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Reinaldo da Silva Fernandes

Reinaldo da Silva Fernandes Brumadinho/MG

Esse Alex!

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“Você deve saber como entrar e como sair de qualquer lugar.” Quem me ensinou isso foi uma semianalfabeta. Letrada, no máximo. Minha mãe era uma sábia. Talvez fosse isso que a Escola devesse ensinar a nossa garotada: a se virar no mundo, a ser capaz de se virar nele, se comportar nele.

Fui ontem a uma festa de um casal de amigos, grandes amigos. Sou trabalhador assalariado, eles são pequenos empresários, proprietários de uma loja de calçados. Em muitas coisas somos diferentes, temos visão de mundo diversa. No entanto, em muita coisa temos convergência. É isso que nos une.

Ele vem de família tradicional de minha cidade, casado com uma sobrinha querida, de família pobre, mas que, agora, pensa como ele, pelo menos são muito parecidos. Trabalham muito, preocupam-se muito em ganhar dinheiro, sonham ser ricos. Ainda não são porém muitas vezes agem como se fossem.

Além de nós, minha esposa e eu, estavam na festa outros amigos, não muitos. E por não sermos muitos, ficamos na mesma mesa, uma mesa grande na varanda do sítio. Entre os convidados de nossos amigos, um casal, ela, nascida de família classe médiamédia; ele, nascido de família pobre.

O pai, dela, herdou do avô – que herdou do bisavô e que herdou do tataravô, que herdou lá do rei de Portugal - um cartório. Ainda no tempo do pai, o cartório cuidava de tudo, monopolizando os diversos eventos e sem concorrência. Registro civil, Tabelionatos de notas e de protestos, Registros de imóveis e de títulos, era tudo ali. Estima-se que uma pessoa física recorra aos serviços cartorários pelo menos dez vezes em sua vida. Daí pode-se imaginar o lucro fácil, até porque as taxas são muito altas e delas o cidadão não tem como escapar. Quando me lembro de seu pai, lembro-me dele no PFL – Partido da Frente Liberal -, sempre com um copo de uísque na mão.

Seguiu a carreira do pai, estudou, passou no concurso público, recebeu a concessão de um cartório no norte do país, enriqueceu em pouco tempo.

Ele, professor, oriundo de família pobre, casou-se com ela. Agora, pensa como ela, pelo menos são muito parecidos.

Durante toda a noite, o casal rico não contou uma piada sequer. Não deram nenhuma gargalhada. Não

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cantaram. Não dançaram. Nem mesmo falaram alto. Conversaram educadamente, de forma muito polida.

Estamos sentados à mesa, conversando. Lembrando-me de minha mãe, ouço mais, falo pouco. Não quero me indispor. Mais do que isso, acho que não vale a pena. Ela, filha no colo, de dois anos, conversa com minha esposa. Conta que a filha é muito inteligente, consegue resolver um quebra-cabeça para crianças de até quatro anos antes de uma coleguinha de nove. Desconfia mesmo que a filha seja superdotada, e sonha fazê-la avançar na escola, saltando séries e indo para seguintes. Já minha esposa é pedagoga e discorda dela. Acha que a escola não é apenas para ensinar conteúdos acadêmicos. E que a criança pode ter etapas de desenvolvimento psicológico queimadas. Ela argumenta que escola deve servir apenas para ensinar conteúdos. Outros conhecimentos, a que ela chama de “sociais”, a criança deve aprender em casa, na academia de ginástica e outros espaços sociais.

Enquanto as duas conversam, e eu observo, os outros dois maridos conversam enquanto viram a carne na churrasqueira. Vêm de lá e me perguntam: – Você conhece o Alex?

Conheço, mas não sei praticamente nada dele. Na verdade, o conheço de nossas outras reuniões ali no sítio, uma ou duas, e de um passeio que fizemos com o casal de amigos nossos numa cachoeira. Sei que é filho de um motorista de táxi, não nasceu em família muito pobre, talvez classe média baixa, nas categorias do IBGE. Não sei o que Alex pensa da vida, quais são suas visões de mundo.

Alex entrou na conversa quando Ela se lembrou de uma amiga, exnamorada de Alex. Edilene era o nome. – É gerente da unidade, Ela explicava. “Está muito bem de vida”, continuou. “O Alex não sabe a besteira que fez.”

Ainda houve tempo para outras conversas. Mas quando vim para casa, só me lembrava de Alex e da besteira que fizera. A classe média é mesmo um bicho estranho, parece ser de outro espaço/tempo. Pelo mesmo de outro espaço/tempo que não o meu. Não importa o que Alex pensa da vida, se gosta das mesmas coisas que Edilene, se os dois têm algo em comum capaz de manter por algum tempo uma relação, se Alex precisa ser feliz. Alex deveria pensar no conforto e na riqueza, no que Edilene poderia lhe proporcionar com seu progresso econômico. Mas Alex é um idiota. Não sabe a besteira que fez.

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