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Edgar Borges

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LiteraAmigos

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Edgar Borges Boa Vista/RR E n t re a n g ús t i a s , ro t i n a s , lá g r i m a s , a to s e s il ê n c i os

Quinta. A vida continua aqui. Pessoas planejam coisas numa aula-reunião infinita. Lá, na UTI do hospital, uma tia luta pela sua vida. O inimigo é o coronavírus. Apenas quatro anos mais velha que eu, é a mais próxima de todos os meus tios, mesmo estando há muitos anos distanciados pela rotina, pela naturalidade de cada um ter seu caminho próprio para seguir. Sandra, seu nome. Descobri ano passado, depois de quase três décadas, que os meus gibis antigos não haviam sido presentes dela. Eu simplesmente os pegava e levava de Boa Vista para a Venezuela sem avisar, achando não sei porque que estava tudo bem. Ela me contou, ao ver o seu nome na foto de uma capa de um exemplar dos Novos Titãs da Abril, que ficava pensando “onde foram parar as minhas HQs?”. Quinta. A vida continua para um monte de gente. Vejo na TV comerciais chamando para festas de forró e corridas de motos. Nas redes sociais vejo convites para eventos de literatura em bares e fotos de ontem mostrando que não há tempo ruim para quem pensar em viver intensamente a vida em tempos de covid. No hospital das clínicas, minha vó está isolada da família há três dias. Quebrou o fêmur no dia 17 do mês passado. Estava no HGR e lá conseguíamos vê-la. No HC não tem nada isso. Prevenção da Covid-19, cuidados com a contaminação trazida pelas visitas, só os acompanhantes têm direito a ver o paciente. A vó tem 94 anos. Viveu muito desde que saiu lá da beira do rio Uraricoera. O que sou, o que tenho, o que vivi, devo muito a ela, mãe da minha mãe, suporte familiar de todos nós, os mais jovens, seus filhos, netos e bisnetos.

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Sabe a tal da “gratidão”, palavra tão desgastada pelo seu uso automático e sem pensar que virou clichê para tudo? Tenho por ela. E muita. E amor também. Mas, além de gratidão e amor, hoje tenho angústia. Vó e tia (justo a tia que gerenciava os cuidados com a vó) internadas. Minha mãe, com os nervos em caco pela situação. A filha de minha tia, minha afilhada, caindo de tanto nervosismo… O quadro é feio, pesado, negativo e complicado na família. Família. Há quem ajude e há quem aproveite momentos assim para alegar mágoas antigas e descontentamentos recentes para não fazer nada, não dizer nada, olhar apenas, como se um filme tudo fosse… O silêncio é revelador de caráter em momentos assim. O silêncio nem sempre é um “estou pensado como agir”. Em situações assim é mais um “danem-se vocês. Eu tenho coisas mais importantes a fazer hoje, como reclamar e me isentar”. Quinta, tem alguém falando no computador sobre coisas que mal ouço, terminei dois projetos culturais, estou escrevendo isto que você achou longo demais e o pedreiro está lá fora refazendo uma calçada que as chuvas do boiaçu, do caju, não sei do que, levaram. Quinta. A vida, aos tropeços, continua. Entre angústias, rotinas, lágrimas, atos e silêncios reveladores sobre a essência das pessoas.

www.edgarb.blogspot.com.br

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