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Ariel Von Ocker (Gabriel F. Montes Lima

Ariel Von Ocker (Gabriel F. Montes Lima)

A Imitação da Mulher e a Rosa de Clarice

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LISPECTOR, Clarice. A Imitação da Rosa. In: Blog Clarice Lispector. Disponível em: https://claricelispector.blogspot.com/2008/07/imitao-da-rosa.html?m=1. 2008. Acesso em 04 de Jan de 2022.

Nascida Chaya Pinkhasivna Lispector em 10 de dezembro de 1920 e naturalizada brasileira, a insigne escritora Clarice Lispector (1920-1977) é dona de um amplo repertório literário. Sua escrita é marcada por uma narrativa fluida, que busca predominantemente apreender o sentimento provocado pelo objeto do que o objeto que o provocou. Sua literatura trouxe à tona, como dizia Antônio Cândido, o conceito de epifania à produção poética brasileira, bem como a possibilidade de se construir uma narrativa que quase não contemple os fatos, mas somente a impressão do fato.

Em A Imitação da Rosa, conto agrupado originalmente no livro Laços de Família, o modo de criação clariceano se revela de maneira criativa e profunda. O enredo aparentemente simples sonda a vivência de uma feminilidade tímida e ousada, cuja ânsia por florescer (como uma rosa) deságua em um senso de desesperança e enlevo perante a vida.

A trama se desenvolve quase em um monólogo interno feito pela protagonista Laura. É depreendido que ela estivera internada em um sanatório recentemente. Isso a move em um sentimento contínuo de reflexão. Tal sentimento é alimentado pela normalidade contínua e repetitiva de sua vida cotidiana ao lado do marido Armando.

O conflito principia com Laura observando um ramalhete de rosas. A mulher deseja, então, leva-las para presentear Carlota, sua amiga e esposa de João. Aqui, se deve observar que tais personagens são apresentados no conto pela ótica da protagonista e algo em seus prenomes lhes confere um aspecto de absoluta igualdade, como se ali pudessem haver inúmeras Carlota e inúmeros João.

Entrementes, Laura entra em conflito com o desejo pelas rosas e o compromisso que firmara de dá-las de presente. Há, por um lado, uma ânsia, um frêmito inominado de ter para si algo belo somente para tê-lo. Isso é um conflito psicanalítico, me

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parece, onde se opõem o princípio do prazer e os arbítrios da moralidade. Afinal, a vontade de ter para si algo belo é também, por si mesma, um conflito, na medida em que percebe-se a inutilidade da beleza. Contudo, a inutilidade não mitiga o desejo e justamente isso desperta no sujeito um outro sentimento: a atonicidade perante a (des)razão de ser humana e não ter sentido para desejar o que deseja.

Na história, Clarice mostra que, na mesma noite do ocorrido, Laura e Armando iriam jantar com o casal Carlota e João (entendido assim como um todo conectado de sujeitos). Porém, Laura se olvida de arrumar-se e perde a hora para o jantar.

Ao fim do conto, Armando chega e, sem que a narradora sonde seus pensamentos como faz com Laura, notamos um curioso alívio em suas ações.

Esse conto é misterioso e ímpar. Seu título é, evidentemente, uma alusão à obra de Tomás de Kempis A Imitação de Cristo. Não foi a primeira vez que Clarice Lispector se valeu desse recurso em suas produções. Igual estratégia se pode observar em A Paixão Segundo G. H., que faz uma referência ao texto evangélico A Paixão de Cristo e, quiçá, às cantatas de Johan S. Bach Mathäus Passion e Johan Passion.

A estética de Lispector aqui, como em outros trabalhos, não está propriamente na linguagem, que exprime o pensar e a história. Pelo contrário, é no que não é palavra, no que não é enunciável linguisticamente falando que reside o cerne da narrativa.

Assim sendo, podemos retirar de A Imitação da Rosa uma alusão que tomo emprestada da filosofia: o texto de Lispector é como uma vela acesa em um campo de trigo. Não ilumina quase nada. Porém, nos permite ver a imensa escuridão que há ao redor.

A escritora, pois, não busca, como a própria esclareceu em sua última entrevista, o adorno da linguagem. Seu texto, antes, é simples em termos vocabulares. Contudo, engana-se o leitor que, confundido pela simplicidade da prosa, ignore a complexidade dos sentidos expressos através da sua literatura.

@ariel_von_ocker

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