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Benjamim Franco

Benjamim Franco Taubaté/SP

Código de Coação

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Dormia quando chegaram. Não se deram ao trabalho do silêncio: pelo que pude perceber, e isso só depois, o esquadrão arrombou a porta da frente da pensão, e marchou até meu quarto. A dona não ousou reclamar; mas foi jogada ao chão, quebrando a bacia mesmo assim.

Acordei num susto só, procurando o revólver por puro treino: não daria nem pra atirar na minha própria cabeça. Já estavam no quarto. O chefe, um oficial cheinho, de olhos apertados, repousava a mão em sua pistola, ainda no coldre. — Mostre-nos o rádio — ele disse, num inglês castiço, sem sinal algum de sotaque.

Ergui as mãos, e um de seus capangas, um loirão com cara de bobo, que não devia ter idade pra beber, me puxou até o chão, e depois me pôs de pé. Caminhei até o rádio, pensando em nossa causa, lembrando de meu treinamento. Olhei pra janela fechada: nem imaginava que horas eram. Só que sentiria saudades do sol.

O oficial arrastou a cadeira de minha escrivaninha. — Mande uma mensagem para seu quartel-general — Sentei, e o outro guarda, ainda mais claro, com o rosto cheio de cicatrizes de acne, retirou a capa de máquina de costura que escondia, de forma inadequada, devo admitir, um aparelho radiotransmissor. — Lilás, aqui é Mangue. Câmbio.

A transmissão nunca fora tão clara. Mau sinal. — Lilás na escuta. Câmbio.

Todo o meu treinamento veio à mente. Tudo que eu teria que fazer se fosse capturado. Além de aguentar o máximo de tempo possível, de estratégias para fechar o corpo e preservar a mente, haviam também palavras, de pouco ou nenhum sentido, mas de utilidade prática: uma delas era – tinha que ser! – o

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código de coação. Tal palavrinha, supostamente inconspícua, seria o sinal de que eu fora capturado, e tudo foi para o beleléu.

Esvaziei a mente, esqueci o medo, e confiei no meu treinamento: daria meu melhor chute. — Lilás. Poderia passar aí mais tarde para, ahn, tomar um café? Adoraria passar aí depois e tomar um, ahem, café. Câmbio — O som do código de coação me acalmou, ainda que por um segundo. Os instantes que antecederam a resposta foram tempo o suficiente para ver o filme da minha vida três vezes.

— Mangue, positivo. Só preciso que você faça pra gente uma gentileza apenas. Por conta de exigências da administração central. A palavra ‘café’ é o código de coação, tá bem? Então é pra usar só se for uma emergência mesmo. Do mais, venha sim. Câmbio!

O oficial desligou o rádio, e segurou sua barriga, mas não segurou o riso. E tem horas que eu desejo não ter sobrevivido pra contar essa história.

twitter.com/benjamimfranco

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