinha herdado da família dela de raiz alemã. Eu era louco por doce. Chegava a imaginar sonhar com um pedacinho de torta de maçãs, de verdade! Daquela que eu provei escondido na geladeira da casa da tia Lúcia e me fartei sem que ninguém visse! Belisquei em tiquinho e a torta me chamava: — Vem cá, tem mais!!!Volta! Volta! Até o último farelo! Eu me vinguei. Todos distraídos vendo a novela das oito e fui me fartando e no outro dia o que

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me aconteceu??? Internação de emergência, mamãe apavorada, Dr. Silveira me cuidando com os seus terríveis remédios...

Daquele dia em diante fiquei mais triste. A molecada me chamava de Didi e eu nem me tocava. Isolei-me dos outros. Distraia-me fazendo o meu diário onde registrava minhas alegrias e muitas tristezas e também preenchia o tempo desenhando. Fui me dedicando ao desenho, embora com dificuldade visual. Tornei-me um pequeno cartunista. Fazia minhas charges, sacava tudo com rapidez e inteligência e assim, descobri a palavra superação. O que era proibido era proibido! Fazer o quê??? Se eu era vítima desse mal incurável não havia outra saída a não ser lutar para sobreviver, convivendo com o tratamento, as gozações e os paparicos da mamãe.

Só de um fato, eu não me esqueço! Certo dia passei com os meus irmãos na avenida mais importante da cidade onde havia uma padaria de nome sinistro “Doces Delícias”, com vitrines encantadoras. Precisava ter esse nome? Logo esse?

Por dentro do vidro percebi uma pequena formiga experimentando os sabores diversos das guloseimas expostas... Então, naquele momento, na minha inocência de criança, eu pensei que aquela tão feia formiga era bem mais feliz do que eu por estar ali provando de todos aqueles sabores. E chorei, chorei uma lágrima secreta que me escorreu pelo rosto. Zezinho, meu irmão mais velho, percebeu e perguntou: - Que foi cara? Tá chorando na rua?

Cabisbaixo eu disfarcei e respondi: — Não, não foi nada, foi uma formiga, uma formigona detestável que caiu logo aqui, no meu olho. Segui em frente! Trilhei caminhos, cresci, amadureci. Quem sou??? Nem precisa perguntar! Sou o Didi, cartunista assumido, pseudônimo que uso para assinar todos os meus desenhos que fazem sucesso em todas as revistas e jornais importantes do país. A dieta continua rigorosa, mas tenho superado todas as minhas limitações com criatividade e bom humor. Aquela formigona detestável! Amassei-a fortemente

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com o solado do sapato eliminando o meu maior inimigo, a fraqueza. Coleciono muitas premiações obtidas pelas minhas charges inteligentes e assim equilibro as minhas emoções não me sentindo excluído ou sendo vítima de preconceitos. Eu sou eu e pronto, com o diabetes dentro de mim. Ah!... Até que a vida nos separe…

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