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Teresa Azevedo

Teresa Azevedo Campinas/SP

O reencontro

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Naquela tarde eu saíra apressada para comprar algumas coisas no mercado mais próximo, pois em menos de uma hora receberia alguns amigos em casa. Eram dois casais, mas na verdade das quatro pessoas eu conhecia apenas três. Douglas e Anita foram meus padrinhos de casamento e Carla era minha amiga de infância, ela havia perdido o marido há dois anos quando moravam na Inglaterra, voltou para o Brasil recentemente e havia conhecido alguém que iria nos apresentar hoje.

Voltei para casa e guardava as compras quando o telefone tocou, era Michel, meu marido avisando que se atrasaria um pouco porque o trânsito estava parado. Ele, sempre tão atencioso com todos, estava aborrecido, pois provavelmente não estaria em casa quando nossos convidados chegassem. Retoquei a maquiagem, recompus-me para recebê-los e me sentei na sala, enquanto os aguardava comecei a ler um novo livro.

Eu mal havia terminado a primeira página quando a campainha tocou. Olhei na câmera e era Carla, quando abri a porta ela entrou apressada dizendo que precisaria usar o banheiro. Carla sempre passou apuros com sua bexiga hiperativa. Eu sorri e perguntei onde estava seu pretendente e ela, falando alto pelo caminho, disse que ele estava estacionando o carro, mal acabou de falar e quando eu me virei para aguardá-lo ele vinha caminhando cabisbaixo, com passos diminutos. Quando chegou mais perto, dei uma boa olhada nele como nós mulheres fazemos quando, curiosas, queremos avaliar se o pretendente de uma amiga está a sua altura. Apesar de ser noite, a forte luz do jardim me permitiu perceber que usava uma roupa sóbria, tinha os cabelos brancos, o rosto enrugado, os olhos pequenos, suas mãos eram trêmulas, enrugadas e manchadas e ele se apoiava com uma bengala. Carla havia dito que ele tinha passado por uma cirurgia no joelho recentemente, a postura encurvada rumo à

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terra, provavelmente por sentir dores ao caminhar. Era um homem idoso sem dúvida, muito mais velho que minha amiga e todos de nosso grupo, mas para mim tudo bem se ele a fizesse feliz. Quando ele levantou a cabeça para me cumprimentar tomou um susto, eu, a princípio não entendi, na verdade não o reconheci, pois aquele senhor em nada se parecia com o velho homem por quem eu fora tão apaixonada anos atrás, quando eu nem sonhava em conhecer Michel... Rodrigo, era seu nome, nos apaixonamos loucamente, porém a empresa onde ele trabalhava o transferiu para a Alemanha e, apesar dele querer se casar comigo e me levar para lá e eu saber que sofreríamos muito por estarmos separados, optei por seguir com meus sonhos aqui no Brasil. Como imaginado, nossa separação me causou uma dor tão grande que pensei que jamais passaria, meu peito ardia por tamanha dor, na época eu tinha vinte anos e ele quarenta e dois, nos correspondemos por um tempo, ele até voltou para o Brasil nas suas férias do ano seguinte e insistiu para que eu fosse com ele. Eu estava tentada em deixar tudo e ir, mas então perguntei se ele tinha estado com alguém durante o tempo em que estivemos separados e ele, com toda sinceridade que lhe era peculiar, disse que sim, mas que já não estavam mais juntos e que ela jamais havia tomado meu lugar. Entretanto, para mim aquilo era uma traição imperdoável, afinal ainda nos falávamos, fazíamos juras de amor, que hoje até acho que da parte dele também eram sinceras, mas não foi assim que pensei naquela época. Então fui taxativa, pedi que ele não voltasse nunca mais e que parasse de me escrever. Ele ainda escreveu mais algumas vezes e me telefonou reafirmando seu amor, dizendo que a mulher que ele amava era eu, porém de nada adiantou, ainda que eu o amasse com a mesma loucura... Fiquei sozinha por mais três anos e só quando conheci Michel e ele pacientemente foi se achegando, consegui me entregar novamente ao amor de modo pleno e absoluto. Desde então eu guardei Rodrigo com todas as boas lembranças em uma caixinha trancada lá no fundo da minha memória, em um local que, quando estamos felizes e completos em nossas vidas sequer nos lembramos que existe... Ali eu congelei sua imagem do nosso último encontro, quando seus cabelos eram negros, nem um pouco grisalhos, seu rosto sem rugas ou manchas senis, ele era

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um homem alto, forte e esguio, possuía um timbre de voz rouca e sensual, cuja melodia me causava arrepios, quando, enquanto suas mãos fortes me abraçavam ou afagavam meus cabelos, sua boca me beijava com tanto amor e paixão... Estranhei aquele homem estar impactado ao me ver, fixei meus olhos aos dele para tentar entender, até que ele com seu modo racional me falou com a mesma voz de outrora: — Assustou-se ao me ver assim tão velho e incapaz? Não se lembra mais de mim?

Fiquei sem graça e ele prosseguiu. — Se conseguir ultrapassar minha catarata, meus cabelos brancos e todo o peso da idade – sorriu – encontrará o homem que conheceu e amou.

Gelei, foi como se um filme passasse em minha mente de trás para frente e finalmente o reencontrei. Foram décadas de distância, dos dias e dias sonhando com o reencontro, desejando poder abraçá-lo novamente, sentir seu toque, ouvir sua voz. Fiquei tão impactada quanto ele e por um momento meu coração disparou, ele então pegou minha mão, olhou bem dentro dos meus olhos como sempre fazia, mas agora o reencontro parecia sem sentido, já não éramos NÓS há tanto tempo...Tínhamos outras vidas, com outras pessoas, tudo o que fora TUDO para mim, quiçá também para ele, já não era NADA além de boas lembranças...

Michel estacionou o carro no mesmo momento que Douglas e Anita chegaram, Carla então veio ao nosso encontro e disse: — Então todos já conheceram Rodrigo? Rô, não lhe disse que ia amar meus amigos? Ele olhou mais uma vez profundamente em meus olhos e disse: — Sim, e como eu AMEI...

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