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Joedyr Gonçalves Bellas
Joedyr Gonçalves Bellas São Gonçalo/RJ
O Tiro
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Uma bala. Corre-corre. A mãe segura o menino pela mão, provavelmente, seu filho, e se põe em disparada seguindo a manada em pânico. Corre e não tem nem tempo de pensar. É só correr. É o que importa nesse momento em que se ouve o barulho de um tiro e a bala com a sua fatalidade de morte rompendo barreiras.
Os meninos vão pra praia com suas bermudas de grife. As bermudas escorregam pela cintura abaixo e as bundas ficam à mostra.
Joana amou de paixão o Carlos, Carlos tinha um revólver escondido no armário, não tão escondido assim, Joana sabia do revólver escondido no armário e sabia do ciúme de Carlos. Um ciúme doentio. De vasculhar mensagens no celular de Joana, de seguir pé-antepé os passos de Joana, de tentar afugentar os fantasmas dele e os fantasmas não arredarem pé do Carlos. A perspectiva de um tiro. Joana só pensava em pegar seu filho pelo braço, correr sem parar, mas Carlos sempre tinha um sorriso na cara.
Debochado, maligno.
Seu José era um velho desses velhos camaradas. Gostava de jogar sueca com seus parceiros velhos na mesa da praia de Icaraí. No calçadão. Os meninos de bermuda na grife com a bunda aparecendo, todos desencardidos, fazendo arruaça no quintal dos outros. Madamas de narizes tortos e carteiras vomitando dinheiro com medo dos meninos com bermuda na grife de bunda de fora. Os velhos não se importavam. Só se importavam com a mão das cartas, com a sorte do trunfo ser de copas e fechar uma cruz. As cruzes da cidade e seus cristos dependurados de cabeça pra baixo. A coroa de espinho e um tiro certeiro em cada testa. O buraco profundo das testas e Tomé não acreditava no que via.
Minha avó vivia dizendo que sem amor não se consegue nem atravessar a rua.
O bar estava lotado. Era uma conversa normal. Esses papos de botequim regados à cachaça e calabresa fria dançando no óleo. Alguém puxa um revólver ou diz que vai puxar. Ameaça. Com mulher dos outros não se mexe, não fala gracinhas nem insinua bobagens.
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Não era Carlos, mas era um policial à paisana conversando em pé no balcão com outro policial à paisana e os nervos à flor da pele. Com revólver na cinta não é qualquer conversa que se pode ter em pé no balcão. O garçom ainda tenta apaziguar, mas deixa pra lá. Todo mundo deixa pra lá e pode ser que um corpo tombe no chão.
Vai ter corre-corre?
Outro dia eu estava na piscina. Um dia normal de sol e de bobeira. Sem o que fazer. Ver o tempo passar. A espreguiçadeira me chamando e eu aceito o convite. As moças de biquíni desfilam por cima da pedra portuguesa. Dondocas sentadas na borda da piscina com os pés dentro da água. A conversa corre solta e fácil. Meninos mergulham se jogando de qualquer maneira só para espirrar água nas dondocas, que molham os pés, mas não querem molhar o cabelo. Os meninos não estão de bermudas escorrendo pela cintura abaixo nem são desencardidos. Pulam por molecagem e os pais morrem de rir num papo sobre o time do coração. Uma dondoca ainda tenta falar com os meninos, com os pais dos meninos, mas as palavras não saem do círculo das dondocas e elas juram que um bom cinto resolveria toda a questão.
Sinto muito.
Um tiro.
Não foi um tiro qualquer. Foi o tiro. Uma única bala. O menino correndo com a mãe, ou melhor, a mãe correndo e puxando o filho, que tropeçava na velocidade de suas pequeninas pernas. O povo todo correndo. Correndo por correr, correndo sem saber pra onde ir, correndo não sabendo se estava fugindo da bala ou se estava indo na direção dela. Da onde veio o tiro? Ninguém se lembrou de perguntar. Carlos ria, o menino chorava e Joana aos poucos foi tombando no chão pra de lá não mais levantar.