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Ricardo Ryo Goto

Ricardo Ryo Goto São Paulo/SP

Problemas de relacionamento geralmente ocorrem em função das falhas na comunicação entre as partes, ou seja, o que um fala e o que o outro entende. Algumas lições aprendidas na disciplina de gramática e literatura me fizeram olhar para a comunicação verbal de maneira a poder enxergar nas “entrelinhas” as disposições e intenções de quem está falando, entendendo melhor o que querem dizer. Refiro-me aos recursos de estilo ou figuras de linguagem. -Olha aqui, moleque, se você fizer isso novamente vai apanhar até ficar branco. -Hipérbole. -O quê ? Tá me desafiando ? -Não, mãe, a senhora tá dizendo uma coisa exagerada, impossível de acontecer. Esse tipo de expressão se chama hipérbole na gramática. -Ah, bom. É como eu dizer que posso ficar desempregada porque seu pai tem 2 empregos… -Não, isso é uma antítese, o uso de 2 termos contrários, desemprego e emprego. Mas não deixa de ser um exagero da senhora... -Deixa pra lá; Pega suas coisas e vai pra escola. Cuidado ao embarcar no ônibus. -Catacrese.(uso de termo inadequado) -Cata o quê ? Minha mãe exagerava tanto com essas ameaças quanto os alunos da Corleone quando eu tive minha primeira briga com o Caruso e eles espalharam como eu tinha arrancado os olhos dele, os dentes e o couro e também havia surrado a sua família. Enquanto caminhava até o ponto do ônibus, o Jerome gritou: -Oi carinha que mora logo ali, me arruma uma verdinha. -Metonímia. -O quê ? Tá tirando uma da minha

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cara ?

-Sinédoque. -Como é que é, vai dar ou não ? -Calma, só tava explicando que figura de linguagem você estava empregando. -Olha aqui, eu não emprego ninguém, eu trabalho sozinho. -Quando você falou em “verdinha”, estava se referindo a nota de um dólar que tem essa cor. Isso é metonímia. Quando falou que eu estava tirando uma da sua “cara”, estava se referindo a sua pessoa como um todo, isso é uma sinédoque.

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-Tá bom, obrigado pela aula de História e vai me passando a grana. Quando chego à escola, o Caruso vai me saudando: -Oi feijão . -Metáfora. -Que foi asfalto ? -Metáfora -Isso é um novo tipo de xingamento ? -Não. É a figura de linguagem que você está usando. Fala mais alguma coisa. -Carvão, tição, chocolate, marronglacê, jabuticaba, macaco, piche, fuligem, corvo, urubu, café, nanquim, papel carbono. -Ué, por que você tá pedindo prá ele te xingar de outros nomes ? Perguntou o Greg. -Prá aula de gramática. Vou montar um repertório de metáforas. -Vai enriquecer o vocabulário depreciando sua pessoa ? -Paradoxo (uso de temos contrários) -Quer que eu te ajude auxiliando nesta tarefa ? -Pleonasmo (uso de termos redundantes). -Primeiro humilde, depois convencido, e finalmente arrogante. -Gradação (sequência de ideias) -Tá bom, chega de trocar figurinhas e vamos à aula. A srta. Morello é craque num determinado tipo de figura de linguagem. -Chris, eu sei que você tem dificuldades em acompanhar o ritmo das aulas e realizar as tarefas de casa, uma vez que seu pai exerce atividades não remuneradas e sua mãe é consumidora de substâncias químicas ilícitas enquanto você precisa pajear seus irmãos que foram convidados a se retirar da escola por insuficiência moral. Vocês praticam jejum alimentar, perderam a noção de higiene e passam a noite em claro. Traduzindo: tenho raciocínio lento, meu pai é um vagabundo, minha mãe uma viciada em drogas e meus irmãos foram expulsos da escola por comportamento imoral, nós passamos fome, não tomamos banho e não dormimos adequadamente. Com um eufemismo desses ela até consegue se safar de uma acusação formal de racismo. O sr. Omar também é fã desse tipo de expressão. -Quem morreu ? O Martin ? -Pois é, abotoou o paletó de madeira. Subiu para o andar de cima. Foi morar com Jesus. Lembram-se do dia em que perguntei a meu pai se eu poderia dirigir o carro ? -Claro, quando você completar 16 anos, quando você tirar carta de motorista, quando você comprar o seu carro, quando você fizer o seguro, aí você poderá dirigir o seu carro. Se eu tivesse estudado as figuras de linguagem naquela época eu diria depois do que ele falou: anáfora (repetição da mesma palavra na mesma frase). Bom, de qualquer forma, ele sempre diz alguma coisa dessa categoria.gramatical.

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-Se eu comer isso minha gota vai reclamar e minha pressão vai me incomodar. -Personificação (atribuir característica humana a coisa ou animal) Ou então : -Quarenta e nove centavos jogados fora (referindo-se a algum alimento que se estragou na geladeira) -Metonímia. Para suportar a Tônia me chantageando só apelando para a ironia. -O que você não me pede chorando que eu não faço sorrindo ? Ao que ela retruca na mesma moeda: -É que você é meu irmãozinho do coração. O Perigo vive dizendo antonomásias (expressão ou palavra que substitui outra, como os apelidos) -Olha este CD, do “rei do rock” (Elvis Presley) ou o DVD do “garanhão italiano” (Rocky, o lutador), tem o vinil do “Satchmo” (Louis Armstrong). Tio Michael é bom em sinestesia (combinar 2 ou mais sentidos) -Rochele, esse guisado cheira tão bem que faz meus olhos brilharem. O Drew adora uma elipse (ocultar palavra ou expressão que é subentendida) -Não fui eu (que fiz) Depois de tanto observar e analisar essas expressões durante a semana, tirei nota azul na prova de gramática e a srta. Morello me elogiou: -Parabéns, Chris, assim você um dia vai poder escrever roteiros de filmes para TV. (me aguarda que quando isso acontecer vou bolar um script sem falas para você) Tudo porque eu fiz o comentário abaixo: “Dependendo do uso que fazemos dessas figuras, podemos tirar algumas conclusões a respeito de como as pessoas se exprimem. As que usam hipérbole, gostam evidentemente de exagerar, as que repetem a mesma palavra na frase querem dar ênfase ao que falam , as que usam onomatopeia gostam de ilustrar o que falam, as que usam eufemismo tentam minimizar um comentário que poderia parecer grosseria, as que usam metáforas gostam de exemplificar a ideia de modo sucinto, curto e grosso.” Finalmente, não poderia deixar de apontar o fato de que o nome do programa é uma verdadeira ironia: Todo mundo ODEIA o Chris. Ou será que é um hipérbato (inversão dos termos) – “O Chris odeia todo mundo” ?

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