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Clarice de Assis Rosa

Clarice de Assis Rosa Ituiutaba/MG

Impotência Diante Da Morte

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Acostumara-se, desde muito novo, com o trabalho pesado. Com apenas cinco anos, seu pai levava-o à fazenda em que trabalhava como caseiro. Aprendeu que ter responsabilidade deve ser prioridade na vida de um homem, que brincadeiras com outras crianças era a última das opções. Nunca pôde fazer esta escolha.

Não havia necessidade de permanecer na escola. “Basta ser alfabetizado” - assim pensava seu pai, complementando que a função do homem é ser o mantenedor da família, garantir proteção e força a ela, mesmo que para isso fosse necessário abrir mão dos seus sonhos, de suas horas de lazer. Viver em prol da família, esse era o real sentido da vida, na concepção do pai.

Davi seguia a vida de acordo com as orientações recebidas desde a infância. Muitas vezes, via seus vizinhos brincarem na rua, jogarem bola e sentia vontade de interagir, de fazer parte do grupo, no entanto, logo vinha a culpa por ver a dificuldade que seu pai enfrentava diariamente para manter o sustento de casa. Sua mãe e suas irmãs faziam o serviço doméstico, cabia a ele e ao pai trabalhar arduamente para manter a família. Não seria justo perder tempo com diversões, quando conhecia a sua obrigação como homem, mesmo sendo ainda uma criança.

Com quinze anos, já fazia praticamente sozinho todo o serviço da fazenda, satisfeito em poder facilitar o trabalho do pai, que já não tinha a mesma disposição de outrora. Acordava às quatro para tirar leite das vacas, alimentar os animais, apanhar as hortaliças, que logo seriam recolhidas para serem levadas à feira. Muitas vezes, cabia-lhe também a função de levar o filho do patrão até o ponto de ônibus para que pudesse pegar o ônibus escolar.

Hoje, casado, recordava-se de sua infância, não sentia culpa por ter dedicado a sua vida ao trabalho, ao contrário, atribuia a sua força e coragem aos ensinamentos que tivera com o pai. Aprendera a ser homem.

Marilda, sua esposa, sentia falta de ter um marido presente. Casou-se acreditando que dessa forma passaria mais tempo com ele, já que quando namoravam não tinham tantas oportunidades. Não o julgava, respeitava-o, nada lhe faltava, apenas se ressentia por esperá-lo ansiosamente à noite, e ele chegar exausto, já adormecendo.

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Quando o primeiro filho de Davi nasceu, ao completar cinco anos, ele também passou a levá-lo para o trabalho, queria ensinar tudo que aprendera com seu pai, transmitir as suas responsabilidades como homem. Esperava que os resultados fossem iguais aos seus.

Foi percebendo sinais de fraqueza no filho. A princípio, atribuiu à falta de hábitos, ainda estava acostumando-se com a lida, no entanto, logo outros sintomas foram aparecendo: manchas no corpo, febre alta, muita dor. Resolveu deixá-lo em casa alguns dias para que sua esposa pudesse levá-lo ao médico. Fez isso com muita tranquilidade, era um homem forte, que enfrentava qualquer situação com resiliência e persistência, não tendo vivido qualquer situação em que não conseguisse superar.

Preocupava-se com o filho, sobretudo pelo fato de que ele poderia estar aprendendo o trabalho na fazenda naquele momento. Cada minuto sem trabalhar era um uma oportunidade a menos para se aprender. O pensamento do dever não o deixava. Precisava de forças para continuar provendo sua família.

Ao chegar em casa, após um longo dia de trabalho, sua esposa deu-lhe a notícia de que o filho necessitava de fazer alguns exames, pois havia a suspeita de leucemia. Davi não entendera a gravidade da situação, acreditando que, assim como ocorrera em outras situações, tudo seria resolvido, não valia a pena se preocupar com algo que certamente tinha solução.

Os dias foram se passando e cada dia o filho de Davi ficava mais debilitado. Após alguns exames, a doença fora confirmada. Aguardavase uma melhora no quadro para que se iniciasse o tratamento com segurança.

Davi afligiu-se e começou a faltar alguns dias de serviço para que pudesse enfrentar a situação inesperada. A princípio, julgava que o filho pudesse estar fingindo fraqueza para não ir à fazenda. Gritava: — Levanta dessa cama, vem aprender a ser homem, eu trabalho desde novo e nunca fiquei assim!!

Com a piora da criança, fez-se necessário uma internação emergencial. Davi, então, percebeu que a situação era grave, no entanto, julgou-se capaz de resolver. Segurou fortemente a mão do filho, sacudindo-o: — Reage, reage. Você precisa me ajudar a sustentar a casa, você é forte!!

Inutilmente, Davi gritou por horas, até que, em determinado momento, compreendeu que nada iria mudar.

Sentiu-se um miserável ao perceber a sua impotência diante da morte.

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