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Mônica Monnerat

Mônica Monnerat Santos/SP

Além do Palco

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Distribuídas em camarins, as meninas bailarinas corriam para lá e para cá, ajeitando os “tutus”, retocando a maquiagem, protegendo os pés para calçar as sapatilhas de ponta e rindo algumas vezes, de nervoso. Assim acontecia também com o Corpo de Baile Juvenil da prestigiada escola, reconhecida não só pela exigência e rigor, como também pelo nível técnico de excelente qualidade. De longe, eu observava aquela cena, e ao mesmo tempo recordava-me de mim, quando as apresentações estavam próximas. E constatava até um pouco surpresa que a emoção de uma estreia permanecia a mesma, mesmo diante de uma geração tão acostumada aos avanços tecnológicos. Num certo momento, uma das meninas do grupo fez uma expressão de pânico: havia esquecido o arranjo de flores dos cabelos em casa. O choro e o desespero foram inevitáveis. As companheiras ainda tentaram revistar o camarim, torcendo por um possível engano. Nada encontraram. Não daria para ligar para a casa da bailarina, pois além de o festival ser em outra cidade, seus pais já estavam acomodados na plateia aguardando a apresentação. Seguiu-se um silêncio sepulcral. Só se ouvia a respiração ofegante das meninas. Poderia até imaginar seus pensamentos: “E agora, o que faremos?”, “É uma competição, vamos perder pontos...”, “E a professora, o que fará conosco?” Subitamente, uma das meninas, já com sua coroa de flores pronta para ser colocada, timidamente falou: — E se cada uma tirasse somente uma flor de seu arranjo? Talvez conseguíssemos montar o enfeite da Bia... A aceitação foi imediata. Bia, que agora já se mostrava um pouco mais calma, enxugou as lágrimas. Em menos de 15 minutos, os arames contorcidos deram forma e graça ao enfeite. E com a habilidade especial que só a emergência proporciona, os espaços dos arranjos originais foram devidamente preenchidos, redistribuindo-se a distância entre as pequeninas flores.

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Ao passar pelo camarim para desejar-lhes boa sorte, notei que estavam eufóricas. Contaram-me o ocorrido (como se as paredes não tivessem ouvidos). Em seguida, despediram-se de mim rapidamente, pedindo que não contasse nada à professora. Em silêncio dirigiram-se às coxias, aguardando a vez. Desci para a plateia e assisti à performance. Estavam mesmo impecáveis, em todos os sentidos. Figurinos, adereços, coreografia, musicalidade, expressão e técnica em harmonia e beleza. Durante um breve intervalo que se seguiu após o número, permaneci sentada no mesmo lugar, pensando no quanto a dança contribui na formação de uma pessoa. E em vez daquele envolvimento sentimental que geralmente aflora quando algo muito sonhado dá certo, e que te impede de ver a situação de uma forma mais realista, parei para refletir sobre o momento de tensão vivido por elas há poucos minutos. No meio da situação difícil, do desafio, vi naquelas meninas amizade, espírito de iniciativa, solidariedade, sentido de colaboração, agilidade, união e alegria. Coisas que o ballet proporciona, e que na maioria das vezes o palco não mostra. Ah, e a disciplina para lidar com todos esses percalços... estava tudo lá, mas não se via: a coreografia, a roupa e a graça das meninas roubaram toda a cena. Aplaudi muito essas jovens bailarinas quando saiu o resultado: primeiro lugar. Ao serem anunciadas, radiantes, retornaram ao palco e fizeram a reverência. Ao saírem correndo como é de praxe, não perceberam, porém, a pequenina flor que se soltara, caída no palco, a testemunhar, discretamente, o percurso nem sempre suave, entre a dedicação e o aplauso...

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