LiteraLivre Vl. 6 - nº 33 – Mai./Jun de 2022
Letícia Érica Ribeiro Brasília/DF
Uma prosa qualquer Não, não senhor, meu avô não era doutor. Minha avó, a que me criou, não sabia escrever. Minha mãe não fez faculdade, não senhor. Ah, meu pai? Ele só estudou depois de eu crescer. Não, na minha casa não tinha livros, não senhor. Nunca fiz curso de inglês, nem natação. No café manhã, quase nunca tinha pão. Não, não tinha quem ajudasse a fazer a lição. Meu sonho? Meu sonho era chegar da escola e poder brincar, mas tinha que trabalhar. Às vezes, ia pra igreja, rezar pra eu aguentar. Rezar nos dá direção, o senhor tá certo. Isso mesmo, nos conduz à salvação. Não, nunca tive muito afeto, abraço, ternura. O carinho era escasso, igual que não tinha fartura. Mas não estou reclamando, não senhor! É, minha vida até que era boa, se não! Se não fosse... Deixa pra lá, o senhor não vai querer saber... Sofri vários abusos, durante a infância, mas por eu nunca ter contado, pensam que eu inventei. Até queria ter inventado! Como inventei várias vezes, que eu tinha um namorado. Só pra agradar o pessoal que falava que ser lésbica era coisa do mal.
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