7 minute read

Ricardo Garcia

Ricardo Garcia Porto Alegre/RS

A Fonte

Advertisement

Ao me formar na faculdade ganhei além de um diploma um professor particular, pois me apaixonei pelo professor Marcelo, o mais doce e querido professor. Ele era engenheiro e dava aulas como uma maneira de devolver tudo o que aprendeu, de verdade um homem maravilhoso que me mostrou um mundo. Apesar de nossas diferenças de idade ser pouca, sei que ele teve uma vida antes de nosso relacionamento e tudo bem, sou muito bem resolvida com isso. Quando me disseram que ele era namorador, não dei bola eu também fui, nada mais comum para solteiros. Algumas colegas dizem que ele era tão ruim que suas namoradas que foram alunas, saiam da faculdade e nunca mais voltavam. De verdade não dei bola, pois os meus também não gostariam de me ver nem pintada em ouro. Segui nosso relacionamento apesar de tantos avisos. Após o fim do curso, seria o momento em que poderíamos abrir nosso relacionamento, decidimos morar juntos em sua casa e unir nosso enlace. Assim o fizemos só não tivemos lua de mel de imediato pois ele estava com uma obra muito grande em andamento e por ser o engenheiro chefe não poderia se ausentar. Sua proficiência era tanta que ele tinha uma oficina completa em casa, onde também deixava aflorar seu lado artista com lindas esculturas em torno de um chafariz, que embelezavam o que agora é nossa propriedade. Mulheres em corpo inteiro feitas em concreto. Como foi criado por sua mãe e tias apenas, tinha um carinho pelo feminino em sua veia artística.

Nossa vida seguiu um mar de flores, cafés da manhã na cama, jantares românticos, presentes, uma vida que jamais sonhei. De verdade fomos felizes por um ano, até o dia em que fiquei sem celular e pedi a ele para usar o dele. Aquele sorriso doce e cativante que tanto me apaixonou, se fechou em uma expressão áspera, um olhar duro que não transparecia sentimentos e sim aspereza. Naquele mesmo dia ele me deu um aparelho novo, o mais moderno do mercado, mas de verdade não me recordo de ver o aparelho dele novamente pela casa, como sempre esteve jogado pelos móveis.

Sexto sentido é uma coisa que não se deve brincar, apesar de termos uma vida maravilhosa, não querendo pensar besteiras, me apeguei naquela situação. Comecei a

157

notar que de verdade seu aparelho nunca mais foi visto e mesmo quando ele estava comigo, não tinha mais o hábito de atender clientes ou mandar mensagens perto a mim. O que será que ele poderia me esconder?

Seguimos nossas vidas, felizes até finalmente chegar nossa lua de mel, fizemos uma linda viagem para Espanha, onde ficamos em lugares maravilhosos, o romance era o tema de nossa relação. Nos divertimos muito, tanto que esqueci de todo e qualquer problema que eu pudesse achar que tinha. Um dia andando por uma das ruas principais encontrei Paula uma amiga e colega de faculdade, nos formamos juntas e até pensamos em abrir um escritório juntas. Como priorizei outros assuntos, deixamos um pouco de lado nossos planos, mas tínhamos contato próximo, para tocar nossa empreitada. - Oi Paula como você está? - Nossa que alegria em te encontrar Julia, tão longe de casa, o que faz por aqui? - Lua de mel com o Marcelo, lembra ele lecionava a cadeira de Estruturas de Concreto. - Você não... lembra da minha irmã, ela foi uma das meninas...

O semblante de Paula tomou um tom tão sério, tão nervoso que de verdade não entendi o que estava acontecendo. No mesmo momento ela olhou para todos os lados como se estivesse procurando alguém, me pediu desculpas e saiu apressada, como se estivesse com medo de algo. O que me trouxe com os pés no chão, porque uma pessoa que estudamos juntos, que tínhamos carinho ficaria tão transtornada em me ver, e mais importante, onde estava o Marcelo naquele momento?

Subi pela rua e encontrei Marcelo me esperando com lindas flores e o mesmo sorriso que me cativou tanto. Comentei com ele se ele lembrava de Paula, o que prontamente me disse que não, que ela me pareceu estranha e que depois no hotel mandaria uma mensagem para ela, para me tranquilizar de não ter dito nada errado para ela, mesmo sem imaginar o que poderia ser. Jantamos em um restaurante próximo ao hotel, voltamos e tentei mandar uma mensagem para Paula, mas não consegui ter confirmação de recebimento, parecia que eu estava bloqueada para ela. Me lembrei que a irmã de Paula, havia fugido alguns anos atrás e ninguém sabia o paradeiro dela.

Quando voltamos, retomei minha vida, procurei Paula para avanças em nossos planos, mas não encontrei Paula em lugar nenhum, nem seus pais quiseram me dizer onde ela estava. Porém encontrei algo mais tentador, o famigerado celular de Marcelo estava sobre a mesa do escritório que dividíamos, ouvi o som das ferramentas batendo na oficina dele e não me contive, mexi no aparelho. Senti vergonha, pois não era correto fazer aquilo, ainda mais que fora aquela ocasião, ele nunca me deu motivos para

158

suspeitar de nada. Porem um sexto sentido me dizia para continuar, tentei algumas combinações de senha e nada. Até que tentei a data de nascimento da mãe dele, e o celular se destravou e os sons na oficina continuavam.

Aplicativos normais como em todo celular, ele por nunca se apegar usava os aparelhos mais simples que existiam. Sem pensar duas vezes olhei suas mensagens, para minha calma e tranquilidade, muitos fornecedores, muitas empresas, sua mãe, suas tias e eu mesma. Mais vergonha eu sentia agora, pois de verdade desconfiei de um homem que não me escondeu nada e eu parada em meio ao escritório com um pesar profundo e uma tristeza ímpar. Sua mãe por mais que poderia parecer uma bruxa, falava que gostava de mim, para ele cuidar bem de mim pois eu era a peça central de tudo.

Naquela noite fiz sua comida favorita, sobremesa favorita e fiz o possível para tentar tirar de meu peito a vergonha. Pensei em contar para ele o que tinha feito, mas senti medo de desapontar alguém que de verdade só me fazia bem. Tratei tudo de forma normal e me prometi nunca mais tocar no celular dele ou desconfiar dele. - Então, satisfeita, encontrou alguma coisa? - Como, como assim?

Eu sabia, no fundo eu sabia que de alguma maneira ele tinha descoberto que eu havia mexido no celular dele, senti meu rosto corando, suor começar a brotar nas têmporas e de verdade não sabia como responder para ele. Ele apenas levantou e me abraçou, encostou meu rosto em seu peito e me disse que estava tudo bem, que tudo terminaria bem.

Terminar não era a palavra que eu gostaria de ouvir, mas como sua mãe e suas tias viriam nos visitar no dia seguinte, imaginei que ele não tomaria nenhuma decisão. O dia amanheceu ensolarado, o clima estava muito bom minhas sogras, porque as tias diziam também ser mãe de Marcelo, me trataram com muito carinho, me trouxeram vestidos lindos feito em tecidos que elas mesmo teceram, eu de verdade me sentia radiante de tudo estar bem, o carinho todo. Resolvemos fazer uma ceia no jardim, pois o céu apresentava uma lua imensa, brilhante, tudo colaborava para uma noite perfeita.

Começamos com uma oração nossa ceia, as tias de Marcelo eram muito religiosas, não entendi muito bem pois não sabia o que diziam, de verdade nunca me apeguei no fato de não saber a ascendência de meu marido. Elas fizeram a oração quase como se fosse uma música, aquilo me deixou tão relaxada, com um pouco de sono diria até, então me deitei no ombro de meu marido e senti o chão por sob nós sumir, senti-me leve como uma pluma. Meu corpo agora não me respondia, Marcelo me confortava e me carregava para a cama.

Passado algum tempo que não consegui precisar, senti um calor

159

como nunca havia sentido na vida, meu corpo queimava, abri os olhos sentindo algo cobrir meu corpo e meus olhos viram arames de construção perfurando meu corpo, fazendo meu corpo ficar com um braço para cima, com a mão estendida para o céu, igual as estátuas da fonte em nosso jardim. Naquele momento percebi, que as alunas que deixavam a faculdade, não deixavam só o curso, mas a vida, pois Marcelo transformava-as em estátuas para a fonte. Suas tias e mãe agora dançavam em torno do local onde meu corpo era coberto de cimento. Senti meus músculos e osso se fossilizando, não tinha como explicar o que sentia e não consegui gritar, minha boca estava costurada.

Marcelo vestia uma roupa estranha, como se para uma cerimônia, não sei como não perdi a consciência enquanto ele me cobria de cimento, como um caldo grosso ele me transformava em uma de suas estátuas. Senti vontade de chorar, mas meus olhos foram cobertos pelo cimento e último pensamento que tive foi...

This article is from: