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Joedyr Bellas
Joedyr Bellas São Gonçalo/RJ
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As cruzes. Cruz credo. Em frente ao cemitério o menino não passava nem amarrado, nem ameaçado de morte, porque de morte ele iria para a última morada, como dizia o vovô quando o menino perguntava pela vó, a vovó foi para a última morada. E a última morada, na imaginação do menino, era onde moravam os fantasmas, as assombrações e o menino de fantasmas e assombrações não queria saber. Sabia da bola dente de leite no paralelepípedo e da seta no bolso de trás do calção onde ele carregava as bolas de gude e a seta quando ia pro morro caçar passarinho, não caçava, tinha pena e medo, se pelava de medo. Um dia ele falara todo de peito estufado, hoje vou pro morro e vou matar rolinha. E ele falara isso logo para uma senhora cheia de miçangas no turbante branco na cabeça e parangolés nos pulsos, dona Rosa, a Rosa das magias, dos feitiços, das rezas para desinchar pé inchado de cachaça ou de trabalho feito. Diziam até que ela reconstruía casamentos, mas que um belo dia, pela mocidade dela, toda bonita e fagueira, acabara com um casamento. O homem ficou bobão e caidinho por Rosa, nessa época ainda era Rosa, só Rosa, eu já a conheci como dona Rosa e dona Rosa falara para o menino que rolinha era bichinho de Deus e quem matasse rolinha ou qualquer outro bicho da criação ia penar dentro do cemitério. E desde esse dia o menino nunca mais matara passarinho algum. Subia o morro com a sete no bolso e ficava sentado em cima de uma pedra encantado com a passarada. Desconfiavam os colegas do menino que ele nunca matara passarinho nenhum. Nem calango. Cruz credo. E o menino levava a vida dele assim. Pés no chão. Brigava por Ritinha, corria atrás de borboleta, pegava tanajura pra vó fazer farofa, tanajura na cabeça dele não estava na lista dos bichos que não podia matar. A galinha ensopada no fim de semana com batata também não. De bife de boi com farofa e batata frita não precisava nem de arroz nem de feijão, a mãe obrigava. Então ele comia
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tudo. Feijão com arroz, farofa, batata frita e bife de boi. Boi podia matar. É alimento, pregava dona Rosa, o que se come, o que mata a fome do homem, pode rezar uma reza a Deus e sacrificar os bichinhos que iam pro prato e pra barriga do homem. Dona Rosa gostava de conversar com o menino e o menino arregalava os olhos com a conversa de dona Rosa. Mas em frente ao cemitério ele não passava, quando passava, sempre junto com a mãe e dentro de um ônibus, fechava os olhos, abaixava a cabeça e não queria nem saber. As irmãs dele, as mais velhas, uma namoradeira a outra querendo casar, viviam falando de caçoada para o menino que os fantasmas e as assombrações pegavam menino que passava em frente ao cemitério. Ele tremia. Arregalava os olhos, chorava, fazia queixa pra mãe, a mãe ria, o avô ainda implicava mais um tanto e ria de se escangalhar, de botar a mão na boca e não deixar que os dentes escapulissem para fora da boca, uma vez os dentes do vovô ficaram grudados no pernil de porco, outro bicho na lista dos que podiam matar. Fora um nojo só. O menino correra para o banheiro, as irmãs do menino esconderam o riso e a mãe das meninas e do menino pegara a dentadura, limpou, entregou ao vovô e o almoço acabou naquela hora. O avô amuado sentou na cadeira de balanço e ficou olhando distante, bem longe. O menino saiu do banheiro, sentou no colo do avô e falou pro vô que ele morria de medo de cemitério. O avô riu e, depois desse dia, o menino foi crescendo cada dia mais um pouquinho e o medo de cemitério foi ficando pra trás, balançando numa cadeira de balanço no colo do avô.