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Letícia Érica Ribeiro

Letícia Érica Ribeiro Brasília/DF

Uma prosa qualquer

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Não, não senhor, meu avô não era doutor. Minha avó, a que me criou, não sabia escrever. Minha mãe não fez faculdade, não senhor. Ah, meu pai? Ele só estudou depois de eu crescer.

Não, na minha casa não tinha livros, não senhor. Nunca fiz curso de inglês, nem natação. No café manhã, quase nunca tinha pão.

Não, não tinha quem ajudasse a fazer a lição. Meu sonho? Meu sonho era chegar da escola e poder brincar, mas tinha que trabalhar.

Às vezes, ia pra igreja, rezar pra eu aguentar. Rezar nos dá direção, o senhor tá certo. Isso mesmo, nos conduz à salvação.

Não, nunca tive muito afeto, abraço, ternura. O carinho era escasso, igual que não tinha fartura. Mas não estou reclamando, não senhor!

É, minha vida até que era boa, se não! Se não fosse... Deixa pra lá, o senhor não vai querer saber...

Sofri vários abusos, durante a infância, mas por eu nunca ter contado, pensam que eu inventei. Até queria ter inventado!

Como inventei várias vezes, que eu tinha um namorado. Só pra agradar o pessoal que falava que ser lésbica era coisa do mal.

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Mal sabiam eles que o mal vestia roupa de pastor, que abusava das "jovens" em nome do Senhor.

Como não sabiam também que o que invocava a deus e pregava o amor tinha sido meu abusador. Igual ao que tentou me salvar com orações de descarrego e sessões de "cura gay".

Não, imagina! minha vida não foi difícil, não! O senhor tá certo, de novo. Basta olhar como vivem as meninas no Sudão.

Perdoa o senhor, acho que eu é que esqueci das bonitezas que me passaram. Eu sei, não posso me queixar, afinal sobrevivi. E essas cicatrizes, no corpo e na alma, são feridas que já sararam.

É, o senhor tem razão! Essa tal de depressão é só uma doença boba, de quem tem mente vazia e não é agradecido.

É eu sei, deus sabe de todas as coisas. Temos que tirar lição do vivido, porque na vida é assim mesmo, tem aquele que escolhe e aquele que é escolhido.

Não! Deus me guarde de reclamar. Eu só estou lhe contando, porque o senhor me perguntou. Na verdade, eu só tenho que agradecer. Falando nisso, muito agradecida pela prosa!

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