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Pedro R. R. Guimarães

Pedro R. R. Guimarães Pelotas/RS

Pedaço de Pão

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O seu olhar era vago, parado e totalmente sem expressão. Os braços caídos ao lado do corpo, postura curvada, como se em seus ombros houvesse sacos de areia. Estava sentado na beira do cais. A sua frente à imensidão do mar em uma tonalidade azul-escuro que aumentava sua grandeza e ao mesmo tempo, provocava medo. Para ele tudo estava perdido. Não havia salvação de nada. Muito menos esperança. Nem mesmo a lembrança de seus pais era motivo para reanimá-lo. Como eles se sentiriam? O que pensariam dele? Sua mãe ainda o olharia com amor e carinho, com toda aquela ternura que lhe era peculiar? E sua mulher e os dois filhos? Como eles ficariam? Sempre foi muito admirado por eles, o que restaria? Será que o entenderiam? Ficariam bem? Mas nada que pensasse parecia ter o poder de fazê-lo mudar de ideia.

Ele estava decidido a se jogar no mar. Por fim na sua vida, era só isso que pairava em sua cabeça, porque em seu entendimento, não havia mais nada a fazer. E a sua fé? Na sua educação sempre houve lugar para a espiritualidade. Os santos que admirava por dedicação, amor e abnegação a uma vida totalmente voltada para a religião, naquele momento, também não o ajudavam, não o comoviam e não provocavam a esperança em seu coração e na sua mente. A “derrubada” aconteceu pela manhã. Levantou cedo, como de costume e foi fazendo a sua rotina. Cortou a barba, tomou banho. Após o café, sentou-se para ver televisão e ler o jornal. Foi ali naquele momento. Só noticias ruins. Mortes, assassinatos, guerra, refugiados, roubos, desfalques, corrupção e a economia de mal a pior. Começou a sentir um aperto no peito, que parecia uma falta de ar, mas não era, e por dentro era como se houvesse uma corrosão

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que começou a destruir tudo de bom que havia. Estava engasgado, com vontade de chorar, mas sem conseguir. Começou a suar frio e de repente deu um pulo do sofá abriu a porta e saiu de casa a esmo e de olhos parados. Caminhava devagar e suas pernas pesavam. Depois de algum tempo, enxergou o mar e lentamente foi indo em sua direção e surgiu no seu intelecto aquele pensamento: - Vou atirar-me ao mar! E ao chegar à beira, sentou-se e ficou taciturno.

Ainda estava pensando em como seria a morte. Falecer, expirar, perecer, fenecer, extingui-se, terminar, cessar. Nesse momento percebeu um movimento a suas costas. Mas não chegou a olhar para trás porque alguém se senta ao seu lado e diz: - Eu também gosto de sentar aqui e ficar só olhando! A tensão no pescoço ainda era forte, pois não sabia há quanto tempo estava ali e ainda sob o efeito do torpor, começou a olhar para o lado para ver quem havia falado. Era uma menina. Roupas surradas e um pouco sujas. Cabelos claros, desarrumados e sem qualquer tipo de corte. O que usava nos pés era algo que fora um tênis, mas agora eram mais buracos e manchas em cima de uma sola encardida de todos os tipos de sujeira, com a metade de um cadarço em cada um.

E antes que ele pudesse pensar em algo para falar ela virou-se e disse: Quando estou com fome venho e sento aqui. Ainda em silêncio ele a olhou. Viu dois olhinhos verdes e brilhantes. Algumas sardas no rosto, mãos pequenas e ágeis. Era magra, mas atenta e ligada em tudo a sua volta. Mas o que chamou a atenção dele foi a vivacidade do olhar. Ela não pareceu ter notado a perturbação dele. Deveria ter nove ou dez anos de idade. – Você também está com fome? Pergunta ela. E sem esperar resposta disse: - Somos dois! E sorriu. Dentes brancos, alinhados pareciam não ser dela. Ele sem saber o que fazer ou dizer permanecia calado.

Ela ficou seria e falou: - Ok, desta vez posso ajudar. E coloca rapidamente a mão no bolso e tira um pedaço de pão separa em dois e estende um para ele.

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Nesse momento ele percebe o que está acontecendo. Mecanicamente pega o pedaço de pão oferecido e ela sem olhar para ele diz: - Pode comer, é bem gostoso! Mas já vou avisando que não tenho mais e não sei se hoje, vou conseguir alguma coisa para comer. Ele começou a ficar envergonhado, sentia o rosto quente e não queria ficar rubro e com aquele sentimento incomodando. Precisava fazer alguma coisa e fez. Começou a comer o pão. Ela sorriu aprovando e não disse nada. O sabor daquele pão era tão gostoso que ele ficou pensando se já tinha comido algo tão aprazível. Pensou: - Preciso falar alguma coisa. Virou-se para ela e falou: - Muito obrigado! Mas a sua voz saiu gutural e como não fosse sua. Ele ficou assustado com aquela rouquidão e ela sem nenhuma reação replicou: - De nada! Em seguida levantou-se com um leve sorriso e aquele olhar enérgico: - Até outra hora! E saiu rapidamente da mesma forma que chegara. Atônito com o que aconteceu, não teve tempo de perguntar o nome, o que fazia e onde morava. Voltou para casa, abraçou sua mulher demoradamente e ao olhar para seus filhos seus olhos encheram-se de lágrimas, ajoelhou-se e abraçou-os. Eles nada entenderam.

Os trabalhadores do embarcadouro comentam que seguidamente um homem pergunta e procura por uma menina na faixa de dez anos, magrinha, cabelos claros e olhos verdes e espertos, que não sabe o nome, mas diz a todos que tem muita esperança de reencontrá-la.

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