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Benjamim Franco

Benjamim Franco Taubaté/SP

Pisando duro

Levou um tempo até sentir o frio da manhã. Não no rosto, e nem nas mãos –já estavam vermelhos do vento gelado –mas sim nos dedos do pé.

“Ah, meleca”, ele disse, olhando para o pé esquerdo. Seu tênis, de um acinzentado desbotado, virou um fantoche chulo: olhos de ilhós, nariz de bico remendado com cola, e agora, uma sola que abria a boca, mostrando uma língua de meia para todo mundo na rua ver, e para o tempo encharcar.

“Era pra você aguentar”, ele disse, pensando alto demais. Uma senhora cansada olhou para ele – mas o resto dos pedestres fez a coisa óbvia, e o ignorou, como deve ser.

Mas como fazer “aguentar”? Os furos no cabedal eram fáceis de remendar, simples, até: um isqueiro e um bastão de cola quente resolviam quase tudo, e a prova disto é que os buracos da lona seguiam fechados. Mas fechar uma sola, e assim na rua…

Decidiu que ele é quem iria aguentar, mas após alguns passos, acertando o chão com o calcanhar, percebeu que não adiantava. A sola soltava, abrindo sem fechar, e foi só o riso de uma criança que fez ele perceber o quanto a situação era engraçada – pra todos, exceto ele.

“Por que é que isso acontece quando estou atrasado”, sussurrou, contando os passos até um lugar onde desse pra sentar, pra usar de bancada, jogar esse problema pra ser resolvido mais pra frente. Viu um degrau de loja – fechada, pois era cedo, e cinco minutos bastariam.

“O que é que eu tenho na mochila”, ele se perguntava. A semana estava corrida, insuportável, e ainda faltava tempo demais até sua próxima folga, e você sabe como é estressante trabalhar em final de semana, e – “Cuidado!” gritou um ciclista, que quase o jogou pra fora da calçada.

23

Não deu nem pra gritar. Não só pela adrenalina, mas também porque, de todos os lugares em que poderia ter pisado, afundou o pé numa poça, num buraco de água azeda. Choveu de noite, por acaso? Ele não se lembrava.

Sentado no degrau, ele desamarrou o cadarço, e torceu a meia pra tirar o excesso da água. Não tinha o que analisar no defeito: o tênis era velho e ponto. Era um milagre a sola ter durado menos que o interior – e seria um milagre ele ter cola consigo. O vento não deixaria usar um isqueiro – mas a tentação de fumar um cigarro seria demais pra ele sustentar. Especialmente agora.

Ele amarrou um barbante em volta do sapato, e calçou um saco plástico no pé. “Vou ouvir o dia todo por isso”, ele pensou. Como o tempo corria, seguiu para o serviço.

Estava escuro quando ele saiu. A loja de calçados do centro ainda estava aberta, e ele sabia que não poderia chegar em casa sem tênis novos. Apesar disso, estava feliz.

“Posso ajudar o senhor?” O vendedor tentou não olhar pro pé ensacado.

“Por gentileza. Preciso de um par de tênis. Não posso chegar em casa sem”, ele disse, forçando um sorriso.

“Pois não. Qual numeração?”

“Tamanho 30, de menina – são pra minha filha”

https://twitter.com/benjamimfranco

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