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Iraci Marin

Iraci Marin Caxias Do Sul/RS

A Terceira Mulher

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Morava sozinho pela segunda vez.

Primeiro foi a Leonora. Era alegre e parecia iluminada. Fazia amizades com facilidade, e ali estava um problema. Ou mais de um. As situações foram se misturando, se acumulando e ele perdeu o fio; o tempo, ou seu desejo, apagara várias linhas do passado. Na sua perspectiva, ela se comportava como esposa de todos. A desconfiança ganhou volume, palavras ásperas, e desembocou num sofrível estado de convivência, até o findar breve.

Bem depois veio a Jacinta. Quieta, se esgueirava para os cantos da casa quando ele chegava; queixava-se com frequência, ou resmungava. Até nos poucos momentos íntimos, ela encerrava o momento com um “ai!” carregado de desolação, tristeza ou dor. Nunca teve certeza. Tudo terminou sem aviso, completando os dias em comum. Na cama, ele a procurou, tateando seus seios. Sem esperar novo movimento, ela empurrou a sua mão e pulou para fora da casa.

Às vezes, sentia satisfação com as lembranças que recuperava nas fotos antigas da família, quando ainda era jovem e moravam no Vale. Eram fotos de um tempo de aconchego, de leveza. No presente, a vida tinha peso. O trabalho era um subterfúgio. Não chegava a ser a sua realização, mas era o amparo das horas. Em casa, ah, em casa era o caso.

Outras vezes, recuperava alguma passagem da existência recente, sem saudades e sem lágrimas. Apenas recordava. Leonora cantarolava pela casa, no banho, fazendo-o lembrar-se da morada do Vale. Jacinta limpava e limpava, tudo ficava brilhoso, até o assoalho fosco ganhou cor. Cada uma com seus escapes, às vezes ele pensava, uma forma de não dividirem com ele o seu tempo. Por isto se distraíam consigo mesmas?

Olhava-se no espelho com languidez todas as manhãs. Em

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ocasiões do dia, lembrava suas mazelas, umas mais agudas, outras bem singelas, e percebia que assim era sua vida, forrada de desconfortos. Repetia suas camisas amarrotadas, as calças surradas e marcadas pelo uso diário, a alimentação que ele mesmo preparava. Repetia o dia com as poucas palavras que pronunciava. Mas não queria repetir as experiências anteriores.

Nestes momentos de pensar em si, percebia as contradições de um tempo e a melancolia de outro. Ser cinzento era uma condição própria, talvez permanente, e sem a sua escolha. Era uma situação que ele percebia crescer, como, numa outra direção, cresciam as buganvílias. Olhava para elas, florescendo no fundo do quintal, solenes e belas. Sua floração fazia contraste com a vida dele, apagada, igual a uma flor seca, sem chance de floração, mais parecida com uma estrada cheia de pedregulhos.

Talvez uma terceira mulher pudesse absorvê-lo num grande e duradouro elã. Mas onde estava esta mulher?

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