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Bruno Madeira
Bruno Madeira Rio de Janeiro/RJ
H o m e m m i n h o c a
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Pereira Nunes esquina com Teodoro da Silva, num prédio bem, bem alto e estreito. Num prédio estreitamente alto e velho(como uma debilitada minhoca da terceira idade) cercado de comércios locais, pedestres locais, pombos locais e mendigos locais. Bem no primeiro andar dessa construção em formato anelídeo e com ares de prisão, sentada em sua penosa cadeira, minha(amada por muitos e odiada por muito poucos) avó trabalhara por anos como assídua caixa em uma grande bilheteria nacional, vendendo ingressos diversos para diversões não divertidas. Ainda assim, era lá que ela dedicava horas de seu dia. E fora lá que vivera grande parte de sua vida. Coberta de anseios e desejos que a guiavam para amar. Minha vó tinha exatos um metrô e quarenta de altura, a medida perfeita para poder escolher entre o bebedouro infantil ou o adulto em uma fila. Ela crescera somente até seus 13 anos, e aos 16 já começara a encolher. Aos 18 arrumou seu primeiro emprego, e foi lá que aos 20 conheceu o meu avô. Os dois se apaixonaram à primeira vista. Ou melhor, a sua primeira vista. Por conta da estatura pequenina, e das janelas antibriga da bilheteria, minha vó em toda sua astúcia, se perdeu de amores por meu avô ao ver sua boca silabar, enquanto ele apenas via suas mãos a anotar. Até hoje ela ressoa essa história aos ventos, e ressalta a todos, que fora naquela bilheteria antiquada que ela encontrou quem a completasse, e descobriu eternamente, que a boca é, e sempre será, o membro mais importante para se amar. Seja nos lábios ou nas línguas, com mal hálito ou com comida, sempre há encanto pra ressaltar. Cresci pensando assim, meu pai era dentista e minha mãe uma cantora. Amantes da boca, que se usavam da lábia e trabalhavam entre dentes, para poderem enfim lucrar. Um cuidava das bocas, e a outra a explorava pra ecoar. Dois pombinhos dos lábios macios, que adoravam se bicar. Com poucos meses aprendi a cuidar de minha arcada, meus lábios, línguas, dentes, e tudo mais que cercava a primeira fase de minha digestão, melhor do que muitos adultos. Aos 2 anos, descobri comigo mesmo que minha boca, além de influir no amor, também era capaz de falar. Minha primeira palavra dita, não recordo até os dias de hoje, já que pra mim, era muito mais interessante
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apenas ressoar o grunhido de minhas cordas vocais, do que chegar a decifrar o que fora dito. Passei e repassei sequências em dezenas de anos pensando assim. Com uma mentalidade fraca e insistente. Aprendi a gritar meus desejos, ecoar minhas vontades, articular meus interesses. Mas nunca a ouvir quem me cercava. Eu sabia que dos meus lábios viriam a paixão. Mas não que de outros eu precisaria conciliar. Infame como o mundo, e incerto como um balbuciar antes de falar. Na velocidade de uma tartaruga aleijada, tão lento quanto a própria lentidão. Aos poucos, vim a aprender que mais belo do que toda malícia dançada dos lábios ao falar, e irremediável quanto a sonoridade do próprio gritar. Toda beleza de uma boca, só vem de uma segunda a falar. Aprender a escutar foi meu esmero, meu repouso ao horizonte. Só se sabe o que falar, quando se ouve de tudo a ressoar. E só se sabe escutar, quando conhece a si mesmo em todos os aspectos e maneiras particulares. Vivi uma vida de anunciações, aprendi o que devia dizer e como o fazer. Em seguida aprendi a escutar. Escutava tudo o que os outros tinham a dizer, na procura eterna do que eu queria saber. Mas somente em minha maturidade cognitiva, quando atingi esse meu "eu" em mim mesmo, foi aí que compreendi a compreensão em sua forma, e passei a me ouvir. A união indiscutível dos amores fisiológicos, onde enfim a boca e os ouvidos se unem, e se tornam um a mais. Mais um.
Furando o eterno mar celeste, bem na esquina da Pereira Nunes com Teodoro da Silva, um característico prédio se destacava. Em seu formato anelídeo minha avó trabalhara, e eu me punha a filosofar. Minhocas não possuem ouvidos. Minhocas tem boca, mas não ouvidos. O falar se sobrepõe ao ouvir, o insinuar se sobrepõe a escutar. Mas quando não se tem o próprio ouvir, as minhocas se descobrem enfim incapazes de falar. E sem ouvidos para se conhecer, se tornam então mudas para se escutar. Surdas de si mesmas, como quem não sabe o que pensar.
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