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Regina Alonso
Regina Alonso Santos/SP
Sem perdão
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A coceira começava no ardor da tarde. A mãe vigiava, Menina, vá se lavar com água, sabão... e vinagre. A avó fazia o sinal da cruz e emendava, E troque a roupa de baixo.
O susto maior foi na primeira comunhão. Quando sentiu o olhar do padre, ao colocar a hóstia na sua boca, a pequena escutou ecoar na igreja, Você não é digna de receber a eucaristia! O sacerdote era Deus, o Cordeiro Imolado, tinha aprendido durante o catecismo, a duras penas... até sangrar, ajoelhada nos pedregulhos do jardim da igreja. As lembranças eram um tormento sem fim, aumentando na adolescência, quando as amigas começaram a se afastar.
Teimosa feito mula demorava a se convencer dos conselhos da mãe, especialmente quando a genitora recomendou, Filha, perdão a gente tem que pedir! Diante da própria imagem refletida no espelho do quarto, ela se perguntava, Perdão de que, minha mãe?
Em qualquer lugar o desejo se manifestava. A ardência era forte no quintal, quando via o arvoredo consumido de sol. Na sala, o movimento das sombras de pessoas desconhecidas e o brilho dos cristais retalhavam seu corpo nas partes intocadas.
Na festa de casamento da filha da vizinha, o bolo de vários andares exibia no alto, dois pombinhos brancos aos beijos, enquanto os noivos se olhavam constrangidos, sentados entre a mãe e sogra, que vigiavam sem disfarçar. Percebendo a cinta apertando o bucho cheio da noiva, a menina-moça perguntava, O que podia de pior acontecer? Com a cara suja de glacê do bolo, a molecada ria, apontando o barrigão e tomando cascudo.
De volta a casa, a mãe jogou longe o sapato de bico fino, o pai tirou a gravata e desatou a falar encarando a jovem bem no fundo dos
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olhos, Menina, deixa para fazer filho na hora certa. A gente é filho de Deus. A gente não é bicho.
Subiu correndo para o quarto e jogando-se na cama, soluçou, Ô pai, perdão! Não entendo... Sou igual à cadela do vizinho, sem nenhum controle! Se um homem me olha, sinto uma comichão tão forte. Não consigo disfarçar...
Hoje essa conversa é ‘para boi dormir’. Casada, a jovem tem uma penca de filhos, que lhe ocupam o dia todo. Não se queixa. Trabalha cantando, à espera da noite, quando a casa adormece em silêncio.
A porta do quarto abre. A mulher acorda ao sente o corpo do homem colado ao seu.
Pai, não quero perdão para o amor, que também é carne... e me dá prazer.